Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0796/16
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
EXECUÇÃO DE JULGADO
ACTO
Sumário:Deve admitir-se recurso de revista relativamente à questão de saber em que medida o dever de executar se mostra integralmente cumprido, designadamente através da emissão de acto não impugnado tempestivamente, mas que não coloca o interessado na posição em que se encontraria se não tivesse sido proferido o acto anulado.
Nº Convencional:JSTA000P20793
Nº do Documento:SA1201607070796
Data de Entrada:06/24/2016
Recorrente:A.......
Recorrido 1:MJ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…….. recorreu nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 19 de Fevereiro de 2016 que revogou a sentença proferida pelo TAF do Porto e julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si instaurada contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, visando obter a anulação “(…) (i) do ato de homologação da lista de classificação final do Estágio correspondente ao 39.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários, homologada pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, e publicada em Diário da República de 28.05.2010; (ii) do despacho da Diretora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária, de 01/06/2010, publicado no Diário da República, II Série, n.º 112, de 11.04.2010 e (iii) do ato constante do despacho do Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, de 07/06/2010, no qual se determina a colocação do A. na Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo e, bem assim, a sua condenação à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados, dando cumprimento aos deveres a que não tenha dado cumprimento com fundamento no ato impugnado, designadamente, procedendo (iv) à sua nomeação na categoria de Inspetor de Escalão 1, com efeitos desde 31 de outubro de 2003, (v) à sua nomeação na categoria de Inspetor de Escalão 2, com efeitos desde 01 de março de 2009, (vi) à sua colocação na Diretoria do Norte e (vii) à liquidação e pagamento das remunerações que deixou de auferir, acrescidas dos respetivos juros de mora à taxa legal em vigor”.

1.2. Justifica a admissão da revista por estar em causa “uma questão com indiscutível relevância jurídica – na medida em que muitos serão os casos em que funcionários públicos são ou poderão vir a ser confrontados com questões idênticas à do recorrente – qual seja, a de saber se a aceitação de um acto cuja falta de eficácia retroactiva não é expressa, mas que, pela sua natureza, e integração num quadro jurídico anulatório, tem de ter tal eficácia, pode afastar, sem mais, o direito a uma verdadeira reconstituição da situação actual hipotética, ou seja, se a aceitação pode implicar uma renúncia a posições jurídicas subjectivas, e, por isso, ou por causa disso, sempre que a Administração não retire consequência dessa natural eficácia retroactiva devem ou não ser os Tribunais a fazê-lo dando assim protecção aos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, constitucional e legalmente plasmados

1.3. O Ministério da Justiça pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados foram os seguintes:

A) O A. candidatou-se ao concurso externo de ingresso para admissão de 100 candidatos ao curso de formação de agentes estagiários da Polícia Judiciária, aberto pelo Aviso n.º 3941/2000, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 51, de 01/03/2000;

B) O A. foi convocado para realizar as provas de conhecimentos, exame psicológico de seleção, exame médico de seleção e as provas físicas, nas quais obteve “boa classificação”;

C) O A. não foi notificado para a realização da prova de entrevista profissional de seleção;

D) Em 16.10.2002, o A. foi notificado para se pronunciar sobre um projeto de lista de classificação final atribuída pelo Júri onde o seu nome constava como “não aprovado” por ter faltado à entrevista;

E) Por despacho do Diretor Nacional Adjunto da PJ, de 19/11/202 foi homologada a referida lista de classificação final;

F) O A. interpôs recurso hierárquico da lista referida na alínea que antecede, o qual foi indeferido por despacho de 30/12/2002, do Senhor Secretário de Estado da Justiça;

G) O Autor interpôs recurso contencioso dessa decisão, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, em 24/05/2007, no processo n.º 12828/03, que concedendo provimento ao recurso, anulou o ato impugnado e ordenou a designação de nova data para a realização da entrevista profissional de seleção – cfr. doc. de fls. 34 a 38 dos autos

H) Em 19/12/2007 o A. realizou a prova de entrevista profissional de seleção, na qual obteve a classificação de 15 valores;

I) Pelo Aviso n.º 2668/2008, publicado no D.R., 2.ª S, n.º 24,de 04/02/08 “foi aditado o candidato RVSS, que fica posicionado em 44.º lugar, com a classificação de 12.27 valores” – cfr. doc. de fls. 39 dos autos;

J) Por ofício de 08/03/2008, o Autor despacho de 14/03/2008 o Autor foi convocado para frequentar o 39.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários – cfr. dos. de fls. 44 dos autos;

J1) O Autor frequentou o aludido curso de formação, que terminou com aproveitamento, embora não constasse da lista de classificação final do concurso que deu acesso a esse 39.º Curso de Formação - cfr. doc. de fls.40 a 43 dos autos;

K) Por despacho de 30/03/2009, emanado pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 69, de 08/04/2009, o A. foi nomeado, em período experimental, após concurso, como Inspetor Estagiário da PJ, tendo subscrito o respetivo termo de aceitação em 17/04/2009 – cfr. doc. de fls. 46 e 47 dos autos.

L) Por Aviso n.º 10636/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 104, de 28/05/2010, foi publicitada a “…a lista de classificação final do Estágio, correspondente ao 39.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários…”, na qual o Autor aparece integrado no 55.º lugar – cfr. doc. de fls. 24 a 26 dos autos;

M) Por despacho de 31/05/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 112, de 11/06/2010, foi “…declarado concluído o período experimental dos(…) Inspetores estagiários, ficando posicionados na categoria de Inspetor de escalão 1, com efeitos a partir de 17.04.2010(…)” – cfr. doc. de fls. 27 e 28 dos autos;

N) A partir de 18/04/2010 o A. ingressou na categoria de Inspetor de Escalão 1;

O) Por despacho de 07/06/2010, emanado pelo Senhor Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, o Autor foi colocado na Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária (DLVT)- cfr. doc. de fls. 29 a 33 dos autos;

P) O A. pretendia ter sido colocado no Porto, onde sempre residiu e onde tem a sua família, designadamente, a mulher e os filhos.

Q) Os candidatos admitidos no âmbito do concurso identificado em A) frequentaram o curso de formação de agentes estagiários n.º 37;

R) Os referidos candidatos que concluíram com aproveitamento o referido curso de formação e o estágio, foram nomeados na categoria de Inspetor Escalão I, em 31/10/2003;

S) E passaram para o Escalão II em 01/03/2009.

T) A presente ação deu entrada neste Tribunal no dia 12 de outubro de 2010- cfr.doc. de fls. 2 e 3 dos autos.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância deu razão ao autor, tendo proferido a seguinte decisão:

«(…)

Nestes termos, julgamos a presente ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos procedente, por provada e, em consequência: I) Anulamos os atos impugnados com fundamento em vício de violação de lei; II) Condenamos a Entidade Demandada a proceder à nomeação do Autor na categoria de Inspetor de Escalão I, com efeitos reportados ao dia 31 de outubro de 2003; III) Condenamos a Entidade Demandada a proceder à nomeação do Autor na categoria de Inspetor de Escalão II, com efeitos reportados ao dia 01 de março de 2009; IV) Condenamos a Entidade Demandada a considerar a antiguidade do Autor por referência ao dia 31 de outubro de 2003 para efeitos da colocação do Autor na Diretoria do Norte da Polícia Judiciária; V) Condenamos a Entidade Demandada a pagar ao Autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 31 de outubro de 2003 até ao dia 01 de março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspetor Escalão I em vigor durante esse período, acrescido dos respetivos juros moratórios à taxa legal em vigor desde a citação para a presente ação – 11.12.2010- até ao trânsito em julgado da presente decisão; VI) Condenamos a Entidade Demandada a pagar ao Autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 01 de março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspetor Escalão II em vigor durante esse período, acrescido dos respetivos juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação para a presente ação – 11.12.2010 - e até ao trânsito em julgado da presente decisão.

(…)”.

3.3. O TCA revogou a decisão do TAF do Porto, no essencial, por não acompanhar o entendimento ali sufragado de que o autor não tinha o ónus de impugnar o acto que o nomeou inspector estagiário em 30-3-2009, sem efeitos retroactivos. A decisão do TAF fundamentou-se no entendimento de que aquela aceitação da nomeação como inspector estagiário não podia significar que a partir daquele momento aquele passou a considerar integralmente cumprido o acórdão do TCA Sul, ou seja, reconstituída a situação actual hipotética em que encontraria não fora ter sido destinatário de um acto ilegal.

O TCA Norte, todavia, afastou-se deste entendimento com a seguinte argumentação: “Naturalmente o autor poderia ter subscrito o termo de aceitação sem qualquer prejuízo para a sua pretensão, na medida em que se ficasse inconformado com qualquer aspecto ou dimensão juridicamente relevante do acto de nomeação, designadamente ser incluído indiscriminadamente com todos os demais nomeados no mesmo regime, sem ser acautelada a sua situação específica mediante a determinação da eficácia retroactiva da sua nomeação à data em que foram nomeados os demais candidatos aprovados no concurso referido em A) da matéria de facto, tinha caminho aberto para impugnar o despacho de nomeação, datado de 30-5-2009. Sob pena de ver tal acto firmar-se na ordem jurídica por não exercício tempestivo do direito à sua impugnação, como sucedeu.”

3.4. A divergência entre as decisões da primeira e segunda instância decorre da circunstância do acto que nomeou o autor como Inspector Estagiário em 30-3-2009 se ter, ou não consolidado na ordem jurídica, uma vez que não foi tempestivamente impugnado. Para responder a essa questão o TAF entendeu que a reconstituição da situação actual hipotética da situação jurídica do autor que viu anulado o acto que ilegalmente o excluiu da frequência de um estágio anterior, só se verificava se – uma vez obtido aproveitamento no estágio seguinte – o seu ingresso na carreira retroagisse os seus efeitos à data em que ingressaram os que frequentaram o estágio anterior. O TCA entendeu que o presente litígio (sobre o ingresso na carreira) deve ser desligado da execução do julgado anulatório. “Na verdade – diz o TCA Norte – a relação jurídica administrativa apreciada no acórdão do TCAS incidia sobre a não aprovação do ora autor e recorrido (…) na lista de classificação final de um concurso de ingresso para admissão de candidatos ao curso de agentes estagiários da Polícia Judiciária (…). Em suma incidia sobre a sua pretensão de ingressar na PJ. Ao passo que os presentes autos está em causa uma relação jurídica administrativa relativa à carreira do autor, obviamente depois de ingressado na PJ, estando impugnados actos concernentes ao seu posicionamento em termos de antiguidade na categoria de Inspector Estagiário e ao seu posicionamento, colocação e antiguidade na categoria de Inspector de Escalão I”.

3.5. Expostas as questões e a controvérsia objecto do presente litígio concluímos que a mesma se situa no âmbito da execução de um julgado anulatório, embora com contornos complexos. Com efeito, tendo sido anulado o acto que não admitiu o autor a frequentar o estágio, é de especial complexidade determinar quão o âmbito do dever de executar – complexidade que emerge desde logo da divergência das posições do TCA e do TAF.

Por outro lado, a tese de que o acto de nomeação sem efeitos retroactivos se consolidou – por não ter sido tempestivamente impugnado o respectivo acto – merece, a nosso ver, especial reflexão. É verdade que o mesmo se consolidou – pois não foi impugnado – mas também é verdade que importa saber se ainda assim pode subsistir na ordem jurídica, face ao regime da execução do julgado anulatório e âmbito de dever de executar. Tendo a Administração o dever de reconstituir a situação jurídica do autor, como se o acto anulado não tivesse sido proferido, só no momento em que o autor obtém aprovação no estágio se coloca a questão de saber em que termos essa aprovação tem reflexos na reconstituição da sua situação jurídica.

Este tipo de situações – complexas pois implicam a articulação de actos não impugnados mas que podem obstar a uma reintegração plena da ordem jurídica – pode efectivamente surgir em casos futuros, designadamente na execução de actos anulatórios de concursos públicos. Por outro lado, localizam-se numa zona juridicamente importante da execução do julgado, ou seja, sobre âmbito do dever de executar.

Assim tendo em conta, além do mais, a divergência das decisões proferidas nas instâncias justifica-se a admissão da revista.

4. Decisão

Face ao exposto, admite-se a revista.

Lisboa, 7 de Julho de 2016. – São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.