Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0851/10.8BELRS 0245/16
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IVA
DEDUÇÃO
FACTURA
RECTIFICAÇÃO
Sumário:I - No domínio do n.º5 do art. 35.º (actual 36.º) do C.I.V.A., na redação anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 265/2003, de 21/10, pelo qual se procedeu à transposição da Diretiva 2001/115/CE, do Conselho, de 21/10, aditando a alínea f ao dito n.º5, para produzir efeitos desde 1-1-2004, os dados constantes de fatura podiam em certas circunstâncias ser controlados através de outros elementos, bem como rectificados, conforme resulta claro da jurisprudência do T.J.U.E.
II - Os princípios da neutralidade do I.V.A., bem como o da proporcionalidade conduzem a que, para efeitos de dedução de I.V.A., sejam considerados tais elementos retificados até decisão do respetivo procedimento, com exclusão da aplicação do, ao tempo, previsto no art. 71.º do C.I.V.A.
Nº Convencional:JSTA000P26764
Nº do Documento:SA2202011180851/10
Data de Entrada:03/20/2017
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I.Relatório

I.1. O sr. Representante da Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 27 de outubro de 2015, que julgou procedente a impugnação deduzida por A……………, S.A., melhor identificada nos autos, tendo por objecto a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, relativos a Junho de 2005.

I.2. Apresentou alegações que concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A……………., SA contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado, (doravante “IVA") relativo ao mês de junho do ano de 2005, com o n.° 09177578.
B. A Administração Tributaria não se pode conformar com a sentença proferida porquanto considera quo a mesma se encontra inquinada de vício de violação de lei, e dos princípios subjacentes as competências inspectivas atribuídas aos serviços de inspecção da AT.
C. Assim o consideramos porquanto entendemos que a decisão tomada pelo tribunal a quo olvidou a função basilar dos documentos contabilísticos, nomeadamente da factura e dos contractos acessórios e fundamentais para atribuírem legalidade ao direito a dedução de IVA
D. Isto é in casu temos que os serviços de inspecção tributaria, em resposta a um pedido de reembolso de IVA, procederam, no ano de 2009, à fiscalização do exercício de 2005
E. Considerando que se encontrava em análise um pedido de reembolso de IVA acumulado a credito pelo impugnante, os serviços da AT procederam a análise de documentos referentes a outros anos, nomeadamente relativos a Dezembro de 2003.
F. Examinando duas facturas verificaram numa, com o n.° 546, falta do requisito previsto na alínea b do n.° 5 do artº 35 do CIVA, e em outra, com o n.° 16300, violação da mesma disposição legal porquanto nela não era referida, como destinatário dos serviços, a sociedade impugnante.
G. Face a efectiva violação da norma referida, a impugnante, veio, no ano de 2009, em exercício do direito de audição prévia, juntar documentos rectificativos de tais situações ou seja, juntou nova factura, que refere como 2° via da existente na contabilidade da sociedade, e, de igual forma, juntou também contrato em que a sociedade que consta na factura com o n.° 163000 transfere a sua posição contractual para a impugnante
H. Pese embora o momento de tal junção, o tribunal a quo considerou que”…”…de acordo com o jurisprudência daquele Tribunal (TJUE), o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais.”
I. e assim sendo entendeu que a impugnação haveria de proceder dado que, tendo a impugnante corrigido o documento que serviu de base a dedução, e que não havia sido aceite pela AT. e assim levando a liquidação adicional aqui impugnada, e junto outros documentos comprovativos da não verificação da infracção imputa, antes da decisão final da administração fiscal havia suprido as faltas verificadas pelos serviços de inspecção.
J. Ora, considerando o mecanismo do imposto aqui em causa e o necessário controle emergente do mesmo, que leva a que se entenda, tal como se faz na sentença, que “Dada a mecânica do funcionamento do IVA, que implica uma cadeia de intervenientes mais ou menos longa, o por força, designadamente, das exigências do nível da União Europeia, dado tratar-se de um imposto harmonizado, os requisitos formais do IVA são mais salientes do que em relação a outros impostos.
K. Assume fulcral importância a possibilidade da AT, no exercício das sua competências legais, fiscalizar atempadamente toda a cadeia de utilização da factura, i.e., não só a factura utilizada para a dedução do IVA suportado mas também, a sua liquidação anterior e na esfera de outro contribuinte.
L. Por assim ser a lei limita o direito à dedução do imposto as situações em que o contribuinte, sujeito passivo enquadrado em regime que o possibilite, se encontre na posse de documento com todos os requisitos previstos no artº 35 ° do CIVA.
M. Assim o exige o art.° 19 do mesmo diploma legal, porquanto o legislador teve em atenção a necessidade, e a utilidade de tais elementos, no possível e útil controle de todo o percurso do imposto.
N. Desta forma, e tendo presente a utilidade dos documentos contabilísticos na acção inspectiva ao longo de toda o cadeia de intervenientes, a RFP imputa à sentença proferida vicio de violação de lei, porquanto a decisão tomada viola (i) desde logo o prazo concedido no art.° 71.° do CIVA para a rectificação de erros materiais ou de calculo dos elementos contabilísticos, de igual forma (ii) ao admitir a possibilidade de substituição de documentos para alem do prazo de liquidação do imposto neles referidos, viola o direito que a AT tem, no exercício das suas funções, de fiscalizar toda a cadeia do IVA em causa, e por fim viola, porquanto a decisão tomada esvazia de utilidade, (iii) a norma contida na alínea b) do n º 5 do art.º 35 do CIVA, assim como (iv) o prazo para emissão de novas facturas previstas no art.° 36 ° do mesmo diploma legal.
O. Assim, a decisão do tribunal a quo, de que ora se recorre, admite, e em tal possibilidade fundamenta a decisão tomada, a correcçâo de erros formais até a decisão final da entidade administrativa
P. Desta forma veio, ao abrigo da jurisprudência do TJUE referida, legitimar a correção da factura quo viciava a alínea b) do n.° 5, do art.º 35 do CIVA, datada de 15/12/2003, em sede de audição prévia relativa a fiscalização do ano de 2005, emergente do pedido de reembolso do IVA suportado, efectuada no decurso do ano de 2009.
Q. Ora a lei prevê, no art.º 71° do CIVA, prazos para que os contribuintes possam efectuar a correcção material dos documentos e dos lançamentos contabilísticos.
R. Para as diversas situações previstas ao longo do referido artigo, o prazo mais longo é de 4 anos, assim verificando-se que a factura, datada de 2003, foi rectificada em 2009. a admissão de tal possibilidade constitui violação do previsto no art.º 71° do CIVA, o que aqui se invoca e assim sendo se pugna por acórdão de declare tal vício, com as legais consequências.
S. Ademais, e em resposta a jurisprudência referida, importará ter presente que a situação em analise em tais arestos não se referia a uma correcção efectuada fora do prazo de caducidade, i e., a presente situação prende-se com a analise de documentos relativos a anos já caducos e só possíveis de fiscalizar nesta data por a inspecção emergir de pedido de reembolso do IVA suportado em tal data.
T. Ora adoptar in casu a decisão tomada nos referidos acórdão constitui na pratica violação da possibilidade de os SIT fiscalizarem todo o percurso do imposto, uma vez que já não lhe seria possível sufragar a documentação no emitente, uma vez que a AT já não podiam liquidar tal imposto por já ter decorrido o prazo de caducidade.
U. Assim sendo, a posição defendida na sentença do tribunal a quo, em nossa opinião encontra-se limitada a possibilidade de liquidação por parte AT do imposto que possa resultar, ao longo de toda a cadeia, de tais correcções.
V. Desta forma a decisão tomada, ao possibilitar a correcção de documentos relativos a anos fora daqueles que a AT pode ainda liquidar impostos, viola a possibilidade legal de efectiva fiscalização de todo o percurso que resulta do mecanismo do IVA dado que admitido rectificação de requisitos fundamentais das facturas já não possibilita que sejam verificados os efeitos de tais rectificações na esfera do utilizador ou de outros participantes do circuito do imposto.
W. Mais ainda, imputamos à decisão tomada o vício de violação da norma contida na alínea b) do n.° 5 do CIVA, porquanto a prevalecer o decidido inutiliza-se o normativo nele contido.
X. Ou seja, o art.° 19 do CIVA limita o direito a dedução as situações em que o sujeito passivo possui documento com todos os requisitos contidos no artº 35.° do mesmo diploma legal.
Y. Equivale portanto a dizer que se encontra vedada a possibilidade de dedução do imposto contido em facturas sem tais requisitos, ou naquelas emitidas a favor de outro que não o seu utilizador.
Z. Ora, como já se referiu, os documentos de suporte utilizados para a dedução do IVA não aceite pela AT não possuíam os elementos definidos por lei, seja por não descriminarem os serviços prestados, seja por não ser o beneficiário da dedução a pessoa referida como cliente na factura.
AA. Pese embora tal facto a sentença do tribunal a quo vem pugnar pela admissibilidade da correcção de tais elementos.
BB. Ora afigura-se-nos que tal possibilidade, concedida para além das situações legalmente previstas no artº 71° consubstancia violação da norma contida no art° 35°, porquanto admite dedução de imposto contido em facturas sem os requisitos nela referidos, razão pela qual se pugna por acórdão que rectifique tal entendimento.
CC. Ademais importa ainda referir que a sentença indica, no que a factura com o nº 546 diz respeito, que a mesma foi rectificada através da junção de 2ª via da inicialmente apresentada.
DD. Ora legalmente, uma 2ª via teria que ter igual teor que a 1a via, o que não se verificando, terá que se admitir que a factura junta constitui uma nova factura.
EE. Desta forma, esta nova factura foi apresentada para além do prazo previsto no art.° 36 do CIVA, pelo que a sentença que a refere, e admite, viola também esta norma.
FF. Assim por tudo quanto se deixa dito, consideramos que a sentença de que ora se recorre padece de violação do lei, razão pela qual se pugna, e em nossa opinião, se impõe, acórdão que altere a decisão tomada.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade da correcção efectuada e em consequência revogada a douta sentença.
I.3. Não foram aduzidas contra-alegações.

I.4. O exm.º magistrado do Ministério Público (M.P.) emitiu parecer, em que pronunciou, após situar a questão decidenda ser a “dedutibilidade de IVA liquidado em factura e documento equivalente sem observância dos requisitos legais (arts. 19.º nº2 e 35º nº 6 CIVA” e analisar o “quadro normativo/doutrinário respeitante à dedução do dito IVA”, nos seguintes termos:

“6. No caso concreto a exigência de menção nas facturas do requisito formal previsto no art.35° n°5 al.f) CIVA está prejudicada pela circunstância de o diploma que o estabeleceu (DL n° 256/2003,21 outubro com início de vigência em 1 janeiro 2004) ter entrado em vigor em data posterior à emissão dos documentos controvertidos (dezembro 2013)
O próprio RFP não pugna pela sua aplicação no caso concreto, apenas sustentando uma alegada violação do art.35° n°5 al.b) CIVA (cf. conclusões das alegações)
7. A factura n° 0546,emitida em 15.12.2003 remete para o teor de Auto em anexo (que deve considerar-se sua parte integrante),onde se discriminam com suficiência os elementos indispensáveis à determinação da taxa aplicável
A prestação dos serviços discriminados no documento apresentado no exercício do direito de audição (indevidamente classificado como 2a via), a taxa aplicada e a entrega ao Estado do imposto liquidado na factura não são contestadas pela administração tributária (factos provados n°s 4, 14 e 15; art.35° n°5 al.b) CIVA)
8. É improcedente o motivo invocado pela administração tributária para a recusa do exercício do direito à dedução : emissão do aviso de lançamento n° 16 300,31.12.2003 tendo como destinatária a impugnante A………….., SA, entidade que não fora outorgante no contrato de prestação de serviços, na medida em que foi produzida prova documental (cuja genuinidade não foi impugnada) de que a B………… cedeu a sua posição contratual, com consentimento expresso da cessionária C………….., à impugnante, com efeitos desde 19 setembro 2003 (doc.fls.106; factos provados n°3)
9. É irrelevante qualquer outra causa de inidoneidade do documento que constitui o suporte da dedução do imposto (designadamente mera remissão genérica do teor do aviso de lançamento para o contrato de prestação de serviços e de transferência de Know how celebrado entre a B………… e a C…………), na medida em que não foi alegada pela Administração Tributária como causa de pedir a considerar pelo tribunal na decisão (art.5° n°s 1 e 2 corpo CPC vigente)

Neste contexto a factura n° 0546 e o aviso de lançamento n° 16 300 devem ser aceites como documentos idóneos para o exercício do direito à dedução”.

Assim, conclui que o recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a sentença recorrida

I.5. Redistribuído o recurso ao ora relator e, colhido que foi o visto da exm.ª 2.ª Conselheira adjunta, cumpre definir o objeto do recurso, de acordo com as conclusões apresentadas, nos termos do art. 635.º n.ºs 3 e 4 do C.P.C..

I. 6. Sendo tal objeto o decidido na sentença recorrida, cumpre apreciar a questão de saber de se ocorre erro no decidido quanto à dedução de I.V.A. prevista no art. 19.º n.º 2, a) do respetivo Código, no que respeita à aplicação efetuada do art. 35.º, n.º 6, b), do C.I.V.A..

E cumpre apreciar também a aplicação efetuada do princípio da neutralidade ínsito à dinâmica do I.V.A. e se os elementos em concreto que a impugnante, ora recorrida, facultou em sede de audiência prévia à AT, antes desta tomar uma decisão final (sublinhado, tal como na sentença proferida), compromete de forma desproporcional os fins da tributação.

Com efeito, é em tal que se projeta a invocada violação do art. 71.º do C.I.V.A. e a violação dos direito de inspeção e de liquidação por parte da AT.

II. Fundamentação.

II.1.Dos factos.

Na sentença recorrida, para apreciação da matéria de exceção da caducidade do direito de ação, consideraram-se provados os seguintes factos:
A) Foi emitida, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IVA n.º 09177578, relativa ao mês de junho de 2005, no valor de 95.703,09 Eur., e a dos respetivos juros compensatórios, n.º 09177579, no valor de 15.857,86 Eur., tendo como data limite para pagamento voluntário 31.12.2009 (cfr. fls. 35 e 36).
B) A petição inicial que deu origem à presente impugnação foi remetida, via site, a 31.03.2010 (cfr. fls. 185, confirmado por consulta à plataforma SITAF).
Consideraram-se ainda provados, com interesse para a demais decisão a proferir, os seguintes factos:
1) A impugnante tem por objeto a produção e comércio por grosso de produtos alimentares e não alimentares e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo na exploração de centros comerciais, prestação de serviços e importação e exportação desses produtos (facto alegado pela impugnante e em consonância com o ponto 3.1. do relatório de inspeção tributária – cfr. fls. 47).
2) Foi elaborado documento, designado de “Contrato de Prestação de Serviços e Transferência de Know-How”, datado de 01.08.2003, identificando-se como outorgantes a sociedade B………………, SA (doravante B…….) e a C…………, CRL (doravante C………), e assinado por quem surge identificado como sendo representante das mencionadas outorgantes, do qual consta designadamente o seguinte:
“…

…” (cfr. fls. 73 a 85, dos autos, e fls. 158 a 170, do processo administrativo).
3) Foi elaborado documento, designado de “Declaração de cedência de posição contratual no contrato de prestação de serviços e transferência de know-how”, datado de 19.09.2003 e assinado, identificando-se o assinante como administração da sociedade B…………, constando do mesmo designadamente o seguinte:
“…



…” (cfr. fls. 106, dos autos, e fls. 190, do processo administrativo).
4) Foi emitida, pela sociedade D………………, SA, fatura n.º 0546, datada de 15.12.2003, em nome da impugnante, no valor de 403.700,00 Eur., a que acrescia IVA no valor de 76.703,00 Eur., da qual consta designadamente o seguinte:
“…

…” (cfr. fls. 57, dos autos, e fls. 142, do processo administrativo).
5) Foi anexado à fatura mencionada em 4) auto, datado de 31.12.2003, com o seguinte teor:
“…

…” (cfr. fls. 58, dos autos, e fls. 143, do processo administrativo).
6) Foi emitido, pela C…………, aviso de lançamento n.º 16.300, datado de 31.12.2003, em nome da impugnante, no valor de 100.000,00 Eur., a que acrescia IVA no valor de 19.000,00 Eur., do qual consta designadamente o seguinte:
“…

…” (cfr. fls. 67, dos autos, e fls. 152, do processo administrativo).
7) A impugnante deduziu, na declaração periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2003, o IVA mencionado em 4) e 6) (facto não controvertido, como resulta do art.º 35.º e 36.º, da informação para que remete a contestação).
8) O valor deduzido, mencionado em 7), foi sendo reportado pela impugnante, nas sucessivas declarações de IVA, até junho de 2005 (cfr. fls. 198, do processo administrativo, não controvertido).
9) A impugnante solicitou, na declaração periódica de IVA relativa a junho de 2005, o reembolso de IVA, no montante de 232.627,58 Eur., reembolso que lhe veio a ser pago (cfr. fls. 199, do processo administrativo).
10) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200901040, pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 42, dos autos, e fls. 196, do processo administrativo).
11) Na sequência do mencionado em 10), foi remetida à impugnante carta aviso, datada de 30.03.2009, via correio postal registado, constando da mesma designadamente o seguinte:
“…

…” (cfr. documentos constantes de fls. 192 a 194, do processo administrativo).
12) No âmbito de ação inspetiva mencionada em 10) foi assinada, a 15.04.2009, pela técnica oficial de contas da impugnante, a ordem de serviço mencionada em 10), constando da mesma designadamente o seguinte:
“…

…” (cfr. fls. 196, do processo administrativo).
13) Através de ofício da AT, datado de 11.09.2009, dirigido à impugnante e por esta recebido, foi remetido projeto de relatório de inspeção tributária (cfr. 102, dos autos, e fls. 187, do processo administrativo; quanto ao recebimento, o mesmo não se encontra controvertido).
14) Na sequência do ofício mencionado em 13), foi remetido, pela impugnante, aos serviços da AT, documento, para efeitos de exercício do direito de audição, do qual consta designadamente o seguinte:
“… 1. – A Administração Tributária alega a falta ou insuficiência dos documentos, para a anular o direito à dedução do IVA.
2. – No nosso entender, os documentos estão correctamente emitidos.
3. – Contudo, em relação à sociedade D…………., S.A., é emitida uma nova factura (Doc. 1 Anexo), com a menção referida na alínea f) do n.º 5, do Art.º 36º (antigo 35º) do CIVA e ainda um auto de medição, mais preciso, nas quantidades e emitido com a data de 12.12.2003.
4. – Relativamente à segunda, fazemos o mesmo (Doc. 2 Anexo) …” (cfr. fls. 37, 38, 100 e 101, dos autos, e fls. 185 e 186, do processo administrativo).
15) Em anexo ao documento mencionado em 14), a impugnante remeteu documento designado de documento n.º 1, consubstanciado em 2.ª via da fatura mencionada em 4) e auto de medição e do qual consta designadamente o seguinte:
“…

(…)

…” (cfr. fls. 103 a 105, dos autos, e fls. 188 e 189, do processo administrativo).
16) Em anexo ao documento mencionado em 14), a impugnante remeteu documento designado de documento n.º 2 correspondente ao documento mencionado em 3) (cfr. fls. 106, dos autos, e fls. 190, do processo administrativo).
17) Da ação inspetiva referida em 10) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 30 de setembro de 2009, do qual consta designadamente o seguinte:
“…

…” (cfr. fls. 42 a 53, dos autos, e fls. 127 a 138, do processo administrativo).

18) Foi emitido documento, pela AT, designado de “Certidão de notificação”, datado de 12.10.2009, de acordo com o qual o RIT mencionado em 17) foi entregue à impugnante, tendo nele sido aposta assinatura de representante da impugnante (cfr. fls. 39).
19) Foi emitida, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IVA n.º entendimento dominante do S.T.A. que todas as exigências no dito Código quanto à fatura eram “necessárias para a identificação da operação a que respeitam de modo a que possam extrair-se daqueles documentos as devidas consequências quanto à incidência do imposto, sua taxa, sujeitos, cobrança, deduções, etc”.- cfr, acórdão de 17-2-1999, proc. n.º 020593, publicado em www.dgsi.pt. respetivos juros compensatórios, n.º 09177579, no valor de 15.857,86 Eur., tendo como data limite para pagamento voluntário 31.12.2009 (cfr. fls. 35 e 36).
II.2. De direito.
Nos termos do art. 19.º n.º2, a), do C.I.V.A., a dedução de I.V.A. depende de fatura passada “em forma legal”.
A este se referia o n.º5 do art. 35.º(atual 36.º) do C.I.V.A., sendo entendimento durante muito tempo dominante na jurisprudência do S.T.A. que todas as exigências previstas no dito Código quanto à “fatura” eram “necessárias para a identificação da operação a que respeitam de modo a que possam extrair-se daqueles documentos as devidas consequências quanto à incidência do imposto, sua taxa, sujeitos, cobrança, deduções, etc”.- cfr, entre outros, acórdão de 17-2-1999, proc. n.º 020593, publicado em www.dgsi.pt.
No dito n.º5, encontrava-se previsto na alínea b a exigência – para utilizar a terminologia acima –, de conter a menção da “quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou prestador dos serviços prestados com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável(…)”.
Insere-se a mesma na redação do referido n.º5, antes da que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 265/2003, de 21/10, para vigorar desde 1-1-2004, em que se procedeu à transposição da Diretiva 2001/115/CE, do Conselho, de 21/10, pela qual se visou a harmonização comunitária da legislação aplicável sobre a tributação em sede de I.V.A., fazendo-se acrescentar ao dito n.º5 a alínea f quanto à fatura conter “a data em que os bens foram colocados à disposição ou os serviços realizados (…), se essa data não coincidir com a da emissão da factura”.
Na jurisprudência do T.J.U.E. citada na sentença recorrida inclui-se, antes de mais, o acórdão “Polski Trawert”, de 1-3-2012, no processo C-280/10 (na sequência do acórdão de 1-4-2004, proc. C-90/02, Colect. P. I-3303, no mesmo referido), no qual se considerou no ponto 48 que existem cirunstâncias em que os dados constantes de fatura podem ser controlados através de outros meios que não a própria fatura.
Por outro lado, foi ainda citado o acórdão “Petroma” do T.J.U.E., proferido a 6-5-2013, no proc. C-271/12, publicado em www.eur-lex.europa.eu (emitido na sequência do acórdão “Panon Gep Centrum”, de 15-7-2010, proc. C-368/09, Colect. I-p. 7488), segundo o qual o sistema comum de I.V.A. não proíbe que se proceda à retificação de faturas erradas quando estão reunidas todas as condições materiais para que se possa beneficiar do direito à dedução do I.V.A., considerando ainda que o benefício desse direito, não pode, em princípio, ser recusado pelo facto da fatura conter um erro.
Comum a toda essa jurisprudência é o princípio da neutralidade que norteia esse imposto, bem como o princípio da proporcionalidade ao mesmo associado, conforme aliás, a doutrina, face à referida jurisprudência, tem assinalado de modo claro – cfr., Cidálias Lança em Código do IVA e RITI – Notas e Comentários , Coord. de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, ed. Almedina, 2014, pág. 340, Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, ed. Almedina, 2015, p. 345, e Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, em “A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia a propósito de exigências de forma das faturas e direito à dedução do IVA”, Cadernos de IVA 2015, coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015.
Não se vendo razões, em face da dita jurisprudência, para não concordar com tal e, centrando o decidido a análise no dito acórdão “Petroma”, considera-se no mesmo que a Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17-5-1977, com alterações anteriores à harmonização a que se procedeu a partir de 1-1-2004, não se opõe a que as legislações nacionais respeitante ao I.V.A. possam estabelecer as regras a que deve obedecer o direito à dedução.
Tal o que ocorreu na legislação belga, a que se refere o dito acórdão “Petroma”, bem como na legislação portuguesa, na qual foram previstas regras próprias, conforma afirmado recentemente no acórdão do S.T.A. de 6-5-2020, proferido no processo 02337/12.7BECRS.
Contudo, comete-se ainda no referido acórdão do T.J.U.E., à autoridade nacional de reenvio, competência para verificar se estão reunidos os requisitos aplicáveis à dedução do I.V.A..
Ora, tendo o serviço de inspecção tributária reputado os descritivos constantes da fatura n.º 546, como genéricos, veio, em sede do exercício do do direito de audição, a ser apresentada uma “2.ª via”, com um auto anexo, em que quanto a 14 itens se procede a descrições mais pormenorizadas dos concretos serviços prestados, incluindo um, em que anteriormente constava apenas “diversos”, e com data corrigida. Assim, pôde considerar-se “estar a AT dotada da informação necessária aos trabalhos em causa” e que os elementos facultados “permitem aferir dos requisitos substanciais da operação”.
Quanto ao aviso de lançamento n.º 16300, relativo a “Know how”, em prestações, não é posto em causa que não se trate de “fatura”, nem que o decidido a respeito da menção do “destinatário” diga respeito ao previsto na alínea b do art. 35.º(atual) 36.º do C.I.V.A..
Aliás, conforme referido na sentença recorrida, o contrato de “know how” foi junto em sede administrativa, não tendo sido posto em causa que não se verificassem as menções previstas no art. 35.º (atual 36.º) n.º1, b).
Assim, não procede o invocado no recurso interposto quanto ao disposto nos artigos 19.º n.º 2 a) e 35.º (atual 36.º), b), do C.I.V.A..
Encontra-se o decidido com fundamento na aplicação do princípio da neutralidade no que respeita a elementos apresentados antes de ser proferida decisão (na dita fase administrativa), de acordo com a referida jurisprudência do T.J.U.E., no qual se considerou que a legislação nacional só não é conforme ao direito comunitário no mesmo citado a respeito do I.V.A. se não aceitar os elementos fornecidos em sede de exercício do direito de audição, antes de ser proferida decisão – sobre tal, sobreleva a 1.ª parte decisória do referido acórdão “Petroma”-, bem como ainda com o acórdão do S.T.A. de 7-10-2015, proferido no processo n.º 01455/12, acessível em www.dgsi.pt.
Neste, embora em circunstancialismo não totalmente coincidente com o do presente caso, concluiu-se, conforme consta do respetivo sumário, que, em face de elemento junto pelo requerente posteriormente a fatura, “II-(…) a AT não pode recusar-lhe (ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 91.º do CIVA, na redacção vigente à data) a dedução do imposto mencionado em facturas emitidas há mais de quatro anos, sob pena de se impossibilitar (considerando o direito caducado no momento em que nasceu) o exercício daquele direito.III - O princípio da dedução do IVA, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo.”
A diferentes conclusões a que então se chegou conduziria a aplicação que se defende no recurso interposto relativamente à aplicação do previsto no art. 71.º do C.I.V.A., na redação ao tempo, bem como quanto a, nas circunstâncias concretas acima referidas, ser de considerar emitida nova fatura aquando do exercício do direito de audição.
Assim, e de acordo também com esta jurisprudência, o recurso interposto não obtém provimento.
III. Decisão:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de Justiça acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente – art. 527.º n.º1 do C.P.C..

Lisboa, 18 de novembro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.