Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0194/15.0BEAVR
Data do Acordão:02/16/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:INSOLVÊNCIA
MENOS VALIAS
TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - O artigo 81.º, n.º 2, alínea b) do CIRC qualificava como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade e fixava o respectivo regime, especial, para a tributação do resultado da partilha, com uma forma própria de cálculo e com deduções específicas.
II - Dado o regime especial assim fixado e na ausência de remissão para o regime de limitação da dedutibilidade então fixado pelo n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, há que concluir que este último não é aplicável à situação identificada em I.
Nº Convencional:JSTA000P28972
Nº do Documento:SA2202202160194/15
Data de Entrada:04/24/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............., SGPS, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por «B…………… II, SGPS, S.A.» contra a autoliquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício fiscal de 2008, no valor total de € 245.916,00, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo recurso jurisdicional.

1.2. Após admissão do recurso, a Recorrente apresentou a sua alegação, em que concluiu nos seguintes termos:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B………….. II, SGPS, S.A. contra a liquidação de IRC do exercício de 2008.

II. O Tribunal a quo entendeu anular a liquidação em causa, “na parte em que a mesma se encontra influenciada pela correcção da «menos-valia» referida na causa de pedir”, por ter considerado que essa menos-valia, gerada na esfera da impugnante por força da liquidação e partilha de uma das suas participadas, concorre integralmente para a formação do lucro tributável, e não apenas em 50% do seu montante, como pretende a AT.

III. Não podendo a recorrente manifestar concordância com o assim decidido, entende que a questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o Tribunal recorrido laborou em erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação do preceituado nos (então) artigos 42.º n.º 3 e 75.º, ambos do Código do IRC.

IV. O regime de apuramento de mais-valias e de menos-valias encontrava-se previsto nos artigos 43.º e seguintes do Código do IRC, aplicável quando estivessem em causa ganhos obtidos ou perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que fosse o título por que se operassem e, bem assim, os derivados de sinistros ou os resultantes de afectação permanente daqueles elementos a fins alheios à actividade exercida.

V. Quando estivesse em causa a partilha pelos sócios dos bens patrimoniais, em caso de liquidação de sociedades, ocorrendo a extinção da sociedade e não a sua transmissão onerosa, era aplicável o regime previsto no (então) artigo 75.º do Código do IRC.

VI. Com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, foi alterado o n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC, passando a considerar-se que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorria para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

VII. Tendo em consideração que esta norma refere, expressamente, «outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio», o legislador pretendeu abarcar todas as outras situações relativas a partes de capital que não decorressem unicamente de transmissões onerosas.

VIII. O n.º 3 daquele artigo 42.º do Código do IRC é uma norma geral, encontrando-se nela incluídas todas as perdas relativas a partes de capital, cabendo no seu âmbito de aplicação as menos-valias apuradas numa situação de liquidação e partilha.

IX. Se o legislador pretendesse excluir do âmbito desta norma as perdas resultantes da liquidação e partilha, tê-lo-ia feito expressamente, o que não sucedeu.

X. Por conseguinte, as menos-valias apuradas em resultado de operações de liquidação e partilha, a partir do período de 2006, passaram a concorrer para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

XI. A tal entendimento, com o devido respeito, não obsta a posição assumida no douto acórdão do STA, datado de 17-02-2016, proferido no processo n.º 01401/14, por sua vez ancorado na decisão proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 108/2013-T, relativa à interpretação do n.º 3 do artigo 45.º (anterior artigo 42.º) do Código do IRC, porquanto:

a) o argumentário vertido em tais decisões, fundado na dicotomia «gastos» e «perdas», parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção entre esses conceitos;

b) é imprescindível realizar uma diferenciação entre normais gerais, normas excepcionais e normas especiais.

XII. O artigo 75.º do Código do IRC, sendo uma norma especial, integra aspectos específicos não previstos na norma geral do artigo 42.º, assumindo uma natureza complementar em relação a esta.

XIII. Não obstante o regime consagrado no artigo 75.º do Código do IRC constituir um regime especial, regulando aspectos específicos (como é o caso da liquidação e partilha de sociedades), não contém uma disciplina que colida com o regime geral, registando-se, inclusive, uma plausível justificação para aplicação das medidas anti-abuso previstas na norma geral.

XIV. Por fim, diga-se que a posição da AT, expressa no parecer do CEF nº 103/96, tem de ser lida e enquadrada em consonância com a redacção do normativo em vigor na altura da sua emissão, não podendo ser transposta, de forma acrítica, para exercícios posteriores em que se verificaram alterações legislativas nesse mesmo normativo.

XV. Em conclusão, afigura-se-nos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação do preceituado nos (então) artigos 42.º n.º 3 e 75.º, ambos do Código do IRC, o que deverá conduzir à revogação da douta sentença aqui recorrida.

1.3. A Impugnante, doravante Recorrida, notificada da interposição do recurso e da sua admissão, requereu a junção aos autos de contra-alegações, que rematou com quadro conclusivo que infra se transcreve:

«1. A douta Sentença recorrida, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não é passível de qualquer censura,

Com efeito,

2. Como já foi expendido na petição inicial, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, reiterado em sede de alegações pré-sentenciais e confirmado na douta Sentença recorrida, estribada em Jurisprudência uniforme deste Venerando STA sobre a matéria,

3. estamos perante um custo fiscal dedutível na totalidade, porque não se trata in casu de menos-valias, mas sim de uma perda de valor resultante da liquidação e partilha, por falência, da sociedade participada, sendo aplicável outrossim o art.° 75.° n° 2 b) do Código do IRC.

4. A própria AT/Recorrente reconhece que não estão em causa menos-valias resultantes da alienação onerosa de parte de capital.

5. De facto, de acordo com o CSC, a liquidação de uma sociedade é a fase ou situação jurídica em que se encontra uma sociedade em consequência da sua dissolução (artigo 146° do CSC),

6. no âmbito da qual, após eliminação do passivo social - ou seja, depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos eventuais credores societários se procede à partilha do remanescente (activo restante), se o houver, pelos sócios (artigo 156° do CSC).

7. Com a liquidação e a integração dos activos no património dos sócios, extinguem-se todas as participações sociais correspondentes à sociedade liquidada, assim como, logicamente, todos os efeitos contabilísticos que lhes andavam ligados.

8. Em traços gerais, o activo restante tem por destino primaz o “reembolso” do montante das entradas efectivamente realizadas, o qual, por regra, equivale à fracção de capital correspondente a cada sócio (n° 2 do artigo 156° do CSC).

9. Uma vez realizado o reembolso integral, se registar ainda um saldo (positivo), este é repartido pelos sócios na proporção estabelecida quanto à distribuição dos lucros (n° 4 do artigo 156° do CSC).

10. Se o activo restante se revelar insuficiente para reembolsar os sócios do montante das entradas efectivamente realizadas, é o mesmo distribuído pelos sócios para que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhes competir nas perdas da sociedade (n° 3 do artigo 156° do CSC).

11. Na interpretação das normas fiscais devem ser tidos em conta os outros ramos de Direito, sempre que daquelas constem termos jurídicos comuns a outros ramos da lei, conforme dispõe o artigo 11° n° 2 da LGT.

12. Ora, conforme resulta do acima aludido, nos casos de dissolução e liquidação de uma sociedade participada, não há qualquer transmissão das partes de capital detidas na sociedade participada (dissolvida e liquidada - ou seja, extinta) - essas partes de capitai, outrossim, extinguem-se.

13. E só mediante a transmissão de partes de capital é que é possível a realização de mais ou menos valias - cfr. o conceito de mais e menos valias constante do artigo 46° do CIRC, dele não constando os casos de dissolução e liquidação de sociedades.

14. Sendo que, nos termos do artigo 9º n° 1 do CC, por remissão do artigo 11° n° 1 da LGT, a unidade do sistema jurídico é precisamente um dos critérios interpretativos da lei.

15. Por sua vez, o regime jurídico-fiscal da dissolução e liquidação de sociedades encontrava-se previsto, em especial, nos artigos 73° a 76° do CIRC (redacção à data dos factos), numa subsecção específica (subsecção V), com a epígrafe “liquidação de sociedades e outras entidades”.

16. Conforme decorre dos artigos 74° e 75° do CIRC (sempre a redacção de 2008), o legislador fiscal determinou, portanto, que o valor de realização dos bens patrimoniais distribuídos pelos sócios equivale ao seu valor de mercado, e que este, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais, é objecto de englobamento (n° 1 do artigo 75° do CIRC).

17. De seguida, o legislador dispôs que, quando o preço pelo qual as partes sociais foram adquiridas se mostrar superior ao valor do património que aflui ao sócio em resultado da partilha, estamos perante uma perda,

18. a qual é dedutível sempre que a quota ou as acções que lhe deram origem tenham permanecido na titularidade do respectivo sócio durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução (alínea b) do n° 2 do artigo 75° do CIRC).

19. A própria AT, mediante Despacho de 17 de Novembro de 2005 do Subdirector-Geral dos Impostos, no âmbito do processo n° 2336/04, esclareceu que os ganhos e perdas apuradas como resultado da liquidação ficam subordinadas à disciplina do n° 2 do artigo 75° do Código do IRC, não se aplicando o regime que lhes seria aplicado numa situação de transmissão onerosa de partes de capital.

20. Por imposição dos princípios da boa-fé, da seguracão jurídica e da protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes, a AT não pode agir em contravenção do entendimento e interpretação que a própria AT faz das normas tributárias (artigos 10° do CPA, 266° n° 2 da CRP, 68°-A da LGT e 55° do CPPT).

21. Com efeito, a interpretação que a AT divulga acerca da interpretação que a própria faz das normas fiscais é juridicamente vinculativa para a própria AT (artigos 68°-A da LGT e 55° do CPPT), não podendo depois dar o dito por não dito, com o intuito de prejudicar os contribuintes e arrecadar receita tributária sem olhar a meios, atropelando a lei.

22. Segundo a alínea b) do n° 2 do artigo 75° do CIRC, há muito em vigor, no caso especial da dissolução e liquidação de sociedades, é integralmente dedutível a menos-valia resultante da diferença negativa entre (i) o valor atribuído na partilha (da sociedade liquidada e dissolvida) e (ii) o custo de aquisição das participações sociais detidas na sociedade liquidada.

23. Sendo certo que a norma especial prevalece sobre a norma geral, conforme decorre do disposto no artigo 7º n° 3 do CC, ex vi do artigo 11º n° 1 da LGT.

24. O artigo 75° do CIRC não remete para o artigo 42° n° 3 do CIRC.

25. Enquanto que, na transmissão de partes de capital, estamos perante ganhos e perdas apurados na sequência da especial actividade que é prosseguida pelas SGPS - a gestão de participações sociais e que, por esse motivo, merece especial atenção legislativa,

26. já nos casos, especiais de dissolução e liquidação de sociedades os ganhos ou perdas eventualmente apurados nada têm que ver com a actividade normal prosseguida por aquela espécie de sociedades (SGPS’s) - para as quais a extinção de uma participada, de um modo definitivo e irreversível, não pode deixar de se considerar um acontecimento atípico.

27. Sendo certo que nos casos de dissolução e liquidação de sociedades não ocorre qualquer transmissão de partes de capital, mas apenas a sua extinção.

28. Enquanto a transmissão de participações sociais - e as mais ou menos-valias apuradas em consequência dessa transmissão - é precisamente aquilo que as SGPS’s cuidam de fazer numa base quotidiana e corrente, o mesmo já não sucede com a decisão de dissolução e liquidação de sociedades participadas.

29. Por não deter esse especial vínculo com a actividade típica de uma SGPS, não pode este último caso (dissolução e liquidação de sociedades participadas) ser subsumível ao tratamento tributário consagrado pelo legislador fiscal às SGPS’s - e que se ancora, precisamente, na prossecução do seu objecto social.

30. Nesse sentido, quaisquer ganhos ou perdas sofridas na decorrência da dissolução e liquidação de sociedades terão necessariamente de ser apreciadas à luz do regime legal especial consagrado para as consequências, na esfera dos sócios, dessa dissolução e liquidação de sociedades - regime legal especial, este, contido nos artigos 73° a 76° do CIRC (redacção de 2008, sempre).

31. As menos-valias resultantes da dissolução e liquidação de sociedades não se verificam em resultado de qualquer transmissão efectuada pelo sócio que as regista.

32. Elas têm origem na extinção da participação por contrapartida da afluência à esfera desse sócio do activo da sociedade liquidada, se o houver.

33. Não é possível divisar no artigo 75° do CIRC qualquer remissão, expressa ou implícita, para o artigo 42° do CIRC.

34. A disciplina fiscal da liquidação de sociedades, no CIRC, contém a regulamentação integral e completa dos efeitos tributários que lhe competem, tanto na esfera da sociedade liquidada, como no plano dos respectivos sócios, sem carecer de qualquer integração por recurso a outras normas do CIRC ou de qualquer outro diploma legal fiscal.

35. Ou seja, o regime dos artigos 73° a 76° do CIRC é auto-suficiente, regulando fiscalmente, na íntegra e em especial, os casos, específicos, de dissolução e liquidação de sociedades - quer na esfera da sociedade dissolvida e liquidada, quer na esfera do respectivo accionista, independentemente da qualidade deste.

36. Aliás, a própria AT assim considera no Parecer do CEF n° 103/96, de 20.12.1996, averbado de Despacho concordante do Director-Geral dos Impostos, de 12.03.1997, in CTF n° 387, pág. 376 e ss.),

37. Neste sentido, em situação idêntica à dos autos, veja-se o douto Acórdão do TCAS, Secção de CT, de 17.04.2012, Proc. 05315/12, in www.dgsi.pt,

38. Também em situação equiparável à dos autos, o douto Acórdão do STA, 2ª Secção, de 17.02.2016, Proc. 01401/14, in www.dgsi.pt, no qual se baseia a douta Sentença recorrida.

39. Atento o sentido e o alcance do n° 3 do art. 42° do Código do IRC, este é inaplicável ao resultado da liquidação de sociedades sem uma específica disposição legal muito clara nesse sentido.

40. Pelo que a solução adoptada pela AT não tem suporte legal.

41. Mas, mesmo que uma tal solução tivesse, por hipótese, base legal que a suportasse, ela enfermaria de inconstitucionalidade, por violação de diversos princípios constitucionais.

42. A ilegalidade da correcção da matéria colectável resulta logo da existência de um específico regime do IRC no caso de liquidação de sociedades, pois que estas, nos termos dos arts. 73° a 76° do Código do IRC, são tributadas tendo em conta a sua situação de sociedades em liquidação.

43. É certo que a AT não retira dos artigos do Código do IRC relativos à liquidação e partilha das sociedades a limitação da consideração fiscal de apenas metade do referido saldo negativo, deduzindo-a antes do n° 3 do art. 42° do mesmo Código.

44. Mas este preceito é inaplicável às sociedades em liquidação, pois: não integra o regime geral do IRC empresarial; ainda que integrasse esse regime, dado o seu carácter excepcional, não valeria para as situações que se subsumem no regime da liquidação de sociedades; enfim, ainda que o regime fiscal da liquidação de sociedades pudesse ser visto como um regime especial em relação àquele, ainda assim a situação não poderia subsumir-se no referido n° 3 do art. 42°.

45. Em primeiro lugar, o n° 3 do art. 42° do Código do IRC constitui uma norma excepcional, pois este não contém qualquer delimitação negativa dos custos ou perdas, assentando numa lógica totalmente alheia a essa delimitação, configurando um verdadeiro segmento de tributação autónoma incidente sobre perdas.

46. Essa norma não integra o regime geral das componentes negativas do lucro tributável do IRC empresarial, ou seja, dos custos e perdas, de um lado, e das variações patrimoniais negativas relevantes em sede fiscal e não reflectidas no resultado líquido do exercício, como o integram a generalidade das disposições constantes dos art.s 23°, 24°, 33° e 42° do Código do IRC.

47. Efectivamente, pode-se dizer que a generalidade das soluções dos art.s 23°, 33° e 42° do Código do IRC integram o regime geral das componentes negativas do lucro tributável, pois estamos aí perante explicitações, especificações ou concretizações das disposições constantes do n° 2 do art. 3º, do n° 1 do art 17° e do n° 1 do art. 23° do Código do IRC.

48. O que não ocorre com o n° 3 do referido art. 42°, pois neste preceito não se trata de explicitar, especificar ou concretizar os princípios atinentes à determinação do lucro tributável, sobretudo os constantes do n° 1 do art. 23°, estabelecendo antes uma solução oposta à do referido regime geral, excluindo dos custos ou perdas fiscais custos ou perdas económicos e contabilísticos.

49. Pelo que temos aí uma norma excepcional face ao regime geral enunciado nesse preceito, porquanto exclui das componentes negativas do lucro tributável efectivos custos ou perdas que comprovadamente se revelam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

50. Mais, trata-se de uma componente negativa identificada na lista exemplificativa contida no n° 1 desse art. 23°, em que integra nos custos ou perdas fiscais, entre outros, as menos-valias realizadas, e definida concretizada no art. 43° do Código do IRC.

51. Por isso, a exclusão dos custos ou perdas fiscais de metade do valor da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas constitui uma excepção cuja validade jurídica requer um fundamento específico,

52. como, por exemplo, a realização dessas menos-valias ser levada a cabo em circunstâncias de tempo, lugar ou modo que, em abstracto, apresentem elevado risco de as empresas adoptarem puras práticas de «gestão de resultados».

53. Mas a norma em análise (artigo 75° do CIRC) não apresenta essa configuração, pois a sua formulação tão genérica e abrangente não se reporta a situações que, em abstracto, sejam susceptíveis de comportar risco de planeamento fiscal abusivo.

54. Ela abarca também as situações de normal desenvolvimento da actividade das empresas, segundo um estrito business purpose.

55. Por isso, a solução em causa viola os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real, o princípio da igualdade na medida em que tratam de modo absolutamente desigual as mais-valias e as menos-valias, o princípio da liberdade de gestão fiscal, e os princípios da proporcionalidade e da coerência do sistema fiscal.

56. Aliás, se o legislador estivesse convicto de que com essa solução se tratava de excluir do lucro tributável das empresas uma componente negativa resultado de generalizadas manobras de gestão de resultados, reprimindo assim as wash sales rules ou os abusos de dedutibilidade fiscal, então não vemos porque é que não estabeleceu uma exclusão total.

57. Na liquidação de sociedades estamos face a um regime fiscal muito específico, o qual é integrado por disposições que se diferenciam significativamente das restantes normas, designadamente das que integram o regime geral do IRC.

58. O que não admira, pois trata-se de um regime que dispõe de inteira autonomia e de suficiente completude para não carecer de quaisquer outras normas que o tenham por objecto.

59. Por isso, havendo normas específicas de tributação, como acontece com as relativas ao tratamento das mais-valias e das menos-valias, não podem ser aplicáveis outras normas.

60. Mas ainda que, por mera hipótese académica, o mencionado regime geral lhe fosse aplicável, não lhe seria aplicável o n° 3 do referido art. 42°, por duas ordens de razões: (i) por um lado, porquanto se trata de uma norma de carácter excepcional, se é que não constitui mesmo uma norma algo anómala em sede do regime geral da consideração/não consideração fiscal das mais-valias e menos-valias; (ií) por outro lado, ainda que essa norma integrasse o mencionado regime geral, ainda assim teríamos de concluir que uma tal situação não é subsumível na hipótese e estatuição desse preceito legal, já que se não vislumbram na liquidação de sociedades quaisquer menos-valias realizadas do tipo das contempladas nesse preceito.

61. Aliás, que isto é assim dá-o a entender o próprio legislador, ao estabelecer normas seja para afastar seja para aplicar esse regime de desconsideração de metade do saldo negativo das mais-valias e menos-valias.

62. Assim, de um lado, afasta a aplicação à liquidação e partilha de sociedades do regime da dedução para eliminar ou atenuar a dupla tributação económica, sempre que não estejam em causa rendimentos de capitais.

63. Por outro lado, dispõe que o regime do reporte de prejuízos se aplica na situação relativamente aos prejuízos anteriores, os quais podem assim ser deduzidos ao lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação desde que este não ultrapasse dois anos.

64. De resto, no mesmo sentido vai a doutrina veiculada pela própria AT, pois, segundo o Despacho do Director Geral dos Impostos de 13-03-2007, no cálculo das mais-valias e das menos-valias resultantes da operação de partilha não há lugar à correcção monetária do custo de aquisição das partes sociais nem é aplicável o regime de previsto no art. 45° do reinvestimento, já que essa operação se não encontra abrangida pelos arts. 43° a 45° do Código do IRC.

65. E embora esse despacho não exclua a aplicação à partilha resultante de liquidação de sociedades do n° 3 do referido art. 42°, parece óbvio que a lógica que leva ao afastamento daqueles preceitos, que se reportam ao «regime das mais-valias e menos-valias realizadas», conduz à não aplicação também daquele preceito que respeita à «diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas».

66. Uma conclusão que sai reforçada no respeitante ao segmento desse preceito que se reporta ao saldo negativo das mais-valias e menos-valias resultante de «outras perdas ou variedades patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares», porquanto a situação em apreço não se subsume minimamente num tal normativo legal.

67. Mas a solução adoptada pela AT não só é totalmente ilegal, como se revelaria igualmente inconstitucional se, por mera hipótese, a lei fosse susceptível de ser interpretada e aplicada como suportando essa solução - pois uma tal lei violaria diversos princípios constitucionais.

68. Desde logo, violaria o princípio da legalidade fiscal - segundo o princípio da determinabilidade, que constitui a dimensão mais relevante desse princípio, a lei disciplinadora do imposto deve conter os elementos essenciais de cada imposto, ou seja, deve definir a incidência lato sensu de cada imposto, e em termos determinados ou determináveis.

69. Assim, da incidência do IRC, porque tem a ver com a definição da matéria tributável, faz parte a definição do lucro das sociedades.

70. O que implica que a desconsideração fiscal de metade do saldo negativo das mais-valias e menos-vaiias, no caso de liquidação e partilha de sociedades, não pode deixar de ser estabelecida, e de maneira clara, pelo legislador fiscal.

71. Depois, brigaria com os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.

72. Violaria o primeiro dos princípios porque, no apuramento do lucro tributável, desconsidera uma componente negativa importante desse lucro, quando, segundo esse princípio, o critério ou medida dos impostos não pode deixar de ser a capacidade contributiva dos sujeitos ao imposto revelada, neste caso, pelo seu rendimento.

73. Ora, a desconsiderar metade do saldo negativo das mais-valias e menos-valias, então teríamos como resultado que uma manifestação negativa da capacidade contributiva fosse desconsiderada em sede da tributação das empresas sem que para essa desconsideração encontremos qualquer razão ou fundamento bastante, mormente decorrente das exigências da praticabilidade das soluções legais.

74. Do mesmo jeito violaria o princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, uma vez que, na situação em análise, não pode esse princípio ser objecto de qualquer limitação, já que estamos perante empresas sujeitas a contabilidade organizada e não descortinamos qualquer fundamento racional que justifique o seu afastamento, mormente ancorado nas exigências do mencionado princípio da praticabilidade.

75. Depois, a solução da AT brigaria com o princípio da liberdade de gestão fiscal, pois, na situação em análise, o contribuinte não enveredou por um qualquer esquema de planeamento fiscal, tendo-se limitado a dissolver e liquidar uma sociedade participada, por falência da mesma.

76. Por fim, essa solução afectaria ainda os princípios da igualdade fiscal e da coerência do sistema.

77. Pois haveria lugar a um tratamento discriminatório dos grupos de sociedades que procedam à liquidação de sociedade do grupo cujo saldo das mais-valias e menos-valias venha a ser negativo, seja face aos demais grupos em que se apure idêntico saldo negativo mas sem ser em sede de liquidação de sociedades, seja face aos grupos que, embora procedendo à liquidação de sociedades, não apurem saldo negativo.

78. Por seu turno, violaria também o princípio da coerência do sistema, porquanto a solução sufragada pela AT, se, por um lado, penaliza o saldo negativo das mais-valias e menos-valias realizadas, considerando-o fiscalmente apenas por metade, por outro lado, não beneficia, através de idêntica desconsideração fiscal por metade, o saldo positivo das mais-valias e menos-valias, no caso de reinvestimento do valor de realização correspondente à totalidade dos elementos do activo objecto de transmissão onerosa.

79. Em suma, tendo em conta a natureza autónoma e o carácter completo do regime fiscal da liquidação de sociedades e o sentido e alcance do n° 3 do art. 42° do Código do IRC, que constitui uma norma de carácter claramente excepcional, forçoso é concluir pela inaplicabilidade desse preceito ao resultado da liquidação de sociedade.

80. Não é possível, pois, sustentar que o artigo 75° do Código do IRC se autonomiza inteiramente do disposto quanto às mais e menos-valias e, simultaneamente, concluir que as perdas apuradas nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 75°, estão abrangidas pela limitação imposta pelo número 3 do artigo 42° do Código do IRC.

81. A única orientação administrativa genérica publicada pela AT apontava clara e inequivocamente no sentido da plena autonomia do regime fiscal aplicável à liquidação das sociedades, o que, por si só, implica necessariamente a insusceptibilidade da aplicação da limitação contida no número 3 do artigo 42° do Código do IRC.

82. O comportamento da AT, ao adoptar no caso concreto uma interpretação do artigo 75° do Código do IRC contrária daquela que até então vinha publicamente a adoptar resulta, na prática, numa interpretação retroactiva e, como tal, ilegal.

83. O regime fiscal aplicável à liquidação das sociedades está contido na Subsecção V do Código do IRC, onde se disciplina especificamente o regime das mais ou menos-valias apuradas em consequência da liquidação de sociedades.

84. Nesta subsecção do Código do IRC estão contidas todas as regras necessárias e suficientes para qualificar, quantificar e apurar a matéria tributável dos sócios no momento da partilha do produto da liquidação.

85. As menos-valias a que se refere a alínea b) do número 2 do artigo 75° do Código do IRC assumem uma natureza bem distinta das menos-valias do regime geral (“menos-valias realizadas”), constante do artigo 43° e seguintes do Código do IRC.

86. O legislador do Código do IRC reconheceu expressamente que as menos-valias obtidas numa operação de partilha encontram-se inteiramente reguladas pela disciplina do artigo 75° do Código do IRC e não em qualquer outra disposição daquele diploma legal, nomeadamente nos artigos 43° e seguintes.

87. O próprio legislador do Código do IRC, ao qualificar, na respectiva alínea b) do número 2 do artigo 75°, como mais ou menos-valias o resultado obtido numa operação de partilha, nunca efectuou qualquer remissão, expressa ou implícita, para o disposto no artigo 43° do mesmo Código.

88. Tal deve-se ao facto de o legislador sempre ter pretendido tratar a liquidação de sociedades no âmbito de um regime perfeitamente autónomo.

89. A liquidação das sociedades, mais concretamente a distribuição aos sócios do resultado da partilha do património da sociedade liquidada, não consubstancia uma transmissão onerosa.

90. Com a liquidação da sociedade, cessa a prossecução do objecto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC, não mais havendo, consequentemente activo imobilizado, como tal.

91. É por isso que na partilha do produto da liquidação pelos sócios, não estamos perante qualquer “transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado, de partes de capital ou de outras componentes do capital próprio", mas antes perante a sua extinção.

92. Da alteração efectuada ao número 3 do artigo 42° do Código do IRC pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, não resultou, de forma alguma, que as menos-valias apuradas no âmbito da liquidação passem a estar abrangidas pelos limites previstos do número 3 do artigo 42° do Código do IRC.

93. Nem o elemento literal, nem o elemento lógico, permite concluir que desta alteração legislativa tenha resultado uma extensão da limitação da dedutibilidade às perdas apuradas em resultado da liquidação.

94. Na situação em apreço, a AT não efectuou qualquer tentativa para tentar apurar a ratio legis da alteração efectuada pela Lei n° 60-A/2005, de 30 de Dezembro, limitando-se apenas a transcrever o texto da nova redação do número 3 do artigo 42°, do qual não resulta, manifestamente, a interpretação que sustenta.

95. Se o legislador da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, tivesse efectivamente querido incluir as perdas apuradas em resultado da liquidação então teria que retirar a referência a “transmissão onerosa", porquanto a distribuição aos sócios do resultado da partilha do património da sociedade liquidada não consubstancia uma transmissão onerosa.

96. Em alternativa, poderia ter introduzido no artigo 75° do Código do IRC uma remissão para o disposto no número 3 do artigo 42° do mesmo código (ou vice-versa), ou ter expressamente estatuído que as perdas apuradas em resultado da liquidação contariam em apenas em 50%, tal como as menos-valias valias do regime geral.

97. Mesmo após a entrada em vigor da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, as perdas apuradas em resultado da liquidação continuam a ser regulamentadas exclusivamente pelo regime especial constante da Subsecção V do Código do IRC, o que implica necessariamente que continuam a não estar abrangidas pela limitação prevista no número 3 do artigo 42° do Código do IRC.

98. Esta auto-suficiência e consumpção do regime fiscal especial dos casos de dissolução e liquidação de sociedades (artigos 73° a 76° do CIRC, redacção de 2008) destaca-se particularmente em dois aspectos distintos do artigo 75° do CIRC.

99. Desde logo, o preceito em causa contém um conceito específico de mais-valias e de menos-valias, que se aparta conscientemente das demais disposições legais fiscais referidas.

100. Quanto às menos-valias, repare-se que, na liquidação, elas não precisam de resultar da extinção de participações registadas no activo não corrente: a alínea b) do n° 2 do artigo 75° do CIRC considera menos-valia a diferença entre o valor de mercado da quota da partilha e o custo de aquisição das participações sociais extintas, independentemente do lugar que lhes correspondia no balanço do respectivo titular.

101. Neste sentido, pode até dizer-se que, ao se afastar expressamente do conceito de mais-valias do artigo 46° do CIRC,

102. o artigo 75° do CIRC constitui uma disposição especial, que não poderia ser afectada implicitamente pelas vicissitudes sofridas pelo artigo 42° do CIRC.

103. Depois, repare-se, inclusivamente, que o citado artigo 75° do CIRC contém mesmo uma disposição que, sendo específica e distinta, se louva no mesmo tipo de preocupações que nortearam o estabelecido quer no artigo 42° do CIRC.

104. Com efeito, como já se mostrou, a alínea b) do n° 2 do mesmo artigo 75° do CIRC estipula, como condição do relevo integral das menos-valias originadas pela liquidação, que as participações sociais devem ter permanecido na titularidade do sujeito passivo em causa nos três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.

105. Com a exigência deste período de detenção relativamente longo mais não se quis do que evitar - pelo menos, até certo ponto - que a disciplina da liquidação pudesse ser utilizada com propósitos eminentemente fiscais (ou de “planeamento fiscal”).

106. Ditas as coisas de outro modo: procurou dificultar-se a possibilidade de uma sociedade adquirir participações no capital de outra com o objectivo principal de beneficiar das menos-valias decorrentes da subsequente liquidação da segunda, o que poderia ser tentador, por exemplo, num quadro em que o controlo de uma e outra fossem sempre assegurados pelas mesmas entidades.

107. Isto quer dizer que a autonomia e a suficiência do artigo 85° do CIRC vai ao ponto de incluir entre os seus preceitos uma privativa norma anti-abuso, que responde ao tipo de preocupações evidenciado pelo n° 3 do artigo 42° do CIRC.

108. Se o legislador, com a modificação das redacções em crise, tivesse querido abranger - e limitar, por isso, o respectivo relevo - as menos-valias geradas com a liquidação, teria sido bem simples afirmá-lo de forma expressa.

109. Bastaria, por exemplo, referir-se à “diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital ou a liquidação de sociedades".

110. Não o tendo feito, a única leitura possível é, pois, a de que não o quis fazer.

111. Aliás, entender de outro modo - o que nem como hipótese académica seria admissível - retiraria todo e qualquer alcance prático à existência de um regime especial, face ao regime geral do artigo 42° do CIRC».

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e apresentados com «termo de vista» ao Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, foi por este emitido douto parecer promovendo a improcedência do recurso, destacando-se, da sua fundamentação, atenta a sua total pertinência, o seguinte: «A questão que a Recorrente coloca é pois a de saber se as menos-valias, apuradas na sequência da liquidação de sociedade em que uma das participadas da Recorrida detinha participações sociais, é ou não subsumível no segmento da norma supra citada que respeita a “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital”.

Sobre esta questão já se pronunciou o STA no acórdão de 17/02/2016¹, proferido no processo nº 01401/14, citado na sentença recorrida, e no qual se entendeu que o conceito de “outras perdas” relativas a partes de capital tem um sentido específico no CIRC e não abrange as menos-valias. E que por outro lado a norma da alínea b) do nº2 do artigo 75º do CIRC configura um regime especial que afasta a aplicação do regime geral previsto no nº3 do artigo 42º do CIRC, sendo certo que não ressalva a sua aplicação³, entendimento que merece a nossa adesão.

De facto, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – artigo 9º, nº3, do Código Civil. Ora, não faria sentido que restringindo o legislador no 1º segmento da norma – nº3 do art. 42º CIRC – a limitação da dedução ao saldo das mais-valias e menos-valias resultante das transmissões onerosas, pretendesse no 2º segmento da norma alargar o âmbito dessa dedução parcial a qualquer outra situação de saldo negativo, através de um conceito abrangente de “perda”, tal como defende a Fazenda Pública.

Resulta, assim, que o conceito “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital…” assume um sentido próprio e específico no CIRC, que como se assinalou no aresto do STA supra citado é concretizado nos artigos 21º e 24º e noutros preceitos do Código. Já o conceito de menos-valias definido na alínea b) do nº2 do artigo 75º, do CIRC (na redação em vigor à data dos factos), tem o seu âmbito e relevância, para efeitos de determinação da matéria tributável, especificamente regulado neste normativo, assim como os respetivos requisitos. E nessa medida, não resultando do mesmo qualquer ressalva de aplicação do regime previsto no artigo 42º, há que concluir que o valor das menos-valias apurado é atendido na sua totalidade para efeitos de determinação do rendimento tributável da Recorrida (alínea i) do artigo 23º do CIRC), reunidos que estejam os demais requisitos previstos no artigo 75º do mesmo código (titularidade nos últimos 3 anos anteriores à dissolução).

Por outro lado, configurando o nº 3 do artigo 42º do CIRC uma norma anti-abuso, a mesma é de aplicação estrita às situações nela configuradas, sendo certo que, como se deixou exarado no acórdão arbitral de 10/08/2016, proc. 66/2016-T, «a manipulação do resultado fiscal que se pretendeu evitar com o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, será, face à alienação de partes sociais, substancialmente menor no processo de dissolução, liquidação e partilha. Neste sentido, pode ler-se em recente acórdão do STA, de 17/02/2016, processo n.º 01401/14, que: «os riscos de evasão fiscal por manipulação do resultado fiscal não são tão evidentes nos casos da dissolução e partilha de uma sociedade como nos casos de transmissão onerosa de partes sociais».

1.5 Cumpre julgar.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, a única questão que temos que decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao julgar que as menos-valias, decorrentes para a sociedade Impugnante da partilha e liquidação de uma sociedade sua participada no ano de 2008, ocorrida após declaração de insolvência, não estão sujeitas ao regime do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (na versão vigente até 31 de Dezembro de 2013) que regula o regime de dedutibilidade das menos-valias resultantes da transmissão onerosa de partes de capital e outros bens do activo imobilizado) e, consequentemente, que é legalmente permitida a dedução integral da menos valia para efeitos de determinação do lucro tributável, por força do preceituado no artigo 75.º do mesmo diploma legal.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com base nos elementos de prova juntos aos autos considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:

1. A sociedade impugnante, B……………. II, SGPS, SA, é a sociedade dominante de um grupo de empresas que integra, entre outras, a sociedade “C……………., SA”, nipc, …………….- do processo físico, acordo;

2. Em 1/2/1988 a sociedade “C…………….., SA”, nipc, ……….., iniciou a atividade de tecelagem de fio do tipo algodão – fls. 41vº do PA, não litigioso;

3. Em 1995 a sociedade “C…………….., S.A.” adquiriu uma participação financeira na sociedade alemã “D………………” no montante de € 1.496.393,69, e aumentou essa participação em 1996, no montante de 155.189,49, e em 1998, no montante de 204.387,43, no total global de € 1.855.970,61 - fls. 41vº do PA, não litigioso;

4. Até ao final de 2007 a sociedade “C……………, SA” utilizou o método de equivalência patrimonial para efeitos da valorização da sua participação financeira, aludida no ponto anterior, pelo que a conta de investimentos financeiros correspondente refletia um saldo de € 172.923,31 - fls. 41vº do PA, não litigioso;

5. No inicio de janeiro de 2008 foi declarada a falência da sociedade alemã “D……………” - fls. 41vº do PA, não litigioso;

6. No exercício de 2008 a sociedade “C……………, SA” anulou o saldo aludido em 4 supra relativo à sua participação financeira na sociedade alemã “D……………” - fls. 41vº do PA, não litigioso;

7. Na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2008 foi deduzida a totalidade do custo fiscal de € 1.855.970,61, corresponde à participação financeira aludida em 3 supra, e não foi acrescido qualquer montante relativo ao custo contabilístico aludido em 6 - fls. 41vº do PA, não litigioso;

8. Em ação inspetiva levada a cabo à atividade da sociedade “C……………, SA”, a AT verificou os factos aludidos nos pontos anteriores e efetuou as seguintes correções à matéria tributável do exercício de 2008:

[Imagem]

- fls. 40 a 43 do PA, não litigioso;

9. Essa correção determinou a correção dos prejuízos declarados no exercido de 2008, pela sociedade “C…………., SA”, fosse corrigido de € 229.940,64 para € 2.129.032,03 – fls. 43 do PA, não litigioso;

10. Em consequência, essa correção dos prejuízos da sociedade C……………, SA”, determinou a correção dos prejuízos declarados na declaração de grupo da Impugnante, B………….., de € 5.925.600,10 para € 2.743.529,52 – fls. 33 a 37 do PA, não litigioso;

11. Em 8/2/2013 a AT efetuou a liquidação de IRC (incluindo derrama, tributações autónomas e juros compensatórios) de 2008, com o nº 2013.8500000842, relativa aos resultados do grupo, na qual apurou reembolso de € 61.505,22, e após compensação nº 2013.000518896, de 8/2/2013, apurou saldo nulo (com estorno de € 61.505,22, acerto/dedução da liquidação nº 2013.850000842 no montante de € 63.240,25 e acréscimo de juros compensatórios por recebimento indevido, no montante de € 1.735,03) – fls. 30 a 32 do PA, não litigioso;

12. Em 4/7/2013 a agora impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação acima aludida, que foi indeferida na parte em causa nos autos (a reclamação foi deferida parcialmente quanto a outros aspetos do resultado do grupo) por despacho de 26/11/2013 – fls. 25 a 60 do PA;

13. Desse despacho consta que foi proferido por “………. - Chefe de Divisão”, “Por delegação do Diretor de Finanças de Aveiro” e a respetiva notificação foi assinada por “……….. – ITAP” “Por subdelegação da Diretora de Finanças Adjunta” – fls. 60 e 61 do PA;

14. Em 18/12/2013 a agora impugnante deduziu recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que também foi indeferido, por despacho de 27/10/2014, proferido por “…………, Diretora de Serviços” (da DSIRC), “por subdelegação” – fls. 65 a 83 do PA;

15. Em 7/11/2014 foi efetuada a notificação relativa ao ato aludido no ponto anterior, tendo essa notificação sido subscrita por “………… – Chefe de Divisão, Por subdelegação da Diretora de Finanças Adjunta, Despacho de 18/3/2014, DR 2ª S, 64, 1/4/2014” – fls. 84 a 86 do PA;

16. Em 9/2/2015 foi apresentada a petição inicial da presente impugnação – fls. 2 e seguintes do processo físico.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Como resulta de tudo quanto ficou já exposto, a presente Impugnação Judicial foi intentada pela ora Recorrida tendo em vista, para o que releva neste recurso, a anulação da autoliquidação de IRC de 2008, no valor de € 245.916,00, valor que na declaração do grupo de que é sociedade dominante corresponde a metade (€ 927.985,30) da perda financeira (€ 1.855.970,61) resultante da liquidação por falência de uma das sociedades suas participadas nos termos do artigo 42°, n° 3 do CIRC.

3.2.2. Alegou a ora Recorrida, na petição inicial, que a interpretação imposta pela Administração Tributária (de limitação de relevância das perdas a 50%) padece de erro de direito por, face ao preceituado no artigos 75.º do CIRC (artigo 81.º, após renumeração do mesmo diploma legal), lhe assistir o direito a deduzir a totalidade (100%) da perda financeira.

3.2.3. O Tribunal Administrativo e Fiscal, após devida identificação da questão de direito que integra o presente recurso, a saber, “erro de direito, por inaplicabilidade do artigo 42º, nº 3, do CIRC ao caso concreto” e rigorosa análise do quadro jurídico pertinente, conclui reconhecendo razão à Impugnante, louvando-se, para tanto, em jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal, particularmente no acórdão de 17 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 1401/14.

3.2.4. É com esta decisão que a Recorrente não se conforma. Alega, em resumo nosso, que o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento, interpretando e aplicando mal a disciplina consagrada nos artigos 42º, nº3, e 75º, ambos do CIRC. Defende que nas situações em que as perdas resultem da liquidação da sociedade o regime aplicável é o previsto no artigo 75º do CIRC e que o objectivo do legislador ao introduzir as alterações ao artigo 42.º, n.º 3 do CIRC (pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) foi precisamente «abarcar todas as outras situações relativas a partes de capital que não decorressem unicamente de transmissões onerosas». Tudo para concluir que a última das citadas normas comporta todas as perdas relativas a partes de capital, isto é, cabem no seu âmbito de aplicação, contrariamente ao decidido pelo Meritíssimo Juiz, as menos-valias apuradas numa situação de liquidação e partilha, pelo que a sentença recorrida, que assim o não entendeu, deve ser revogada.

3.2.5. Avançamos desde já que a Recorrente não tem razão, como, de resto, por mais de uma vez ficou já decidido em vários julgamentos dos nossos tribunais, particularmente deste Supremo Tribunal Administrativo em que a sentença recorrida também se alicerçou.

3.2.6. Efectivamente, e passamos a recordar de novo, no ano de 2008 o n.º 3 do artigo 42.º consagrava o seguinte: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor."

3.2.7. Por sua vez, no mesmo ano de 2008, o artigo 75° do CIRC continha a seguinte disciplina jurídica:

“1 - É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.

2- No englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte:

a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efectivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável;

b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças. (...)

3.2.8. Considerado que a Recorrente não questiona que a partilha das sociedades, em consequência da sua liquidação comporta um custo fiscal, não impugna o valor ou montante apurado no caso concreto nem que estão verificadas as condições de dedutibilidade previstas no artigo 75.° do CIRC, a solução do dissídio passa, no caso, pelo relevo que deve ser dado ao argumento adiantado pela Administração Fiscal no sentido de que a menos-valia só poderá concorrer para a formação do lucro tributável do exercício do ano de 2008 por metade do seu valor, atento o disposto no n.º 3 do artigo 42.° do CIRC.

3.2.9. Ou seja, no caso em apreço, como, sublinhe-se, nos demais casos por nós apreciados e que tiveram por objecto a mesma questão de direito, a Administração Tributária reconhece que as menos-valias não resultaram de qualquer transmissão onerosa de partes de capital, estando, de resto, provado que emergiram da liquidação e partilha em consequência da declaração de falência da sociedade participada. Entende, porém, mesmo assim, que a situação se subsume ao conceito de «outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio», previsto no artigo 42.º, n.º 3, segunda parte, do CIRC.

3.2.10. Ora, como muito bem salientou a sentença recorrida, o artigo 42°, n° 3 do CIRC prevê três situações distintas. A primeira reporta-se à diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital. A segunda, conexa com outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio. E a terceira relativa a variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

3.2.11. Donde, como igualmente se salientou com aprumo no julgado que se sindica, devendo presumir-se que «o legislador se soube expressar adequadamente e que não confundiu conceitos (artigo 9°, n° 3, do CC)», há que concluir que o legislador distinguiu, e quis mesmo distinguir «as situações aplicáveis a “mais e menos valias”, resultantes de transmissões onerosas, de “outras perdas” relativas ao capital próprio e de outras variações patrimoniais negativas do capital próprio».

3.2.12. Assim sendo, admitindo a Recorrente que a situação não constitui uma situação de custo fiscal resultante do apuramento de menos valias resultantes da alienação onerosa de partes de capital, antes, que resulta de uma diminuição do valor de participação financeira em consequência da liquidação e partilha em processo de insolvência, então a situação não pode deixar de se entender como subsumível ao preceituado no artigo 75.º, n.º 2 alínea b) do CRC, no qual o legislador previu especialmente a possibilidade de existência de perdas de valor das participações financeira em processos de liquidação, enquadrando-as fiscalmente, e admitindo que a diferença negativa, “menos-valia",é totalmente dedutível. Ou seja, o legislador consagrou para estas situações um regime especial que, por deter essa natureza, tem, necessariamente, que prevalecer sobre o regime geral consagrado no artigo 42.º, n.º 3 do CIRC.

3.2.13. Diz a Recorrente, em recurso, sabedora do firme entendimento deste Supremo Tribunal, e por referência ao acórdão deste Tribunal de 17-2-2016 em que a decisão de 1ª instância se louvou, que está a ser dada uma injustificada sobrevalorização à distinção dos conceitos de gastos e perdas, que é imperativo que se realize uma diferenciação entre normas gerais, normas excepcionais e normas especiais, que permitirá concluir que o artigo 75.º do Código do IRC, sendo uma norma especial, integra aspectos específicos não previstos na norma geral do artigo 42.º, assumindo uma natureza complementar em relação a esta (conclusões XI e XII das alegações de recurso).

3.2.14. Concordamos que vem sendo feita uma rigorosa distinção dos conceitos invocados. E concordamos igualmente que há que ter bem presente a distinção entre regimes especiais e gerais. E “até complementares”, se com isso a Recorrente pretende salientar que em tudo que não seja regulado pela norma especial vale, no que com esta não contender, o regime geral. Acontece, porém, que ao invocar a necessidade de não sobrevalorizar os conceitos utilizados pelo legislador e ao exigir uma “imperativa diferenciação” de regimes legais, tudo o que a Recorrente pretende é, precisamente, postergar o rigor conceptual da letra da lei e aplicar a uma situação, regulada de forma especial pelo legislador, um regime geral que, se interpretado como defendido pela Recorrente, colide frontalmente com aquele regime especial.

3.2.15. Em síntese, não há qualquer sobrevalorização de conceitos nem confusão quanto à natureza dos regimes que vem sendo aplicados nos julgamentos que este Supremo Tribunal Administrativo vem fazendo na apreciação da questão que ora enfrentamos, tudo se traduzindo, como é legítimo, a uma discordância da Recorrente com a interpretação e aplicação dos regimes legais que vem sendo acolhida nos julgamentos por nós realizados.

3.2.16. Salientamos, por fim, salvo o devido respeito, que não há no acórdão cuja fundamentação se acolheu, uma “transposição acrítica do Parecer CEF n.º 103/96”. Antes, o que se deixou evidenciado, após cuidadosa análise desse Parecer, foi que, perante quadro jurídico similar, ainda que já revogado, a Administração Tributária já defendeu oposto e que as alterações legislativas ocorridas, nesse caso até 2010, e no nosso processo até 2008, não justificam a alteração do posicionamento então assumido.

3.2.17. E para que dúvidas não se suscitem, não prescindimos de deixar transcrito, na parte pertinente, o julgamento realizado a 17-2-2016, no acórdão já citado: “existindo, como existe, um regime especial para tributação do resultado da partilha de sociedades no âmbito do qual as menos-valias resultantes da liquidação e partilha de sociedades têm uma forma própria de cálculo e com deduções específicas, mal se compreenderia que lhe fosse também aplicado o regime geral do n.º 3 do art. 45º do CIRC, a menos que o legislador expressamente remetesse para o mesmo, o que não fez.

Como também salientou a Recorrida, a AT já afirmou que «o art. 67.°, n.° 2, alíneas a) e b) [correspondente ao citado art. 81.º, n.º 2, alíneas a) e b)] não se limita a qualificar como mais-valia a diferença positiva entre o valor das entradas efectivamente verificadas para a realização do capital social e o custo de aquisição das partes sociais e como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais, pois define também o respectivo regime de tributação, não lhes sendo, portanto, aplicável, dada a sua distinta natureza, o disposto nos arts. 42.° a 44.° do Código do IRC» (Cfr. Parecer n.° 103/96 do CEF, sancionado por Despacho do Director Geral dos Impostos de 12.03.97). Mais se diz no citado parecer que «[...] ainda que o legislador [...] declare que a diferença positiva entre o valor das entradas efectivamente verificadas para a realização do capital social e o custo de aquisição das partes sociais tem a natureza de mais-valia e que a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição é considerada menos-valia dedutível não acrescenta que lhe é aplicável o regime fiscal previsto para as mais-valias e menos-valias realizadas, decerto porque não cabem na definição geral dada pelo n.° 1 do art. 42.° [depois, 46.º], o qual atende, sobretudo, à natureza da operação de transferência dos elementos do activo imobilizado».

Ou seja, a própria AT reconhece que a norma do n.° 2 do art. 81.° do CIRC não se limita a qualificar a natureza do ganho como mais-valia, mas também lhe define o respectivo regime tributário, com exclusão do regime fiscal das mais-valias e menos-valias.

Acresce que, como igualmente bem salientou a Recorrida, poderá até haver uma justificação para a não aplicação da medida anti-abuso (limitação a metade do montante dedutível da menos-valia) no caso em que está em causa a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade e que a lei equipara a menos-valia: é que os riscos de evasão fiscal por manipulação do resultado fiscal não são tão evidentes nos casos da dissolução e partilha de uma sociedade como nos casos de transmissão onerosa de partes sociais.

Assim, a nosso ver nada obsta a que a menos-valia apurada nos termos do art. 81.°, n.° 2, alínea b), do CIRC, concorra integralmente para a formação do lucro tributável do ano” respectivo.

3.2.18. Em conclusão, por não serem de acolher as razões de direito invocadas pela Recorrente, confirmar-se-á, a final, a douta sentença recorrida.

3.2.19. A Recorrente, integralmente vencida, suportará a totalidade das custas nesta instância de recurso (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a secção de Contencioso Tributário do supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2022 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.