Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01172/04.0BEVIS-A
Data do Acordão:10/03/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
ANULAÇÃO DO ACTO RECORRIDO
Sumário:Não obstante o fim último da acção ser a condenação da Administração à prática de um acto devido, não se podem deixar de extrair as devidas consequências jurídicas da anulação do acto impugnado no âmbito da mesma acção.
Nº Convencional:JSTA000P24972
Nº do Documento:SA12019100301172/04
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA MADEIRA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Município de São João da Madeira, devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAN, de 16.02.18, em que se acordou “em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida”.

Na base deste recurso está uma acção para execução de sentença movida contra aquele município por A………. e intentada no TAF de Viseu. Este último, por decisão prolatada em 29.06.17, julgou “totalmente procedente” a presente acção executiva “e, consequentemente, em execução da sentença/acórdão exequendo”, condenou “a Entidade executada, Município de São João da Madeira, a:

a) Pagar ao exequente, A………, a importância ilíquida de € 139.151, 89 (cento e trinta e nove mil cento e cinquenta e um euros e oitenta e nove cêntimos) relativa aos prejuízos sofrido por este pela perda da retribuição de trabalho ou vencimentos que não lhe foram pagos pela mesma Entidade executada, no período de tempo decorrente entre 17/03/2004 (data da prática do acto anulado) e 17/11/2015 (data do efectivo regresso ao serviço;

b) Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias entretanto havidas no mesmo período de tempo mencionado em a) precedente, respeitantes à mudança ou alteração de nível remuneratório na categoria profissional do exequente por opção gestionária do executado Município, ao abrigo dos disposto nos artigos 46.º 47.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, em virtude de essa mudança ou alteração de nível remuneratório feita pelo executado para o universo dos funcionários com a categoria em causa ser aplicável ao exequente por não ter sido submetido a avaliação positiva do seu desempenho referente às suas funções efectivas, sendo que a falta dessa avaliação e o não exercício efectivo de funções do exequente não podem ser imputadas ao mesmo exequente mas exclusivamente ao executado, em virtude da decorrência do acto anulado;

c) A processar os descontos legais sobre as importâncias não pagas pelo mesmo executado ao exequente às respectivas entidades que legalmente deveriam ter sido feitos como se o exequente estivesse ao seu serviço, nomeadamente para a Caixa Geral de Aposentações e para a ADSE, para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos, respectivamente, de contagem de tempo de serviço do exequente para a sua aposentação e dos benefícios de assistência na doença e das prestações sociais, descontos esses a efectuar ou calculados sobre as remunerações devidas e a pagar ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015 e mencionadas em a) e b) precedentes;

d) A pagar as importâncias que se mostrem devidas à Administração Fiscal decorrentes do pagamento dos vencimentos ou retribuições não pagas ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015;

e) Pagar ainda ao exequente os juros de mora vencidos sobre as importâncias líquidas que lhe são devidas e mencionadas em a) e b) precedentes e desde a data do vencimento mensal de cada uma delas (dependendo da data do vencimento das retribuições mensais que no decurso do referido período de tempo mensalmente lhe deveriam ter sido pagas e não foram) à taxa legal em vigor para os juros civis, e que na data da instauração da presente execução se cifram na importância de € 33.199,58 (trinta e três mil cento e noventa e nove euros e cinquenta e oito centavos) e, ainda, nos juros de mora já vencidos nesta data e que se vierem a vencer até ao seu integral pagamento sobre as mesmas importâncias, à mesma taxa legal em vigor, até ao seu integral e efectivo pagamento ao exequente;

f) Todos os pagamentos e/ou actos em que a Entidade executada é condenada e constantes das alíneas a) a e) precedentes, deverão ser efectivamente cumpridos no prazo de 30 dias, incumbindo ao Sr. Presidente do executivo camarário do executado, Município de São João da Madeira, a responsabilidade pelo seu cumprimento ou adopção concreta dos actos necessários ao respectivo cumprimento, sob pena de, não o fazendo, pagar uma sanção pecuniária compulsória que desde já se fixa na importância diária de € 40,00 (quarenta euros) por cada dia de atraso (cfr. artigo 179.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPTA então em vigor)”.

Desta decisão do TAF de Viseu recorreu o A. para o TCAN, o qual decidiu no sentido acima assinalado. Decisão que motivou o presente recurso de revista intentado pelo Executado Município de São João da Madeira.

2. Inconformado, pois, com a decisão do TCAN, o Executado interpôs o presente recurso jurisdicional de revista, tendo, para o efeito apresentado alegações, que concluíram do seguinte modo (cfr. fls. 209 a 218):

“A) - Tendo pois em conta a relação material controvertida consubstanciada no pedido e causa de pedir, o douto Acórdão de 9 de outubro de 2015 decide em última instância, logo em definitivo, sobre o objeto da ação e, nessa medida, delimita o alcance do caso julgado em matéria executiva.

B) - E a sua fundamentação decisória contém os seguintes postulados argumentativos a que o Tribunal ad quem in Acórdão executivo proferido em 16 de fevereiro de 2018 pelo Tribunal Central Administrativo Norte, estava vinculado.

C) - E aí diz-se in ponto "2.2 - DE DIREITO" a folhas 12, com caráter vinculativo em sede de execução de sentença que, de acordo com o n.º 2 do art.º 66º do CPTA, ainda que a prática de o ato devido, tenha sido expressamente recusado, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória".

D) - Dizendo-se igualmente, quando esteja em causa uma posição subjetiva de nível pretensivo que foi indeferida, a reação a esse indeferimento não passa pela anulação da mesma, mas sim por um pedido de prática de ato administrativo em que seja reconhecida a sua pretensão.

E) - E explicitando a sua fundamentação de jure, o douto Acórdão, passa a citar o Professor "Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, páginas 91 e seguintes:

"quando há um ato de indeferimento, o processo não deixa de ser, a nosso ver um processo impugnatório, na medida em que existe (i) a imposição legal de um ónus de reação contra o ato negativo, que é assim, assumido como um ato administrativo que define unilateralmente a situação do interessado....Mas trata-se duma impugnação de plena jurisdição, uma vez que a eliminação do ato negativo tem lugar no âmbito dum processo dirigido à prática de outro ato administrativo no lugar daquele que foi praticado, pelo que o seu objeto não se centra no ato negativo ... mas na pretensão dirigida à prática do ato devido,,,,/' sic

F) - Continuando a explicitar o alcance da causa de pedir, com igual e óbvia vinculação executiva:

- "(...) (O autor/recorrido) vem solicitar através da presente ação que seja anulado o ato de indeferimento da sua pretensão, devendo substituir esse ato por outro que contemple o seu regresso ao serviço."

- (...) Ou seja, vem o recorrido, solicitar a prática de ato devido que passa pelo seu regresso ao serviço como "Encarregado de Parques Desportivos e Piscinas."

G) - Clarificando o alcance da sua posição decisória:

(...) Quando esteja em causa uma posição subjetiva de nível pretensivo que foi indeferida, a reação a esse indeferimento não passa pela anulação da mesma, mas sim por um pedido de prática de ato administrativo em que seja reconhecida a sua pretensão."

H - E continuando:

"(...) Ora, havendo indeferimento de uma pretensão, o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido, será normalmente cumulado com o pedido de anulação do ato praticado (art.º 47º n.º 2 alínea a) do CPTA), estando consagrado no nosso direito administrativo o princípio da livre cumulabilidade de pedidos, desde que haja entre eles uma relação de conexão, o que é o caso.

I) - " (...) Ou seja, estando em causa um ato de indeferimento de uma pretensão, o recurso a um pedido de estrita anulação desse ato em Tribunal não é o adequado. Até porque a mera anulação do indeferimento da pretensão não é idónea, só por si, a resolver o pedido formulado. O adequado será o pedido de condenação no ato que se considera que seja legalmente devido e que foi indevidamente indeferido

J) - Prosseguindo o seu iter cognitivo:

(...) Nestas situações tem sempre de se analisar se o ato de indeferimento da pretensão do autor, ocorreu sem qualquer vício ínvalidante, ou se ocorreram ilegalidades que levem a que se tenha de considerar que o ato a proferir devia ter sido outro.

K) - Porém, ao contrário do que sucedia no regime anterior ao CPTA, o conceito de ato administrativo impugnável não compreende, hoje, entre nós, os atos administrativos de conteúdo negativo.

L) - E explicitando, a contrario, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, poderá pois concluir-se que a reação contenciosa contra os atos de conteúdo negativo passa, entretanto, pela dedução do competente pedido de condenação à prática de um ato administrativo que satisfaça a pretensão do autor, ou seja, pelo menos, dê uma nova definição ao caso, sem reincidir nas ilegalidades em que incorreu o ato negativo...

M) - Como, de acordo com o regime introduzido pelo CPTA, só os atos de conteúdo positivo podem ser objeto de um processo de impugnação, dirigido à respetiva anulação ou declaração de nulidade.

N) - No entanto, o douto Acórdão em matéria executiva de 16 de fevereiro de 2018 que, pelas razões de Direito aduzidas excecionalmente em Revista pomos agora em crise decide, como se o ato de indeferimento fosse, não um ato negativo, mas como se dum ato positivo constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos se tratasse.

O) - Assim e desde logo, não cabe no âmbito da presente execução o ou os pedidos formulados pelo exequente e concedidos pelo Meritíssimo Juiz a quo e confirmados pelo Tribunal ad quem.

P) - In casu, o autor, em pedido de impugnação de jurisdição plena, na ação administrativa especial que então interpôs, de acordo com o então novo CPTA que vinha, desse modo, a efetivar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, cumula a impugnação do ato negativo de indeferimento com a pretensão de condenação obrigatória à prática do ato ilegalmente recusado, nos termos do n.º 2 do art.º 66º do CPTA, qual seja o regresso ao exercício efetivo de funções, após a licença sem vencimento, como encarregado de parques desportivos e piscinas.

Q) - E esta pretensão que, constituindo inquestionavelmente o objeto da ação e o seguimento dinâmico e último da decisão condenatória à prática do ato ilegalmente recusado, foi, de modo integral, tempestiva e espontaneamente, na íntegra executada pelo réu – execução espontânea da sentença por parte da Administração, nos termos do art.º 162º do CPTA.

R) - A douta Sentença, e Acórdão exequendos, (sentença proferida em 10 de agosto de 2012 e acórdão do Tribunal coletivo de 30 de setembro de 2013) julgam procedente a ação administrativa especial e, consequentemente, anulado o ato/decisão impugnado, proferida pelo senhor vereador B…… do executivo camarário do réu, Município de São João da Madeira, e condenando a mesma Entidade Ré a reconhecer a existência de lugar disponível/vago de Encarregado de Parques Desportivos e Recreativos ou equivalente e, ainda, por via disso, a deferir o regresso do autor ao seu lugar de origem, sem prejuízo de eventualmente outro ou outros requisitos legais a tal não se opuserem.

S) - E o douto Acórdão do tribunal Central Administrativo Norte de 9 de outubro de 2015 que em todos os nossos articulados em sede de execução de sentença apreciamos, pela profundidade contida na sua vertente doutrinária, especificamente nos ensinamentos do Professor Mário Aroso de Almeida, particularmente no que concerne à execução duma sentença administrativa, com base na prática de ato devido, omitido ou recusado, como no caso vertente, nos termos dos números 1 e 2 do art.º 66º e verificados os pressupostos do art.º 67º, não nos deixou quaisquer margem de dúvidas sobre o sentido e alcance da sua execução.

T) - Acabando o réu Município de S. João da Madeira por proceder, em execução de sentença, ao posicionamento do autor ora recorrido na carreira e remuneração que corresponde à vertente condenatória da sua integração na carreira onde em 1995 estava inserido, tendo por correspondência o ato negativo de recusa, ou de indeferimento, ainda que ilegal da sua pretensão de reintegração em 2004.

U) - Assim e por força do ato impugnado conducente ao seu pedido da prática do ato ilegalmente recusado, a entidade Ré, procedeu à reposição da sua carreira e vencimento remuneratório atuais, atento o princípio que rege a decisão impugnatória de tempus regit actum.

V) - Cumprindo assim de forma espontânea, tempestiva e exemplar e na íntegra a douta sentença que o exequente indevidamente diz pretender ver cumprido, como a condenação aos pedidos indemnizatórios que peticiona, como pagar ao exequente, A…………, a importância ilíquida de € 139.151,89 (cento e trinta e nove mil, cento e cinquenta e um euros e oitenta e nove cêntimos) relativa aos prejuízos sofridos por este pela perda da sua retribuição de trabalho ou vencimentos que não lhe foram pagos pela mesma Entidade executada, no período de tempo decorrente entre 17/03/2004 (data da prática do ato anulado) e 17/11/2015 (data do efetivo regresso ao serviço);

- Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias entretanto havidas no mesmo período de tempo mencionado em a) precedente respeitantes à mudança ou alteração de nível remuneratório na categoria profissional do exequente por opção gestionária do executado Município ao abrigo do disposto nos artigos 46º e 47º na Lei n.º 12-A/2008 de 27/02, em virtude de essa mudança ou alteração de nível remuneratório feita pelo executado para o universo de funcionários com a categoria em causa ser aplicável ao exequente por não ter sido submetido em avaliação positiva do seu desempenho referente às suas funções efetivas, sendo que a falta dessa avaliação e o não exercício efetivo das funções do exequente não podem ser imputadas ao mesmo exequente mas exclusivamente ao executado, em virtude da decorrência do ato anulado;

- A processar os descontos legais sobre as importâncias não pagas pelo mesmo executado ao exequente às respetivas entidades que legalmente deveriam ter sido feitos como se o exequente estivesse ao seu serviço, nomeadamente para a Caixa Geral de Aposentações e para a ADSE, para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos, respetivamente, de contagem de tempo de serviço do exequente para a sua aposentação e dos benefícios de assistência na doença e das prestações sociais, descontos esses a efetuar ou calculados sobre as remunerações devidas e a pagar ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015 e mencionadas em a) e b) precedentes;

- A pagar as importâncias que se mostrem devidas à Administração Fiscal decorrentes dos pagamentos dos vencimentos ou retribuições não pagas ao exequente, respeitante ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015;

- Pagar ainda ao exequente os juros de mora vencidos sobre as importâncias líquidas que lhe são devidas e mencionadas e a) e b) precedentes e desde a data do vencimento mensal de cada uma delas, (dependendo da data do vencimento das retribuições mensais que no decurso do referido período de tempo mensalmente lhe deveriam ter sido pagas e não foram) à taxa legal em vigor para os juros civis, e que na data da instauração da presente execução se cifram na importância de € 33.199,58 (trinta e três mil, cento e noventa e nove mil euros e cinquenta e nove cêntimos) e, ainda, nos juros de mora já vencidos nesta data e que se vierem a vencer até ao seu efetivo pagamento sobre as mesmas importâncias, à mesma taxa legal em vigor, até ao seu integral e efetivo pagamento ao exequente.

W) - Não sendo pis, como deixamos vincado em sede de Apelação, apesar de julgada improcedente e conforme conclusões de Direito supra, o acórdão/sentença exequendo não é título bastante e, por isso, executivo, para a pretensão ou pretensões formuladas pelo exequente contra o executado em sede do requerimento/petição de execução.

X) - Como não é compaginável com a chamada reconstituição in natura prevista normativamente no art.º 173º do CPTA (vide CAPÍTULO IV sob a epígrafe "Execução de sentença de anulação de atos administrativos") a que essa mesma douta sentença executiva adere, condenando o Município, conforme suas alíneas a) a f), mas de impugnação de plena jurisdição, uma vez que a eliminação do ato negativo tem lugar no âmbito dum processo dirigido à prática de outro ato administrativo no lugar daquele que foi praticado.

Y) - Esta foi, de acordo com a relação material controvertida, a decisão exequenda.

Z) - E que veio a ser de modo integral, tempestiva e espontaneamente executada pelo réu Município, o que afastava desde logo a petição da execução e, consequentemente, a sentença que sobre a mesma impendeu.

K) - Assim, como o atual Acórdão em sede executiva do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16 de fevereiro de 2018, que ora submetemos a recurso excecional de Revista que nada vem a acrescentar, antes cometendo os mesmos erros de interpretação jurídica, ao arrepio da doutrina dominante, maxime os Professores Mário Aroso de Almeida e Diogo Freitas de Amaral, decisivos na paternidade do Código de Processo Nos Tribunais Administrativos.

L) - Invocar, como o faz os Meritíssimos Juiz a quo e ad quem outras consequências diretas da anulação do ato de indeferimento, para além do pedido principal cumulado de condenação à prática de ato legalmente devido em substituição do ilegalmente recusado, tal qual o réu executado, após condenação transitada em julgado, espontaneamente o fez, quais sejam in casu, as obrigações respeitantes à reconstituição da situação hipotética como se o ato inválido nunca tivesse sido praticado mediante a execução dos efeitos repristinatórios da anulação, nos termos do art.º 173º do CPTA, é, desde logo, salvo o devido respeito, uma ficção, sem qualquer correspondência com a realidade.

M) - Desde logo, se o ato inválido de indeferimento nunca tivesse sido praticado, o resultado seria que o autor continuaria em pleno gozo de licença sem vencimento de longa duração, tal qual fora sua pretensão e o requerera à Administração em 1995, não havendo assim, dada a prolação de mero ato negativo de indeferimento, sendo certo que sem causa invalidante para a pretensão requerida, inexistem quaisquer efeitos repristinatórios ou de reposição in natura objetivamente a considerar.

AD) - E, consequentemente, a improcedência de pedidos novos, para além da decisão exequenda, quais sejam a condenação executiva da Entidade demandada, conforme os pedidos identificados em V) resultantes do requerimento/petição de execução de sentença.

AE) - Assim, juridicamente, constituindo inequivocamente o objeto da ação, a condenação da entidade demandada à prática de ato legalmente devido, em substituição do ilegalmente recusado e de acordo com o princípio que rege a decisão impugnatória e condenatória de tempus regit actum, tais atos ocorrem em simultâneo – o substituído e o substituto.

AF) - Logo o dever da Administração executar sentença, nos termos do art.º 173º do CPTA, não é, in casu subsumível à situação sub facto et jure.

AG) - Ao fazê-lo, quer o Meritíssimo Juiz a quo, como agora o Meritíssimo Juiz ad quem, violam, eles próprios, e desde logo, o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art.º 168º, n.º 4 da CRP, e que o CPTA designadamente em ação para a prática de ato devido, veio inovadoramente consagrar.

AH) - Como a decisão/sentença executiva que contenciosamente impugnamos, como agora o douto Acórdão do TCAN que a confirma negando provimento à nossa Apelação, igual e expressamente viola o disposto nos artigos 66º e seguintes do CPTA, ou seja, de modo processual e substantivo, o regime de condenação da administração à prática de ato legalmente devido, em substituição do ilegalmente recusado”.

3. O Exequente, ora recorrido, culminou as suas contra-alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 257v. a 260):

“I - O artº 150, do CPTA, ao abrigo do qual é apresentado o presente recurso, admite, apenas em casos excecionais, a possibilidade de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, para impugnar decisões preferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo.

II - Como consta da Exposição de Motivos do CPTA, trata-se de um "recurso relativo a matérias que, pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental, ou em que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito".

III - Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, não estamos em presença de uma questão de relevância social, nem de uma questão jurídica fundamental ou de uma situação em que admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

IV - Com efeito, as questões suscitadas, quando reportadas ao caso concreto, como têm de ser, foram colocadas em sede de oposição à execução, foram decididas de modo superiormente fundamentado em sentença de primeira instância, integralmente confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão tirado por unanimidade, decisões que se ancoram em posições doutrinárias e jurisprudenciais firmes e claramente maioritárias, seguindo, aliás, nessa matéria jurisprudência igualmente consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo.

V - Daí que, o recurso não deverá ser admitido na apreciação preliminar sumária, a que alude o artº 150, nº 6, do CPTA, por não se encontrarem reunidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excecional.

VI - Se assim se não entender, a circunstância de na ação declarativa que precede a presente execução o Tribunal ter anulado o ato impugnado e condenado o Recorrente a deferir o regresso do Recorrido ao seu lugar de origem, ordenado, por isso, à prática do ato omitido, o que o Recorrente cumpriu, isso não significa que a decisão exequenda tenha de algum modo dispensado o Recorrente de praticar os atos e operações materiais necessárias à reintegração efetiva da ordem jurídica violada ou impedido o Recorrido de os exigir em sede de execução de sentença, pois sobre essa questão a decisão exequenda não se pronunciou nem tinha de se pronunciar, porquanto essas são as consequências que a lei impõe à administração como decorrência da anulação de um ato administrativo.

VII - Logo, não assiste qualquer razão ao Recorrente quando sustenta que a decisão violou a autoridade do caso julgado da decisão proferida em sede de ação declarativa.

VIII - Por outro lado, independentemente do direito reclamado no presente processo de execução integrar ou não o estrito conteúdo da decisão que anulou o ato administrativo e que condenou o Município de S. João da Madeira a deferir o regresso do Recorrido ao serviço, o certo é que este pode sempre fazer valer os seus direitos à reconstituição da situação atual hipotética em momento ulterior, no âmbito do processo de execução da sentença, como o fez.

IX - O dever de, em execução de julgado de anulação, a administração ter de reconstituir situação hipotética atual não é afastado nos caso de anulação de um ato administrativo de conteúdo negativo, pois também nestes casos se impõe ao autor do ato o dever de reconstituir a situação que existiria se o ato de indeferimento ou de recusa anulado não tivesse sido praticado.

X - E é assim, tanto por força das posições doutrinárias e jurisprudenciais invocadas no corpo destas alegações, como pelo facto do regime legal estabelecido no Capítulo IV do CPTA, com a epígrafe "Execução de sentenças de anulação de atos administrativos" – nomeadamente o seu artº 173º, que consagra o dever da administração reconstituir a situação que existiria se o ato não fosse anulado, e o artº 176, nº 3, que estabelece o dever de o Exequente na petição executiva "especificar os atos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias, à entrega de coisas, à prestação de factos ou à prática de atos administrativos" –, não distinguir conforme se esteja perante a execução de sentenças de anulação de atos positivos ou de execução de sentenças de atos negativos, não excluindo destas os referidos deveres.

XI - Por isso, bem andou o Tribunal recorrido ao confirmar a sentença de primeira instância que, ao julgar improcedentes os fundamentos da oposição à execução, condenou a Recorrente, enquanto entidade executada a dar integral cumprimento ao acórdão/sentença exequendo, em toda a sua extensão, especificando os atos e operações a adotar pelo ora Recorrente, identificando quem o deve fazer e fixando o prazo para o efeito, conforme resulta do artº 179º, do CPTA, designadamente condenando no pagamento ao Recorrido dos vencimentos perdidos e diferenças remuneratórias por mudança de nível resultante da opção gestionária, a processar os descontos legais, nomeadamente para efeitos de contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação, a pagar as importâncias devidas em termos fiscais e a proceder ao pagamento dos juros peticionados, tudo como se o ato ilegal anulado não tivesse sido praticado.

XII - Pois, só assim o Recorrente, enquanto autor do ato anulado, cumpre integralmente os deveres de reintegração efetiva da ordem jurídica violada e de reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado.

XIII - Razões pelas quais deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se integralmente o Acórdão recorrido”.

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 22.10.18 (fls. …), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)

2. O Autor, após ter gozado de uma licença sem vencimento de longa duração, solicitou ao Executado o seu regresso ao serviço e ao seu posto de trabalho, pedido que foi indeferido com fundamento em duas distintas razões: por um lado, as funções que se desempenhava já se encontravam asseguradas e, por outro, a Câmara encontrava-se numa fase de contenção financeira;

Inconformado, o Autor intentou a acção administrativa especial com vista à anulação desse indeferimento tendo a mesma sido julgada procedente e o Réu condenado “a reconhecer a existência do lugar disponível vago de Encarregado de Parques Desportivos e Recreativos e, ainda, por via disso, a deferir o regresso do autor ao seu lugar de origem, dado este se manter vago, sem prejuízo de eventualmente outro ou outros requisitos legais não se oponham ao seu efectivo regresso ao lugar.”
Não tendo o Réu cumprido essa sentença, o Autor instaurou execução para o seu cumprimento a qual foi julgada procedente e, em consequência, o Réu condenado a:
a) Pagar ao exequente …. a importância ilíquida de € 139.151,89 … relativa aos prejuízos sofridos por este pela perda da sua retribuição de trabalho ou vencimentos que não lhe foram pagos pela mesma Entidade executada, no período de tempo decorrente entre 17/03/2004 (data da prática do acto anulado) e 17/11/2015 (data do efectivo regresso ao serviço);
b) Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias entretanto havidas no mesmo período de tempo mencionado em a) precedente, respeitantes à mudança ou alteração de nível remuneratório na categoria profissional do exequente por opção gestionária do executado Município, ao abrigo do disposto nos artigos 46.º e 47.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, em virtude de essa mudança ou alteração de nível remuneratório feita pelo executado para o universo dos funcionários com a categoria em causa ser aplicável ao exequente por não ter sido submetido a avaliação positiva do seu desempenho referente às suas funções efectivas, sendo que a falta dessa avaliação e o não exercício efectivo das funções do exequente não podem ser imputadas ao mesmo exequente mas exclusivamente ao executado, em virtude da decorrência do acto anulado;
c) A processar os descontos legais sobre as importâncias não pagas pelo mesmo executado ao exequente às respectivas entidades que legalmente deveriam ter sido feitos como se o exequente estivesse ao seu serviço, nomeadamente para a Caixa Geral de Aposentações e para a ADSE, para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos, respectivamente, de contagem de tempo de serviço do exequente para a sua aposentação e dos benefícios de assistência na doença e das prestações sociais, descontos esses a efectuar ou calculados sobre as remunerações devidas e a pagar ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015 e mencionadas em a) e b) precedentes.
d) A pagar as importâncias que se mostrarem devidas à Administração Fiscal decorrentes dos pagamentos dos vencimentos ou retribuições não pagas ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015.
e) Pagar ainda ao exequente os juros de mora vencidos sobre as importâncias líquidas que lhe são devidas e mencionadas em a) e b) precedentes e desde a data do vencimento mensal de cada uma delas (dependendo da data do vencimento das retribuições mensais que no decurso do referido período de tempo mensalmente lhe deveriam ter sido pagas e não foram) à taxa legal em vigor para os juros civis, e que na data da instauração da presente execução se cifram na importância de € 33.199,58 … e, ainda, nos juros de mora já vencidos nesta data e que se vierem a vencer até ao seu efectivo pagamento sobre as mesmas importâncias, à mesma taxa legal em vigor, até ao seu integral e efectivo pagamento ao exequente.
f) Todos os pagamentos e/ou actos em que a Entidade executada é condenada e constantes das alíneas a) a e) precedentes, deverão ser efectivamente cumpridos no prazo de 30 dias, incumbindo ao Sr. Presidente do executivo camarário do executado, Município de São João da Madeira, a responsabilidade pelo seu cumprimento ou adopção concreta dos actos necessários ao respectivo cumprimento, sob pena de, não o fazendo, pagar uma sanção pecuniária compulsória que desde já se fixa na importância diária de € 40,00 …. por cada dia de atraso (cfr. artigo 179.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPTA então em vigor)”.

Decisão que o TCA confirmou com um discurso de que se destaca:

… a execução do julgado anulatório implica a prática pela Administração dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação actual hipotética, impondo-se, assim, que a mesma realize agora o que deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento … . Estão em causa os vencimentos, subsídios de alimentação, de férias e de Natal que a exequente deixou de auferir por causa de ter estado afastado do serviço por causa do acto anulado ou de indeferimento do seu pedido de regresso ao serviço, em 17/03/2004. Ora, um dos deveres em que a Administração fica constituída por efeito do acórdão proferido no processo principal, reconduz-se efectivamente ao pagamento das retribuições devidas ao exequente vencidas desde a data do referido acto anulado ou de indeferimento do seu pedido de regresso ao serviço, proferido em 17/03/2004, até que foi reintegrado ao serviço do executado, seja em 17/11/2015, tendo em consideração a retribuição mensal que lhe era devida em função da progressão e promoções de que teria beneficiado pelo simples decurso do tempo nesse período e, também, da sua avaliação de desempenho positiva que não lhe foi efectuada por o seu não exercício efectivo de funções ser exclusivamente imputável ao executado como decorrência da prática do acto anulado, e avaliação e subsequente mudança ou alteração de nível remuneratório feita por opção gestionária, nos termos dos artigos 46.º e 47.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, e opção gestionária essa que foi ou terá sido tomada pelo executado para o universo dos funcionários com a categoria do exequente. Acresce que, a reconstituição da situação deve corrigir não só essa falta de pagamento, mas também a falta da sua tempestividade, o que se alcança através do pagamento de juros moratórios calculados, à taxa legal, sobre as prestações em atraso. Só dessa forma é possível reconstituir a situação hipotética actual, nos termos atrás enunciados.
….
Assim sendo, tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo esta a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto”.

3. O Recorrente reputa de errada essa decisão por considerar ter cumprido o julgado uma vez que, na sequência da anulação do seu acto de indeferimento, posicionou o Exequente na carreira e remuneração correspondente ao lugar que ocuparia se o acto anulado não tivesse sido praticado. E, porque assim, o julgado anulatório não era título bastante e, por isso, executivo, para a pretensão ou pretensões formuladas pelo exequente contra o executado em sede do requerimento/petição de execução.” “Como não é compaginável com a chamada reconstituição in natura prevista normativamente no art. 173.º do CPTA … condenando o Município, conforme suas alíneas a) a f), mas de impugnação de plena jurisdição, uma vez que a eliminação do ato negativo tem lugar no âmbito dum processo dirigido à prática de outro ato administrativo no lugar daquele que foi praticado”.

4. Como decorre do exposto, a discordância do Recorrente com o Acórdão recorrido radica na circunstância daquele entender que o julgado anulatório fica cumprido com a colocação do Exequente na carreira e categoria que teria se não fosse o acto anulado. E que, tendo procedido a essa operação, a condenação a que foi sujeito era ilegal já que não havia razões que justificassem o disposto nas suas al.ªs a) a f).

Todavia, como as instâncias demonstraram, com acertada invocação dos normativos legais atinentes e com suporte na jurisprudência e na doutrina já consagradas, em princípio, a decisão anulatória não se considera executada na forma minimalista visualizada pelo Recorrente. E, porque assim, por via de regra, a reconstituição da situação actual hipotética exige a prática de mais actos do que aqueles que o mesmo reputa como necessários.
Importa, no entanto, ter em conta que a obrigação de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (173.º/1 do CPTA) não se destina a colocar o Exequente numa situação mais favorável do que aquela que teria se o julgado anulatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado mas, apenas, reparar os prejuízos decorrentes dum cumprimento insuficiente ou irregular do julgado.

Ora, essa situação anómala pode verificar-se in casu.
Com efeito, atento o longo período de tempo decorrido entre a data da prática do acto anulado (17/03/2004) e a data do efectivo regresso ao serviço (17/11/2015) é de supor que, durante esse período, o Exequente tivesse uma fonte de rendimento resultante do seu trabalho uma vez que não é previsível uma inacção por tão longo tempo. E se assim foi tudo leva a crer que a obrigação de pagamento a que o Executado foi condenado colocará o Exequente numa situação bem mais favorável do que aquela que teria se o Acórdão anulatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado.
Ora, não parece que tivesse sido a intenção do legislador beneficiar dessa forma o exequente.
Deste modo, e porque esta é uma questão que este Supremo ainda não tratou e que a mesma é de relevante importância jurídica justifica-se a admissão do recurso”.

5. Este acórdão foi objecto de pedido de reforma apresentado pelo Exequente/recorrido ao abrigo do artigo 616.º, n.º 3, al. b), do CPC; para a hipótese de assim não se entender, pretende o Exequente/recorrido “que pode mesmo estar-se em presença de nulidade do Acórdão, prevista no artº 615, nº 1, al. c) do CPC, por a decisão estar em contradição com os seus fundamentos de facto, nulidade que se argui, a título subsidiário”. Ambos os pedidos foram apreciados pela formação de apreciação preliminar da Secção Administrativa deste STA que, por decisão de 11.01.19, indeferiu ambos.

6. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de “que o presente recurso de revista não merece provimento, devendo ser mantido o douto acórdão recorrido”, parecer que não mereceu qualquer resposta das partes.

7. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionadas fundamentalmente com a questão dos exactos termos em que se deve dar a execução da sentença condenatória prolatada em sede de acção declarativa.

2.2. De forma sintética, temos que o Executado/recorrente defende que executou (de forma espontânea) integralmente a sentença condenatória, uma vez que praticou o acto devido, qual seja, o da reintegração do ora Exequente/recorrido nos seus serviços com o consequente regresso ao serviço do mesmo. Ir mais além do que isto, requerendo na acção executiva, entre outros, o pagamento de quantias que não foram peticionadas na acção declarativa e que não constam da decisão condenatória, será, segundo crê, ir além do conteúdo da decisão condenatória em clara violação do caso julgado. Conforme se pode compreender da argumentação expendida, o Executado, ora recorrente, sustenta que cumpriu o dever de deferir que sobre si impendia, o único que decorre da sentença condenatória, e, assim sendo, foi ao encontro do interesse pretensivo do Exequente/recorrido.

Vejamos.

Na acção administrativa declarativa que intentou no TAF de Viseu o ora Exequente peticionou a anulação do acto impugnado e a consequente prática de um acto devido (“…dado provimento à presente acção e revogado o acto administrativo ilegal praticado pelo Vereador da Câmara Municipal de São JM, Dr. B….., em 17/03/04, substituindo-o por outro que contemple a pretensão do autor, deferindo o regresso ao serviço efectivo como encarregado de parques desportivos e piscinas”).
O TAF de Viseu condenou o ora recorrente a “reconhecer a existência de lugar disponível /vago de Encarregado de Parques Desportivos e Recreativos ou equivalente e, ainda, por via disso, a deferir o regresso do autor ao seu lugar de origem…”.
Desta decisão recorreu o Executado/ora recorrente para o TCAN, que, por acórdão de 09.10.15, decidiu “negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida”. Depois do trânsito em julgado deste acórdão, o ora recorrente reintegrou o Exequente/requerido nos seus serviços.

Na acção executiva que intentou no TAF de Viseu, o Exequente peticiona a final o seguinte:

“(…) a presente execução deverá ser julgada procedente e, em consequência, o Executado condenado a dar integral cumprimento ao acórdão proferido no processo à margem referenciado, reconstituindo a situação que existiria para o Exequente se o acto anulado não tivesse sido praticado e dando cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado, nomeadamente:

a) pagar ao Exequente a importância ilíquida de € 139.151,89 (cento e trinta e nove mil, cento e cinquenta e um euros e oitenta e nove cêntimos) respeitante aos prejuízos sofridos pela perda da retribuição de trabalho entre 23.03.2004 (data em que foi praticado o ato anulado) e 17.11.2015 (data do efetivo regresso ao serviço), bem como as demais que, entretanto, se vierem a liquidar no decurso da presente execução, procedendo à retenção e entrega à administração fiscal dos impostos que incidem sobre as respectivas retribuições como se as mesmas tivessem sido pagas nas datas devidas;
b) reconstituir integralmente a situação contributiva do Exequente para os sistemas de previdência social dos trabalhadores em funções públicas, nomeadamente para a Caixa Geral de Apoentações e para a ADSE, procedendo ao pagamento dos descontos para as referidas entidades por referência às retribuições mensais que deveriam ter sido pagas ao Exequente;
c) proceder ao pagamento de juros de mora vencidos até ao momento, no montante de € 33.199,58 (trinta e três mil, cento e noventa e nove mil euros e cinquenta e nove cêntimos), bem como os que se vencerem, à taxa legal, até integral pagamento da importância mencionada na precedente alínea a);
d) a pagar as custas do processo e o mais que for devido, com as legais consequências”.

Como se pode constatar, no pedido formulado no âmbito da presente acção executiva o Exequente apresentou determinadas demandas relativas, fundamentalmente, a remunerações devidas e a descontos para efeitos de aposentação, as quais não constam de forma expressa da decisão condenatória que serviu de título executivo aos presentes autos. Será que poderia fazê-lo?

O artigo 173.º do CPTA, relativo ao dever de executar decisões de anulação de actos administrativos, dispõe no seguinte sentido: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”. Mencionam Aroso de Almeida e Cadilha, que “o CPTA permite cumular em processos de impugnação de atos administrativos como o pedido de condenação à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que não foram cumpridos com fundamento nesse ato (…). Mas a cumulação não é obrigatória, podendo o autor optar por não o fazer. Ora, essa opção não o impede de fazer valer essas pretensões complementares em momento ulterior, no âmbito do processo de execução de sentença de anulação que venha a obter” (cfr. M. Aroso de Almeida e C.A.F. Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., Coimbra, 2018, pp. 1279-80). In casu, o Exequente tinha formulado, no âmbito da acção declarativa, os pedidos de impugnação de um acto de indeferimento e de condenação da Administração à prática de um acto devido (exigência que decorre do n.º 4 do art. 51.º do CPTA). É verdade que, nestes casos, como afirmam aqueles autores, o interesse pretensivo de condenação da Administração assume relevo em relação ao pedido impugnatório (“O n.º 2 especifica que o objeto do processo de condenação à prática de ato devido é sempre a pretensão do interessado, pelo que, mesmo que tenha havido um ato negativo (seja um ato de recusa de apreciação de requerimento, seja um ato de indeferimento da pretensão do interessado), o processo não se dirige à anulação contenciosa desse ato, mas à condenação da Administração à prática do ato devido. Conforme expressamente decorre do segmento final do n.º 2, a eliminação da ordem jurídica do eventual ato de indeferimento resulta directamente da pronúncia condenatória, não sendo, por isso, necessário que o autor deduza um pedido de anulação do ato de indeferimento ou que o juiz declare nulo esse ato” – ob. cit., p. 455). Daqui não pode decorrer, no entanto, que o Exequente não possa extrair as devidas consequências do reconhecimento judicial de um acto ilegal. No caso vertente nem sequer se pode duvidar que o acórdão do TCAN de 09.10.15, prolatado em sede de acção declarativa, consubstancia uma pronúncia judicial impugnatória e condenatória (ou confirmativa da sentença com esse teor). Seja como for, não tem sentido e seria injusto pretender que em caso de simples anulação de um acto se possa exigir que a Administração extraia as consequências da anulação do acto que praticou, já não o podendo fazer quando haja cumulação de pedido impugnatório e condenatório, ainda que, como neste caso, o acto ilegal seja um acto de conteúdo negativo (caso em que, segundo o Executado/recorrente, a satisfação da pretensão exequenda ficaria satisfeita com a prática do acto devido). A verdade é que, por causa de um acto de indeferimento ilegal, o Exequente/recorrido não pôde auferir as remunerações e outros direitos e regalias a que teria direito se tivesse sido devidamente reintegrado nos serviços do Executado – não havendo, em termos materiais, uma diferença significativa da sua situação por comparação com a daqueles que são ilicitamente despedidos (comparação que transparece da argumentação do Executado/recorrente). Com isto tudo, o que se pretende afirmar é que, ao apresentar “novas” demandas em sede executiva, o Exequente não violou os limites da execução, pois, se é em função do teor da decisão condenatória prolatada na respectiva acção declarativa que devem determinar-se os fins da excução, o certo é que a decisão exequenda é simultaneamente impugnatória e condenatória, devendo a Administração extrair todas as consequências da anulação do acto administrativo por si praticado – devendo, por sua vez, o Exequente, nos termos do n.º 3 do artigo 176.º do CPTA, “especificar os atos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias, à entrega de coisas, à prestação de factos ou à prática de atos administrativos”. Não se verifica, portanto a violação do caso julgado, tal como pretende o Executado/recorrido. E nem se mostra violado o direito à tutela jurisdicional efectiva, mormente o n.º 4 do artigo 268.º da CRP, tal como invocado pelo Executado/recorrente.

No acórdão prolatado pela formação de apreciação preliminar chamou-se a atenção para a eventual situação anómala que decorreria da condenação do Executado/recorrente das quantias peticionadas pelo Exequente/recorrido. Relembremos:

Importa, no entanto, ter em conta que a obrigação de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (173.º/1 do CPTA) não se destina a colocar o Exequente numa situação mais favorável do que aquela que teria se o julgado anulatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado mas, apenas, reparar os prejuízos decorrentes dum cumprimento insuficiente ou irregular do julgado.

Ora, essa situação anómala pode verificar-se in casu.
Com efeito, atento o longo período de tempo decorrido entre a data da prática do acto anulado (17/03/2004) e a data do efectivo regresso ao serviço (17/11/2015) é de supor que, durante esse período, o Exequente tivesse uma fonte de rendimento resultante do seu trabalho uma vez que não é previsível uma inacção por tão longo tempo. E se assim foi tudo leva a crer que a obrigação de pagamento a que o Executado foi condenado colocará o Exequente numa situação bem mais favorável do que aquela que teria se o Acórdão anulatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado.
Ora, não parece que tivesse sido a intenção do legislador beneficiar dessa forma o exequente”.

Vejamos. A hipotética anomalia, materializada no montante apurado pelas instâncias que deverá ser pago pelo Executado/recorrente, só ocorrerá em virtude do período de tempo que decorreu entre a data da prática do acto anulado, em 17.03.04, e a data do efectivo regresso ao serviço, em 17.11.15, na sequência do acórdão do TCAN, de 09.10.15, proferido no âmbito da acção declarativa. Quanto ao Exequente, ele limitou-se a materializar demandas respeitantes, fundamentalmente, a remunerações devidas, ou seja, a formular demandas legítimas. Obviamente que, em teoria, o montante a pagar seria substancialmente inferior se o julgado impugnatório/condenatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado. Porém, in casu, nem sequer se pode afirmar que não houve uma execução espontânea; o que sucedeu é que se registou, na sequência dessa execução, uma divergência entre Exequente e Executado quanto ao exacto alcance da decisão exequenda – o que motivou a presente acção executiva.
Pelo contrário, já se pode afirmar que foi dado como facto não provado nas instâncias “Que o executado auferisse ou tivesse auferido quaisquer rendimentos por conta própria ou por conta de outrem, nomeadamente com alguma ou outra ajuda que esporadicamente e pontualmente prestou à sua mulher no estabelecimento comercial por esta explorado e/ou que com essa ajuda tivesse contribuído para aumentar os rendimentos do mesmo estabelecimento comercial e, por consequência, o património comum do casal” (cfr. fl. 180v.). O que, juntamente com a circunstância de o Executado/recorrente não ter ido além de uma alegação genérica de que o Exequente teria auferido rendimentos entre 2004 e 2015, é suficiente para que não se possa proceder a uma redução do montante devido em função de ganhos entretanto auferidos.


2.3. Em face de todo o exposto, deve concluir-se que o título dado à execução – a decisão simultaneamente impugnatória e condenatória do TCAN de 09.10.15 – é idóneo para sustentar o pedido executivo tal como formulado pelo Exequente, e, deste modo, deve improceder o presente recurso.


III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em manter o acórdão recorrido.


Custas pelo Executado, aqui recorrente.

Lisboa, 3 de Outubro de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira Sousa.