Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0171/17
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:OPOSIÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
ORDEM DE CONHECIMENTO
Sumário:I - O Código de Processo e Procedimento Tributário não dispõe de uma norma própria que indique a ordem do conhecimento das questões a resolver pelo tribunal, não tendo préstimo para o efeito o que consta do disposto no art.º 124.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que indica a ordem do conhecimento dos vícios do acto de liquidação.
II - Como determina o art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário tal ordem há-de recolher-se, atenta a natureza da lacuna, no Código de Processo Civil, art. 608.º, n.º 1, iniciando-se pelo conhecimento das excepções dilatórias e, só, por regra, posteriormente, tomando conhecimento das peremptórias.
Nº Convencional:JSTA000P23585
Nº do Documento:SA2201809190171
Data de Entrada:02/17/2017
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
. 06 de Outubro de 2016

Julgou parcialmente procedente o recurso, revogou a decisão administrativa de fixação de coimas e condenou-a em coima no valor de €13.075,05.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário
do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, SA, veio interpôr o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de recurso de decisão que aplicou a coima n.º 513/16.2BEBRG, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. De acordo com a jurisprudência sufragada no acórdão de 1 de outubro de 2014 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01665/13, e no acórdão de 28 de janeiro de 2015 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0335/14, com a eliminação da expressão “se o contrário não resultar da lei” da redação do n.º 3 do artigo 26° do RGIT, através da alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, o legislador claramente quis estabelecer um regime vinculativo para todas as infrações tributárias relativamente ao limite mínimo da coima abstratamente aplicável;

II. Nos termos do n.º 3 do artigo 9° do Código Civil, o pensamento legislativo subjacente à nova redação do n.º 3 do artigo 26° do RGIT, ao retirar a expressão “se o contrário não resultar da lei”, foi de estender o seu regime a todas as coimas;

III. Os acórdãos acima citados sustentam claramente que o regime consagrado no n.º 3 do artigo 26° do RGIT que consagra o valor mínimo da coima de € 50,00 (elevado para o dobro no caso de pessoas coletivas) aplica-se aos casos de falta de entrega da prestação tributária, previstos no artigo 114° do RGIT;

IV. Nestes termos, podemos concluir que, quanto à determinação do montante mínimo abstratamente aplicável, deve o presente recurso judicial ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado nos termos conjugados dos n°s. 3 e 4 do artigo 26° e do n.º 2 do artigo 114°, ambos do RGIT;

V. Sem prejuízo de se determinar o valor mínimo abstratamente aplicável, encontram-se preenchidos os requisitos legais para a Recorrente beneficiar da atenuação especial da coima, nos termos do n.º 2 do artigo 32° do RGIT.

VI. Caso se considere que o montante mínimo abstratamente aplicável ao presente caso é de € 100,00, então a coima deve ser especialmente atenuada para metade (€ 50,00), nos termos do n.º 3 do artigo 18° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, ex vi alínea b) do artigo 3° do RGIT.

PEDIDO:
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença recorrida, nos seguintes termos:
a) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado nos termos conjugados dos nºs. 3 e 4 do artigo 26° e do artigo 114°, ambos do RGIT;
b) Por conseguinte, a decisão de aplicação da coima aqui em apreço deve ser anulada e a coima deve ser aplicada pelo montante mínimo abstratamente aplicável e deve ser especialmente atenuada, nos termos conjugados dos n°s. 3 e 4 do artigo 26°, do artigo 114° e do n.º 2 do artigo 32°, todos do RGIT, e fixada no montante a pagar de €50,00 (artigo 18°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).

O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A. Pelo serviço de finanças de Esposende foi emitido um auto de notícia, à aqui recorrente/arguida, dando origem ao Processo de Contra Ordenação n.º 03962015060000064612;
B. No auto de notícia mencionado em A. é imputada à arguida a falta de entrega dentro do prazo de imposto retido na fonte relativo a IRS, do período de 2015/05, no valor de € 87.167,02;
C. No referido auto de notícia consta, quanto aos elementos que caracterizam a infracção, o seguinte:

02ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO
1.Montante de imposto exigível
87.167,02
2.Valor da prestação tributária entregue
0,00
3.Valor da prestação tributária em falta
87.167,02
4.Período a que respeita a infracção
2015/05
5.Termo do prazo para cumprimento da obrigação
2015-06-22
6.Normas infringidas: Art.º 98 nº3 CIRS – Falta de entrega da prestação dentro do prazo de imposto retido na fonte
7.Normas punitivas: Artº 114 nº2, 5 a), 24 nº2 e 26 nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias – Falta de entrega da prestação tributária

D. No dia 27-08-2015, a arguida/recorrente procedeu ao pagamento do montante devido a título de IRS do período de 2015/05, no âmbito do PEF n.º 0396201501060600, cf. Doc. junto com a PI sob o n° 2;
E. A arguida/recorrente foi notificada nos termos do art. 70.° do RGIT (pagamento voluntário da coima), constando na notificação o seguinte:
Normas infringidas
Normas punitivas
Período de tributação
Data da infracção
Coimas
Código ArtigoCódigo ArtigoMínimoMáximo
CIRSArt.º 98 nº3 CIRS – Falta de entrega da prestação dentro do prazo de imposto retido na fonteRGITArtº 114 nº2, 5 a), 24 nº2 e 26 nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias – Falta de entrega da prestação tributária2015052015-06-22€26.150,00€45.000,00


G. No dia 19-09-2015 foi proferida pela AT a decisão administrativa de fixação de coima no PCO mencionado em A., no montante de € 26.607,73, daí se destacando o seguinte:
(...)
I
1 A…………, SA
Actos de ocultaçãoNão
Benefício económico0,00
Frequência da práticaFrequente
NegligênciaSimples
Obrigação de não cometer infracçãoNão
Situação económica e financeiraBaixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção< 3 meses

Questão objecto de recurso:
1. Moldura contraordenacional da coima
2. Atenuação especial da coima.

1. Moldura contraordenacional da coima
A arguida, não entregou o IRS que havia retido na fonte dentro do prazo legal que terminava em 22 de Junho de 2015, no montante de € 87.167,02, vindo a fazê-lo apenas em 27-08-2015, pelo que praticou uma contra-ordenação prevista pelo disposto nos artigos Art.º 98 nº 3 CIRS – Falta de entrega da prestação dentro do prazo de imposto retido na fonte – e, punida pelo art.º Artº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Em causa neste recurso mostra-se a determinação da medida da pena.
A moldura contraordenacional a ter em causa, nos termos do disposto no referido art.º 114 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, vigente à data da prática da infracção – 22 de Junho de 2015 – por aquela conduta ilícita ser imputável a título de negligência, e o montante em falta haver sido pago em período que não entrega ultrapassou os 90 dias - 27-08-2015 - varia de acordo com entre 15 % (13 075,05€) e metade do imposto em falta (43 583,51€), de acordo com o disposto no art.º 114 do Regime Geral das Infracções Tributárias. Por se tratar de uma pessoa colectiva tais limites são elevados para o dobro daqueles indicados, nos termos do disposto no art.º 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias:
Mínimo : 26 150,01 €,
Máximo : 87 167,02€.
Porém, tendo em conta que o limite máximo assim atingido ultrapassa o limite máximo abstractamente estabelecido, fixado no art.º 26.º, n.º 1, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias fica ele reduzido 45 000,00€.
O disposto no art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, n.º 3 e 4 na redacção introduzida com a Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 define os limites mínimos de modo aparentemente antagónico ao que resulta do art.º 114 estabelecendo que:
«3 - O montante mínimo da coima a pagar é de (euro) 50, excepto em caso de redução da coima, em que é de (euro) 25.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.».
Encontramos uma norma similar no Artigo 17.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que estabelece o regime geral do Ilícito de Mera Ordenação Social ainda que nele se contenha a expressão – se o contrário não resultar de lei – que se mostra omitida na versão actual do art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, muito embora tenha dele constado até à L. n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
O art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias insere-se na Parte 1 – Princípios Gerais do diploma, constando do seu capítulo III – Disposições aplicáveis às contra-ordenações ao passo que o art.º 114.º se inscreve no capítulo II – Contra-ordenações fiscais, do Título II – Contra-ordenações tributárias, da Parte III do diploma – Das infracções tributárias em especial. Tanto basta para tornar claro que o art.º 26.º tem uma vocação de aplicação à generalidade das contra-ordenações enquanto o art.º 114.º vê o seu âmbito de aplicação restrito à contra-ordenação fiscal de falta de entrega da prestação tributária.
A conjugação dos dois preceitos art.º 26.º e 114.º far-se-á pela prevalência do segundo sempre que o limite mínimo seja igual ou superior ao limite mínimo geral constante do art.º 26.º e pela prevalência deste quando o limite mínimo a determinar segundo as regras do art.º 114.º atingisse um valor que fosse inferior ao limite mínimo geral previsto no art.º 26.º.
Para a determinação da moldura contraordenacional a ter em conta em cada caso há-de procurar-se primeiro a norma especial que a fixa para a infracção em concreto e, depois verificar se, aplicados os critérios ou os montantes aí estabelecidos, o limite mínimo da coima é igual ou superior a 100€, quando o infractor seja uma pessoa colectiva ou sociedade ou entidade fiscalmente equiparada. Apenas na situação em que o limite mínimo da coima seja inferior a 100€, quando o infractor seja uma pessoa colectiva, sociedade ou entidade fiscalmente equiparada, se aplicará o limite constante do art.º 26 do Regime Geral das Infracções Tributárias, por ser este o limite mínimo de todos os limites mínimos aplicáveis a infracções tributárias.
Assim, no caso concreto, como dissemos anteriormente, a moldura penal a ter em conta decorre do disposto do art.º 114.º e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias variando entre 26 150,01 € e 45 000,00€.
Não é objecto de recurso que existem os requisitos para que se proceda à atenuação especial da pena - art.º 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, sendo certo que se mostram reunidos os dois pressupostos cumulativos exigidos pelo art.º 32.º, n. 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias para a atenuação especial da coima: o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.
A determinação da medida da coima, neste caso, face ao disposto no artigo 18°, n° 3 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aqui subsidiariamente aplicável, conduz a que a moldura contraordenacional a ter em conta seja reduzida a metade nos seus limites mínimo e máximo o que em concreto corresponde a um intervalo entre 13 075,05€ e 22 500,00€, pelo que tendo em conta os elementos já analisados e com os parâmetros definidos no art.º 27.º do Regime Geral das Infracções Tributárias - gravidade do facto, culpa do agente, situação económica do agente, tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado, e, tentando fixar um montante para a coima que exceda o benefício económico que a recorrente retirou da prática da contra-ordenação, estando em causa um recurso da decisão que aplicou a coima interposto pelo arguido, mostra-se ajustado o valor fixado para a coima pela sentença recorrida no mínimo legal de 13 075,05€.
Deste modo, contrariamente ao entendimento da recorrente, a sentença recorrida não enferma dos erros que lhe vinham apontados e, ao invés procedeu a uma correcta aplicação da lei aos factos apurados o que determina a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora por vencimento) – António Pimpão – Ascensão Lopes (Vencido, conforme voto em anexo).

Voto de Vencido no rec.171/17-30.
Votei vencido pelas seguintes razões:
Mostram os autos que a arguida, não entregou o IRS retido na fonte, no montante de € 87.167,02 referente ao período de 05/2015 cujo termo do prazo para cumprimento da obrigação foi noticiado como tendo ocorrido em 22/06/2015 sendo que só efectuou o pagamento deste tributo dois meses e cinco dias depois, ou seja em 27/08/2015, pelo que lhe foi imputada a prática de uma contra-ordenação ao disposto no art° 98° nº 3 do CIRS e punida pelo art.º 114.º, n.º 2, n.º 5 a) 24º nº 2 e 26.º, n. 4 do Regime Geral das
Infracções Tributárias.
No presente recurso vem questionada apenas a determinação da medida da coima, estando assente que se trata de contra-ordenação negligente e a ora recorrente A………… SA defende que ao caso se deve aplicar para cálculo do montante mínimo da pena de multa abstractamente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do art° 26 e nº 2 do artigo 114, ambos do RGIT donde resulta, no seu modo de ver, que o montante mínimo aplicável ao presente caso é de 100 Euros que deverá ser reduzido para metade por dever ser especialmente atenuada a pena.
E, no nosso modo de ver devia ter sido dado provimento ao recurso da recorrente.
A fundamentação para tal entendimento tem na base, e ressalvadas as devidas distâncias, por atenção as especificidades concretas de cada caso, é a que expressamos no nosso voto de vencido, exarado no acórdão deste STA de 18/10 de 2017 tirado no recurso nº 080/17 que tratou um caso próximo, e que passamos a reproduzir:

"Votei vencido e daria provimento ao recurso no entendimento de que o LIMITE MÍNIMO das coimas previsto no n° 3 do artº 26º do RGIT é aplicável ao caso dos autos em que está em causa situação factual integrável no nº 2 do artº 114º do mesmo regime.

A meu ver o dito art° 26º estabelece um regime geral de graduação dos montantes mínimo e máximo das coimas que deve persistir sempre que o regime especial (o do art° 114º do RGIT preveja ele próprio a sua não aplicação ou quando a sua aplicação conduza a situações absurdas em que deixa de haver montante mínimo por serem efectuados os cálculos como ali previsto, resultando ser superior o limite mínimo ao do próprio limite máximo como sucede no caso dos autos. Com efeito, ali se considera que o limite máximo da coima são 45.000Euros (no que estamos de acordo) mas depois deixa entendível que o limite mínimo é superior a este montante e que está acertada a decisão do Sr. Chefe de Finanças que reduziu a quantia do limite mínimo à mesma do limite máximo ou seja os ditos 45.000 Euros.

Na prática não há graduação da pena o que a meu ver viola princípios básicos do direito penal e contra-ordenacional onde releva sempre (sob pena de responsabilidade objectiva) a apreciação da culpa (vide desde logo art° 18° do RGCO). E, no limite também está posta em causa a definição concreta (não indefinida) da própria pena.

Do mesmo modo, não vemos como se possa efectivar uma atenuação extraordinária da pena nos termos do estatuído no artigo 32°/2 do RGIT e 18° do RGCO.

Acresce ainda referir que, devendo a medida da coima calcular-se por atenção à gravidade da contra-ordenação praticada, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação, consideramos um absurdo que nas situações como a dos autos em que a sociedade pagou com atraso (dentro do prazo de 90 dias), o IVA devido ao Estado, retirando pois, necessariamente um benefício económico reduzido que (deverá ser calculado pelo rendimento usual que tal quantia mantida indevidamente na sua esfera jurídica durante menos de 90 dias lhe gerou) e abstraindo de outras razões prementes (eventualmente diminuidores da culpa) que pudessem tê-la levado a esse comportamento ilícito, possam conduzir a limites mínimos da coima muito elevados, por desproporcionados e manifestamente funestos para a vida dos sujeitos passivos.

Também consideramos que não pode haver tipologia indeterminada quanto aos limites mínimo e máximo e daí que o nº 1 do artº 114º do RGIT contenha no seu final a expressão: "sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido" que é (são) os limites das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 26º do RGIT, respectivamente 165.000 Euros ou 45.000 Euros. Este é de facto o limite máximo considerado necessário e previamente definido para desencorajar o não pagamento das prestações tributárias.

É certo que esta norma (artº 114º do RGIT) não contém qualquer definição prévia do limite mínimo mas ainda assim não pode o legislador ter querido limites mínimos exorbitantes, como na circunstância dos autos em que o limite mínimo, usando os cálculos previstos no preceito acabado de referir, se revela superior ao limite máximo. Também por isso subscrevemos a fundamentação do acórdão deste STA de 28/01/2015 tirado no recurso n° 0335/14 quando considera:

"Importa aqui sublinhar que por força da Lei n° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, aplicável ao caso subjudice, o artº 26º, nº 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias passou a ter a seguinte redacção: "o montante mínimo da coima a pagar é de € 50, excepto em caso de redução da coima em que é de €25".

A redacção inicial do preceito era a seguinte: “O valor mínimo da coima é de (euro) 150, se o contrário não resultar da lei.”

A eliminação da expressão "se o contrário não resultar da lei" revela a opção clara do legislador em estabelecer também um regime vinculativo relativamente ao limite mínimo da coima que é assim abstractamente fixado em 50 €, elevado para o dobro, no caso vertente, por se tratar de aplicação de uma coima a pessoa colectiva (26º, nº 4 do RGIT).

O limite mínimo das coimas previsto no nº 3 do art. 26.º será, pois, aplicável nos casos previstos no art. 114.º do RGIT, em que o mínimo das coimas é igual ao valor da prestação em falta, no caso de contra-ordenação dolosa, e é de 15% desse valor se a contra-ordenação for por negligência (Cf. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1.10.2014, recurso 1665/13, in www.dgsi.pt e Regime Geral das Infracções Tributárias anotado de Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, 4ª ed., pág. 295, Infracções Tributárias, anotações ao Regime Geral de João Ricardo Catarino e Nuno Vitorino, 3ª edição, pág. 258 e Paulo Marques, Infracções Tributárias, ed. da DGI, Vol. II, pág. 59.)".

A nosso ver o legislador na redacção do art. 114º deixou de considerar/regulamentar limitações ao quantitativo do limite mínimo (o que não se esqueceu de fazer para o limite máximo) e tal lacuna terá de ser integrada, pela aplicação da regra geral do art° 26° do RGIT evitando assim o recurso à equidade e ao espírito do sistema os quais sempre aconselhariam um limite mínimo não dependente da proporção da prestação em falta (pois para essa consideração e posterior fixação da coima também funciona o intervalo entre o mínimo e o máximo da moldura penal a aplicar), nem de quaisquer cálculos matemáticos.

Por tudo o exposto, concluiríamos que, tal como sucede com o limite máximo da coima previsto no artº 114º nºs 1 e 2 do RGIT que tem por limite os montantes previstos nas alíneas a) e b) do artº 26 do mesmo regime, também o limite mínimo da coima a considerar quer em caso de dolo quer em caso de negligência da conduta ilícita é o do art° 26° n° 3 do RGIT. Tal implica a nossa concordância com o expresso pela recorrente nas suas conclusões II a IV e determinaria a consequente revogação da sentença recorrida.”

Revertendo ao caso dos presentes autos e reiterando e aplicando a interpretação exposta/expressa no referido voto de vencido temos que:
Concordamos que nos termos do n.º 3 do artigo 9º do Código Civil, o pensamento legislativo subjacente à nova redacção do n.º 3 do artigo 26º do RGIT, ao retirar a expressão "se o contrário não resultar da lei", foi de estender o seu regime a todas as coimas;
Que o regime consagrado no n.º 3 do artigo 26º do RGIT o qual consagra o valor mínimo da coima de € 50,00 (elevado para o dobro no caso de pessoas colectivas) aplica-se aos casos de falta de entrega da prestação tributária, previstos no artigo 114° do RGIT;
Assim, podemos concluir que, quanto à determinação do montante mínimo abstractamente aplicável, devia dar-se razão à recorrente o que implicaria que em parte fosse de revogar a sentença do Tribunal "a quo".
Desta forma não se segue a jurisprudência contida nos acórdãos deste STA de 15/3/2017, in proc. nº 52/17, de 10/5/2017, in proc. nº 1279/16 e de 17/05/2017, in proc. nº 01193/16.
Acresce referir que, divergindo do que foi expresso na sentença sob recurso e apenas porque esta o destaca, não se patenteia que a condenação tendo em consideração o referido montante mínimo que entendemos ser o aplicável, seja incentivo à prática do ilícito de não entrega da prestação tributária pois que a simples exigência legal de instauração de execução fiscal com todas as consequências daí decorrentes, e bem assim, a instauração de processo de contra-ordenação, só por si já realizam as exigências de prevenção. No reverso, diremos antes que a condenação de simples actos negligentes de forma tão forte e desproporcionada é que poderá constituir obstáculo ou desincentivo a que seja efectuado o pagamento da prestação tributária devida, mesmo depois do termo do prazo para a sua efectivação (sendo do conhecimento comum, que às vezes o pagamento ocorre apenas alguns segundos depois do termo do prazo, falta que a rigidez do sistema fiscal informático, - que em si próprio não é isento de falhas e bloqueios -, classifica como incumprimento sem qualquer tolerância ou compensação pelas suas próprias falhas), sendo, também, consabido que este pagamento é efectuado, muitas vezes, depois ultrapassadas dificuldades pontuais de tesouraria, tão comuns na vida empresarial.
Em suma: o pagamento em atraso deve ser sancionado com juros moratórios e coima como é de facto, mas sempre no respeito pela proporção e proibição do excesso, princípios ínsitos no artº 18º nº 2 da CRP, sendo que entendemos que por via interpretativa não pode nem deve ser, na prática, catapultada esta sanção para patamares absurdos, porque desproporcionados, susceptíveis de aniquilar à partida a força anímica empresarial, reduzindo-a ao estado pré-falimentar de incumprimento, fazendo soçobrar, necessariamente, a regra de que a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação, que no presente caso é necessariamente diminuto. E se o não deve ser, entendemos que a lei também não o consente, de acordo com a interpretação que deixamos expressa supra.
Quanto à atenuação especial requerida pela arguida, a que se refere o art° 32° nº 2 do RGIT concordamos com todos os considerandos contidos na sentença recorrida pelo que, tal como ali, concluiríamos que no caso se mostram reunidos os pressupostos para tal atenuação com a consequente redução a metade dos limites mínimos e máximos que a nosso ver seriam respectivamente 50 Euros a 22,500 Euros.
Da medida da pena a aplicar:
Considerando todos os factos do probatório supra destacado os limites mínimo e máximo que entendemos aplicáveis e o tempo decorrido até à regularização da falta de entrega da prestação tributária (menos de 90 dias) entendíamos adequada às circunstâncias do caso concreto, designadamente a gravidade do facto (grave); a culpa da sociedade (negligente) a sua situação económica (débil, por comprovada ocorrência de dificuldades financeiras) e bem assim o prejuízo para a receita pública (diminuto), a fixação de uma coima mais próxima do limite mínimo, que fixaríamos no montante de mil (1000) Euros.
Lisboa, 19 de Setembro de 2018.
Ascensão Lopes