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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01622/20.9BELRS
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO SOBRE O SECTOR BANCÁRIO
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
ILEGALIDADE
Sumário:I - A Contribuição sobre o Sector Bancário (C.S.B.) tem a natureza jurídica de uma contribuição financeira.
II - Não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico (cfr.artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12/OE 2011; portaria 121/2011, de 30/03; normas que renovam, anualmente, tal regime), por violação do princípio constitucional da legalidade, pelo que, também a respectiva autoliquidação referente ao exercício de 2019, não enferma de ilegalidade por alegada violação desse mesmo princípio.
III - Não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico (cfr.artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12/OE 2011; portaria 121/2011, de 30/03; normas que renovam, anualmente, tal regime), por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação referente ao exercício de 2019, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios.
IV - Da afectação que resulta estruturada quanto à C.S.B. entre as receitas do Fundo de Resolução e da discriminação efectuada quanto às receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E., nomeadamente de 2019, não resulta a violação do artº.105, nº.1, a), da C.R.P.
V - A C.S.B. tem sido prevista, anualmente, em todos os Orçamentos de Estado, pelo que assume um carácter excepcional e temporário, na medida em que só poderá haver lugar à sua cobrança, enquanto tal renovação ocorrer, a cada Orçamento de Estado. As receitas provindas da C.S.B. estão afectas ao Fundo de Resolução nos termos do artº.153-F, nº.1, al.a), do R.G.I.C.S.F., assim não se vislumbrando como possa violar o regime previsto, nomeadamente, no artº.16, da Lei de Enquadramento Orçamental.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30494
Nº do Documento:SA22023012501622/20
Data de Entrada:11/15/2022
Recorrente:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando, mediatamente, o acto de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário, referente ao ano de 2019 e no montante total de € 9.329.866,15.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.225 a 256-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-O Requerimento de interposição de recurso, acompanhado das presentes Alegações e Conclusões, apresentado nesta data, é tempestivo.
B-O objeto do Recurso é constituído pela Sentença proferida nos autos de Impugnação Judicial n.º 1622/20.9BELRS, em 10 de fevereiro de 2022, no segmento decisório dedicado à apreciação do mérito da causa e à consequente condenação da RECORRENTE em custas, concordando-se com a Sentença recorrida na parte em que o Tribunal a quo determina a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
C-A RECORRENTE entende que a Sentença recorrida incorre em vício de erro de julgamento no que tange à apreciação da violação dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da não retroatividade da lei fiscal, e, bem assim, na apreciação do alegado vício de violação da regra da especificação orçamental, geradora de ilegalidade abstrata ou de inconstitucionalidade indireta.
D-A CSB trata-se de um verdadeiro imposto, e não de uma contribuição financeira, pois que carece da sinalagmaticidade característica das contribuições financeiras.
E-Com efeito, não se logra determinar a existência de um qualquer presumível benefício para os seus sujeitos passivos advenientes dos propósitos a que se predispõe a receita da CSB.
F-A CSB reveste-se, pelo contrário, da unilateralidade característica do imposto.
G-Assim, não pode o Tribunal a quo afastar a aplicação in casu do princípio constitucional da legalidade, ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, o qual impõe que os elementos essenciais deste imposto, ou seja, a respetiva incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos constituintes, sejam criados por Lei, o que não sucedeu.
H-A Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, regula matéria de reserva de lei, designadamente no que tange à configuração do imposto e à sua incidência, não se limitando à densificação do Regime jurídico da CSB, inquinando, assim, de vício de inconstitucionalidade orgânica.
I-A jurisprudência do Tribunal Constitucional constante do Acórdão n.º 70/2004, de março de 2014, não adere à situação dos autos.
J-A Sentença recorrida incorre, assim, em erro de julgamento na apreciação da inconstitucionalidade da CSB por violação do princípio da legalidade, ínsito no artigo 103º, n.º 2, da CRP, devendo, por isso, ser revogada.
K-A Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, padece de ilegalidade em sentido estrito, por violação direta do Regime jurídico da CSB, uma vez que (i) altera a natureza da taxa prevista na norma habilitante, transformando-a de taxa progressiva em taxa proporcional, incrementando, assim, a base de incidência da aludida contribuição, e (ii) impõe um limite para a dedução à base de incidência, que consiste nos depósitos efetivamente cobertos pelo Fundo de Garantia de Depósitos.
L-Sendo ao legislador a quem cabe conformar o imposto como progressivo ou não e, ainda, determinar a base de incidência de imposto, a Portaria, ao estabelecer uma conformar o imposto como proporcional e ao determinar base de incidência diferente, viola gritantemente a própria norma habilitante, designadamente os artigos 4.º e 3.º do Regime jurídico da CSB.
M-Temos em que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto a Portaria n.º 121/2011 viola claramente o Regime da CSB aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (com as alterações subsequentes) pelo que deverá a Sentença recorrida ser revogada.
N-Não é verdade que a CSB, ao financiar o Fundo de Resolução, esteja a compensar os presumíveis beneficiários de eventuais intervenções públicas de resolução, uma vez que, daqueles que se são abrangidos pelas normas de incidência subjetiva deste tributo, apenas uma pequena parte pode beneficiar da intervenção desse fundo: o Novo Banco e o BANIF.
O-Para além desses dois Bancos, o Fundo de Resolução só pode visar novas medidas de resolução das sociedades financeiras, que nem sequer são sujeitos passivos da CSB.
P-Seguindo o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20 de outubro de 2015, é indubitável que, não podendo o sujeito passivo da CSB, nos termos legais aplicáveis, beneficiar de qualquer medida de resolução que venha a ser determinada e financiada pelo Fundo de Resolução ao qual aquela contribuição está consignada, não existe, consequentemente, qualquer relação objetiva, falhando redondamente qualquer equivalência, ainda que difusa, que pudesse existir.
Q-Em face de tudo quanto antecede, deve a Sentença recorrida ser revogada na parte em que julga improcedente a Impugnação Judicial apresentada, com fundamento na inobservância dos vícios de inconstitucionalidade apontados, pois que padece, nesta parte, de erro de julgamento.
R-A CSB foi criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2011, com uma vigência temporal limitada ao ano de 2011, sendo que, tanto a Lei do Orçamento do Estado para 2012, como todas as que lhe sucederam, foram renovando, sucessivamente, a previsão deste tributo para 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021.
S-Os moldes em que o tributo foi criado levaram a um inevitável vício de inconstitucionalidade, por violação da proibição de criação de tributos de natureza retroativa, uma vez que, nos termos das normas de incidência objetiva contidas no artigo 3º, alíneas a) e b) do Regime da CSB, em conjugação com o n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, este tributo aplicou-se a factos tributários ocorridos no ano anterior à sua criação (2010), ano em que não era expectável a sua imposição, reincidindo, todos os anos - nomeadamente em 2019, ano em questão nos presentes autos - nesse mesmo vício, ao aplicar-se, sempre, a factos e situações que respeitam ao ano imediatamente anterior à sua vigência.
T-Ao prever a incidência sobre factos de um período anual, o legislador determinou, inequivocamente, que a arrecadação do tributo ocorresse em junho do ano seguinte ao ano de ocorrência dos factos tributários, verificando-se que a CSB de 2019 incidiu sobre o exercício anual de 2018.
U-Em face do exposto, conclui-se que o regime jurídico da CSB compreende uma retroatividade forte, autêntica ou própria, contrariamente ao pugnado pela Sentença recorrida, devendo, por isso, a Sentença recorrida ser revogada na parte em julga improcedente a Impugnação Judicial apresentada, com fundamento na inobservância dos vícios de inconstitucionalidade apontados, pois que padece, nesta parte, de erro de julgamento.
V-Entende a RECORRENTE que o Tribunal a quo incorre, também, em erro de julgamento no que tange à apreciação da questão antes omissa - violação dos princípios e regras da discriminação e da especificação orçamentais.
W-O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto nos artigos 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, decorrendo também, expressamente da CRP, concretamente do artigo 105.º da CRP, o qual impõe a necessária “discriminação das receitas (...) do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”.
X-Dentro do princípio da discriminação encontramos a regra da especificação orçamental, a qual impõe que o orçamento deve individualizar, de forma adequada e suficiente, as receitas e da qual deriva uma dupla proibição: a primeira, endereçada ao Governo, proibindo-o de apresentar aglomerados de receita e de despesas e, a segunda, à Assembleia da República, vedando-se a possibilidade de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.
Y-A RECORRENTE entende que o artigo 311.º da Lei do Orçamento de Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), ao manter em vigor o Regime jurídico da CSB para esse ano, sem que se encontre respeitado o princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, por referência à (não) inscrição orçamental da CSB, deve ter-se por inconstitucional, porque mantém em vigor um tributo que se deve assumir por inexistente.
Z-Com efeito, tanto a própria norma que criou a CSB, o artigo 141.º da Lei 55-A/2010, de 30 de dezembro, como as normas das sucessivas leis dos orçamentos do Estado que vieram sucessiva e constantemente a prorrogar a sua vigência, estabelecem, no fundo, um tributo com a apontada insuficiência de orçamentação, o que implica, reflexamente, que as mesmas sejam, elas próprias, consideradas inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 105º, n.º 1, al. a), da Constituição da República, e ilegais, por violação de lei de valor reforçado, concretamente dos artigos 15.º a 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro.
AA-A norma que criou o regime jurídico da CSB, assim como a norma que o manteve em vigor no ano de 2019 - respetivamente, as normas constantes do artigo 141.º da Lei 55-A/2010, de 30 de dezembro, e do artigo 311.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro - violam o princípio da discriminação e a regra da especificação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CSB não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CSS aqui em causa – 2019 -, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a sua criação até à presente data.
BB-Dos Mapas Orçamentais da Lei do Orçamento do Estado para 2019, podia resultar que a CSB surgisse, presumivelmente, englobada no Mapa I, em “impostos diretos diversos”, e no Mapa V, na receita do Fundo de Resolução (€ 1.227.000.000), para esse ano, promovendo-se, assim, porém de forma inconstitucional e ilegal, os denominados aglomerados de receita, em violação dos enunciados princípio e regras orçamentais.
CC-Assim é porque se torna impossível apurar o valor da receita prevista arrecadar com a cobrança de CSB, não sendo sequer possível retirar-se do montante da receita do Fundo de Resolução (€ 1.227.000.000) qual o montante que corresponde à receita da CSB, uma vez que esta contribuição não é a única fonte de financiamento daquele fundo.
DD-A inscrição, global, das receitas do Fundo de Resolução no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2019, fazendo presumir que a receita prevista arrecadar com a cobrança da CSB se encontra aí incluída, não será também adequada, nem suficiente, sob os padrões impostos pelo princípio da discriminação e pela regra da especificação na CRP e na LEO.
EE-lmporta ainda referir que a eventual classificação da CSB como contribuição financeira não pode aligeirar a aplicação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, como pretende o Tribunal a quo, desde logo porque tanto a CRP como a LEO se referem a receitas, sem especificar a sua origem, e, depois porque tais contribuições assumem características semelhantes aos impostos, tendo inclusivamente sido classificadas pelo Tribunal de Contas como “impostos diretos”.
FF-Do que antecede decorre a conclusão de que a cobrança da CSB escapou efetivamente ao crivo parlamentar, não tendo sido, por isso, autorizada pela Assembleia da República.
GG-Conclui-se, assim, que as deficiências de orçamentação da CSB, desde a sua criação e até à presente data, são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, como não orçamentado, o que inquina de inconstitucionalidade e de ilegalidade abstrata tanto as normas contidas no artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 30 de dezembro, e no artigo 311.º da Lei do Orçamento de Estado para 2019, como o ato de autoliquidação controvertido.
HH-Por tudo quanto se expõe, insiste a RECORRENTE que o ato de (auto)liquidação da CSB controvertido enferma de vício gerador de ilegalidade (abstrata), vício esse equiparável aos vícios de inexistência do tributo, porquanto a sua liquidação e cobrança não foram devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO, devendo o mesmo ser declarado nulo ou, como subsidiariamente se requer, anulado.
lI-Assim, mal andou a Sentença recorrida ao julgar de forma diferente, devendo, também nesta parte, ser anulada, com todas as consequências legais.
JJ-Finalmente, atento o grau de complexidade da causa e a conduta processual das partes, entende a RECORRENTE que se torna desproporcionada a exigência do remanescente de taxa de justiça, pelo que, desde já, se requer a dispensa do seu pagamento.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.262 e verso do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.211-verso e 212 do processo físico):
A-A Impugnante, instituição de crédito com a sua sede na Rua Castilho - Lisboa e autorizada pelo Banco de Portugal, tem-se dedicado ao exercício da actividade bancária, inclusive no ano de 2019 (não controvertido).
B-Em 24/6/2019 a Impugnante procedeu, mediante a seguinte Declaração Modelo 26, à autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), apurando € 9.329,866,15 de CSB, que pagou ao Estado (doc.s 2 a 4 da PI, dados por integralmente reproduzidos):

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C-Em 7/7/2020 a Impugnante deduziu reclamação da autoliquidação acima referida no facto anterior, o que deu origem ao processo de reclamação n.º 3247202004004337 (doc. 5 da PI, aqui dado por integralmente reproduzido).
D-Após ser notificada do projecto de indeferimento da reclamação acima referida no facto anterior e de sobre ele se pronunciar, foi comunicado à Impugnante o despacho, proferido em 22/9/2020, que indeferiu a aludida reclamação (doc. 1 da PI e o PA apenso, aqui dados por integralmente reproduzidos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existindo factos não provados com relevância para a decisão…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal deu por provados os factos considerados relevantes à decisão, incluindo os não controvertidos e aqueles de que também ficou convicto com base nos documentos e no processo administrativo (PA) apenso, acima referidos no probatório e não impugnados…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve, porque legal, o acto de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário, referente ao ano de 2019, objecto mediato do presente processo (cfr.al.B) do probatório supra).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).

O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o Regime da Contribuição Sobre o Sector Bancário padece de inconstitucionalidade material e orgânica por violação do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado nos artºs.103, nº.2, e 165, nº.1, al.i), do Diploma Fundamental. Que o mesmo regime jurídico da CSB compreende uma retroactividade forte e autêntica ou própria, e nessa medida proibida. Que, especificamente, a portaria 121/2011, de 30/03, regula matéria de reserva de lei, pelo que padece de vício de inconstitucionalidade orgânica. Que a mesma portaria 121/2011, de 30/03, padece de ilegalidade em sentido estrito, por violação do regime jurídico da CSB, designadamente os seus artºs.3 e 4. Que o artº.311, da Lei de Orçamento de Estado para 2019 (Lei 71/2018, de 31/12) padece dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, ao manter em vigor o Regime Jurídico da CSB para esse ano, sem que se encontre respeitado o princípio/regra da discriminação e da especificação orçamentais, tudo por violação do disposto no artº.105, nº.1, al.a), da Constituição da República, e da lei de valor reforçado, concretamente dos artºs.15 a 17, da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), aprovada pela Lei 151/2015, de 11/09. Por consequência, o acto de autoliquidação objecto mediato do presente processo deve ser declarado nulo ou anulado. Que a sentença recorrida, ao decidir em contrário, deve ser revogada (cfr.conclusões B) a II) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em primeiro lugar, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Vertendo, agora, à Contribuição Sobre o Sector Bancário, aprovada pelo artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), as questões que são suscitadas no âmbito do presente recurso foram já objecto de análise e decisão na Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., no acórdão de 19 Junho de 2019 (rec.2340/13.0BELRS), proferido em julgamento ampliado do recurso (cfr.artº.148, do C.P.T.A.; artºs.686 e 687, do C.P.Civil), e o seu teor posteriormente reiterado na jurisprudência que se lhe seguiu, designadamente, nos acórdãos de 11 de Julho de 2019 (rec.2666/16.0BELRS), de 18 de Setembro de 2019 (rec.2883/16.3BELRS) e de 27 de Novembro de 2019 (rec. 2867/16.1BELRS).
Tendo em consideração:
i)o carácter unânime da decisão prolatada em 19 Junho de 2019 por este Tribunal;
ii)a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes do S.T.A. que têm sido proferidas sobre a mesma questão, algumas supra identificadas;
iii)o pouco tempo que ainda decorreu desde que este entendimento jurisprudencial foi firmado, impõe o princípio da segurança jurídica que o teor daquela decisão inicial (em julgamento ampliado) seja igualmente seguido no recurso aqui em exame.
Com estes pressupostos, contemplando o teor do acórdão de 19 de Junho de 2019 (rec.2340/13.0BELRS) e dos posteriores supra identificados, deve aplicar-se o disposto no artº.663, nº.5, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.8, nº.3, do C.Civil), assim se estruturando a restante fundamentação do presente aresto através de remissão para os acórdãos precedentes e os fundamentos aí expendidos.
Por outro lado, considerando que, quer o texto do acórdão de 19 de Junho de 2019, quer o texto dos acórdãos posteriores, todos da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., se encontram disponíveis, na íntegra, "on-line", na base de dados da D.G.S.I., dispensa-se a junção das respectivas cópias.
Apesar de tudo o acabado de expender, sempre se respingam dos arestos identificados acima e de outros, também deste Tribunal e Secção, as seguintes passagens em que se dá resposta aos esteios da presente apelação:
1-"Tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente ao ano de 2011, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec. 2867/16.1BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT);
2-"Pela natureza de contribuição financeira da CSB, resulta que a criação da mesma não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da AR ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts. 165°, n°1, al. i) e 198°, n°1, al. b), ambos da CRP) (…) no caso da CSB, o respectivo regime jurídico foi, como se viu, criado pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva, sendo que a Portaria 121/2011, de 30/03, para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR (maxime no art. 8° desse Regime Jurídico). Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art. 103º, nº 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art. 165º nº 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria nº. 121/2011, de 30/03, tal como das normas que renovam, anualmente, tal regime" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.2666/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.2921/17.2BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec. 2747/17.3BEPRT);
3-"Considerando o caso concreto da CSB, verifica-se que, por um lado, ela atinge igualmente todas as instituições de crédito do sector bancário a operar em Portugal, independentemente de a sua sede principal e efectiva se situar em território português (art. 2º do RCSB; art. 2º da Portaria nº 121/2011) (…)” – nem da capacidade contributiva – “(…) Carecendo, portanto, de relevância o alegado pela impugnante quanto à violação do princípio da igualdade, nesta última perspectiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (…)” – nem da proibição de retroactividade da lei fiscal “(…) Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos. E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103º da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente (…) – nem da protecção da confiança legítima – “(…) dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CSB (até porque não seria expectável que Portugal ficasse arredado da aplicação dos novos tributos, discutidos e aceites a nível europeu pelos Estados Membros e em condições tendencialmente iguais), em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 18/09/2019, rec.2883/16.3BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec. 2747/17.3BEPRT);
4-"As modulações do peso e da medida do tributo em função dos maiores ou menores riscos sistémicos provocados pela actuação dos sujeitos passivos (expressão da observância de um critério de proporcionalidade na construção da estrutura sinalagmática), estão presentes na delimitação da respectiva base de incidência objectiva: incidindo a CSB sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados, fica claro que, apesar de a taxa não ser progressiva, o valor da contribuição a pagar por cada sujeito passivo é directamente proporcional à intensidade do risco sistémico que a sua actuação pode presumivelmente provocar, directamente associada à dimensão do passivo e, consequencialmente, à dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das suas responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pelas instituições de crédito (cfr.o artº.4 da Portaria n° 121/2011). Daqui se concluindo que, ao invés do alegado pela recorrente, as normas que definem a incidência subjectiva e objectiva e as taxas da CSB, constantes do RCSB (art. 141º Lei nº 55-A/2010, de 31/12) não violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art. 13º da CRP)" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.2666/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/09/2019, rec.2883/16.3BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.2867/16.1BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT);
5-"Da afectação que resulta estruturada quanto à CSB entre as receitas do Fundo de Resolução e da discriminação efectuada quanto às receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E., nomeadamente de 2018, não resulta a violação do artº.105, nº.1, a), da C.R.P." (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/2020, rec.2015/18.3BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.1006/18.9BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.3197/12.3BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/10/2021, rec. 3227/18.5BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/12/2022, rec.2261/20.0BEPRT);
6-A CSB tem sido prevista, anualmente, em todos os Orçamentos de Estado, pelo que assume um carácter excepcional e temporário, na medida em que só poderá haver lugar à sua cobrança, enquanto tal renovação ocorrer, a cada Orçamento de Estado. As receitas provindas da CSB estão afectas ao Fundo de Resolução nos termos do artº.153-F, nº.1, al.a), do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec. Lei 298/92, de 31/12, e com as alterações posteriores), assim não se vislumbrando como possa violar o regime previsto no artº.16, da Lei de Enquadramento Orçamental (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec. 2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/2020, rec.2015/18.3BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/12/2022, rec.2261/20.0BEPRT).
Por último, sempre se dirá que também o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de examinar o Regime da CSB e a Portaria da CSB, concluindo pela não inconstitucionalidade das diversas interpretações normativas já antes estruturadas por este Tribunal (cfr.v.g.ac.Tribunal Constitucional 268/2021, de 29/04/2021; ac.Tribunal Constitucional 332/2021, de 26/05/2021; ac.Tribunal Constitucional 533/2021, de 13/07/2021; ac.Tribunal Constitucional 539/2021, de 13/07/2021; ac.Tribunal Constitucional 86/2022, de 1/02/2022).
Face à motivação jurisprudencial para a qual se remete, impõe-se negar provimento ao recurso.
Resta acompanhar, igualmente, a jurisprudência anterior quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, nº.1, do C.P.Civil), mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Janeiro de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.