Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01956/13.9BEBRG |
Data do Acordão: | 04/07/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | TAXA INSTALAÇÃO ELÉCTRICA DOMÍNIO PÚBLICO MUNICIPAL |
Sumário: | I - O legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens». II - Demonstrado nos autos que entre a ora Recorrente e o Município foi celebrado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, no âmbito do qual aquela paga a este uma renda anual, é de concluir que aquele fica isenta do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão. III - A referida interpretação não viola o disposto nos arts. 238.º e 241.º da CRP (que consagram a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios). |
Nº Convencional: | JSTA000P27496 |
Nº do Documento: | SA22021040701956/13 |
Data de Entrada: | 10/19/2020 |
Recorrente: | EDP DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE BRAGA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório EDP – DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A., melhor sinalizada nos autos, interpõe recurso jurisdicional visando a revogação da sentença de 15-04-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial que intentara contra os actos de liquidação de taxas municipais nos montantes de € 3.823,50 e € 1.785,60, respeitantes à execução de trabalhos de instalação de infra-estruturas eléctricas subterrâneas pertencentes à rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão sita na Avª ……………., nº ……….., Braga e de média tensão, sita no lugar da …………, Ferreiros, Braga, respectivamente. Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente EDP – DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. as seguintes conclusões: 1.ª Como decorre dos autos, o objeto da presente impugnação judicial está delimitado em torno da apreciação da (i)legalidade dos atos de liquidação de taxas de ocupação do espaço público municipal de Braga, praticados pela Câmara Municipal de Braga, nos montantes de €3.823,50 e € 1.785,60, respeitantes à execução de trabalhos de instalação de equipamentos afetos à rede subterrânea de distribuição de energia elétrica em baixa e média tensão localizada na área territorial daquele município. 2.ª Como se extrai da petição inicial, os pedidos anulatórios formulados no âmbito do presente processo de impugnação judicial, assentam, entre outros fundamentos (que a RECORRENTE irá, no entanto, se abster de debater na presente sede de recurso), na ilegalidade abstrata dos atos de liquidação sob apreciação por violação do disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro. 3.ª Chamado a dar resposta a esta concreta questão, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (doravante, «Tribunal a quo») começou por reconhecer que, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, as rendas pagas pelas concessionária de redes de distribuição de energia elétrica em baixa tensão ao município concedente isentam-nas «do pagamento de taxas pela utilização do “uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade”». Porém, dando ênfase à distinção, pelo mesmo traçada, entre ocupação estável e ocupação precária do espaço público municipal, o Tribunal a quo acabou a concluir que o âmbito de aplicação objetivo da referida norma legal abrange apenas as situações de «ocupação estável do domínio público com infra-estruturas elétricas» e já não, portanto, como sucede no caso sob apreciação, a «ocupação precária para a realização das obras necessárias à implementação daquelas infra-estruturas». 4.ª Ora, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efetiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão afetas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE). 5.ª Assim, como resulta, manifesta e diretamente, da inclusão do vocábulo conservação no texto do preceito legal sob apreciação pode-se afirmar, desde logo, e sem margens para maiores dúvidas, que, contrariamente ao que vem pressuposto na Sentença recorrida, a renda devida em razão da concessão de distribuição energia elétrica em baixa tensão, compreende, entre outras realidades, a contrapartida pela ocupação do espaço público municipal necessária à instalação, reparação e/ou realização de obras nas infraestruturas que integram as redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão. 6.ª De resto, a interpretação que se retira do enunciado linguístico contido no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro — isto é, a de que toda a ocupação do domínio público municipal, seja para estabelecimento, seja para conservação das redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão, é remunerada (comutada) através do da renda devida em razão da concessão de energia elétrica em baixa tensão — é plenamente confirmado por uma segunda fase do processo hermenêutico, em que se apela ao elemento teleológico e que impõe que a norma seja entendida em função da finalidade para que foi criada (a ratio juris). 7.ª Posto isto, sendo inequívoco que «a ocupação do domínio público para a realização de obras para a instalação de infra-estruturas eléctricas» se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação objetivo do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro), sempre se terá de concluir que qualquer taxa dirigida a comutar essa mesma ocupação é ilegal. 8.ª Em face de todo o exposto, resta, pois, concluir, sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, pela ilegalidade dos atos de liquidação das taxas municipais sub judice, revogando, em consequência, a Sentença recorrida e declarando a presente ação impugnatória procedente, com a consequente anulação de tais atos. TERMOS EM QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA, DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, TAL COMO ANTERIORMENTE PETICIONADO, A ANULAÇÃO DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE TAXAS DE OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO MUNICIPAL DE BRAGA, NO MONTANTE GLOBAL DE € 5.609,10 (CINCO MIL, SEISCENTOS E NOVE EUROS E DEZ CÊNTIMOS) CÊNTIMOS), COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. Houve contra-alegações, nas quais o recorrido Município de Braga, concluiu o seguinte: 1ª Os actos que determinaram a liquidação das taxas municipais referem-se à ocupação do domínio público para a realização de obras de instalação de infra-estruturas eléctricas subterrâneas. 2ª De acordo com o disposto no artigo 3º/nº 4 do D.L. nº 230/2008, de 27.11, a Recorrente encontra-se isenta do pagamento das taxas municipais do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes subterrâneas de distribuição de electricidade. 3ª Estando em causa a ocupação do domínio público municipal para a realização de obras destinadas à instalação de infra-estruturas na rede eléctrica subterrânea não é possível aplicar a isenção prevista naquele normativo legal, pois o acto de conservar é distinto de instalar. 4ª A sentença recorrida não violou o disposto no artigo 3º/nº 4 do D.L. nº 230/2008, de 27.11, uma vez que a isenção ali prevista não se aplica às taxas devidas pela ocupação do domínio público municipal durante a execução de obras de implementação de infra-estruturas na rede eléctrica subterrânea. TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente. Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte argumentação: “1 – EDP DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. vem recorrer da douta sentença proferida nos autos, a fls. , que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida, Decisão com a qual se não conforma. Para tanto, alega nos termos conclusivos que constam de fls. , e, em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de julgamento quanto à aplicação e interpretação do direito, sendo que entre a impugnante/recorrente e o recorrido existe um contrato de concessão para ocupação, por parte da EDP Distribuição, do solo e subsolo de longa duração e, por isso não deve suportar a taxa impugnada por não devida face a tal contrato. Assim, a dívida não é legalmente exigível. Pede, a final, a procedência do recurso com a revogação da decisão recorrida devendo ser julgada a impugnação deduzida procedente. 2 – O recorrido MUNICÍPIO de BRAGA contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado, pois que para que se possa proceder a obras de manutenção ou outras em domínios do Município é devida a obtenção de uma licença e para a qual se tem de pagar uma taxa pela ocupação precária daqueles domínios. 3 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso não deverá proceder. Dos pontos assentes no probatório, que não foi questionado, entendemos que a douta decisão recorrida fez uma correcta análise fáctico-jurídica. Mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito devendo manter-se na ordem jurídica. Em abono da posição assumida na douta decisão “a quo” passamos a referir conteúdo do douto Acórdão proferido pelo TCA/S, de 11.01.2011, no processo nº 03809/10 que foi proferido numa situação similar à aqui em discussão e que passamos a citar uma parte do sumário do mesmo: “(…) 3. A EDP não beneficia de qualquer isenção das taxas por utilização/ocupação do espaço aéreo de bens do domínio público do Município com cabos condutores e similares nas suas linhas de alta tensão, na ausência de norma positiva que a consagra, quando a mesma havia outorgado com o Município um contrato de concessão, mas apenas relativamente às linhas de baixa tensão. (…)”. Corrobora-se, pois, a posição assumida na douta sentença. 4 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso.” Notificada do Parecer do Ministério Público, a recorrente EDP DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. veio responder o seguinte: “I. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 1.º Como decorre das alegações de recurso apresentadas pela RECORRENTE, na presente ação está em causa a questão de saber se a utilização do espaço público municipal em razão da execução de trabalhos de instalação de equipamentos afetos à rede subterrânea de distribuição de energia elétrica em baixa e média tensão encontra-se abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, configurando, assim, os atos de liquidação sub judice uma violação ao mesmo.2.º Entretanto, pronunciando-se sobre a identificada questão jurídica, o Ministério Público veio pugnar, através do parecer a que se responde, pela improcedência da presente ação de impugnação judicial.3.º Para o efeito, o Ministério Público invoca, essencialmente, a jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de janeiro de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 03809/10, mais concretamente o sumário do mesmo, onde se lê que: «3. A EDP não beneficia de qualquer isenção das taxas por utilização/ocupação do espaço aéreo de bens do domínio público do Município com cabos condutores e similares nas suas linhas de alta tensão, na ausência de norma positiva que a consagre, quando a mesma havia outorgado com o Município um contrato de concessão, mas apenas relativamente às linhas de baixa tensão».4.º Todavia, como se verá de seguida, o parecer a que se responde assenta num pressuposto manifestamente errado: o de que matéria que se discute no presente processo é similar à que foi objeto de apreciação pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do referido processo n.º 03809/10.II. DA IMPROCEDÊNCIA DOS ARGUMENTOS INVOCADOS NO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO 5.º Como se extrai da leitura (integral) do referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul — e, já agora, de outros mais arestos, tal como do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de abril de 2013, proferido no processo n.º 06359/13 — a conclusão de que «A EDP não beneficia de qualquer isenção das taxas por utilização/ocupação do espaço aéreo de bens do domínio público do Município com cabos condutores e similares nas suas linhas de alta tensão, na ausência de norma positiva que a consagre, quando a mesma havia outorgado com o Município um contrato de concessão, mas apenas relativamente às linhas de baixa tensão» resultou da análise do regime (então em vigor) vertido no Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de setembro, com a redação que lhe foi conferida pelo referido Decreto-Lei n.º 17/92, de 5 de fevereiro, na Portaria n.º 454/2001, de 5 de maio e, bem assim, na Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril (cujo artigo 11.º dispunha que «A obrigação de pagamento pelo concessionário tem como condição necessária o direito deste à total isenção do pagamento de taxas pela utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente pela ocupação das vias públicas com as redes de transporte e distribuição de energia eléctrica»).6.º Sucede, porém, que o regime jurídico à luz do qual incidiu a análise do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito dos referidos processos foi, entretanto, profundamente alterado pelo novo quadro legal da concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, tendo, nesse âmbito, a Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril, sido revogada pelo Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro.7.º Significa, isto, por conseguinte, que a referida jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul — invocada, recorde-se, no parecer a que se responde — tratou, na verdade, de uma questão de direito distinta da que aqui se discute, não tendo, por conseguinte, aplicação ao caso sub judice, pois que, aqui, ao contrário do que sucedeu ali, pretende-se saber se a liquidação das taxas sub judice, consubstancia uma violação do disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro.8.º Numa outra perspetiva: enquanto que nas mencionadas decisões do Tribunal Central Administrativo Sul se discutiu a existência da mencionada isenção à luz da legislação então em vigor — particularmente, à luz do disposto no artigo 12.º do contrato tipo aprovado pela Portaria n.º 454/2001, de 5 de maio e no 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril —, no presente processo pretende-se saber se a referida tributação consubstancia uma violação ao atual quadro legal aplicável à distribuição de energia elétrica em baixa tensão, particularmente ao citado artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro.9.º Ora, posto isto, recorde-se que o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro dispõe, clara e expressamente, que «[a] obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efetiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão afetas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).10.º Quer isto dizer, portanto, que o pagamento da renda devida no âmbito da referida concessão de distribuição de distribuição de energia elétrica em baixa tensão desonera a concessionária (a ora RECORRENTE) do pagamento de taxas municipais dirigidas a comutar a utilização dos bens do domínio público municipal com infraestruturas e outro equipamento das redes de distribuição de energia elétrica de alta, média e baixa tensão — o que, de resto, vem reconhecido pela entidade Impugnada e pelo Tribunal a quo (ainda que, partindo da distinção entre a ocupação precária e a ocupação estável do espaço público municipal, acabem a defender que a concreta utilização em causa está excluída do âmbito de aplicação objetivo do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro).11.º Em face de todo o exposto, resta concluir, pois, pela improcedência dos argumentos invocados pelo Ministério Público com vista à sustentação da — afinal, inexistente — legalidade dos atos de liquidação objeto da presente ação de impugnação.TERMOS EM QUE, DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA, OS ATOS DE LIQUIDAÇÃO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL SER ANULADOS, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.” * Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. - Dos Factos: Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão: 1. A impugnante dedica-se, em regime de concessão de serviço público, a actividade de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no concelho de Braga – Facto não controvertido. 2. Em 20/06/2001, a impugnante celebrou com o Município de Braga contrato denominado “renovação do contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município de Braga” - cf. documento nº 1 junto com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 3. Consta do contrato referido em 02), entre o mais, o seguinte: 4. Para o exercício da sua actividade, a impugnante procede, além do mais, à instalação de infra-estruturas eléctricas subterrâneas, nomeadamente à montagem e instalação de cabos destinados à distribuição e fornecimento de energia eléctrica – Facto não controvertido. 5. No âmbito dos processos da Câmara Municipal de Braga, com os números 4959/PED/12 e 4962/PED/12, o Município de Braga, em 4 de Outubro de 2013, exigiu à impugnante o pagamento de taxas municipais para execução dos trabalhos de instalação de infra-estruturas eléctricas subterrâneas pertencentes às redes de distribuição de energia eléctrica em média e baixa tensão, no montante de € 3.823,50 e € 1.785,60 – Cf. Doc. 2 e 3 juntos com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais. 6. A impugnante, sob “Assunto: Abertura de vala para instalação de cabo de baixa tensão; Local da Obra: Avª …………, nº ……. …Braga”, apresentou reclamação contra a taxa no valor de € 3.823,50, no âmbito do Processo 4959/PED/12 referida em 05) – Cf. Doc. 4 junto com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 7. A impugnante, sob “Assunto: Abertura de vala para instalação de cabo de baixa tensão; Local da Obra: Avª ……….., nº ……. …Braga”, apresentou reclamação contra a taxa no valor de € 1.785,60 no âmbito do Processo 4962/PED/12 referida em 05) – Cf. Doc. 5 junto com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 8. A reclamação referida nos pontos anteriores foi indeferida – Facto não controvertido. * 2.2.- Motivação de Direito O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida dos actos de liquidação de taxas municipais respeitantes à execução de trabalhos de instalação de infra-estruturas eléctricas subterrâneas pertencentes à rede de distribuição de energia eléctrica, padece de erro de julgamento, tendo conta que a renda devida em razão da concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, compreende, entre outras realidades, a contrapartida pela ocupação do espaço público municipal necessária à instalação, reparação e/ou realização de obras nas infraestruturas que integram as redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão, desonerando a concessionária do pagamento de taxas municipais dirigidas a comutar a utilização dos bens do domínio público municipal com infraestruturas e outro equipamento das redes de distribuição de energia eléctrica. Esta questão que trata da taxa municipal que foi cobrada à EDP, no âmbito da execução de trabalhos de instalação de infra-estruturas eléctricas subterrâneas pertencentes à rede de distribuição de energia eléctrica, foi já objecto de análise nos Acórdãos deste STA de 18/11/2020, Processo nº0228/13.3BELLE (proferido por esta formação), de 28/10/2020, Processo nº. 0902/13.4BEALM e de 17.02.2021, Processo n.º 434/14.3BEALM, nos quais se fixou uma linha jurisprudencial consolidada à qual e com a devida vénia manifestamos a nossa inteira fidelidade por razões de uniformidade em acatamento do imperativo implantado no artigo 8.º do CC que, sob a epígrafe “Obrigação de julgar e dever de obediência à lei”, determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. Nesse sentido, extracta-se, de modo adaptativo, o seguinte bloco fundamentador gizado no último dos acórdãos referidos e que é o mais recente: * 2.2.2 DA (I)LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DAS TAXASA sentença alicerçou a legalidade da liquidação das taxas impugnadas na doutrina do já referido acórdão de 2 de Julho de 2017, proferido no processo com o n.º 614/16, que aplicou, mediante transposição, para a situação sub judice, com o fundamento de que quer na situação dos autos quer na situação tratada por aquele aresto se discutia a isenção de taxas de ocupação de taxas do subsolo em função de um contrato de concessão de serviço público celebrado com o município (afirma a sentença: «Tal como no caso do Acórdão supra transcrito, também aqui a Impugnante vem alegar que tendo celebrado um Contrato com o Município se encontra isenta do pagamento de taxa de ocupação do subsolo uma vez que já paga renda ao referido Município»). No entanto, como salientaram a Recorrente e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, naquele acórdão discutiu-se o direito à isenção de taxa municipal de ocupação do subsolo à luz da legislação aplicável às concessões de serviços públicos de distribuição de gás, motivo por que aí não foi apreciado, nem faria sentido que o fosse, o âmbito da aplicação e o alcance do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que regula a renda devida aos municípios pela exploração da concessão de distribuição de electricidade em baixa tensão. Ou seja, a Impugnante não invocou que estivesse isenta das taxas de ocupação do espaço público municipal relativas a abertura de valas e colocação de cabos de distribuição de energia eléctrica de média tensão em razão de um qualquer contrato celebrado com o Município, mas antes que a liquidação dessas taxas violava o disposto no regime jurídico aplicável à actividade de distribuição de energia, designadamente o disposto no n.º 4 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro. Ora, como salientam a Recorrente e o Procurador-Geral-Adjunto, a sentença não apreciou a questão tal como conformada na petição inicial, pois não apreciou a legalidade da liquidação à luz do disposto no n.º 4 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro. Vejamos: O Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, «estabelece os princípios gerais da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, bem como as condições a que devem obedecer os contratos de concessão a favor da EDP, quando a exploração seja feita nesse regime» (cfr. o preâmbulo do diploma). Nos termos do art. 6.º, n.º 2, desse diploma legal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 17/92, de 5 de Fevereiro, «[o]s municípios que tenham celebrado, ou venham a celebrar, com a EDP contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão terão direito a receber desta uma renda, a fixar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia», rendas essas definidas por portaria, designadamente pela Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril. Mas, não se circunscrevendo a actividade da EDP à distribuição de electricidade em baixa tensão, a sua actividade como concessionária da distribuição de electricidade vem regulada noutros diplomas legais, designadamente no Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/172/2006/08/23/p/dre/pt/html.), que desenvolve os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/29/2006/02/15/p/dre/pt/html.), regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade. Dispõe o n.º 1 da Base XXV do Capítulo IV do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 172/2006 (a que se refere o n.º 6 do art. 38.º), quanto aos direitos da concessionária à utilização do domínio público: «No estabelecimento de instalações da rede de distribuição ou de outras infra-estruturas integrantes da concessão, a concessionária tem o direito de utilizar os bens do Estado e das autarquias locais, incluindo os do domínio público, nos termos da lei». Por essa utilização dos bens do domínio público ou privado municipal, as autarquias têm direito a uma contrapartida, tal como previsto no art. 44.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, contrapartida que se traduz no pagamento da renda prevista no Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro. Na verdade, dispõe o n.º 4 do art. 3.º desse diploma legal: «A obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (sublinhados nossos). Assim, como ficou dito no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 2020, proferido no processo com o n.º 902/13.4BEALM ( (Disponível em http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a0e00d2939af710d80258617004308b1.), apesar de a questão aí discutida ser outra (Nesse aresto estava em causa a legalidade de uma taxa por ocupação do denominado espaço aéreo municipal cobrada por um município à empresa transportadora de energia eléctrica.): «Neste caso, como afirmam alguns autores, a posição jurídica de autoridade legitimada em que se encontra a concessionária da rede eléctrica e a situação de sujeição ao pagamento de indemnização ou compensação pela afectação do espaço dominial, faz desaparecer qualquer contraprestação possível da estrutura de uma eventual taxa a esse título, impossibilitando uma tributação, cfr. Paulo Dias Neves, em https://www.e-publica.pt/volumes/v2n1a11.html. Ou seja, as redes de energia eléctrica de distribuição em MT e BT estão isentas de taxas de ocupação do subsolo por força do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro». Igualmente, na Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril (ELI: https://data.dre.pt/eli/port/437/2001/04/28/p/dre/pt/html.), que regulamenta o Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, se prevê expressamente no art. 11.º que «[a] obrigação do pagamento de renda pelo concessionário tem como condição necessária o direito deste à total isenção do pagamento de taxas pela utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente pela ocupação das vias públicas com as redes de transporte e distribuição de energia eléctrica». Em conclusão, do n.º 3 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, decorre que o pagamento da renda efectuado ao abrigo de Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão desonera as respectivas concessionárias do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média ou alta tensão. Por outro lado, contrariando a argumentação do Recorrido, de que «[o] contrato de concessão em Baixa Tensão, celebrado entre o Município de Palmela e a EDP, excluiu expressamente as infra-estruturas de Média Tensão e Alta Tensão», nada permite concluir que esse contrato restrinja a referida isenção à distribuição de energia eléctrica em baixa tensão – admitindo, apenas para efeitos de exposição, que o pudesse fazer –, uma vez que o art. 4.º desse contrato limita-se a atribuir à EDP “o direito de utilizar as vias públicas, bem como os respectivos subsolos, para o estabelecimento e conservação de obras e canalizações aéreas ou subterrâneas de baixa, média ou alta tensão, com o fim de prover ao fornecimento de energia eléctrica”. Note-se ainda que o facto de nos arts 6.º e 7.º do contrato de concessão celebrado entre a Recorrente e o Município se distinguir entre as “instalações abrangidas” e as “não abrangidas pela concessão” e se excluir da concessão as redes de média e alta tensão, tem como único propósito delimitar as instalações que, no final do contrato de concessão, irão reverter para o município, nos termos do art. 13.º do contrato de concessão e do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, dele não podendo retirar-se argumento algum em favor da tese do Recorrido, ao contrário do que este sustenta. Concluímos, pois, que o legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens». Nem se diga que a interpretação que ora subscrevemos viola a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios, em violação dos princípios consagrados nos arts. 238.º e 241.º da CRP. A este propósito, limitar-nos-emos a remeter para a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: - n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004, proferido no processo com o n.º 803/03, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040288.html. - n.º 285/2006, de 3 de Maio de 2006, proferido no processo com o n.º 1020/04, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060285.html.) que, no seu acórdão n.º 288/2004 – em que apreciou a norma que atribuía à concessionária de serviço público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão –, concluiu que as isenções de taxas que venham a ser concedidas em benefício de um serviço público essencial não constituem uma violação do princípio da autonomia do poder local, em especial do princípio da autonomia financeira local. Como refere o Tribunal Constitucional, da autonomia financeira e da disposição de património próprio das autarquias locais não pode resultar «uma garantia de todas e quaisquer posições patrimoniais contra a fixação, pelo Estado e na prossecução das suas incumbências próprias, do regime de utilização de bens como as vias públicas, tal como não pode resultar dessas garantias uma reserva de competência para todo o regime das taxas municipais. Ponto é que o conteúdo ou núcleo essencial da autonomia local não seja afectado»; o conteúdo ou núcleo da autonomia local são preservados face a isenção que apenas «afecta as autarquias na obtenção de receitas a partir de uma determinada utilização de certos objectos patrimoniais específicos: pela passagem de instalações […] pela via pública, mas “permanece em geral intocada a possibilidade de fruição económica do património da autarquia quanto a tudo o resto”, sem se afectar a “constituição financeira das autarquias”»; a isenção governamental que procura atender a interesses públicos constitucionais ultrapassa o âmbito das autarquias locais e, nesta medida, a dimensão da sua autonomia. Assim, e porque a criação de condições para a existência de um serviço público de distribuição de electricidade constitui um modo de prosseguir objectivos com relevância constitucional, faz todo o sentido que o legislador pretenda isentar de determinados ónus as entidades que desempenham, ainda que em regime de concessão, uma actividade de primordial importância para a colectividade nacional e que teria, na sua falta, de ser assumida pelo próprio Estado. Por tudo o que ficou dito, concluímos que os actos de liquidação das taxas municipais ora impugnados padecem do vício de violação de lei que lhe é assacado, motivo pelo qual a sentença recorrida, que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento e, nessa medida, merece a censura que lhe é feita pela Recorrente. Consequentemente, o recurso será provido e, em consequência, será anulada a liquidação das taxas em causa.” E nos mesmos termos se decidirá o presente recurso. * Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, assim anulando a liquidação impugnada. Custas pelo Recorrido [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * |