Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0714/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
LEGITIMIDADE
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Sumário:I - As dívidas emergentes de incumprimento de um Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, promovido pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, não seguem o regime das liquidações sujeitas às regras do CPPT e da LGT referentes a responsabilidade subsidiária nem a reversão, sendo que o facto de as mesmas serem cobradas coercivamente não lhes muda a natureza transformando-as em dívidas tributárias.
II - Constando o oponente da certidão de dívida, conforme o exigido no art. 88º, nº 2, alínea j), do CPPT, e uma vez que também é responsável solidário pelo cumprimento do contrato de incentivos financeiros em causa, não pode deixar de improceder a alegada ilegitimidade com base no art. 204º, nº 1, alínea b), do CPPT.
III - O erro na forma do processo traduz-se numa nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio, aferindo-se tal erro pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre erro na forma do processo.
IV - Se o oponente pede a extinção da execução e estrutura a causa de pedir com fundamentos adequados à oposição, tais como, a ilegitimidade para ser chamado à execução e vícios formais do acto de reversão, não se verifica qualquer erro na forma do processo, o que não significa que, atentas as causas de pedir, a oposição seja de proceder.
V - Respeitando a dívida exequenda a restituição de quantias recebidas no âmbito de comparticipações do Fundo Social Europeu, ou de dívidas ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, o meio processual adequado é a acção administrativa especial a intentar contra o despacho que ordena a reposição ou a restituição das importâncias indevidamente recebidas, nos termos do disposto no art. 6º do Decreto-Lei nº 443/78, de 28 de Dezembro, a intentar nos tribunais administrativos de círculo (art. 44º do ETAF).
VI - Como a infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determinam a incompetência absoluta do tribunal (cfr. o art. 16º do CPPT), cuja consequência é a absolvição da instância, nos termos do disposto no art. 288º, nº 1, alínea a), do CPC, caberá ao recorrente decidir, nos termos do disposto no art. 289º do CPC, intentar ou não a acção administrativa especial, o que torna impossível a convolação da oposição nesta forma de processo.
Nº Convencional:JSTA00067940
Nº do Documento:SA2201211210714
Data de Entrada:06/25/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:INST DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Indicações Eventuais:REVOGADA A CONVOLAÇÃO DA OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL PARA AÇÃO ADM ESPECIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N3 ART685-A N1 ART2 N2 ART199 N1 N2 ART288 N1 A B ART493 N1 N2 ART494 B ART289.
CPPTRIB99 ART153 ART204 N1 B ART88 N2 J.
LGT98 ART23 ART24 ART97 N2 N3.
ETAF02 ART44 ART49.
DL 437/78 DE 1978/12/28 ART6 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0966/02 DE 2002/10/23; AC STA PROC0214/11 DE 2011/06/01; AC STA PROC097/12 DE 2012/02/27; AC STA PROC042/06 DE 2006/03/08; AC STA PROC01161/11 DE 2012/02/29; AC STA PROC01145/11 DE 2012/03/28; AC STA PROC0953/11 DE 2012/03/28; AC STA PROC0681/11 DE 2011/11/16; AC STA PROC0702/12 DE 2012/10/10; AC STA PROC018034 DE 1994/10/14
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED PAG452.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……, identificado nos autos, deduziu oposição à execução fiscal nº. 1759-2011/01004042, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que tinha sido instaurada para cobrança de uma dívida ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP, I. P.), no valor de 73.400,26 euros.

1.1.Naquele Tribunal decidiu-se julgar improcedente a oposição, por falta de fundamento legal, mas determinando-se a convolação em acção administrativa especial.

2. Inconformado, o recorrente veio interpor recurso para este Tribunal, formulando alegações com as seguintes conclusões:
“1. Toda a matéria vertida na p.i. de oposição se reconduz à (i)legitimidade do oponente para ser chamado à execução, nos termos da alínea b) do 1 do art° 204° do CPPT
2. A (i)legitimidade do oponente para ser chamado à execução é fundamento próprio de oposição e é neste meio processual que deve ser conhecida.
3. O fundamento, que é causa de pedir da oposição, faz parte do elenco taxativo do artigo 204° do CPPT.
4. O fundamento alegado é compatível com o pedido feito.
5. Com a discussão da (i)legitimidade do oponente para ser chamado para a execução, nunca se pretendeu discutir a legalidade da dívida exequenda ou a sua apreciação em concreto, ou se formulou qualquer pretensão anulatória do despacho que permitiu converter em reembolsável o subsídio não reembolsável que havia sido concedido à sociedade B……, Lda.
6. A matéria constante dos art° 1° a 10° contende directamente com a (i)legitimidade do oponente ser chamado para a execução fiscal.
7. A matéria dos art°s 11º a 19º, a apreciar sem prescindir da matéria dos arts. 1° a 10º, é vertida para a hipótese de se estar a considerar ser o oponente chamado à execução na qualidade de responsável subsidiário, sem se dar cumprimento ao art° 23°, n° 4 da LGT.
8. De igual forma, a matéria invocada no artº 20º e ss da p.i. de oposição até final, na mesma relação de subsidiariedade do alegado nos artsº. 1° a 10°, contende com a discussão da mesma (i)legitimidade do oponente, não ter sido investido, de direito, como gerente daquela sociedade ou, alguma vez, ter assumido ou praticados actos que o pudessem indiciar como gerente, de facto, da sociedade
9. Não o assim considerar, está decisão recorrida enfermada de erro na apreciação de direito que à alegação, de facto e direito, lhe foi submetida.
Termos em, declarando procedente o recurso, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que conheça da matéria em sede oposição à execução fiscal, assim se fazendo JUSTIÇA!”

3. O IEFP, I. P., veio contra-alegar, concluindo nos seguintes termos:
“a. A presente Oposição tem por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda.
b. O Oponente é parte legítima na presente execução.
c. A Oposição só pode ter um dos fundamentos enumerados no artigo 204.° do CPPT.
d. A convolação da Oposição em Acção Administrativa Especial não poderá ocorrer, em virtude de à data da instauração da Oposição já ter decorrido o prazo previsto no art.° 58°, n.° 2, alinea b), do CPTA, na medida em que o recorrente foi notificado da decisão final em 05/03/2010.
e. Não sendo admissível a Oposição a mesma deverá ser rejeitada, mas não convolada em Acção Administrativa Especial.
Termos em que, e com os mais de douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a douta sentença recorrida.”

4. O representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de o recurso ser de improceder.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II-FUNDAMENTOS

1- DA FACTO

A sentença recorrida não efectuou o julgamento da matéria de facto de forma destacada, considerando, porém, o entendimento (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e Comentado, Áreas editora, 6ª ed., Vol. IV, anotação 23 h) ao art. 279º, p. 369, e Acórdão do STA de 7/3/2012, proc nº 175/2012.) segundo o qual, mesmo nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista, cabem nos seus poderes de cognição os factos constantes do próprio processo judicial, apreensíveis por mera percepção, com relevância para a decisão a proferir descortinamos no processo a seguinte factualidade, que submetemos a alíneas:
a) A certidão da dívida de fls.20 dos autos foi extraída em 24 de Novembro de 2010.
b) O processo de Oposição foi instaurado em 18 de Maio de 2011.
c) O Oponente foi citado como executado em 20 de Abril de 2011.
d) O Oponente não foi notificado do despacho que converteu em reembolsável o subsídio não reembolsável, como resulta do expediente de fls. 21 a 23 dos autos.

2 - DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Em 23 de Fevereiro de 2011 foi instaurado contra o ora recorrido, A……, o processo executivo nº 1759201101004042, mediante certidão de dívida emitida, em 24 de Novembro de 2010, pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
A referida dívida respeita a apoio financeiro concedido por despacho do Director do Centro de Emprego de Amarante, de 21 de Fevereiro de 2006, à Firma B……, Ldª., representada pelo sócio C…… e o ora recorrente.
Citado pessoalmente, no âmbito da referida execução, o ora recorrente deduziu oposição judicial, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
· Ilegitimidade passiva nos termos dos arts. 153º do CPPT e 23º e 24º da LGT, porquanto o oponente não é devedor originário nem nunca garantiu pessoalmente o cumprimento de obrigações que a Sociedade em causa assumiu;
· Preterição de formalidade legal uma vez que tendo sido contra si ordenada reversão, a mesma não foi precedida de audição prévia, com violação do art. 23º, nº 4, da LGT;
· O oponente é ainda parte ilegítima na medida em que nunca foi gerente nem de facto nem de direito da executada originária, sendo que cabe ao exequente a demonstração dos pressupostos da reversão fiscal e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto e de direito;
O oponente conclui que é parte ilegítima para a execução fiscal, nos termos do disposto no art. 204º, alínea b), do CPPT, pedindo a extinção da instância.
Por decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 20/4/2012, foi julgada improcedente a oposição por falta de fundamento legal e ordenada a convolação em acção administrativa especial.
Para tanto ponderou, entre o mais, a Mmª Juíza “a quo” :
“(…) Compulsados os autos, resulta da argumentação exposta pelo Oponente que ele apenas pretendeu impugnar a legalidade da liquidação, que, por si, não constitui fundamento de oposição á execução fiscal.
Nos termos do art.97°, n.°3 da LGT e do art.98°, n.°4 do CPPT, deve ordenar-se a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado perante a lei.
Não deve operar-se, sob pena de prática de actos inúteis, proibida por lei, cfr. art. 137º, do CPC a convolação da Oposição em Impugnação Judicial se a petição é intempestiva para o efeito pois logo haveria lugar a indeferimento liminar por extemporaneidade.
«A oposição à execução fiscal visa em regra a extinção da execução e só pode ter como fundamentos os previstos no art° 204.° do CPPT. Em regra, a impugnação serve para atacar a liquidação e uma vez assente esta, a certidão de dívida tem o valor de sentença só podendo ser atacada, à semelhança dos embargos de executado em processo civil, pelos fundamentos tipificados constantes no art° 204.° do CPPT» (Ac. do TCAS de 28/11/2006 proferido no processo 259/04).
A ilegalidade da liquidação só constitui fundamento de Oposição se a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação - art.204, n.° l h), do CPPT.
“(…)
Não é o processo de Impugnação Judicial ou de Oposição a forma de processo adequada para se reconhecer ao Oponente o direito de anulação do despacho que converteu em reembolsável o subsídio não reembolsável que lhe tinha sido concedido e que determinou a sua cobrança coerciva.
Efectivamente, a forma de processo adequada é a Acção Administrativa Especial, uma vez, que, o acto, o despacho, que foi impugnado, não comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.
“(…).
«A inidoneidade do meio processual usado e a possibilidade de convolação para o que se mostre adequado, tem de aferir-se fundamentalmente pela tempestividade do exercício do direito da acção apropriada, pela pertinência da causa de pedir, bem como a conformidade desta com o correspondente pedido» (Ac. do TCAS de 29/5/2007, processo 01765/07).
Não deve operar-se, sob pena de prática de actos inúteis e, como tal proibida por lei, nos termos do disposto no art.137.° do Código de Processo Civil (CPC), a convolação se, a petição é intempestiva para o efeito pois, logo haveria lugar a indeferimento liminar por extemporaneidade.
Ora, resulta da certidão de fls.20 dos autos que ela foi extraída em 24 de Novembro de 2010.
O processo de Oposição foi instaurado em 18 de Maio de 2011.
O Oponente foi citado como executado em 20 de Abril de 2011.
Logo, a Acção Administrativa Especial devia ter sido interposta no prazo de três meses, de acordo com o teor do art.58°, n.°2, alínea b) do CPTA, que nos termos do disposto no art.59°, n.°1 do referido diploma legal, se conta a partir da data da notificação.
Sucede que, o Oponente não foi notificado do despacho que converteu em reembolsável o subsídio não reembolsável, como resulta do expediente de fls. 21 a 23 dos autos.
Pelo que, a convolação é possível, uma vez, que a presente Oposição foi apresentada naquele prazo de três meses”.
“(…)Pelo exposto, julga-se improcede a presente Oposição por falta de fundamento legal.”(…)determino que o processo siga como Acção Administrativa Especial.”
Vem o presente recurso interposto pelo recorrente alegando, em síntese, que “Toda a matéria vertida na p.i. de oposição se reconduz à (i)legitimidade do oponente para ser chamado à execução, nos termos da alínea b) do 1 do art° 204° do CPPT, e que “nunca pretendeu discutir a legalidade da dívida exequenda ou a sua apreciação em concreto, ou se formulou qualquer pretensão anulatória do despacho que permitiu converter em reembolsável o subsídio não reembolsável que havia sido concedido à sociedade B……, Ldª.
Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, as questões a apreciar e a decidir traduzem-se em averiguar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao decidir pela improcedência da oposição e, dando como verificado o erro na forma do processo, ter ordenado o prosseguimento do processo como Acção Administrativa Especial.

2.2. Da apreciação do erro de julgamento

2.2.1. Quanto à improcedência da oposição

A fundamentar a oposição o ora recorrente alegou a ilegitimidade para ser chamado à execução, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT, considerando que foram violados os arts. 153º do CPPT e 23º e 24º da LGT.
Acontece que, no caso sub judice, não estamos na presença de dívidas tributárias, mas sim de dívidas emergentes de incumprimento de um Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, no âmbito do Regime do PEOE - Iniciativas Locais de Emprego -, promovido pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Ora, como tem dito a jurisprudência deste Supremo Tribunal, (Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 23/10/2002, proc nº 966/02; de 1/6/2011, proc nº 214/11 e, mais recentemente, o Acórdão de 27/2/2012, proc nº 97/12.) estas dívidas não seguem o regime das liquidações sujeitas às regras do CPPT e da LGT e o facto de as mesmas serem cobradas coercivamente não lhes muda a natureza transformando-as em dívidas tributárias.
Assim sendo, resulta desde logo inequívoco que estando nós perante uma dívida resultante do incumprimento de um contrato de concessão de incentivos financeiros, o recorrido não poderia sequer ser revertido, nos termos do art. 24º da LGT, preceito que apenas se aplica às dívidas tributárias.
Como bem refere o Ministério Público, no seu douto Parecer, “Tratando-se de uma dívida ao I.E.F.P. não são de aplicar as disposições da L.G.T. referentes a responsabilidade subsidiária, nem a reversão, a qual, aliás, não ocorreu, tendo o oponente logo constado do título executivo como devedor”.
E, na verdade, não foi na qualidade de revertido subsidiário que o recorrente foi chamado à execução.
Vejamos.
O recorrente interveio no Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros como segundo outorgante, em representação da Sociedade B……, Ldª, contrato que foi assinado pelo sócio C……..
No entanto, na Cláusula 10ª do referido contrato, sob a epígrafe “Responsabilidade pelo cumprimento das obrigações”, o seu nº 2 estabelece expressamente que “O (s) promotor(es) da iniciativa mencionado(s) como segundo(s) outorgante(s) deste contrato é (são) solidariamente responsáv(eis), com a empresa e entre si”.
Por outro lado, na Cláusula 13ª, sob a epígrafe “Resolução do contrato”, pode ler-se no seu nº 1 que “[o] incumprimento injustificado de qualquer das obrigações estabelecidas no presente contrato confere ao PRIMEIRO OUTORGANTE o direito de o resolver”.
Por sua vez, no nº 3, estabelece-se que “[n]o caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de incentivos, da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de Março, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 225/2002, de 12 de Março, da regulamentação específica do Fundo Social Europeu (FSE) e demais disposições aplicáveis, será resolvido este contrato, cessados os pagamentos ainda por efectuar, declarado o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas, acrescidas dos juros legais, ou obtida cobrança coerciva nos termos do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro, se aquela não for efectuada voluntariamente no prazo de 60 dias úteis a contar da respectiva notificação.”
No caso sub judice, verificado o alegado incumprimento do referido contrato, por despacho do Director de Emprego de Amarante, de 5 de Março de 2010 (fls. 28 ss. dos autos), foi decidida a sua resolução, com o consequente vencimento imediato da dívida e conversão do subsídio não reembolsável em reembolsável, ordenando-se o reembolso voluntário da dívida sob pena de execução coactiva.
Nesta sequência, foi emitida certidão de dívida pela Directora do Centro de Emprego de Amarante do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP., no uso de competência delegada, a ordenar a execução da dívida exequenda contra a referida sociedade, o sócio C…… e o recorrente (fls. 20 dos autos).
Nos termos do disposto no art. 204º, nº1, alínea b), do CPPT, a oposição poderá ter como fundamento “a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.
Em anotação ao referido preceito, JORGE DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas editora, Lisboa, 2011, Anotação ao art. 204º, p. 452.) pondera que nesta alínea se prevêem três situações de ilegitimidade da pessoa citada:
“-não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor;
-sendo o devedor que figura no título, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram;
-não figurar no título e não ser o responsável pelo pagamento da dívida”.
Como refere o douto Parecer do Ministério Público, (…) o oponente figura do título, pelo que a 1ª e 3ª situações resultam desde logo afastadas.
Assim, a mesma só se poderia enquadrar na segunda referida situação.
Contudo, do alegado não resulta que não tenha sido possuidor dos bens em causa, pelo que a oposição também aí não colhe fundamento”.
Assim sendo, no caso sub judice, constando o recorrente da certidão de dívida, conforme o exigido no art. 88º, nº 2, alínea j), do CPPT, e uma vez que também é responsável solidário pelo cumprimento do contrato de incentivos financeiros em causa, não pode deixar de improceder a alegada ilegitimidade com base no disposto no art. 204º, nº 1, alínea b), do CPPT.

2.2.2. Quanto à verificação do erro na forma do processo

A dado passo da sentença recorrida pode ler-se que “Compulsados os autos, resulta da argumentação exposta pelo Oponente que ele apenas pretendeu impugnar a legalidade da liquidação, que, por si, não constitui fundamento de oposição à execução”, concluindo-se pela existência de erro na forma do processo.
E, mais adiante, acrescenta-se que “Não é o processo de Impugnação Judicial ou de Oposição a forma de processo adequada para se reconhecer ao Oponente o direito de anulação do despacho que converteu em reembolsável o subsídio não reembolsável que lhe tinha sido concedido e que determinou a sua cobrança coerciva.
Efectivamente, a forma de processo adequada é a Acção Administrativa Especial, uma vez que, o acto, o despacho, que foi impugnado, não comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação”.
Como vimos, tendo concluindo pelo erro na forma do processo, a Mmª Juíza “a quo” determinou a convolação da oposição na Acção Administrativa Especial.
Afigura-se, porém, salvo o devido respeito, que não assiste razão à Mm ª Juíza “a quo”, porque da análise da petição inicial da oposição resulta claro que em parte alguma o recorrente pretendeu questionar a legalidade da liquidação, inexistindo o alegado erro na forma do processo.
Vejamos.
Dispõe o art. 2º, nº 2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”. E, em termos semelhantes refere o art. 97º, nº 2, da LGT, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8/3/2006, proc nº 042/06, “Em face dessa correspondência entre direito e a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, haverá apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial. É à face do pedido ou conjunto de pedidos formulados pelo interessado que se afere a adequação das formas de processo especiais e, consequentemente, se ocorre erro na forma de processo”.
O erro na forma do processo traduz-se numa nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio, aferindo-se tal erro pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre erro na forma do processo ( Cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdão do STA de 2873/2012, proc nº 1145/11, e de 29/2/2012, proc nº 1161/2011.).
Como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal de 29/2/2012, proc nº 1161/11, o erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso e impõe a convolação do processo para a forma adequada, nos termos do disposto no art. 98º, nº4, do CPPT, e art. 97º, nº 3, da LGT, “com a anulação apenas dos actos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem diminuição das garantias de defesa (art. 199º, nºs 1 e 2, do CPC), sendo que se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cfr. arts. 288º, nº 1, alínea b), 493º, nºs 1 e 2, e 494º, alínea b), todos do CPC).”
Aplicando o exposto ao caso em análise, o recorrente alega que nunca pretendeu discutir a legalidade da dívida exequenda, nem formulou qualquer pretensão anulatória.
E afigura-se que lhe assiste razão.
Analisando a petição inicial verifica-se, como vimos, que o recorrente invocou a fundamentar a oposição a ilegitimidade para ser chamado à execução, que constitui fundamento da oposição, nos termos do estatuído no art. 204º, nº 1, alínea b), do CPPT.
E, ainda, como alega o recorrente, “A matéria dos art°s 11º a 19º, a apreciar sem prescindir da matéria dos arts. 1° a 10º, é vertida para a hipótese de se estar a considerar ser o oponente chamado à execução na qualidade de responsável subsidiário, sem se dar cumprimento ao art° 23°, n° 4 da LGT.”
“De igual forma, a matéria invocada no artº 20º e ss da p.i. de oposição até final, na mesma relação de subsidiariedade do alegado nos artsº. 1° a 10°, contende com a discussão da mesma (i)legitimidade do oponente, não ter sido investido, de direito, como gerente daquela sociedade ou, alguma vez, ter assumido ou praticados actos que o pudessem indiciar como gerente, de facto, da sociedade”.
Por outro lado, como ficou dito, o recorrente termina a oposição pedindo a extinção da execução.
Por conseguinte, se o recorrente invocou vícios formais foi no pressuposto de estar a deduzir oposição na qualidade de responsável subsidiário, contra o qual havia revertido a execução, por preterição de formalidades legais do acto de reversão, por não observância do disposto no art. 23º, nº 4, da LGT.
Constitui jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal (Cfr. os Acórdão do STA de: 28 de Março de 2012, proc nº 953/11, 16 de Novembro de 2011, proc nº 681/11; e, recentemente, o Acórdão de10 de Outubro de 2012, proc nº 702/12, com indicação de vasta jurisprudência.) que o meio processual adequado para atacar o despacho de reversão com fundamento em vícios formais do mesmo é a oposição, bem como para reagir contra o acto de reversão proferido em processo de execução fiscal com fundamento na falta de pressupostos, de legitimidade, de fundamentação ou outros vícios que o afectem.
Assim sendo, na perspectiva do recorrente, tal como ele gizou a oposição, e tendo em conta o pedido e a forma como estruturou a causa de pedir, o meio processual é o adequado, pelo que se afigura não subsistir o alegado erro na forma de processo.
Agora o facto de o meio processual ser idóneo não quer dizer que assista razão ao recorrente e que a oposição tenha de proceder. Pois já concluímos que assim não pode ser.
Se bem se entende a sentença recorrida, segundo a Mª Juíz “a quo” o recorrente para se defender de forma eficaz deveria ter usado a Acção Administrativa Especial com vista a obter a anulação ou declaração de nulidade do despacho (de 5/3/2010), que converteu em reembolsável o subsídio não reembolsável concedido ao abrigo do mencionado Contrato de Concessão de Incentivos, que esteve na base da emissão da certidão da dívida exequenda.
Na verdade, sendo o recorrente responsável solidário, nos termos expostos, para discutir se de facto há ou não incumprimento do contrato de incentivos em causa, a sede própria para se defender seria no âmbito da discussão da legalidade do despacho que procedeu à rescisão unilateral de tal contrato, e não em sede de oposição à execução fiscal.
Constitui jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal (vazada, entre outros, nos Acórdãos de: 14/10/94, proc nº 18034; 1/6/2011, proc nº 214/11; e 23 /2/2012, proc nº 97/12), que respeitando a dívida exequenda a restituição de quantias recebidas no âmbito de comparticipações do Fundo Social Europeu, ou de dívidas ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, o meio processual adequado é a acção administrativa especial a intentar contra o despacho que ordena a reposição ou a restituição das importâncias indevidamente recebidas.
No mesmo sentido, estando em causa a cobrança coerciva de dívida relativa ao reembolso de um apoio financeiro, tendo por base certidão emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, pode ler-se no Acórdão de 23/10/2002, proc nº 966/02, que sendo tal “despacho contenciosamente impugnável, nos expressos termos do art. 6º, nº 2 do Dec-Lei 437/78, de 28 Dez. Pelo que a legalidade do mesmo despacho teria de ser apreciada na impugnação, não podendo sê-lo em sede de oposição que não consente tal fase anulatória, a não ser que a “lei não assegure meio judicial de impugnação”, nos termos da al.h) do mesmo normativo, o que não é o caso como se viu. A sindicância contenciosa de tal despacho, na oposição à execução, envolveria, assim, apreciação da legalidade da “liquidação”, o que não é consentido pela dita al.i). Assim, nos casos em que não exista um acto de liquidação propriamente dito, não deve admitir-se a discussão da sua legalidade quando a lei prevê - aliás, expressamente no caso - a sua impugnação contenciosa, não podendo, pois, deslocar-se a respectiva sindicância judicial para o meio processual de oposição à execução.”
Acontece, porém, que uma coisa é o que o recorrente, na óptica da Mmª Juíza “a quo” deveria ter feito, outra bem diferente foi o meio concretamente utilizado.
E, em relação a este último aspecto, assiste razão ao recorrente quanto à não existência de erro na forma de processo.

2.2.3. Quanto aos pressupostos da convolação

Acresce que mesmo a admitir-se haver erro na forma do processo de qualquer modo nunca se poderia enveredar pela convolação.
A convolação da presente oposição à execução fiscal está dependente da verificação de dois pressupostos, a saber:
a) Que a petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual, neste caso, oposição à execução fiscal;
b) Que o pedido formulado seja compaginável com a forma de processo adequado, pressuposto que, no caso concreto, conforme se referiu se verifica.
Justificando-se a convolação por razões de economia processual, torna-se necessário averiguar se existe no caso algum obstáculo ao prosseguimento da petição na forma processual adequada, designadamente em termos de tempestividade.
A este propósito pode ler-se na sentença recorrida o seguinte:
“O processo de Oposição foi instaurado em 18 de Maio de 2011.
O Oponente foi citado como executado em 20 de Abril de 2011.
Logo, a Acção Administrativa Especial devia ter sido interposta no prazo de três meses, de acordo com o teor do art. 58°, n.° 2, alínea b) do CPTA, que nos termos do disposto no art. 59°, n.°1 do referido diploma legal, se conta a partir da data da notificação.
Sucede que, o Oponente não foi notificado do despacho que converteu em reembolsável o subsídio não reembolsável, como resulta do expediente de fls. 21 a 23 dos autos.
Pelo que, a convolação é possível, uma vez, que a presente Oposição foi apresentada naquele prazo de três meses”.
Se bem se entende a douta sentença recorrida, a Mmª Juíza “a quo” faz assentar a convolação no facto de a acção administrativa especial ser tempestiva, por não considerar oponível ao recorrente a notificação do despacho de fls. 21 a 23 dos autos, uma vez ter sido devolvida a carta que lhe fora enviada, com indicação dos CTT de “não reclamada”.
Acontece que, mesmo a dar-se como correcto este pressuposto da tempestividade, a convolação teria sempre de considerar-se impossível em virtude da incompetência absoluta dos Tribunais Tributários para apreciar a questão.
Com efeito, constitui jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal explicitada nos Acórdãos atrás mencionados que a discussão da ilegalidade das decisões que ordenem a restituição de quantias indevidamente recebidas no âmbito das comparticipações do Fundo Social Europeu ou do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, em especial, por os recorrentes não serem responsáveis pelas dívidas, não é da competência dos tribunais tributários (art. 49º do ETAF), mas sim dos tribunais administrativos de círculo (art. 44º do ETAF), sendo que a infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determinam a incompetência absoluta do tribunal (cfr. o art. 16º do CPPT).
Como a consequência da incompetência absoluta é a absolvição da instância, nos termos do disposto no art. 288º, nº 1, alínea a), do CPC, cabe ao recorrente decidir, nos termos do disposto no art. 289º do CPC, intentar ou não a Acção Administrativa Especial.
Verifica-se, assim, a impossibilidade da convolação, a qual pressupõe não só o erro na forma do processo utilizado, como sobretudo a possibilidade de continuação da instância e do processo nos Tribunais Tributários.
Assim sendo, em face do exposto, não é de manter a sentença recorrida que ordena o prosseguimento da oposição como Acção Administrativa Especial, que neste aspecto deve ser revogada.
Termos em que, tudo visto e ponderado, deve ser confirmada a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a oposição judicial, ainda que com distinta fundamentação, e revogar-se no segmento que ordena a convolação.
Nesta sequência, não assistindo razão ao recorrente quanto ao erro de julgamento assacado à sentença recorrida quanto à improcedência da oposição, deve ser negado provimento ao presente recurso.


III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, confirmar a sentença recorrida na parte em que julga pela improcedência da oposição, negando-se, nesta sequência, provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida na parte em que determina o prosseguimento do processo como Acção Administrativa Especial.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.