Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0597/09.0BECBR
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:QUESTÃO NOVA
AQUISIÇÃO DE PREDIO PARA REVENDA
CEDÊNCIA GRATUITA DE PARCELAS DE TERRENO
Sumário:I - O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895), que não o modelo de reexame. Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes dos Tribunais Superiores, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
II - Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g. as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g. excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g. prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário).
III - A cedência gratuita de parcelas de terreno adquirido para revenda, sem prejuízo de configurar uma condicionante indispensável à obtenção do alvará de licenciamento municipal, constitui motivo de caducidade da isenção do antigo imposto de SISA, tal como do actual I.M.T. (aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), dado configurar um "destino diferente" da revenda do imóvel adquirido (cfr.artº.16, 1º., do C.Sisa; artº.11, nº.5, do C.I.M.T.). Esta posição tem sido, de resto, uniformemente afirmada pela jurisprudência da Secção deste Tribunal a qual, embora proferida no âmbito da vigência do Código da Sisa, mantém plena actualidade.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27205
Nº do Documento:SA2202102170597/09
Data de Entrada:11/27/2020
Recorrente:A........................., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A………………., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Coimbra, exarada a fls.252 a 261 do processo, a qual julgou parcialmente procedente a presente impugnação pela sociedade recorrente intentada e tendo por objecto os actos de liquidação de I.M.T. e juros compensatórios, relativos ao ano de 2005 e no montante total de € 91.635,57.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.223 a 247 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-No caso de aquisição prédio rústico para revenda com isenção do IMT, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, 5.º, n.ºs 1 e 2 e 12.º, n.º 1 do CIMTI, a obrigação de imposto apenas se constitui a quando da caducidade da isenção, nos termos do art.º 11.º, n.º 5 do CIMTI, por a eficácia jurígena dos factos tributários se achar suspensa;
2-É, exactamente, nesta linha de entendimento que se explica que o art.º 34.º do CIMTI disponha que a liquidação do IMT [e que se consubstancia no acto administrativo tributário que constitui o título formal da obrigação tributária que define a situação tributária do sujeito passivo na sede do respectivo IMT] apenas tenha de ser solicitada no prazo de 30 dias, “no caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas”;
3-A existência de um deferimento temporal entre o momento da aquisição do prédio adquirido para revenda e o momento da revenda e a circunstância deste interregno poder demandar a prática de benfeitorias necessárias e úteis relativamente ao prédio impõe que o conceito de revenda do prédio constante do art.º 11.º, n.º5 do CIMTI, não possa ser havido como seja condição da não caducidade da isenção que o prédio tenha de ser revendido sem que lhe tenham sido efectuadas quaisquer alterações;
4-Do mesmo passo, não tendo a revenda do prédio adquirido para revenda com isenção de IMT advir simplesmente do exercício de uma mera actividade comercial de intermediação de negócios de compra e venda, mas podendo advir, também, do exercício de outras actividades comerciais e industriais, que podem aumentar-lhe, porventura até substancialmente, o seu valor e constituírem fonte de outros rendimentos tributáveis, impôs-se como solução demandada, axiológica e teleologicamente, que o conceito de dação de destino diferente ao prédio adquirido para revenda e com isenção de IMT, definido, no art.º 11.º, n.º5 do CIMTI, como pressuposto da caducidade da isenção do IMT, a par de outros elementos, como o prazo, visse, sucessivamente, alargado o âmbito do seu sentido normativo (cf. Despachos Administrativos e Acórdão do Pleno do STA, referidos no texto);
5-Entre os alargamentos do sentido de não determinar a concretização de um destino diferente do da revenda, revenda esta tomada como escopo da aquisição no momento em que esta se verificou – que se ocorreram na doutrina administrativa e na jurisprudência – avulta a de não considerar-se destinação diferente da de revenda o loteamento de prédio adquirido para revenda com isenção de IMT (Sisa) e a revenda dos lotes constituídos, dentro do prazo de três anos (Ofício-Circular n.º D-2/91, de 17 de Junho);
6-Ao contrário, porém, do entendido neste Ofício-Circular n.º D-2/91, não constitui dar um destino diferente à área do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de IMT, a cedência gratuita, para o domínio público municipal, efectuada, no procedimento de loteamento do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de IMT, que foi autorizado administrativamente e em relação ao qual foi emitido o respectivo alvará de loteamento, ao abrigo dos art.ºs 43.º e 44.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), constante da Lei n.º 4-A/2003, de 19/2, na versão vigente à data dos factos tributários, das parcelas de terreno do prédio rústico e dele destacadas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos;
7-De acordo com o art.º 2.º, alínea i) da Lei n.º 4-A/2003, de 19/2, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), na versão vigente à data dos factos tributários constitutivos da caducidade da isenção, constituem “«Operações de loteamento», as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”. Ora, em face desta formulação legal e da sua axiologia, nada impede que as operações de loteamento não abarquem todo o prédio rústico, podendo as mesmas cingir-se apenas a uma parte dele, ou, ao contrário e também, abranger outro ou outros prédios ou partes destes;
8-Por força do alvará de loteamento o prédio rústico loteado é reparcelado, tendo ficado fora das operações do loteamento a área de 531.275m2, segundo emerge da alínea G) do probatório da sentença recorrida (pp. 7);
9-Abrangidas pelo loteamento ficaram, apenas, as áreas correspondentes à totalidade dos lotes que foram constituídos no prédio rústico, bem como as áreas que foram cedidas gratuitamente à Câmara Municipal de Coimbra para o efeito da implantação de espaços verdes, de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, ou seja, respectivamente, as áreas de 46.392 m2 e 54.133 m2 [(alínea G) do probatório, c)];
10-Deste modo, o valor dos lotes e sobre cujo valor de transmissão incide o IMT, face ao disposto art.º 1.º, n.º 2 do CIMTI e nos art.ºs 2.º e 6.º, n.º do CIMI, é um valor unitário e incindível que não distingue, na sua essencialidade de objecto jurídico, a parte do valor do lote que advém da área de terreno que lhe corresponde, advinda do parcelamento do prédio rústico, e a parte do valor do mesmo prédio rústico que se funde com o outro valor adveniente da área de terreno destinado à implantação dos espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos;
11-Temos, assim, que o valor económico do objecto jurídico do lote que é traduzido pelo preço de transmissão do lote de terreno revendido – e sobre o qual incide o IMT, nos termos do art.º 2.º do CIMT – é uma unidade jurídica incindível em cuja composição entram, sem distinção de partes ou elementos essenciais, os valores fundados nas utilidades da área de terreno do lote e nas utilidades satisfeitas pelas áreas de terreno que integram os espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos: deste modo, estas últimas áreas constituem elementos essenciais e incindíveis do valor da unidade jurídica constituída pelo lote de terreno: sem a existência e a colocação das utilidades propiciadas por essas áreas de cedência de implantação de espaços verdes, de utilização colectiva, infra-estruturas viárias equipamentos, a área do lote de terreno resultante do parcelamento do prédio rústico e a sua natureza jurídica, dispensam uma utilidade jurídica completamente distinta e têm um valor substancialmente diferente;
12-Numa interpretação integrada dos preceitos do RJUE identificados nas alegações, deve concluir-se, com certeza científica, que os lotes provenientes do loteamento do prédio rústico a que aludem as alíneas A) e G) do probatório da sentença recorrida, susceptíveis de ser revendidos, incorporam, incindivelmente, com a sua área, também as utilidades de fruição económico-jurídica próprias do direito de propriedade previstas no art.º 1305.º do Código Civil, que são passíveis de ser também propiciadas pelas áreas que são destinadas à implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas viárias e equipamentos que são cedidos gratuitamente à Câmara Municipal e passam, automaticamente, a integrar o domínio público municipal, com a emissão do alvará de loteamento, sem perda dessa dominiabilidade;
13-Nesta linha de argumentação entende-se que a revenda dos lotes, dentro do prazo de três anos, obstativa da caducidade da isenção do IMT do prédio adquirido para esse fim, na parte correspondente aos lotes advindos do loteamento do prédio rústico, não pode deixar de ser entendido como abrangendo, enquanto elemento incindível da sua utilidade, o valor correspondente à área de cedência efectuada à CMC, de 54.133 m2 e valor tributável de 159.365,91€;
14-Mas, independentemente do que vem sendo dito, sempre existe uma outra razão para considerar as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas que, de acordo com a lei ou autorização de loteamento, devam integrar o domínio público municipal, nos termos previstos nos art.ºs 43.º e 44.º do RJUE, em caso de loteamento de prédio rústico adquirido para revenda com isenção de IMT, como é a situação dos autos, como estando isentas de tributação em IMT, ao abrigo do disposto no art.º 6.º do CIMT;
15-Na verdade, por força do procedimento de loteamento e das operações do loteamento do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de IMT opera-se, com a emissão do alvará, uma alteração substancial do contrato de aquisição do prédio rústico que foi loteado, em termos do objecto do mesmo, pois a área total do prédio rústico, que ficou pertença do seu adquirente, ficou diminuída da parte das áreas consignadas à cedência para o domínio público, operando-se uma redução do negócio jurídico por via legal impositiva;
16-Dentro desta mesma linha de raciocínio pode considerar-se que a área de cedência, constituindo uma obrigação pública imposta ao loteador, em favor do Município, prevista no RJUE, não pode, simultaneamente, ser havida como transmissão a título oneroso para efeitos de incidência objectiva em sede de IMT. E não estando ainda efectuada a liquidação do IMT, por não ocorrida a caducidade da isenção, tendo em conta o disposto nos art.ºs 34.º e 35.º do CIMTI, o ajustamento do imposto à expressão quantitativa do facto tributário não é mais do que uma redução legal do contrato de aquisição do imóvel, feita em tempo;
17-Ora, esta imposição do município, que pode ter a natureza de compensação em numerário ou em espécie, corresponde a uma revenda feita ao município da parte cedida “para a implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e das infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença de autorização de loteamento, devam integrar o domínio municipal”, sendo o respectivo preço (do lado do município) pago anteriormente ao transmitente, em favor do município, pelo adquirente do prédio, a quando da aquisição do prédio para revenda, depois sujeito a loteamento, deixando esse adquirente de ser proprietário dessas parcelas cedidas por via da emissão administrativa do alvará de loteamento;
18-Estamos perante um verdadeiro contrato a favor de terceiro (o município), que cabe no tipo recortado no art.º 443.º do Código Civil. Ao falar de cedência gratuita, o legislador do RJUE está a referir-se à relação jurídica concernente à transferência da propriedade que intercede entre a autoridade administrativa e o proprietário interessado no loteamento, esquecendo que tais parcelas de propriedade foram antes adquiridas pelo loteador para serem cedidas em favor do município e sendo o respectivo preço pago por aquele;
19-Ora, a esta transferência de propriedade adquirida para o domínio público do município representa uma (re)venda em favor do município, em que o preço da aquisição em favor do município é suportado pelo adquirente do prédio para revenda, sendo que os efeitos jurídicos relativos à transferência das parcelas da propriedade envolvidas na cedência são exactamente os mesmos;
20-Sem conceder com o já alegado, embora fale de uma cedência gratuita ao município, por parte dos proprietários e demais titulares de direitos reais, “das parcelas para a implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e das infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença de autorização de loteamento, devam integrar o domínio municipal”, a natureza dessa cedência para o cedente (proprietário ou outros titulares de direitos reais acaba por se traduzir em uma cedência onerosa, ou que é feita mediante contrapartida económica que é traduzida pela perda do valor económico correspondente ao da área da cedência do prédio como meio de conseguir a aprovação do loteamento, sendo a definição em concreto dessa cedência imposta pela própria administração;
21-A natureza onerosa dessa cedência infere-se, igualmente, pela imposição ao proprietário de uma “compensação em numerário ou em espécie nos termos definidos em regulamento municipal”, nas situações que estão previstas no n.º 4 do art.º 44.º do RJUE, na versão vigente ao tempo (quando o prédio já está servido de infra-estruturas e nas outras situações aí referidas);
22-Perante o exposto, tendo a aqui recorrente A…………… Lda procedido à cedência para o município da parcela de terreno, que fazia parte integrante do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de IMT, dentro do prazo de caducidade da isenção, como resulta do probatório da sentença recorrida [(pp. 6; alínea G), b)], sempre terá de considerar-se essa parcela “destinada às implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos” e integrante do domínio público municipal, como havendo sido revendida dentro do prazo de caducidade e, decorrentemente, não ser devido o IMT incidente sobre essa parte do prédio adquirido.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo, emitindo douto parecer no qual conclui pelo não provimento do recurso (cfr.fls.266 a 269 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.252-verso a 256 do processo físico):
A-No dia 12.01.2005 foi celebrada “escritura de compra e venda”, na qual figuram como outorgantes os “sócios e gerentes” da Impugnante, e da qual consta conforme segue:
«(…)





(…)» - conforme documentos a folhas 44 a 46 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B-No dia 31.05.2005 foi celebrada “escritura de rectificação” da qual consta conforme segue:
«(…)








teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C-Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, incidente sobre o ano de 2005 – conforme documentos a folhas 1 e 2 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D-No âmbito da ação inspetiva a que se alude em C) foi elaborado “Projecto de Correcções”, datado de 15.05.2009 – conforme documento a folhas 2 a 4 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E-Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Coimbra, remeteram à Impugnante e respetivo mandatário, ofícios com vista à notificação do teor do “Projecto de Correcções” a que se alude em D) – conforme documentos a folhas 5 a 7 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F-Em 25.05.2009 foi remetido à Direção de Finanças de Coimbra, e aí recebido em 26.05.2009, requerimento em nome da Impugnante com vista a exercer o seu “Direito de Audição” – conforme documentos a folhas 8 a 38 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G-No âmbito da ação inspetiva a que se alude em C) foi elaborado “Relatório/Conclusões” (RIT), datado de 04.06.2009, do qual consta conforme segue:
«(…)





(…)» - conforme documentos a folhas 39 a 64 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

H-A Direção de Finanças de Coimbra remeteu à Impugnante e respetivo mandatário ofícios datados de 12.06.2009, sob o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária (…)” – conforme documentos a folhas 65 e 66 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I-O Serviço de Finanças de Coimbra 2 dirigiu à Impugnante ofício datado de 19.06.2009, sob o assunto “Liquidação de IMT na Sequência de Acção Inspectiva”, do qual consta conforme segue:
«(…)


(…)» - conforme documentos a folhas 79 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J-O ofício a que se alude em I) foi recebido em 02.07.2009 – conforme documentos a folhas 79 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K-A petição inicial da Impugnação foi remetida por correio ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, tendo aí sido recebida em 22.07.2009 – conforme registo do SITAF a folhas 1 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
X
A sentença recorrida considerou como factos não provados: "…Inexistem…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou parcialmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou as liquidações de juros compensatórios impugnadas identificadas na al.I) do probatório supra, mais mantendo as liquidações de I.M.T., porque estruturadas de acordo com a lei.
X
Recorde-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que não consubstancia o dar um destino diferente à área do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de I.M.T., a cedência gratuita, para o domínio público municipal, efectuada no procedimento de loteamento do prédio rústico em causa, sendo autorizado administrativamente e em relação ao qual foi emitido o respectivo alvará de loteamento pela Câmara Municipal de Coimbra. Que no conceito de revenda do prédio constante do artº.11, nº.5, do C.I.M.T., não pode ser havido como condição da não caducidade da isenção que o prédio tenha de ser revendido sem que lhe tenham sido efectuadas quaisquer alterações. Que as mesmas parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas que, de acordo com a lei ou autorização de loteamento, devam integrar o domínio público municipal, em caso de loteamento de prédio rústico adquirido para revenda com isenção de I.M.T., como é a situação dos autos, estão isentas de tributação ao abrigo do disposto no artº.6, do C.I.M.T. Que a cedência para o município da parcela de terreno, que fazia parte integrante do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de I.M.T., sempre terá de considerar-se como havendo sido revendida dentro do prazo de caducidade e, consequentemente, não ser devido o tributo incidente sobre essa parte do prédio adquirido (cfr. conclusões 1 a 22 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Antes de mais, se dirá que a sociedade impugnante e ora recorrente, se bem compreendemos as conclusões da apelação, pretende questionar nesta instância somente a liquidação de I.M.T. no montante de € 7.968,30, tendo por base o valor tributável de € 159.365,91 e por facto tributário a cedência, para o domínio público e à Câmara Municipal de Coimbra, de 54.133 m2 pertencentes a um prédio rústico por si anteriormente adquirido (cfr. als.G) e I) do probatório supra). Nesta sede, em síntese, defende que não consubstancia o dar um destino diferente à área do prédio rústico adquirido para revenda com isenção de I.M.T. (para efeitos de enquadramento na previsão do artº.11, nº.5, do C.I.M.T.), a cedência gratuita, para o domínio público municipal, efectuada no procedimento de loteamento do prédio em causa.
A questão acabada de circunscrever não foi invocada no articulado inicial da presente impugnação em 1ª. Instância (cfr. articulado inicial constante de fls.2 a 65 do processo físico), pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal "a quo", surgindo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, não sendo matéria de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895), que não o modelo de reexame, o qual permite a repetição da instância no Tribunal de recurso. Daí que o Tribunal "ad quem" deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal "a quo", baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes dos Tribunais Superiores, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal "ad quem" as preclusões ocorridas no Tribunal "a quo". Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.J., 25/02/1993, proc.83552; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/01/1992, rec.13331; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/05/2013, rec.552/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1409/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.109 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.45). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g. as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal "ad quem" pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g. excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g. prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Apesar do acabado de exarar, sempre será de vincar que a cedência gratuita de parcelas de terreno adquirido para revenda, sem prejuízo de configurar uma condicionante indispensável à obtenção do alvará de licenciamento municipal, constitui motivo de caducidade da isenção do antigo imposto de SISA, tal como do actual I.M.T. (aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), dado configurar um "destino diferente" da revenda do imóvel adquirido (cfr.artº.16, 1º., do C.Sisa; artº.11, nº.5, do C.I.M.T.). Esta posição tem sido, de resto, uniformemente afirmada pela jurisprudência da Secção deste Tribunal a qual, embora proferida no âmbito da vigência do Código da Sisa, mantém plena actualidade (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 17/09/2014, rec.1626/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/10/2003, rec.894/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2009, rec.891/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/11/2011, rec.303/11).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso – (Relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.