Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01053/18.0BELRA
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
ARQUIVAMENTO
INQUÉRITO
CRIME
ABUSO DE CONFIANÇA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Não colhe a alegação do recorrente de que a não extinção dos processos executivos e seus efeitos viola o “princípio da presunção de inocência”, designadamente porque no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária.
II - No caso dos autos, há na origem do processo executivo dirigido contra o ora recorrente uma presunção de culpa que fundamentou a reversão, presunção esta que era ilidível, mas que o recorrente nunca procurou ilidir, consolidando-se a sua responsabilidade, daí que o processo executivo tenha prosseguido, com a realização de diligências executivas tendentes a acautelar o crédito exequendo por parte da segurança Social, diligências essas a que nenhuma ilegalidade foi concretamente imputada.
III - O efeito mimético no processo executivo decorrente do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no processo penal, pretendido pelo recorrente, não se revela sequer razoável, já que nem sequer se trata de decisão penal absolutória transitada em julgado, pois as decisões do Ministério Público em sede de inquérito penal não formam caso julgado, o que só ocorre nos casos de decisões judiciais, (…) aquela decisão apenas encerra um juízo sobre a suficiência de elementos suscetíveis de integrar a prática de um crime, no caso o crime de abuso de confiança fiscal, e a apreciação que o magistrado do M.º P.º faz sobre a comprovação de determinados factos não tem a força probatória dos factos fixados numa sentença, que são fixados na sequência de uma fase instrutória e julgamento sujeitos a contraditório das partes envolvidas, daí que embora a decisão de arquivamento do inquérito o magistrado do M.º P.º tenha concluído que o aqui Recorrente não tenha tido “intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade “B……………, Lda., a força probatória de tal juízo de facto não se pode impor como se tivesse sido fixada em decisão judicial transitada em julgado.
Nº Convencional:JSTA00070929
Nº do Documento:SA22019032001053/18
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:A..................
Recorrido 1:IGFSS, IP - SECÇÃO DE PROCESSO EXECUTIVO DE LEIRIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO EXECUTIVO
Área Temática 2:INQUÉRITO CRIME
Legislação Nacional:ARTIGOS 32º, N.º 2 DA CRP, 24º DA LGT, PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 12 de Dezembro de 2018, que julgou totalmente improcedente a reclamação judicial por si deduzida do despacho do Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., que lhe indeferiu o pedido de cancelamento de hipoteca legal sobre imóveis, o levantamento da penhora sobre saldos bancários por si titulados, a devolução de crédito de IRS penhorado e retido e a extinção dos processos executivos onde consta como responsável subsidiário da sociedade “B……………., Lda” na sequência da sua “absolvição” em processo crime por abuso de confiança contra a segurança social.
O recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
A) Por mora no pagamento da prestação tributária, o OEF instaurou contra a sociedade B…………., LDA, vários processos de execução fiscal.
B) A omissão de pagamento da dívida por parte da devedora originária determinou a reversão da execução contra o Reclamante.
C) A falta de pagamento voluntário por parte do responsável subsidiário, determinou a cobrança coerciva da dívida exequenda, por via da realização de penhoras de saldos bancários e créditos de IRS, bem como pela constituição de hipoteca legal sobre imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob os números 1689 – N e 3028.
D) O Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no âmbito do processo n.º ................, veio consignar que (…) em face dos factos apurados verifica-se que o arguido A………… e C………………, apenas eram sócios gerentes de “direito”, isto é, os mesmos apenas davam a capacidade profissional à empresa.
E) Mais consignou que (n)ão se apurou que os arguidos tenham tido intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade e como tal não se apuraram factos suficientes para lhes imputar a prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social.
F) O processo-crime e o processo de execução fiscal encontram-se enxertados num denominador comum – falhas na gestão da devedora originária, que tinha como gerente de direito o aqui Alegante, e considerado pelo OEF, também como gerente de facto.
G) As falhas na gestão determinaram na óptica do OEF, o não pagamento das prestações tributárias à segurança social, nos períodos de 2011 a 2015, todavia, como o Alegante nunca exerceu a gerência efectiva da devedora originária, tal como foi reconhecido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a manutenção da execução e consequentemente das penhoras e hipotecas de bens sobre o seu património constitui uma grave violação da Convenção dos Direitos do Homem.
H) A manutenção do(s) processo(s) de execução, com os consequentes ónus e encargos sobre o património do Autor, após o trânsito em julgado da decisão proferida no processo-crime (n.º ..........), constitui desde logo uma violação do princípio da presunção da inocência.
I) Do espírito do normativo em referência decorre, que sempre que ocorrer a absolvição de uma pessoa acusada, ocorrerá violação do princípio da presunção da inocência, sempre que após a absolvição no processo no qual a pessoa vinha acusada, essa mesma pessoa, com base nos mesmos factos vier a tratada como culpada por outra entidade.
J) Tal como tem vindo a ser considerado pela doutrina e pela jurisprudência as garantias de um processo equitativo, queridas pelo legislador e reduzidas a lei no § 2, do art. 6º da Convenção dos Direitos Humanos, a consideração devida à pessoa acusada somente é preservada se os efeitos de uma absolvição forem respeitadas por todas as entidades, independentemente da natureza do processo, sob pena de as garantias de justiça e equidade se tornarem meramente teóricas e ilusórias.
K) Não se deve admitir, que se lance qualquer suspeita ou juízo sancionatório, posterior, sobre a pessoa tida como inocente em decisão transitada em julgado.
L) De acordo com a ratio legis, tendo-se cristalizado no tempo a inocência da pessoa acusada, qualquer manifestação de suspeita e culpabilização posterior relativamente ao mesmo facto e/ou factos, revela-se incompatível com a presunção de inocência.
M) Qualquer uma absolvição penal deve ser tida em conta em qualquer processo ulterior, penal e não penal, p. ex.: processo no processo de execução fiscal.
N) A não incriminação decorrente do processo penal assinalado, deve comunicar os seus efeitos ao processo executivos, sob pena de o OEF incorrer em violação o artigo 6º § 2 da Convenção do Direitos Humanos.
O) O OEF, ao indeferir a pretensão do Alegante, violou o artigo 6º § 2 da Convenção do Direitos Humanos.
P) Tratando-se de um acto ilegal, deve revogar-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo e em consequência, determinar-se o cancelamento da hipoteca legal que incide sobre os imóveis descritos na Conservatória de Registo Predial de Alcobaça sob os números 1 / 2 – 1689 – N e 3028; o levantamento da penhora sobre saldos bancários titulados pelo Alegante, a devolução dos créditos de IRS penhorados e retidos; e em consequência, concluir-se pela extinção dos processos executivos em que o Alegante figure como devedor subsidiário da devedora originária B……………., LDA.
Q) Salvo o devido respeito foi violado o artigo 6º § 2 da Convenção do Direitos Humanos
Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer, concluindo nos seguintes termos:
«(…)
A questão que urge decidir no caso concreto consiste em saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao confirmar a validade da decisão de indeferimento do pedido de cancelamento das hipotecas e do levantamento das penhoras, em confronto com a decisão de arquivamento do processo de inquérito instaurado contra o aqui Recorrente, no qual se entendeu que este não havia participado no exercício da gerência da executada devedora.
Com efeito, a decisão de indeferimento do órgão de execução fiscal assenta no fundamento de o Requerente ter sido citado em 21/04/2015 e não ter deduzido oposição à execução, mas apenas ter apresentado um pedido de pagamento em prestações, que embora deferido resultou em incumprimento, o que originou o prosseguimento da execução com a realização das penhoras.
Ora, a decisão de arquivamento do processo de inquérito instaurado contra o aqui Recorrente, no qual se entendeu que este não havia participado no exercício da gerência da executada devedora, embora constituindo um elemento relevante a considerar em ação de oposição à execução fiscal, não tem aptidão para projetar quaisquer efeitos na execução fiscal, por não contender com a validade da decisão de reversão ou do título executivo, nem com a validade dos atos praticados com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício de erro de julgamento que lhe é imputado pelo Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso».

Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à Conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrente, no entendimento de que a decisão de arquivamento do processo crime por abuso de confiança contra a segurança social não contende com o processo executivo revertido.


5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1. Do registo comercial consta que, sob a Ap. 05, de 08 de Abril de 1999, foi inscrita a nomeação do Reclamante e de C………….. como gerentes da sociedade B………………, Lda. (cfr. certidão permanente, de fls. 77 a 79 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. No dia 15 de Janeiro de 2010, a sociedade B………….., Lda. constituiu uma garantia junto da sociedade D……………., SA, a favor do E......... – Banco E……………., SA (cfr. garantia, de fls. 87 a 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. A garantia descrita no ponto antecedente encontra-se subscrita pelo Reclamante, na qualidade de representante legal da sociedade B……………….., Lda. (cfr. garantia, de fls. 87 a 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. No dia 22 de Maio de 2011, a sociedade B……………., Lda. entregou, via internet, uma declaração de rendimentos modelo n.º 2, relativa ao período de tributação de 2010, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. rosto da declaração, de fls. 96 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No dia 29 de Novembro de 2011, deu entrada um requerimento na Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. requerimento, de fls. 63 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. O requerimento descrito no ponto antecedente encontra-se subscrito pelo Reclamante (cfr. requerimento, de fls. 63 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. No dia 30 de Maio de 2013, deu entrada um requerimento junto da Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
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(…).” (cfr. requerimento, de fls. 149 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. O requerimento descrito no ponto antecedente encontra-se subscrito pelo Reclamante (cfr. requerimento de fls. 149 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. No dia 18 de Julho de 2013, deu entrada um requerimento junto da Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. requerimento, de fls. 160 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. O requerimento descrito no ponto antecedente encontra-se subscrito pelo Reclamante (cfr. requerimento de fls. 160 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. Por despacho exarado, em 18 de Julho de 2013, o Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, determinou que “(…)
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(…)” (cfr. despacho, de fls. 162 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. Do registo predial consta que, sob a Ap. 17, de 19 de Julho de 2002, foi inscrita a compra da fracção “N” do prédio urbano sito na freguesia de …………., do concelho de Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, sob o n.º 1689, por parte do Reclamante e de F………….. (cfr. certidão permanente, de fls. 233 e 234 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. E consta que, sob a Ap. 2403, de 2 de Outubro de 2013, foi inscrita a hipoteca legal sobre ½ do prédio descrito no ponto antecedente, a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Secção de Processo de Leiria, para garantia da dívida de € 36.922,64, acrescida de juros de mora e custas processuais (cfr. e certidão permanente, de fls. 233 e 234 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. Através do ofício n.º 025899, de 13 de Novembro de 2013, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante a hipoteca legal descrita nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 232 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. O ofício identificado no ponto antecedente foi recebido, em 21 de Novembro de 2013 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16. Do registo predial consta que, sob a Ap. 42, de 01 de Julho de 1999, foi inscrita a compra do prédio urbano sito na freguesia de …………., do concelho de Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, sob o n.º 3028, por parte do Reclamante (cfr. certidão permanente, de fls. 238 e 239 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17. E consta que, sob a Ap. 2403, de 22 de Outubro de 2013, foi inscrita a hipoteca legal sobre o prédio descrito no ponto antecedente, a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Secção de Processo de Leiria, para garantia da dívida de € 36.922,64, acrescida de juros de mora e custas processuais (cfr. certidão permanente, de fls. 238 e 239 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
18. Através do ofício n.º 025891, de 13 de Novembro de 2013, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante a hipoteca legal descrita nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 237 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
19. O ofício identificado no ponto antecedente foi recebido, em 21 de Novembro de 2013 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 245 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
20. No dia 14 de Fevereiro de 2014, deu entrada um requerimento na Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. requerimento, de fls. 246 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
21. O requerimento descrito no ponto antecedente encontra-se subscrito pelo Reclamante (cfr. requerimento, de fls. 246 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
22. Na mesma data, deu entrada um requerimento na Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. requerimento, de fls. 249 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
23. O requerimento descrito no ponto antecedente encontra-se subscrito pelo Reclamante (cfr. requerimento, de fls. 249 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
24. Por despacho exarado, em 18 de Julho de 2013, o Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, determinou que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. despacho, de fls. 251 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
25. Através do ofício n.º 003189, de 14 de Fevereiro de 2014, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. ofício, de fls. 258 e 259 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
26. O Reclamante recebeu o ofício descrito no ponto antecedente, em 14 de Fevereiro de 2014 (cfr. assinatura aposta no ofício, de fls. 258 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
27. Do registo predial consta que, sob a Ap. 2272, de 17 de Fevereiro de 2014, foi inscrita uma hipoteca legal sobre ½ do prédio descrito no ponto n.º 12 do probatório, a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Secção de Processo de Leiria, para garantia da dívida de € 12.105,41, acrescida de juros de mora e custas processuais (cfr. certidão permanente, de fls. 273 a 275 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
28. Através do ofício n.º 003723, de 26 de Fevereiro de 2014, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante a hipoteca legal descrita no ponto antecedente (cfr. ofício, de fls. 285 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
29. O ofício identificado no ponto antecedente foi recebido, em 05 de Março de 2014 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 287 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
30. Do registo predial consta que, sob a Ap. 2272, de 17 de Fevereiro de 2014, foi inscrita a hipoteca legal sobre o prédio descrito no ponto n.º 16 do probatório, a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Secção de Processo de Leiria, para garantia da dívida de € 12.105,41, acrescida de juros de mora e custas processuais (cfr. certidão permanente, de fls. 279 a 281 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
31. Através do ofício n.º 003724, de 26 de Fevereiro de 2014, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante a hipoteca legal descrita nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 284 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
32. O ofício identificado no ponto antecedente foi recebido, em 03 de Março de 2014 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 286 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
33. Por despacho exarado, em 18 de Fevereiro de 2015, o Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, determinou que “
(imagem)
(…)” (cfr. despacho de reversão, de fls. 313 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
34. Através de ofício, datado de 14 de Abril de 2015, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante, designadamente, que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. ofício, de fls. 311 e 312 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
35. O ofício descrito no ponto antecedente foi recebido, em 21 de Abril de 2015 (cfr. aviso de recepção, de fls. 317 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
36. Através de e-mail, datado de 03 de Maio de 2017, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP comunicou ao Reclamante que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. e-mail, de fls. 20 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); S. R. Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria
37. Através de e-mail, datado de 24 de Agosto de 2017, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP comunicou ao Reclamante que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. e-mail, de fls. 21 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
38. Por despacho proferido, em 06 de Dezembro de 2017, o Ministério Público decidiu arquivar o processo de inquérito n.º ............., que correu termos junto do Departamento de Investigação e Acção Penal – Secção de Alcobaça (cfr. despacho, de fls. 23 e 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
39. No despacho identificado no ponto antecedente consta, designadamente, que “(…)
(imagem)
(…)”(cfr. despacho, de fls. 23 e 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
40. Através do ofício n.º 87982560, de 13 de Abril de 2018, Departamento de Investigação e Acção Penal – Secção de Alcobaça comunicou ao Reclamante o teor do despacho descrito nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
41. No dia 27 de Julho de 2018, deu entrada na Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, um requerimento do Reclamante, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. requerimento, de fls. 41 a 46 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
42. Através do ofício n.º 013220, de 31 de Julho de 2018, a Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, comunicou ao Reclamante que “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. ofício, de fls. 47 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
43. No dia 10 de Agosto de 2018, deu entrada na Secção de Processo de Processo Executivo de Leiria a presente reclamação (cfr. data aposta na petição inicial, de fls. 04 a 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6– Apreciando
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 424 a 438 dos autos, julgou totalmente improcedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrente contra o despacho do Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS, I.P, de 31 de Julho de 2018, que lhe indeferiu o pedido de cancelamento de hipotecas legais sobre imóveis, o levantamento da penhora de saldos bancários por si titulados, a devolução de créditos de IRS penhorados e retidos e a extinção dos processos executivos onde consta como responsável subsidiário da sociedade “B………………, Lda”, na sequência do despacho de arquivamento do processo crime por abuso de confiança contra a segurança social proferido no âmbito do processo n.º ................ (Leiria).
Requerera o ora recorrente à Segurança Social a revisão da decisão de prossecução dos processos de execução fiscal contra si revertidos, alegando que a manutenção do processo de execução fiscal, com os consequentes ónus e encargos sobre o património do Requerente, após o trânsito em julgado da decisão proferida no processo-crime (n.º ..............), constituía desde logo uma violação do princípio da presunção da inocência, com consagração legal no §2, do art. 6.º da Convenção dos Direitos Humanos, na qual se prescreve que “Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada” e que considerou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no âmbito da queixa n.º 27785/10, de 23.03.2015, que (…) uma absolvição penal deve ser tida em conta em qualquer processo ulterior, penal ou não penal.
Perante o indeferimento do requerido, o ora recorrente deduziu reclamação judicial para o TAF de Leiria, que a julgou improcedente, mantendo o despacho reclamado, no entendimento de que os despachos de reversão, não tendo sido oportunamente sindicados – pois que o recorrente não deduziu oposição à execução -, se consolidaram na sua esfera jurídica, pelo que tendo o Reclamante assumido a qualidade de responsável subsidiário junto dos referidos processos de execução fiscal e constituindo as hipotecas legais e as penhoras meros actos consequentes, aos quais não foram assacadas quaisquer ilegalidades autónomas em relação aos despachos de reversão, não resta outra alternativa senão a de manter aqueles actos, nada obstando, por isso, à normal prossecução dos processos de execução até à cobrança integral da dívida exequenda e acrescido (cfr. pontos n.º 9 a 42 do probatório). Mais se consignou na sentença recorrida o seguinte (fls. 437 dos autos): “E não se diga que o que se pretende é que este Tribunal reconheça o efeito comunicante da inocência declarada no processo-crime ao processo de execução.// Desde logo, porque no processo de inquérito n.º ................, não foi proferida uma sentença absolutória, que tenha concluído pela inocência do Reclamante, mas, outrossim, um despacho de arquivamento por não se terem apurado facto suficientes para lhe imputar a prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (cfr. pontos n.ºs 38 e 39 do probatório). // Depois, porque, ainda que assim não fosse, sempre obstaria a tal efeito a circunstância de o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32.º, n.º 2 da CRP, não ter aplicação em matéria de reversão das dívidas tributárias, ao abrigo do disposto no art. 24.º da LGT, como é o caso dos presentes autos, mas tão-somente no processo penal e, de um modo geral, no direito sancionatório (vide acórdãos do STA de 06.10.1999, processo n.º 22759, e, de 08.07.2009, processo n.º 0809/08) (cfr. pontos n.ºs 9 a 11, 22 a 25, 33, 34, 38 e 39 do probatório).”
Discorda do decidido o recorrente, alegando, em síntese, que decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que a não incriminação no processo penal deve comunicar os seus efeitos ao processo executivo, sob pena de o OEF incorrer em violação o artigo 6º § 2 da Convenção do Direitos Humanos, como decidido por Acórdão de 23 de Março de 2015 (queixa n.º 27785/10 Melo Tadeu vs Portugal), que, no caso dos autos, o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no âmbito do processo n.º ..............., veio consignar que (…) em face dos factos apurados verifica-se que o arguido A……………….. e C…………………., apenas eram sócios gerentes de “direito” e que (n)ão se apurou que os arguidos tenham tido intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade e como tal não se apuraram factos suficientes para lhes imputar a prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social e que o processo-crime e o processo de execução fiscal encontram-se enxertados num denominador comum – falhas na gestão da devedora originária, que tinha como gerente de direito o aqui Alegante, e considerado pelo OEF, também como gerente de facto. Que as falhas na gestão determinaram na óptica do OEF, o não pagamento das prestações tributárias à segurança social, nos períodos de 2011 a 2015, todavia, como o Alegante nunca exerceu a gerência efectiva da devedora originária, tal como foi reconhecido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a manutenção da execução e consequentemente das penhoras e hipotecas de bens sobre o seu património constitui uma grave violação da Convenção dos Direitos do Homem, uma violação do princípio da presunção da inocência, pois do espírito do normativo em referência decorre, que sempre que ocorrer a absolvição de uma pessoa acusada, ocorrerá violação do princípio da presunção da inocência, sempre que após a absolvição no processo no qual a pessoa vinha acusada, essa mesma pessoa, com base nos mesmos factos vier a tratada como culpada por outra entidade e que a consideração devida à pessoa acusada somente é preservada se os efeitos de uma absolvição forem respeitadas por todas as entidades, independentemente da natureza do processo, sob pena de as garantias de justiça e equidade se tornarem meramente teóricas e ilusórias.
O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA, no seu douto parecer junto aos autos, pronuncia-se no sentido do não provimento do recurso, consignando, na fundamentação do seu parecer (cuja conclusão se reproduziu supra), o seguinte:
“Pretende, assim, o Recorrente, extrair da decisão de arquivamento do inquérito penal proferida pelo Ministério Público o fundamento para afastar a sua responsabilidade pela dívida exequenda, com o argumento de que aquela decisão se impõe nas demais jurisdições, designadamente na fiscal, sempre que estejam em causa obrigações pecuniárias decorrentes do exercício de funções de gerência da sociedade “B……………., Lda.”.
Do ponto 39 do probatório resulta que no despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no processo de inquérito n.º ................, que correu termos no DIAP de Alcobaça, o Ministério Público considerou que o aqui recorrente não tinha tido “intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade e como tal não se apuraram factos suficientes para lhe imputar a prática do crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social”.
Como se sabe as decisões do Ministério Público em sede de inquérito penal não formam caso julgado, o que só ocorre nos casos de decisões judiciais. Por outro lado aquela decisão encerra um juízo sobre a suficiência de elementos suscetíveis de integrar a prática de um crime, no caso o crime de abuso de confiança fiscal. E por outro lado a apreciação que o magistrado do M.º P.º faz sobre a comprovação de determinados factos não tem a força probatória dos factos fixados numa sentença, que são fixados na sequência de uma fase instrutória e julgamento sujeitos a contraditório das partes envolvidas. Tudo isto para dizer que embora a decisão de arquivamento do inquérito o magistrado do M.º P.º tenha concluído que o aqui Recorrente não tenha tido “intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade “B…………, Lda., a força probatória de tal juízo de facto não se pode impor como se tivesse sido fixada em decisão judicial transitada em julgado.
Por outro lado, a questão que se coloca é a de saber qual a relevância da decisão proferida no inquérito-penal no âmbito da execução fiscal e que possa contender com a cobrança coerciva da dívida exequenda e designadamente com a validade das hipotecas e penhoras realizadas.
Já vimos que a Recorrente não usou de qualquer meio processual que a lei disponibiliza – oposição à execução ou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal – para reagir ao seu chamamento à execução para responder pela dívida – citação na qualidade de responsável subsidiário – ou para reagir perante qualquer invalidade das hipotecas e penhoras.
Pretende agora, como se estivesse perante um facto ou causa superveniente, anular o processo executivo, com base na sua falta de responsabilidade pela dívida exequenda.
Ora, afigura-se-nos que os efeitos do arquivamento do inquérito penal não se repercutem na validade da acção executiva, ainda que esta tenha como pressuposto a responsabilidade subsidiária fundada no exercício das funções de gerente de facto, exercício esse que foi dado como não verificado na ação penal na decisão do Ministério Público ao afastar a responsabilidade do Recorrente na prática do crime de abuso de confiança fiscal.
Por um lado porque não estamos perante decisão judicial cujos efeitos se projetem fora do processo executivo. Por outro lado, porque esses efeitos não se repercutem na validade do título executivo. E por último, porque não estamos perante facto superveniente que reabra o prazo da ação de oposição à execução fiscal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 203.º do CPPT. Na verdade, o juízo de facto sobre o exercício das funções de gerente por parte do aqui Recorrente formulado na decisão de arquivamento do inquérito não se pode em si considerar um facto desconhecido do Recorrente e que o mesmo não tivesse não tivesse podido invocar em oposição apresentada no prazo legal de 30 dias após a sua citação para os termos da execução fiscal. O facto em si novo e superveniente é a decisão do Ministério Público, que poderia relevar como elemento adjuvante de prova em oposição já apresentada, mas não é esse o caso. O que está em causa na execução fiscal é a cobrança de uma dívida cujo título constitutivo não foi questionado pelo recorrente e em relação ao qual os efeitos da decisão do Ministério Público proferida no inquérito penal não têm, salvo melhor opinião, qualquer projeção.”
Vejamos.
Pretende o recorrente, com fundamento exclusivo na decisão do Ministério Público de arquivamento do inquérito penal pelo crime de abuso de confiança fiscal em que foi arguido - atendendo ao que aí se consignou quanto ao mero exercício da gerência “de direito”, “de que não se apurou que tenham tido intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade” e que “não se apuraram factos suficientes para lhe imputar a prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social” - que se extingam os processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva de cotizações e contribuições não pagas e que contra si reverteram, pois que de outro modo se encontra violado o “princípio da presunção de inocência”, consagrado no parágrafo §2 do artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem.
Por mero efeito mimético e sem que o recorrente alguma vez antes tenha vindo ao processo executivo impugnar a responsabilidade subsidiária que lhe foi imputada, exercendo o direito de audiência antes da reversão ou opondo-se à execução por ilegitimidade, em razão do não exercício de facto das funções para que foi nomeado. Consta, aliás, do probatório – cfr. os seus números 20, 22 e 23 -, que, antes dessa data, interveio no processo de execução chamando a si essa responsabilidade nos requerimentos em que solicita o pagamento, a título pessoal e prestacional, das dívidas tributárias da devedora originária.
Ora, como é bem sabido, a responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas.
Desde logo, na responsabilidade penal tributária não há culpas presumidas, presumindo-se, ao invés, inocente o arguido até ao trânsito em julgado da decisão que o condene. A responsabilidade tributária, porém, admite uma presunção – ilidível - de culpa no não pagamento, nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, cabendo ao responsável tributário ilidir, através do meio processual próprio (audiência prévia antes da reversão e oposição), essa presunção legal de culpa para afastar a sua responsabilidade pela dívida.
Muita estranheza suscita a alegação de que, designadamente no caso dos autos, a não extinção dos processos executivos e seus efeitos viola o “princípio da presunção de inocência”, designadamente porque no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária, como não podia deixar de ser, aliás, dado o diferente calibre dos valores em presença num e noutro caso.
No caso dos autos, há na origem do processo executivo dirigido contra o ora recorrente uma presunção de culpa que fundamentou a reversão, presunção esta que era ilidível, mas que o recorrente nunca procurou ilidir, consolidando-se a sua responsabilidade, daí que o processo executivo tenha prosseguido, com a realização de diligências executivas tendentes a acautelar o crédito exequendo por parte da segurança Social, diligências essas a que nenhuma ilegalidade foi concretamente imputada, como bem afirmou a sentença recorrida.
O efeito mimético no processo executivo decorrente do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no processo penal, pretendido pelo recorrente, não se nos revela sequer razoável, já que nem sequer se trata de decisão penal absolutória transitada em julgado, pois, como bem diz o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA no seu parecer, as decisões do Ministério Público em sede de inquérito penal não formam caso julgado, o que só ocorre nos casos de decisões judiciais, (…) aquela decisão encerra um juízo sobre a suficiência de elementos suscetíveis de integrar a prática de um crime, no caso o crime de abuso de confiança fiscal, e a apreciação que o magistrado do M.º P.º faz sobre a comprovação de determinados factos não tem a força probatória dos factos fixados numa sentença, que são fixados na sequência de uma fase instrutória e julgamento sujeitos a contraditório das partes envolvidas, daí que embora a decisão de arquivamento do inquérito o magistrado do M.º P.º tenha concluído que o aqui Recorrente não tenha tido “intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade “B……………., Lda., a força probatória de tal juízo de facto não se pode impor como se tivesse sido fixada em decisão judicial transitada em julgado.
Não se desconhece a jurisprudência do TEDH em que o recorrente funda a sua pretensão e que no Acórdão do TEDH que cita se julgou violado o “princípio da presunção de inocência”, não obstante os órgãos jurisdicionais nacionais não se terem pronunciado sobre o mérito da pretensão da queixosa, por intempestividade do pedido ou por força de nulidade processual decorrente de erro na forma do processo.
Não obstante, ali havia efectivamente uma decisão judicial penal absolutória, que aqui não há, como havia, o que igualmente aqui não há, a tentativa da recorrente de discutir no foro tributário próprio, os pressupostos da responsabilidade tributária que lhe foi imputada, situação que não tem paralelo no caso dos autos.
Acresce que, como se consignou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 8 de Outubro de 2014 no âmbito do Processo n.º 01930/13, “como se sabe as exigências da prova em processo penal são acrescidas face ao direito fiscal, em que são frequentes as presunções de culpa que recaem sobre o sujeito passivo, incumbindo, nestes casos, ao sujeito passivo, a prova da não culpa”. Em rigor, e como o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já considerou nomeadamente em casos relativos a um processo civil subsequente, se a absolvição penal não deve ser questionada no âmbito do processo de indemnização, isso não deve constituir obstáculo ao estabelecimento, com base em exigências de prova menos restritas, de responsabilidade civil com obrigação de pagamento de uma indemnização pelos mesmos factos (ver por exemplo, Ringvold c. Noruega, n. 34964/97 (http://hudoc.echr.coe.int/sites
/eng/pages/search.aspx?i=001-60933
) § 38, CEDH 2003 –II; Lundkvist c. Suécia (dec.), n.º 48518/99 (http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-23599), CEDH 2003-XI).
Por maioria de razão, o mesmo parece valer no caso dos autos.
Como bem diz mais uma vez o Magistrado do Ministério Público junto deste STA no seu parecer junto aos autos, afigura-se-nos que os efeitos do arquivamento do inquérito penal não se repercutem na validade da acção executiva, ainda que esta tenha como pressuposto a responsabilidade subsidiária fundada no exercício das funções de gerente de facto, exercício esse que foi dado como não verificado na ação penal na decisão do Ministério Público ao afastar a responsabilidade do Recorrente na prática do crime de abuso de confiança fiscal.// Por um lado porque não estamos perante decisão judicial cujos efeitos se projetem fora do processo executivo. Por outro lado, porque esses efeitos não se repercutem na validade do título executivo. E por último, porque não estamos perante facto superveniente que reabra o prazo da ação de oposição à execução fiscal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 203.º do CPPT. Na verdade, o juízo de facto sobre o exercício das funções de gerente por parte do aqui Recorrente formulado na decisão de arquivamento do inquérito não se pode em si considerar um facto desconhecido do Recorrente e que o mesmo não tivesse não tivesse podido invocar em oposição apresentada no prazo legal de 30 dias após a sua citação para os termos da execução fiscal. O facto em si novo e superveniente é a decisão do Ministério Público, que poderia relevar como elemento adjuvante de prova em oposição já apresentada, mas não é esse o caso. O que está em causa na execução fiscal é a cobrança de uma dívida cujo título constitutivo não foi questionado pelo recorrente e em relação ao qual os efeitos da decisão do Ministério Público proferida no inquérito penal não têm, salvo melhor opinião, qualquer projeção. "

Não se nos afigura, pois, que a decisão recorrida, que julgou improcedente a reclamação, mereça censura, antes sendo de confirmar o julgado recorrido.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 20 de Março de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.