Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0302/10
Data do Acordão:10/17/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
Sumário:I – O artigo 244º do CAC, agora artigo 24º do mesmo diploma legal, não afasta a possibilidade de as autoridades judiciais dos Estados Membros da EU adoptarem providências legais adequadas à garantia plena da eficácia do direito comunitário.
II – Não lhes está assim vedada a possibilidade de consagração de meio processual – providências cautelares – impugnatório de actos administrativos, com observância do regime geral de suspensão de eficácia desses actos, tal como previsto no n.º 2 do artigo 50º do CPTA, designadamente quando
III- Esteja em causa o pagamento de quantia certa, de natureza não sancionatória, e tenha sido prestada garantia por qualquer das formas previstas na lei, designadamente nas leis tributárias.
Nº Convencional:JSTA00067853
Nº do Documento:SAP201210170302
Data de Entrada:07/04/2012
Recorrente:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA PROC302/10 DE 2012/10/17 - AC STA PROC22647 DE 1998/04/01.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC ADUAN CONT - EXECUÇÃO.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART99 ART284.
LPTA85 ART130 N2.
CPTA02 ART50 N2.
Legislação Comunitária:CADUCOM92 ART244.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0733/09 DE 2010/05/19; AC STAPLENO PROC0485/02 DE 2003/05/08; AC STA PROC022647 DE 1998/04/01; AC STA PROC010/05 DE 2005/03/02
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-1/99 DE 2001/01/11
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII PAG174-175.
AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAG254-256.
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Inconformada agora com o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que lhe negou provimento a recurso que antes interpusera do despacho proferido pelo M.mo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, o qual, por sua vez, considerara ter a impugnação judicial efeito suspensivo quanto à executoriedade do acto tributário objecto dos presentes autos, relativo a direitos aduaneiros, em virtude de a Impugnante ter prestado garantia bancária, dele interpôs o presente recurso, por oposição de acórdãos, a Fazenda Pública.

Por despacho de fls. 685 foi este recurso admitido, por oposição de acórdãos, a processar nos termos do art.º 284º do CPPT, e, do mesmo passo, notificada a Recorrente para os efeitos do disposto no citado art.º 284 n.º 3.

Na sequência desta notificação a Recorrente Fazenda Pública veio aos autos apresentar as suas alegações tendentes a demonstrar a invocada oposição com o acórdão da mesma Secção, do passado dia 01.04.1998, tirado no processo n.º 22.647, já transitado e publicado na folha oficial de 06.04.2001.

Não foram apresentadas quaisquer contra alegações e, depois, por despacho do Juiz Relator de fls. 700 e 701, foi decidido que se encontram preenchidos os pressupostos de admissão do recurso previsto no artigo 284º do CPPT por oposição de acórdãos e ordenada a notificação das partes para alegarem nos termos e no prazo referido no artigo 282º n.º 3 do CPPT ( n.º 5 do artigo 284º do CPPT ).

Adiante e na sequência desta notificação apenas a Recorrente apresentou alegações tendentes agora a demonstrar a bondade da tese sufragada no acórdão invocado como fundamento, pugnando, a final, pela revogação do acórdão recorrido e pela fixação de jurisprudência que dê antes acolhimento a esta tese, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

1) O art.º 244º do CAC, que sujeita a suspensão de execução de actos praticados pelas autoridades aduaneiras à verificação de determinadas condições ou requisitos para além da prestação de uma garantia, designadamente a existência de dúvidas sobre a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou o receio de um prejuízo irreparável para o interessado, enquanto disposição de Direito Comunitário, constante de regulamento comunitário, é directamente aplicável na ordem jurídica portuguesa, por força dos Tratados da União Europeia e da própria CRP, encontrando-se abrangido pelo princípio do primado do Direito Comunitário;
2) Como tal, este regime prevalece sobre quaisquer normas de direito nacional de sentido contrário, mormente o n.º 2 do art.º 50º do CPTA, que condiciona a suspensão de eficácia de determinados actos administrativos objecto de impugnação à mera prestação de garantia;
3) O Acórdão do TJCE proferido no processo n.º C-1/99 não poderá ser interpretado no sentido de autorizar os órgãos jurisdicionais nacionais a não proceder à verificação das condições previstas no art.º 244º do CAC, uma vez que este acórdão foi proferido em sede de reenvio prejudicial e que a questão aí colocada pelo tribunal italiano, e a respectiva resposta do TJCE, se reportavam apenas à matéria da competência para decretar a suspensão da execução, tendo o TJCE interpretado a norma no sentido de também os órgãos jurisdicionais, para além das autoridades aduaneiras, o poderem fazer, sem se ter, no entanto, pronunciado sobre as condições ou requisitos do instituto da suspensão de execução;
4) Não existindo qualquer norma de Direito Comunitário ou jurisprudência comunitária de natureza interpretativa que habilitem os órgãos jurisdicionais nacionais à não observância das condições impostas pelo art.º 244º do CAC no decretamento da suspensão de execução de actos de liquidação de direitos aduaneiros, e uma vez que esta norma não deixa qualquer margem de livre apreciação aos Estados Membros, não poderão estes desaplicá-la a favor da aplicação de normas de direito nacional que disponham em sentido diverso.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e Pleno da Secção emitiu depois bem fundamentado parecer opinando pelo não provimento do recurso e consequente confirmação do sindicado julgado, com base no sufragado entendimento de que, em síntese e fundamentalmente, a doutrina do acórdão recorrido traduz a adesão ao valor justiça-equidade (com expressão próxima no princípio constitucional da igualdade, impregnado de densidade ética intrínseca), devendo prevalecer sobre a doutrina do acórdão fundamento, ancorada na adesão ao princípio do primado do direito comunitário, sem densidade ética, na medida em que apenas visa a construção harmoniosa de um coerente ordenamento jurídico transnacional.

Tomados os vistos legais e porque nada obsta, cumpre decidir.

Vem reconhecida e não questionada a verificação da necessária oposição de acórdãos.

Tal decisão, porém e como repetida e uniformemente vem afirmando a jurisprudência deste Tribunal Pleno – cfr. por todos o acórdão de 19.05.2010, processo n.º 733/09 -, não só não faz, sobre o ponto, caso julgado, pois apenas releva em sede de tramitação/instrução do respectivo recurso, como, por isso, não obsta a que o Tribunal Superior proceda à reapreciação da necessária verificação daqueles pressupostos processuais e porventura considere antes que aquela oposição se não verifica ocorrer e, em consequência, julgue findo o recurso.

Ora, reapreciando como cumpre, importa se consigne que, como, aliás sem controvérsia, se decidiu pelo despacho de fls. 700 e 701, se encontram efectivamente preenchidos os pressupostos processuais do recurso previsto no artigo 284º do CPPT, por oposição de acórdãos,

Uma vez que, perante o mesmo quadro factual (dívidas de direitos aduaneiros objecto de impugnação judicial deduzida nos termos da legislação processual tributária) e legal (normas jurídicas de idêntico teor, os dois arestos produziram soluções opostas quanto à aplicabilidade de normas de direito processual administrativo nacional relativas à suspensão de eficácia de actos impugnados de liquidação de direitos aduaneiros, decidindo-se no acórdão recorrido pela aplicação do art.º 50º n.º 2 do CPTA enquanto no acórdão fundamento se decidira pelo afastamento da aplicação do art.º 130º n.º 2 da LPTA, face ao primado do artigo 244º do CAC.

Nada obsta pois ao conhecimento de mérito.

Ora, como os autos proficientemente evidenciam, no acórdão recorrido considerou-se que o art. 244º do CAC não afasta a possibilidade de as autoridades judiciais de os Estados-Membros da União Europeia adoptarem providências cautelares adequadas à garantia da plena eficácia do direito comunitário, determinando a suspensão da execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas de recursos próprios comunitários (como os direitos aduaneiros), com observância do regime geral de suspensão da eficácia dos actos administrativos previsto no nº 2 do art. 50º do CPTA; ou seja, considerou-se que o mecanismo previsto no nº 2 deste artigo 50º do CPTA (que determina um efeito suspensivo automático decorrente da impugnação de actos administrativos, ainda que condicionado à prestação de garantia) é aplicável à impugnação judicial de actos de liquidação de direitos aduaneiros, deduzida nos termos do art. 99º e seguintes do CPPT, não se exigindo a verificação dos requisitos adicionais previstos no art. 244º do CAC para a suspensão da execução de actos das autoridades aduaneiras.

E, por sua vez, no acórdão fundamento, proferido pela Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, em 01.04.1998, processo nº 22.647, reportado embora à aplicação do nº 2 do art. 130º da LPTA (norma de teor idêntico ao actual nº 2 do art. 50º do CPTA), concluiu-se que, face ao primado dos regulamentos comunitários sobre o direito interno, a aplicação do disposto no art. 244º do CAC teria de prevalecer quando em confronto com o direito interno estatuído e caso haja oposição de regimes.

E nem o facto de o acórdão fundamento ter sido proferido na vigência da anterior lei de processo (LPTA) e o acórdão recorrido ter sido proferido já no âmbito da vigência do CPTA obsta a que se julguem verificados os pressupostos de admissão do presente recurso por oposição de acórdãos, porquanto, como, de resto, já se decidiu no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, por acórdão de 05.08.2003, recurso n.º 485/02, para efeitos de verificação dos pressupostos do recurso por oposição de julgados, a mera sucessão de diplomas legais não traduz uma alteração da regulamentação jurídica de determinada questão concreta, muito menos uma alteração substancial, se as respectivas disposições a ela atinentes se mantiverem, em ambos os diplomas, inalteradas ou sem alterações significativas, resultando a diversidade das soluções perfilhadas de uma diferente interpretação do respectivo regime jurídico.

Ora, no caso, é evidente a similitude das normas em causa, a saber: o nº 2 do art. 130° da LPTA e o nº 2 do art. 50° do CPTA.

Quer dizer, perante o mesmo quadro factual (dívidas de direitos aduaneiros objecto de impugnação judicial deduzida nos termos da legislação processual tributária) e legal (normas jurídicas de idêntico teor), os arestos em cotejo acolheram entendimento díspar e proferiram decisões consagrando soluções opostas quanto à controvertida questão da aplicabilidade de normas de direito processual administrativo nacional relativas à suspensão de eficácia de actos impugnados de liquidação de direitos aduaneiros.

Com efeito, no acórdão recorrido decidiu-se pela aplicação do nº 2 do art. 50° do CPTA, enquanto no acórdão fundamento se decidira no sentido de afastar a aplicação do nº 2 do art. 130° da LPTA, face ao primado do artigo 244° do CAC.

Importa assim, agora, afrontar e decidir a questão suscitada: a de saber se o mecanismo previsto no nº 2 deste art. 50º do CPTA (que determina um efeito suspensivo automático decorrente da impugnação de actos administrativos, ainda que condicionado à prestação de garantia) é aplicável à impugnação judicial de actos de liquidação de direitos aduaneiros, deduzida nos termos do art. 99º e ss. do CPPT, não se exigindo a verificação dos requisitos adicionais previstos no art. 244º do CAC para a suspensão da execução de actos das autoridades aduaneiras.

Na tese da Recorrente Fazenda Pública, aqui representada pelo Director-Geral das Alfândegas, o art. 244° do CAC [que sujeita a suspensão de execução de actos praticados pelas autoridades aduaneiras à prestação de garantia e à verificação de determinadas condições ou requisitos (existência de dúvidas sobre a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou o receio de um prejuízo irreparável para o interessado)], enquanto disposição de Direito Comunitário, constante de regulamento comunitário, é directamente aplicável na ordem jurídica portuguesa, por força dos Tratados da União Europeia e da própria CRP, encontrando-se abrangido pelo princípio do primado do Direito Comunitário.

Daí que deva esse regime prevalecer sobre quaisquer normas de direito nacional de sentido contrário, mormente o nº 2 do art. 50º do CPTA, que condiciona apenas a suspensão de eficácia de determinados actos administrativos objecto de impugnação à mera prestação de garantia,

Uma vez que, não existindo norma de Direito Comunitário ou jurisprudência comunitária de natureza interpretativa que habilite os órgãos jurisdicionais nacionais à não observância das condições impostas pelo art. 244° do CAC no decretamento da suspensão de execução de actos de liquidação de direitos aduaneiros, não poderão os Estados Membros desaplicá-la a favor da aplicação de normas de direito nacional que disponham em sentido diverso.

Esta é, aliás, com efeito, a argumentação constante do acórdão invocado como fundamento – o acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 01/04/1998, processo nº 22.647, - e de outros da mesma Secção e Tribunal que o precederam – cfr. os acórdãos de 28/1/1998, processo n.º 22.401; de 4/2/1998, processo n.º 22.429; de 1/4/1998, processo n.º 21.443; e de 2/3/2005, processo n.º 10/05 -.

Por sua vez, no sindicado acórdão, o acórdão recorrido, deu-se antes e bem acolhimento a entendimento que, sem questionar ou pôr em causa a aplicação do disposto no art.º 244º do CAC, em sede de recursos próprios comunitários, considerou que este preceito não afasta a possibilidade de as autoridades judiciais dos Estados Membros da União Europeia adoptarem as providências cautelares adequadas à garantia da plena eficácia do direito comunitário, designadamente determinando a suspensão da execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas de recursos próprios comunitários (como os direitos aduaneiros) com observância do regime geral de suspensão de eficácia dos actos administrativos, previsto no artigo 50º, n.º 2 do CPTA.

E em abono da tese acolhida convocou-se, em primeiro lugar o sentido decisório do Acórdão do TJCE de 11.01.2001, processo C-1/99, e ainda o entendimento concordante de Jorge Sousa, in CPPT anotado e comentado, II volume, pags. 174 e 175, em nota ao art.º 169º n.º 10 deste compêndio adjectivo, bem assim como a opinião de Mário Aroso Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, pags. 254 a 256, em comentário ao disposto no art.º 50º n.º 2 deste código de processo, atinente à suspensão de eficácia de actos administrativos relativos a pagamento de quantia certa, de natureza não sancionatória, e tenha sido prestada garantia.

Como vem de dizer-se, é contra este entendimento que continua a insurgir-se a Fazenda Pública, nos termos das transcritas conclusões do presente recurso jurisdicional.

Mas sem razão.

Com efeito e como bem esclarecidamente aponta o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal o quadro axiológico-normativo subjacente a qualquer sistema jurídico de um Estado de direito, integrado por componentes ordenadas hierarquicamente em que avultam valores estruturantes do sistema - e que lhe conferem densidade ética -, princípios (corolários mais ou menos indissociáveis dos valores que pretendem exprimir e concretizar, com densidade ética intrínseca ou meramente instrumentais) e regras (meras expressões procedimentais ou processuais visando a operacionalização dos princípios), a doutrina do acórdão recorrido, [traduzindo a adesão ao valor justiça-equidade (com expressão próxima no princípio constitucional da igualdade e na densidade ética que o caracteriza) que sairia violado no caso de pressupostos distintos para a suspensão da eficácia de actos tributários aduaneiros e não aduaneiros, sem fundamento material bastante, face à eliminação em ambas as situações do risco de não arrecadação da receita, em consequência da prestação de garantia adequada - nº 1 do art. 13° da CRP], também por esta perspectiva é de acolher, em confronto com o acórdão fundamento, ancorado, essencialmente, na adesão ao princípio do primado do direito comunitário, sem significativa densidade ética, na medida em que apenas visa a construção harmoniosa de um coerente ordenamento jurídico transnacional. (sublinhado ousadamente nosso)

Acresce ainda que, mesmo face às próprias regras do direito comunitário se impõe a solução jurídica adoptada no acórdão recorrido.

Com efeito, ainda de acordo com o sábio ensinamento de Jorge Sousa, «em face do carácter vinculativo para os tribunais nacionais que tem sido reconhecido às decisões do TJCE, que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 234° do Tratado de Roma - anterior art. 177°, ( . ) é de concluir que, a nível do direito comunitário, não há obstáculo a que, para além da possibilidade de obterem a suspensão de eficácia de acto administrativo ou tributário em matéria aduaneira prevista neste art. 244º, os interessados utilizem os meios cautelares previstos no direito nacional, no âmbito de processos de impugnação contenciosa e (os tribunais) terão mesmo o dever de suspender a eficácia de actos, se tal for necessário para garantir a observância do direito comunitário.
Sendo assim, apesar de, no direito nacional, a aplicabilidade do regime do CAC e o afastamento do regime do direito interno em matéria de suspensão de eficácia estarem expressamente reconhecidos, relativamente aos actos de liquidação de quantias respeitantes a receitas tributárias aduaneiras, no n° 6 do art. 169° do CPPT, em que se estabelece que o regime de suspensão da execução fiscal aí previsto não se aplica às dívidas de recursos próprios comunitários, ficará em aberto a possibilidade de no processo judicial serem aplicadas outras providências cautelares que forem consideradas adequadas, inclusivamente a suspensão de eficácia nos termos gerais previstos no CPTA, pois aquele n° 6, se fosse entendido como uma proibição absoluta de os tribunais suspenderem a eficácia de actos daquele tipo, enfermaria de inconstitucionalidade indirecta, por violar o direito comunitário, hierarquicamente superior, por força do disposto no art. 8°, n° 4, da CRP.» (nossa ainda a ousadia do sublinhado)

Não merece pois qualquer censura o sentido decisório do impugnado acórdão que, por isso mesmo, é de confirmar, improcedendo, antes e consequentemente, todas as conclusões do presente recurso.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso, assim confirmando o acórdão recorrido.

Sem custas, por delas, ao tempo - data da impugnação (8/9/2003) –, estar isenta a Fazenda Pública.

Lisboa, 17 de Outubro de 2012. – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – João António Valente Torrão – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro (com voto de vencido) – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (vencida conforme decl. voto Conselheiro Lino Ribeiro) – Joaquim Casimiro Gonçalves.


Voto de vencido.

Discordo da decisão, por entender que o efeito suspensivo da eficácia dos actos de liquidação de receitas tributárias aduaneiras praticados ao abrigo do CAC não depende automaticamente da prestação de garantia idónea, mas da decisão administrativa ou judicial que considere verificados os requisitos referidos no artigo 244° do CAC.
Esta norma faz depender a suspensão da execução (rectius, eficácia) do fumus boni iuris (a existência de dúvidas sobre a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira) e o periculum in mora (receio de um prejuízo irreparável) e não apenas da prestação de garantia idónea. A norma do número 10 do artigo 169° do CPPT, ao afastar a aplicação das normas do mesmo artigo às dívidas de recursos próprios comunitários, a contrario está a dizer que a suspensão da execução dessas dívidas não se faz apenas através da prestação de garantia idónea.
Deste modo, a aplicar-se a norma do n° 2 do artigo 50° do CPTA relativa à suspensão dos actos administrativos que impliquem o pagamento de uma quantia, existiria antinomia inultrapassável entre as duas normas. Como aquela é especial relativamente a esta, por estatuir sobre uma espécie de actos administrativos, deve considerar-se que a prestação de garantia não é suficiente para suspender a execução daquela espécie de actos, sem necessidade sequer de se recorrer ao princípio do primado do direito comunitário, previsto no n° 4 do artigo 8° do CRP.
É evidente que, sob pena de inconstitucionalidade, tal proibição não é obstáculo a que se solicite a providência cautelar de suspensão de eficácia prevista nos artigos 120º e ss. do CPTA, com fundamento na verificação dos requisitos previstos no artigo 244° do CAC, que não diferem substancialmente dos previstos naquele artigo. E não se vê que a exigência destes requisitos, apesar de se tratar de um acto que versa sobre uma quantia, desrespeite os princípios fundamentais do Estado de direito democrático, aí incluindo o princípio da igualdade, porque se trata de normas comunitárias reguladoras de actos com especificidades próprias relativamente aos demais.
Lisboa, 17 de Outubro de 2012.
Lino José Batista Rodrigues Ribeiro