Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0906/17.8BALSB
Data do Acordão:02/27/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
PRAZO
Sumário:O prazo para executar o julgado, fixado no artigo 176º, nº 2, do CPTA (na redacção anterior ao Decreto-lei 214-G/2015, de 2/10), reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no artigo 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.
Nº Convencional:JSTA000P24274
Nº do Documento:SAP201902270906/17
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:A............ E MULHER
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………… e mulher B…………, melhor identificados nos autos, inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13/10/2016, exarado a fls. 78/86 verso, proferido no processo nº 90-A/03 que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que por sua vez, julgou caducado o direito de executar o julgado, vieram ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 2 do CPPT interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo por considerar que tal decisão está em oposição, com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-02-2014, proferido no processo nº 01169/14.

2 – Por despacho a fls. 113 e seguintes dos autos, o Exmº Relator do TCA Norte veio admitir o recurso por oposição de acórdãos interposto pelos recorrentes, considerou existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental e consequentemente ordenou a notificação das partes para deduzir alegações nos termos do disposto do nº 5 do art.º 284º do CPPT.

3 - Os recorrentes vieram apresentar alegação de recurso a fls. 118 dos autos, tendente a demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:

«1ª O presente recurso vem interposto da Decisão do Tribunal Ad Quo, que confirmou a exceção de caducidade do direito de executar julgado por considerar que o prazo de três meses concedido à Autoridade Tributária para executar os julgados conta-se desde o trânsito da sentença e consequentemente o prazo de seis meses para intentar a ação de execução de julgados terá de se contar a partir do decurso dos três meses do trânsito em julgado da sentença.
2ª Ora, tal posição, está em oposição com a maioria da Jurisprudência do Douto Supremo Tribunal e que aqui se invoca, fundamentado tal posição com o Acórdão STA de 12-02-2015, Proc. 01169/14, in www.dgsi.pt.
3ª Ora não podem assim os Recorrentes concordar com tal posição, por a mesma contrariar a lei, e o direito estabelecido, quer a Própria Jurisprudência invocada.
4ª Obviamente que decorridos os três meses do Trânsito em julgado da Decisão os interessados podem requerer a execução do Julgado, não tendo de estar à espera que o processo seja remetido à Autoridade Tributária. Contudo quando se refere ao Direito de Defesa, os interessados face ao disposto no n° 146° do n° 2 do C.P.P.T., não poderão ficar prejudicados e o prazo para início da contagem do prazo dos três meses para execução espontânea das sentenças só se inicia quando o processo tiver sido remetido ao órgão da Administração Tributária competente para a execução, sob pena de se violar o art° 284° n° 3 da Constituição.
5ª É assim determinante fixar-se que os autos de impugnação dos quais se pretende a execução dos julgados foi remetido em 19 de novembro de 2014 ao Serviço de Finanças de Resende, e encontrando-se os autos por cumprir por terem sido emitidas duas liquidações de IRS com base nessa Sentença e tendo a petição de execução de julgados sido remetida em 13 de julho de 2015, em face do art° 146° n° 2 do C.P.P.T. e 175° e 176° do CPTA, deverá a mesma ser considerada tempestiva e apreciada em toda a sua plenitude, de forma a restabelecer o CASO JULGADO e transitado em julgado no seu devido tempo.
6ª Aliás, as Decisões dos Tribunais Administrativos são obrigatórias para todas as Entidades Públicas e Privadas e prevalecem sobre as de quaisquer Autoridades Administrativas, implicando inclusive como foi alegado no Acórdão de que recorre NULIDADE de qualquer ato administrativo que DESRESPEITE uma Decisão Judicial.
7ª Tais factos, que deverão ter a devida leitura, juntamente com a posição do Acórdão STA de 12-02-2015, Proc. 01169/14, in www.dgsi.pt que considera que não caducará o direito de executar enquanto não for notificado da remessa do processo ao Órgão de Execução, na esteira de abundante Jurisprudência.
8ª Torna-se assim imprescindível fixar factualidade quer relativamente à notificação da remessa do processo ao órgão executivo ao recorrente bem como das questões relativas aos factos que conduzirão à sua NULIDADE.»

4 – A recorrida, Fazenda Pública não contra alegou.

5 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer no sentido de que se verificam os requisitos para prosseguimento do recurso por oposição de acórdãos, emitindo também pronúncia sobre a questão de fundo, da qual se destaca a seguinte fundamentação:
«(….) A contagem do prazo para o exercício da execução coerciva a partir da remessa do processo ao órgão da AT competente para a execução, tem como pressuposto que tal remessa é notificada ao interessado exequente, como impõe o normativo do artigo 220.º do CPC.
Efetivamente, se a remessa do processo não for notificada ao interessado, como a lei impõe, não pode este ter conhecimento da data em que se iniciará o prazo para poder promover a execução coerciva do julgado e, consequentemente, exercer o seu direito.
Assim, se o interessado não for notificado da remessa do processo ao órgão competente para a execução, não se pode extinguir o direito daquele de promover a execução coerciva do julgado, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, estatuído no artigo 268.º/4 da CRP (Neste sentido obra citada, página 530 e acórdãos do STA, de 17/06/2009-Recurso n.º 073/09, de 15/05/2013-Recurso n.° 01317/12 e de 12/02/2015-Recurso n.º 01169/14, todos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).»

Mais se pronuncia o Ministério Público no sentido de que os autos baixem à primeira instância a fim de que seja proferida nova decisão após fixação e indagação da factualidade referente à data da remessa da impugnação ao Serviço de Finanças de Resende, nomeadamente se tal remessa foi notificada aos recorrentes e, afirmativamente, em que data.

6 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar em conferência do Pleno da Secção.

7 – No acórdão sob recurso encontram-se fixados os seguintes factos:

A) Os ora Exequentes A………… e esposa B………… deduziram em 21-07-2001, impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRS dos anos de 1999 e 2000 inclusive, questionando, no fundamental, “o desrespeito dos pressupostos legais para a aplicação dos métodos indiciários, nem definiu e/ou justificou um critério de apuramento do lucro/matéria colectável cfr. fls. 1 e segs dos autos de impugnação 2221/2004 ex 90/2003 aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) Por sentença proferida em 05 de março de 2014 decidiu-se “... julgo procedente ... determino a anulação das liquidações impugnadas. “, vide fls. 65 a 84 do aludido apenso;
C) Sentença que não sendo objeto de recurso transitou em julgado nos finais de março de 2014, cfr. fls. 85 a 91 e artigo 17° do PI destes autos;
D) A remessa dos autos de impugnação a que vimos aludindo, ao Serviço de Finanças de Resende, ocorreu após 7 de Outubro de 2014, vide fls. última folha do apenso e artigo 30° da PI destes;
E) Em cumprimento do julgado a Entidade impetrada extinguiu os processos executivos que pendiam para cobrança coerciva das quantias liquidadas e anuladas e ordenou o levantamento da penhora efetuada para garantir aquelas, cfr. alegado pelos Exequentes e implicitamente aceite pela FP e ainda o teor dos documentos que constituem fls. 21 a 23 do processo físico;
F) A AT, em 31-03-2015 emitiu novas liquidações de IRS relativas aos exercícios de 1999 e 2000, liquidações que os Exequentes pagaram em 03-07-2015, vide fls. 9 verso, 10 e 25 do processo físico;
G) Os Exequentes deduziram, em 09-07-2015, impugnação contra as referidas liquidações, cujo n.º é o 678115.0B, cfr. requerimento apresentado pela FP a 05-11-2015, pags. 44 e segs do processo físico e consultado processo via SITAF;
H) Os Exequentes, via correio eletrónico, em 13 de julho de 2015, apresentaram requerimento a requerer a execução de julgado, vide fls. 1 segs.

No acórdão fundamento (Acórdão 01169/14 do Supremo Tribunal Administrativo) deu-se como assente a seguinte factualidade:
1. Correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada o Processo de Impugnação Judicial nº 14/2001, que foi objecto de sentença de 22/04/2004 na qual foi julgada procedente a impugnação e anuladas as liquidações de IRS de 1989 a 1992, tendo a mesma transitado em julgado por não ter sido objecto de recurso jurisdicional (cfr. admitido por ambas as partes);
2. Em 04/07/2007 o Impugnante tendo sido notificado da devolução do imposto indevidamente pago relativo ao IRS dos anos de 1990 e 1991 nos montantes de 112.334,98 e € 110.315,78 deduziu um requerimento junto do Serviço de Palmela peticionando o pagamento de juros indemnizatórios e moratórios (cfr. doc. junto a fls. 02 e segs. do processo instrutor junto aos autos);
3. Em 10/03/2008 foi elaborada uma informação no Serviço de Finanças de Almada da qual consta que o meio processual não é o adequado pois se está perante uma situação em que se pretende executar o julgado (cfr. doc. junto a fls. 03 do processo instrutor junto aos autos);
4. O requerimento identificado no ponto 1 foi convolado num procedimento atípico e foi objecto duma informação em 10/03/2008, da qual consta que, tendo a sentença transitado em julgado em 2004, há muito que se encontrava expirado o prazo para deduzir pedido indemnizatório (cfr doc. junto a fls. 4 a 8 do processo instrutor junto aos autos);
5. Em 10/03/2008 esse pedido formulado pelo impugnante e melhor identificado em 1 foi indeferido (cfr doc. junto a fls. 5 do processo instrutor junto aos autos);
6. O impugnante foi notificado do despacho identificado no ponto anterior em 12/03/2008 (cfr. docs. juntos a fls. 9 e 10 do processo instrutor junto aos autos);
7. Em 10/04/2008 o impugnante deduziu recurso hierárquico da decisão identificada no ponto 4 (cfr doc. junto a fls. 2 e segs. do processo instrutor referente ao recurso hierárquico junto aos autos);
8. Por despacho do Director Geral dos Impostos de 23/06/2009 foi indeferido o recurso hierárquico identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 16 a 18, frente e verso, do processo instrutor referente ao recurso hierárquico junto aos autos);
9. Em 13/07/2009 foi o impugnante notificado do indeferimento identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 21 e 22 do processo instrutor referente ao recurso hierárquico junto aos autos);

8. Da admissibilidade do recurso de oposição de acórdãos.
Por despacho a fls. 113/114 o Exmº Relator considerou que poderá ocorrer contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil, podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, e de 12.12.2012, recurso 932/12).
Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os pressupostos do recurso por oposição de julgados.

Como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004 é aplicável o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que são os seguintes os requisitos de admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
- a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados constitui também jurisprudência pacífica do pleno desta secção que se devem adoptar os critérios já assentes no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, ou seja:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
– a oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados – ver acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 18.02.1998, recurso 28637, de 12.03.2003, recurso 35205, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 06.06.2009, recurso 617/08, e de 13.11.2013, recurso 594/12.

No caso vertente os recorrentes suscitam a existência de oposição de julgados quanto à questão da caducidade do direito de executar o julgado, alegando que o acórdão recorrido confirmou a excepção de caducidade do direito de executar o julgado por considerar que o prazo de três meses concedido à Autoridade Tributária para executar os julgados (artº 175º do CPTA) se conta desde o trânsito da sentença e consequentemente o prazo de seis meses para intentar a acção de execução de julgados (176º, nº 2 do CPTA) terá de se contar a partir do decurso dos três meses do trânsito em julgado da sentença, sendo que tal entendimento está em oposição com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente com a tirada no acórdão fundamento de 12.02.2015, recurso 01169/14.

E na verdade da análise dos dois referidos arestos é efectivamente possível concluir que, perante quadro factual semelhante, os acórdãos em confronto decidiram de modo divergente a questão de saber se o prazo para a execução coerciva do julgado a que se refere o art. 176º, nº 2, do CPTA, é, ou não, determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão competente para a execução espontânea, face ao que dispõe o artigo 146º, nº 2, do CPPT.

No acórdão recorrido estava em causa uma acção de execução de julgados que foi julgada extemporânea pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, o qual entendeu encontrar-se ultrapassado o prazo de seis meses para a interposição da acção previsto no artigo 170.º n.º 2 do CPTA, contando este prazo a partir da “data final para a execução espontânea” da sentença por parte da Administração Tributária.
Neste acórdão o Tribunal Central Administrativo Norte considerou que, nos termos do art. 175º, nº 1 do CPTA, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar julgados anulatórios de actos administrativos deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da decisão que serve de base à execução.
Mais ponderou que, se o momento crucial nesta sede reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146º nº 2 do CPPT.

Para concluir que, quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição, sendo que a petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contados desde o termo do prazo do nº 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito - art. 176º nºs 1 e 2 do CPTA (na redacção anterior à que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 02-10).

Já no acórdão fundamento estava em causa sentença de 1.ª instância que, pese embora tenha considerado que o meio processual utilizado pelo contribuinte não era meio próprio, não procedeu à convolação dos autos para o meio processual considerado adequado – v.g., a execução de julgados – por considerar que esse meio era já intempestivo, nos termos conjugados dos artigos 175.º n.º 3 e 176.º n.º 2 do CPTA, impondo-se a rejeição liminar dela, por extemporaneidade.
Sendo a questão objecto do recurso precisamente a questão da tempestividade da execução do julgado, o acórdão fundamento entendeu que o prazo para executar o julgado, fixado no artigo 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no artigo 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.

Concluiu-se assim, que, se verifica, quanto a esta questão, para além de identidade de situações fácticas, a invocada oposição de soluções jurídicas.

9. E verifica-se também o segundo requisito do recurso por oposição de acórdãos, pois atenta a questão de saber se, face ao que dispõe o artigo 146º, nº 2, do CPPT, o prazo para a execução coerciva do julgado a que se refere o art. 176º, nº 2, do CPTA, é, ou não, determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão competente para a execução espontânea, não se pode, com segurança, afirmar que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (vide, por exemplo, em clara divergência com a decisão sindicada, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2018, proferido no recurso 076/05.4BECBR-A).

Julga-se, pois, estarem reunidos todos os requisitos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos.

10. Do mérito do recurso

Decorre dos autos a questão a decidir é a de saber se, face ao que dispõe o artigo 146º, nº 2, do CPPT, o prazo para a execução coerciva do julgado a que se refere o art. 176º, nº 2, do CPTA, é, ou não, determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão competente para a execução espontânea.

Como se viu o acórdão recorrido, perante a suscitada questão da caducidade do direito de executar o julgado, considerou que o dever de cumprir espontaneamente o julgado tributário surge com o trânsito em julgado deste e não com a remessa do processo ao órgão competente para a execução, sendo que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT.
Isto porque, nos termos do art. 175º, nº 1 do CPTA, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar julgados anulatórios de actos administrativos deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da decisão que serve de base à execução.
Mais ponderou que, se o momento crucial nesta sede reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146º nº 2 do CPPT.

Para concluir que, quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição, sendo que a petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contados desde o termo do prazo do nº 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito - art. 176º nºs 1 e 2 do CPTA (na redacção anterior à que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 02-10).
No prosseguimento de tal discurso argumentativo o acórdão recorrido julgou extemporânea a acção de execução de julgados, por entender encontrar-se ultrapassado o prazo de seis meses para a interposição da acção previsto no artigo 176.º n.º 2 do CPTA, contando este prazo a partir da “data final para a execução espontânea” da sentença por parte da Administração Tributária.

Não conformados com o assim decidido alegam os recorrentes, invocando jurisprudência do acórdão fundamento, que, se é certo que decorrido os três meses do trânsito em julgado da decisão os interessados podem requerer a execução do julgado, não tendo de estar à espera que o processo seja remetido à Autoridade Tributária, contudo, no que se refere ao direito de defesa, e face ao disposto no n° 146° do n° 2 do C.P.P.T., não poderão ficar prejudicados.
Por isso concluem que o prazo para início da contagem do prazo dos três meses para execução espontânea das sentenças só se inicia quando o processo tiver sido remetido ao órgão da Administração Tributária competente para a execução, sob pena de se violar o direito à tutela jurisdicional efectiva.

A nosso ver assiste razão aos recorrentes.
Com efeito não acompanhamos o discurso fundamentador do acórdão recorrido, antes entendemos que o prazo para executar o julgado, fixado no artigo 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no artigo 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.
Vejamos, pois.
De acordo com o disposto no artigo 175.º do CPTA (na redacção anterior ao Decreto-lei 214-G/2015, de 2/10) a execução espontânea do julgado deve ser feita no prazo de três meses, ou de 30 dias, caso a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, sendo certo que tais prazos devem ser contados desde o trânsito em julgado da decisão anulatória (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, II volume, página 532, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Também de acordo com o disposto no nº 1 e 2 do artº 176º do CPTA, na redacção aplicável (anterior ao Decreto-lei 214-G/2015, de 2/10), quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição. A petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contado desde o termo do prazo do n.º 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito.

Por outro lado resulta do artigo 146.º/2 do CPPT que “O prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado”.
Na compatibilização destas normas, na parte relativa ao início da contagem do prazo de execução, há-de entender-se que o contribuinte não poderá ser prejudicado no seu direito de requerer a execução se o exercer dentro do prazo que resulta dos termos deste nº 2 do artº 146º do CPPT.
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 530, «se se entender que o dever de execução se inicia com o trânsito em julgado e não com a remessa do processo, terminará mais cedo o prazo para a Administração Tributária executar espontaneamente o julgado, mas também terminará mais cedo o prazo para o contribuinte requerer a execução, que se conta a partir do termo do prazo de execução espontânea. Mas, por força do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado um seu direito, pelo facto de observar o que resulta directamente da letra da lei, pelo que o requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária.
(…) Por outro lado, determinando a remessa do processo à administração tributária indirectamente o início do prazo para o contribuinte requerer a execução de julgado, deverá entender-se que a preclusão do seu direito de requerer a execução só ocorrerá se lhe for efectuada notificação da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o contribuinte não terá conhecimento da data em que terminará o prazo de execução espontânea, que é também aquela em que começa o prazo de que dispõe para requerer a execução do julgado.»

Assim, como vem sublinhando a jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário, se o interessado não for notificado da remessa do processo ao órgão competente para a execução, não se pode extinguir o direito daquele de promover a execução coerciva do julgado, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estatuído no artigo 268.º/4 da CRP
Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos citados no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto (de 17/06/2009-Recurso n.º 073/09, de 15/05/2013-Recurso n.º 01317/12), o acórdão fundamento e o recente Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 28.11.2018, proferido no Recurso 76/05.4BECBR.
Será, pois, pertinente referir também o que, sobre a questão, se decidiu no supra citado Acórdão do Pleno proferido no recurso 76/05.4BECBR, de 28.11.2018:
«Por força do disposto no n.º 1 do artigo 102.º da LGT e do n.º 1 do artigo 146.º Código do CPPT, a execução de sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução de sentenças dos tribunais administrativos, sendo que aos autos são aplicáveis as regras sobre a matéria constantes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pois que a petição de execução foi enviada ao tribunal em 3/6/2015 (cfr. fls 1 dos autos), ou seja, tem-se como instaurada em data posterior à da entrada em vigor daquele diploma (cfr. os arts. 5.º, n.º 4 e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22/2, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2) com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 214-G/2015, de 2/10.
Nos termos do n.º 2 do artigo 176.º do CPTA (na redacção em vigor à data da interposição da acção de execução de julgados sub judice), o prazo para pedir ao tribunal a execução do julgado é de “seis meses” contados desde o termo do prazo para a execução espontânea do decidido, ou seja, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 175.º do CPTA, três meses ou 30 dias, este último aplicável quando a execução de sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária.

Dispõe, contudo, a primeira parte do n.º 2 do artigo 146.º do CPPT que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução (…)”, no que parece pretender fixar um termo inicial para a execução espontânea de julgados diverso (e mais dilatado no tempo) daquele que decorre do artigo 100.º da LGT (e do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição, diga-se).
Entende-se que esta norma é atendível para os estritos efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado, pois que constituindo lex scripta os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária.
Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para essa execução espontânea se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), deve entender-se que a remessa do processo ao órgão da Administração Tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).
Assim, e de acordo com o Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 15/05/2013 no processo nº 1317/12, “significa isto que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa”.
É também esta a posição da melhor doutrina.
Rui Duarte Morais in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2016, pp. 333 e 334 explica que a fixação do prazo de seis meses “pode redundar num “prémio” à inércia da administração fiscal, pois os contribuintes, confiados no cumprimento espontâneo, ainda que tardio (que é a regra), poderão facilmente deixar caducar o seu direito à ação executiva”. Nesta medida, o Professor “não pode estar mais de acordo” com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, concluindo que “uma vez que [a notificação da remessa do processo], por regra não acontece, o sujeito passivo estará, na prática, sempre em tempo (sem prejuízo do decurso do prazo prescricional) de interpor a ação executiva” (fim de citação).»

Concordamos, no essencial, com tal jurisprudência e respectiva fundamentação subjacente e, por isso, concluímos que não pode ser acolhido o entendimento vertido na sentença do Tribunal de 1.ª Instância e no Acórdão Recorrido, que situaram o início do prazo para a execução do julgado na data do trânsito em julgado da decisão, pelo que procederá o recurso.

Resulta, porém, da alínea D) do probatório que os autos de impugnação foram remetidos ao Serviço de Finanças de Resende após 7 de Outubro de 2014, sendo que se desconhece se os recorrentes foram notificados dessa remessa e, afirmativamente, em que data.
Assim sendo, em função da posição perfilhada, não se podia ter julgado precludido o prazo para interpor a execução de julgado sem se saber, previamente, a data da remessa da impugnação ao Serviço de Finanças de Resende e se tal remessa foi notificada aos recorrentes e, afirmativamente, em que data.
Uma vez que este tribunal de revista, não tem poderes em sede de fixação da matéria de facto, impõe-se a baixa dos autos à primeira instância para que seja proferida nova decisão após indagação e fixação da mencionada factualidade, nos termos do disposto nos artigos 682.º nº 3 e 683.º nº 1 do CPC.

11. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o Acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para que aí seja proferida nova decisão após indagação e fixação da matéria de facto supra referida.

Custas pela Fazenda Pública, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2019. - Pedro Manuel Dias Delgado (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.