Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/15
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
LEGITIMIDADE
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Sumário:I – A utilização do processo de intimação previsto no art.º 109.º do CPTA depende não só da alegação e prova de que o alegado direito, liberdade ou garantia está ameaçado mas também da alegação e prova de que, no caso, se impõe uma urgente decisão de mérito e desse processo ser a única forma da lesão ou ameaça ser removida.
II – Este meio processual não é, assim, a via normal de reacção em situações de lesão ou ameaça de lesão visto a sua utilização só poder ter lugar quando for seguro que a propositura de uma acção administrativa cumulada com um pedido de tutela cautelar é incapaz de proporcionar a efectiva tutela do direito, liberdade ou garantia ameaçada.
III – Deste modo, e se o que está em causa é o pagamento da quantia que, por sentença, uma entidade foi condenada a pagar o meio processual adequado à obtenção dessa pretensão é a acção executiva e não o processo de intimação.
IV – Se o que fundamenta o pedido é a recusa do Sr. Primeiro-Ministro em dotar o «fundo» de que dispõe o CSTAF nos termos do art.º 172.º/3 do CPTA a relação jurídica controvertida da intimação constitui-se entre a Requerente e o Sr. Primeiro-Ministro e não entre a Requerente e a entidade condenada a pagar a dívida. Por essa razão o Sr. Primeiro Ministro é parte legitima na intimação.
Nº Convencional:JSTA00069079
Nº do Documento:SA120150212018
Data de Entrada:01/12/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:PRIMEIRO MINISTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:INTIMAÇÃO
Objecto:DESP PMIN
Decisão:INDEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - INTIMAÇÃO DIR LIB GAR.
Legislação Nacional:CPTA02 ART109 ART111 ART172 N3 N4.
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA 1ED PÁG538.
VIEIRA DE ANDRADE - JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 8ED PÁG306.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A…………, invocando o disposto nos art.ºs 36.º/1/d) e 109.º a 111.º do CPTA, requereu:
a) A intimação do Sr. Primeiro Ministro para proceder ao pagamento da quantia de 144.600 euros, acrescida dos devidos juros moratórios
b) A fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no pagamento daquela importância.
Em resumo alegou que o Hospital Amadora/Sintra foi condenado a pagar-lhe uma indemnização no referido montante, acrescida de juros de mora, decisão já transitada, e que, não tendo essa quantia sido voluntariamente paga, a Requerente intentou acção executiva contra aquela entidade, a qual foi julgada procedente. Comunicada essa decisão ao CSTAF este informou-a de que a dotação de que dispunha para proceder ao pagamento da mencionada indemnização era insuficiente o que a obrigou a dirigir-se ao Sr. Primeiro Ministro pedindo o urgente pagamento desse montante. Sem êxito já que este a encaminhou para o Ministério da Justiça. Daí que tivesse ficado sem outro meio de receber atempadamente o que lhe é devido que não fosse o recurso à presente intimação.

O Sr. Primeiro-Ministro respondeu suscitando duas excepções: a impropriedade do meio processual utilizado – por a intimação ser um meio subsidiário de defesa de direitos, só utilizável em casos de urgência e quando os restantes meios processuais fossem imprestáveis, e, in casu, essa situação não ocorria uma vez que o ora que estava em causa era o cumprimento de uma sentença por parte do Hospital Amadora/Sintra e a Requerente podia obter o pagamento da quantia que este foi condenado através da acção executiva - e a sua ilegitimidade – a entidade condenada era uma pessoa colectiva pública dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial e, por isso, era contra ela que a presente intimação deveria ter sido dirigida e não contra o Requerido que não é parte na relação jurídica. – Para além disso impugnou que esta intimação fosse indispensável para assegurar, em tempo útil, o direito reclamado pela Requerente.

FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO

Julgam-se provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida pelo TAC de Lisboa, de 5/03/2012, o Hospital Amadora/Sintra foi condenado a pagar à Requerente e seu marido a quantia de 144.600 euros, acrescida de juros de mora. (vd. sentença de fls. 17/22)
2. Notificada dessa decisão, a entidade demandada não procedeu ao pagamento do mencionado montante. (vd. sentença de fls. 17/22)
3. O que levou a Requerente a intentar, em 4/09/2012, acção executiva contra o referido Hospital pedindo a condenação deste no pagamento do identificado montante. (vd. sentença de fls. 17/22)
4. A qual foi julgada procedente tendo, em consequência, a executada sido condenada no pedido por sentença de 10/09/2013, a qual transitou em julgado em 22/03/2013. (vd. sentença de fls. 17/22 e certidão de fls. 15)
5. Datada de 24/09/2014, a Requerente enviou ao Sr. Primeiro-Ministro a petição junta a fls. 23, que se dá por reproduzida, onde o informou que já tinha solicitado ao Sr. Presidente do CSTAF o pagamento da quantia que lhe é devida e pediu que, “com brevidade exigente, proporcional aos 14 anos em que espero por justiça aguardo pagamento da indemnização de 144.600 euros, acrescida de juros legais de mora contados desde 17/10/2003 até efectivo e integral pagamento.”
6. O Sr. Primeiro-Ministro respondeu através do ofício cuja fotocópia se encontra a fls. 25, que se considera reproduzido, onde informou a Requerente que “o assunto foi transmitido Gabinete da Ministra da Justiça.”


II. O DIREITO
Resulta do relato antecedente que a Requerente, invocando o disposto nos art.ºs 109.º/111.º do CPTA, requereu a intimação do Sr. Primeiro-Ministro para que este procedesse ao pagamento da quantia indemnizatória a que o Hospital Amadora/Sintra tinha sido judicialmente condenado, pretensão a que o Intimado se opôs por três ordens de razões; por um lado, por este meio processual ser inapropriado à satisfação daquela pretensão, por outro, por não ser parte legítima e, finalmente, por não se verificarem os pressupostos que permitissem o deferimento do pedido.
Vejamos, pois, começando-se pela alegada ilegitimidade do Requerido.

1. O Sr. Primeiro-Ministro sustenta que não é parte na relação material controvertida ora em causa e que, por esse motivo, era parte ilegítima na presente intimação razão pela qual deveria ser absolvido da instância. E isto porque a relação jurídica que tinha determinado o nascimento da dívida que se pretendia cobrar se constituíra entre a Requerente e o Hospital Amadora/Sintra - pessoa colectiva de direito público e natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (DL 203/2008, de 10/10 e DL 133/2013, de 2/10) – visto ter sido ele o Réu na acção intentada pela Requerente para efectivação da responsabilidade civil e ter sido ele a ser condenado no pagamento da indemnização cuja cobrança ora se pretende efectivar.
Sendo assim, e sendo que o conceito de legitimidade está associado à presença no processo dos verdadeiros titulares da relação jurídica litigiosa esta intimação só poderia ser dirigida contra a entidade condenada no mencionado processo judicial, isto é, contra o Hospital Amadora/Sintra por ser ele o verdadeiro titular da relação jurídica controvertida. – art.º 10.º/1 do CPTA. – Daí que seja parte ilegítima nesta intimação.
Mas não tem razão.
Com efeito, e muito embora seja certo que o fundamento indirecto desta intimação seja a referida condenação também é que, nos termos em que a petição vem desenhada, o seu fundamento directo - a sua causa de pedir - foi a recusa do Sr. Primeiro-Ministro em proceder ao pagamento da quantia que a Requerente pretende que lhe seja paga ou à transferência para o CSTAF da verba necessária a esse pagamento.
E, porque assim, o que verdadeiramente fundamenta o pedido aqui formulado é a apontada recusa e não a condenação do Hospital Amadora/Sintra, o que quer dizer que a relação jurídica controvertida nesta intimação constitui-se entre a Requerente e o Sr. Primeiro-Ministro e não entre a Requerente e aquele Hospital.
Razão pela qual o Requerido é parte na relação jurídica controvertida aqui em causa e, nessa medida, parte legítima nesta intimação.

2. O Sr. Primeiro-Ministro impugna também a possibilidade da Requerente poder alcançar o seu objectivo através do presente meio processual visto este só poder ser utilizado em casos de urgência e quando os restantes meios processuais forem imprestáveis o que, no caso, não sucedia por a mesma poder obter o pagamento da quantia em causa através do processo executivo. Esta intimação era, assim, um meio processual impróprio, inadequado à finalidade visada.
Vejamos se litiga com razão.

O processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias previsto nos art.ºs 109.º/111.ª do CPTA só poderá ser utilizado quando haja necessidade de uma “célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa (e esta) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º” (art.º 109.º/1).
O que significa que o recurso a este meio processual só é legítimo quando houver necessidade de obter da Administração uma decisão urgente e dessa decisão ser a única forma do Requerente poder assegurar em tempo útil o exercício do direito, liberdade ou garantia lesado. A referida intimação funciona, assim, como um meio subsidiário de tutela dos direitos liberdades e garantias a que só se poderá recorrer se nenhum outro meio processual for capaz de assegurar, em tempo útil, a defesa do direito, liberdade ou garantia lesados.
Por ser assim a intimação não é a via normal de reacção em situações de lesão ou ameaça de lesão visto a sua utilização estar dependente de um juízo relativo à sua indispensabilidade. “O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.” - Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 1.ª ed., pg. 538.

No caso, a pretensão da Requerente é obter o pagamento da quantia que, por sentença, o Hospital de Amadora/Sintra foi condenado a pagar-lhe e que este se vem recusando a fazer. Se assim é, a mesma só poderia usar o presente meio processual para obter o referido pagamento se ele se revelasse indispensável para alcançar esse objectivo em tempo útil ou, dito de outra forma, se ele fosse a única forma viável de assegurar a satisfação do seu direito de forma pronta.
Ora, no caso, não se está perante uma situação dessa natureza.
E isto porque, perante a recusa do Hospital Amadora/Sintra em proceder voluntariamente ao pagamento da quantia a que foi condenado, a Requerente dispunha de meio processual próprio para alcançar esse objectivo – o processo de execução.
Realidade que a Requerente não desconhecia e tanto assim que intentou acção executiva onde pediu a condenação do Réu a proceder a esse pagamento, a qual foi julgada procedente.
E, não tendo conseguido obter pagamento nos termos do disposto dos n.ºs 3 e 4 do art.º 172.º do CPTA, a Requerente podia (devia) prosseguir a acção executiva já instaurada para cobrar a quantia que lhe é devida à qual se aplicaria o regime da execução para pagamento de quantia certa regulado na lei processual civil (n.º 8 do citado art.º 172.º).
É, pois, indiscutível que a Requerente tem um meio processual próprio para alcançar o objectivo que a levou a intentar esta intimação. Daí que lhe esteja vedado socorrer-se deste meio processual para obter satisfação da sua pretensão. – Vd. Vieira de Andrade Justiça Administrativa, 8.ª ed., pg. 306.

Acresce que o pedido que a Requerente aqui formula é a intimação do Sr. Primeiro-Ministro a “proceder à imediata ordem de pagamento da quantia de 144.600 euros …” acrescida de juros de mora sabendo-se, como se sabe, que aquele não foi titular da relação jurídica de que decorreu a condenação àquele pagamento e que, por isso, o mesmo não é devedor dessa quantia.
Razão pela qual a satisfação desse pedido estivesse condenada ao fracasso.
Todavia, e ainda que interpretássemos esse pedido como querendo significar um pedido de condenação do Requerido a dotar o «fundo» de que o CSTAF dispõe no termos do art.º 172.º/3 do CPTA, a conclusão seria a mesma. E isto porque a Requerente não é titular de um direito subjectivo que lhe permita formular um pedido dessa natureza visto inexistir na sua esfera jurídica qualquer direito que pudesse obrigar o Sr. Primeiro-Ministro a proceder à referida dotação.

Termos em que, pelas razões expostas, se indefere ao requerido.
Sem custas – art.º 4.º/2/b) do RCJ.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.