Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01239/13
Data do Acordão:12/11/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:Não ocorre oposição entre um acórdão proferido pelo TCA Sul e um acórdão proferido pelo TCAN se, no primeiro, se considerou, com base nos fatos provados, que o ato tributário se encontrava fundamentado e, no segundo, se decidiu em sentido contrário com base também na matéria de fato dada como provada no respetivo processo.
Nº Convencional:JSTA000P16729
Nº do Documento:SAP2013121101239
Data de Entrada:07/12/2013
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNAIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. “A………, SA”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer do acórdão proferido pelo TCA Sul em 05.03.2013 (cujo teor consta de fls. 261/267) com fundamento em oposição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 22.01.2013 no Processo nº 06048/12.

2. Admitido o recurso por despacho de fls. 319, foram pela recorrente apresentadas alegações tendentes a demonstrar a oposição entre os citados arestos (v. fls. 325/333), tendo aí concluído:

1ª) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição suscetível de determinar o prosseguimento do presente recurso, encontrando-se preenchido o condicionalismo previsto no artº. 284º do CPPT;

2ª) De facto, o thema decidendum visou, em ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento), apreciar a requalificação, no âmbito de ação inspetiva, das viagens que foram oferecidas aos seus clientes, com referência ao conceito de despesas de representação e de custos com publicidade ao nível da respetiva fundamentação;

3ª) Importa, igualmente, ter presente que estamos perante a mesma factualidade, porquanto, em ambos os Acórdãos, “(…) os serviços de inspeção consideraram os seguintes elementos para proporem as correções (...): (…) não tributou autonomamente, nos termos do previsto no nº 6 do artigo 81º do CIRC, (...) as viagens abaixo mencionadas, relacionadas com ofertas de viagens aos clientes que se enquadram no conceito de despesas de representação conforme definido no nº 6 do artigo 81º do CIRC”.

4ª) Assim, deve ser fixada como jurisprudência prevalecente a desse Venerando Tribunal como a constante do douto Acórdão fundamento, que é a que mais se coaduna com a diretiva constitucional do dever de fundamentação, artigo 286º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, prolatando-se o seguinte Acórdão:
«Viola o dever de fundamentação, previsto no artigo 286.º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa e artigo 77.º da LGT o afastamento enquadramento, pela Autoridade Tributária, de determinadas despesas como despesas de publicidade, sem se apontar os factos suscetíveis de evidenciar a desconformidade da posição assumida pelo contribuinte, limitando-se a ação da Autoridade Tributária, tão-somente, à afirmação de tais despesas como despesas de representação».

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados e deve o presente recurso ser julgado procedente, de acordo com a jurisprudência constante do Acórdão fundamento, revogando-se o Acórdão recorrido.
Com o que se fará a costumada Justiça.

3. Após proferido despacho pelo relator a julgar verificada a oposição entre os acórdãos citados (v. fls. 337), a recorrente apresentou alegações, ao abrigo do disposto no nº 5 do artº 284º do CPPT, nas quais conclui:

Iª) Está em causa, nos presentes autos, o enquadramento dos custos de viagens com clientes no conceito de “despesas de publicidade”, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 23º do Código do IRC ou, conforme defendido pela Autoridade Tributária e, ora, decidido pelo TCA-Sul, como despesas de representação e, principalmente, verificar se as correções efetuadas padecem ou não de falta de fundamentação.

IIª). Como resulta da matéria factual dada como assente pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, através de ação de inspeção, a Autoridade Tributária propôs e realizou correções, porquanto “(..) encontram-se contabilizados na conta 622821- Viagem 2000, 622822 - Viagem, 622823 - Viagem 2002, os documentos abaixo mencionados, que se enquadram no conceito de despesas de representação, definido no número 6 do artigo 81º. do código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (...). Nos termos do número 6 do artigo 81º. do CIRC, consideram-se despesas de representação, nomeadamente os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou a quaisquer outras pessoas ou entidades. Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, são tributados autonomamente à taxa corresponde 20%, da taxa normal mais elevada os encargos dedutíveis, relativos a despesa de representação”.

IIIª). Tendo considerado o Acórdão recorrido que ‘(...) a desconsideração de tais verbas como custos fiscais por não serem subsumíveis no conceito legal de publicidade, como a contribuinte supusera, que no caso consistiam em não se provar que tais verbas tenham visado contribuir para fomentar as vendas de pneus, antes sendo, diretamente subsumíveis no conceito de despesas de representação, em que as viagens diretamente se inseriam, por força do citado no nº 6 do artigo 81º. do CIRC, norma que também foi invocada, pelo que, ainda que de forma sucinta, como a lei permite, tal desconsideração dessas verbas como publicidade e subsumíveis a despesas de representação, se encontra suficientemente fundamentada (…)”.

IVª). O Acórdão recorrido assenta em manifesto erro de julgamento na medida em que as correções efetuadas pela AT não se encontram devidamente fundamentadas e contraria Acórdão anterior proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão proferido, em 22 de janeiro de 2013, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do Processo nº 06048/12).
Isto porque,

Vª). Conforme referido no Acórdão fundamento a “indispensabilidade a que se refere o artigo 23º do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros”.

VIª). Mais ainda, e tal qual referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo-Norte, proferido em 01/12/2012, no âmbito do Processo n. 00624/05.OBEPRT, “Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade - impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da atividade societária, ou seja, em função do seu objetivo no âmbito da atividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa”.

VIIª). Por se tratar de um conceito indeterminado torna-se necessária uma maior “(...) exigência na sua fundamentação”, conforme decorre, entre outros, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 02/06/2003, no âmbito do Processo nº 0128/03.

VIIIª). Porém, no caso sub judice, a AT não acompanhou essa “exigência” e, consequentemente, violou o artigo 286º da CRP e o artigo 77º da LGT.

IXª). De facto, conforme referido no Acórdão fundamento a (…) fundamentação do ato tributário (...) constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque se decidiu num sentido e não noutro”.

Xª). Mais ainda, prossegue o Acórdão fundamento “(...) a apreciação, em cada caso, de um ato como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal direta, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições:
- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objetivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo ato;
- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscivel pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra”.

XIª). No caso em apreço a AT limitou-se a referir que as despesas em causa consubstanciavam despesas de representação, não tendo fundadamente colocado em causa as despesas da ora Recorrente.

XIIª). De facto, sob pena de violação do Princípio da liberdade de gestão e do dever de fundamentação, e conforme esclarece o Acórdão fundamento, a AT deveria ter efetuado “(...) por um lado, desmontagem da apreciação da posição da Recorrida [ora Recorrente], afastando o enquadramento da situação como custos de publicidade e, por outro lado, a reclassificação da situação, é ponto assente que a Recorrente (a AT) (…)

XIIIª). Ou seja, conforme concluiu-se no Acórdão fundamento “(...) a AT deveria ter começado por afastar o enquadramento de tais despesas como despesas de publicidade, apontando os factos suscetíveis de evidenciar a desconformidade da posição assumida pela recorrida e não limitar a sua ação à segunda parte da questão com referência à afirmação de tais despesas como despesas de representação”.

Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis que V.Exas Venerandos Conselheiros, doutamente suprirão, deve o presente recurso de oposição de julgados ser admitido, julgado procedente por provado, determinando-se, em consequência, a anulação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que prolate entendimento segundo o qual:
«Viola o dever de fundamentação, previsto no artigo 286º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa e artigo 77º da LGT o afastamento do enquadramento, pela Autoridade Tributária, de determinadas despesas como despesas de publicidade, sem apontar os factos suscetíveis de evidenciar a desconformidade da posição assumida pelo Contribuinte, limitando-se a ação da Autoridade Tributária, tão-somente, à afirmação de tais despesas como despesas de representação»
Como é de inteira, sã e habitual JUSTIÇA!

4. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 376/380 no qual se pronuncia pela improcedência do recurso com a confirmação do acórdão recorrido.

5. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes fatos:

A) No acórdão recorrido:

A) A impugnante, no exercício de 2001, estava sujeita a IRC ao abrigo do disposto no art.º 64º do CIRC (cfr. documento a fls. 2 do Processo Administrativo)

B) Na sequência de uma ação de inspeção de análise interna à declaração de consolidação ao exercício de 2001 foi elaborado o respetivo relatório de inspeção no âmbito do qual se propõe correções à matéria coletável em sede de IRC com recurso a correções técnicas, no montante de 294.528,68€ e imposto em falta no montante de 48.333,15€ (cfr. documento a fls. 1 e ss do Processo Administrativo)

C) As correções mencionadas na alínea anterior dizem respeito à sociedade “B…….., Lda”, sociedade do grupo da Impugnante, e dizem respeito a “amortizações do exercício” “provisões do exercício”, “despesas de representação” e “custos não aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC” (cfr. relatório de inspeção constante do Processo Administrativo).

D) Os serviços de inspeção consideraram os seguintes elementos para proporem correções (cfr. relatório de inspeção constante do Processo Administrativo, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais) “ (..) Encontram-se contabilizados na conta 622821- Viagem 2000, 622822- Viagem 622823-Viagem 2002, os documentos abaixo mencionados, que se enquadram no conceito de despesas de representação, definido no número 6 do artigo 81º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto Lei nº 442-B/88 de novembro (adiante designado por CIRC). (Ver fls. 3 a 10, Anexo 1). (...) Nos termos do número 6 do artigo 81º do C.I.RC., consideram-se despesas de representação, nomeadamente os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou a quaisquer outras pessoas ou entidades. Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, são tributados autonomamente à taxa corresponde 20%, da taxa normal mais elevada os encargos dedutíveis, relativos a despesa de representação.”

E) Na sequência da fixação do lucro tributável nos termos na alínea anterior, em 12/12/2005 foi efetuada a liquidação adicional de IRC nº 8310122944 e respetivos juros compensatórios referente ao exercício de 2001, no montante de 144.924,71 (cfr. documento a fls 40 dos autos).

F) A impugnação judicial foi apresentada em 03/04/2006 (fls. 3 dos autos)

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), acrescentaram-se ao probatório mais as seguintes alíneas, em ordem a dele constar outra factualidade relevante, plenamente provada nos autos, para apreciar do mérito do recurso.

G) Em sede do direito de audição a ora recorrida veio invocar, além mais, que as viagens oferecidas aos seus clientes com acompanhamento dos seus colaboradores das áreas de marketing ou em áreas técnicas, teve em vista operações de incremento de vendas, um seu incentivo, pelo que devem ser qualificadas como de publicidade;

H) Ou, a não se entender assim, sempre devem ser considerados como custos a título de deslocações e estadas as despesas incorridas no total dos custos das viagens dos seus 13 colaboradores, num total de € 52.500,91- cfr. doc. de fls. 169 e segs do PA apenso;

I) A estas questões suscitadas em sede de direito de audição veio a AT a responder no mesmo relatório, tendo mantido que tais viagens realizadas pelos seus clientes se subsumem às despesas de representação e quanto às despesas relativas aos seus colaboradores também não podiam ser atendidas por falta da prova atinente, “que comprove o número de clientes e colaboradores que efetuaram a viagem” - cfr. relatório a fls. 152 do PA apenso.

B) No acórdão fundamento:

A) A impugnante exerce a atividade com o Código de Atividade Económica nº 74150, nos termos constantes de fls. 85, do processo administrativo tributário, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

B) A impugnante é a sociedade dominante de um grupo que se enquadra no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades do qual faz parte a sociedade B…….., Lda., nos termos constantes de fls. 88, do processo administrativo tributário, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C) A impugnante procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 (âmbito consolidado), referente ao exercício de 2003, nos termos constantes de fls. 88, do processo administrativo tributário, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

D) Na sequência de uma ação de inspeção interna levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária das declarações de rendimentos Mod. 22, do IRC de 2003 e 2004, do grupo, referido em B), resultaram correções ao cálculo de imposto, nos termos constantes de fls. 88 a 92, do processo administrativo tributário, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

E) Os serviços de inspeção consideraram os seguintes elementos para proporem as correções (cfr. documento a fls. 85 a 122):
“(..,) 3. L3- CORREÇÃO AO NÍVEL DO IMPOSTO A PAGAR
3.1.3.1- B……… LDA
3.1.3.1.1 - Tributações autónomas
Não tributou autonomamente, nos termos do previsto no nº 6 do artº 81º do CIRC, a importância de €19.207,69, resultante da aplicação da taxa de 6% sobre o custo total de €320.128,12 suportado, durante o exercício de 2003, com as viagens abaixo mencionadas, relacionadas com ofertas de viagens aos clientes, que se enquadram no conceito de despesas de representação conforme definido no nº 6 do artº. 81º do CIRC.
As referidas despesas com viagens foram contabilizadas nas contas “6232- Viagem (Casa de Campo) e “622822 - Viagem (Cabo Verde)”, tendo como suporte faturas emitidas por diversas agências de viagens;

Faturas Descrição Conta Valor

4187 Parte do custo de viagem de grupo à República Dominicana 622821 237.281,04
4282 Parte do custo de viagem de grupo à República Dominicana 622821 7.698,37
4233 Parte do custo de viagem de grupo à República Dominicana 622821 10.206,78
4t30 Viagem a Tenerife 622821 2.427,52
4340 Valor referente a 3 passagens aéreas fora da EU 622821 2.583,12
4338 Cancelamento pacote turístico - Eurodisney 622821 115
300819 Viagem Lisboa/Fortaleza/Lisboa 622821 1.022,24
300135 Viagem a Cabo Verde Grupo C....... 622821 45.000,00
300515 Restantes despesas da viagem a Cabo Verde 622821 13.794,05
• Total 320.128,12

Tributação autónoma, 6% sobre 320.128,12 19.207,69

F) A impugnante foi notificada da liquidação adicional nº 2007 8310018598, referente ao IRC, do exercício de 2003, nos termos constantes de fls. 51, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

G) Em 15/5/2008, a impugnante reclamou graciosamente da liquidação, referida em F), nos termos constantes de fis. 38 a 50, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

H) Em 2/1/2009, a impugnante foi notificada, através do oficio nº 100403, de 30/12/2008, de que por despacho de 22/12/2008, a reclamação, referida em G), foi indeferida, nos termos constantes de fls. 32 a 37, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

I) A impugnação judicial foi apresentada em juízo em 19/01/2009, nos termos constantes de fls. 2, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

J) A impugnante pagou o imposto, nos termos constantes de fls. 81, do processo administrativo tributário, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. Cumpre agora decidir.

Antes de mais, e apesar de o Relator ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no atual artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma).

Tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 - Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05; de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05; - de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06. No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se, no caso dos autos, se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

6.1. No entendimento da recorrente, estando em causa nos autos a mesma questão de saber se os custos por si suportados com viagens com clientes se enquadram no conceito de despesas de publicidade, existe oposição entre os acórdãos acima identificados porque no acórdão recorrido se entendeu estar suficientemente fundamentada a decisão da administração tributária, enquanto se entendeu de modo diferente no acórdão fundamento.

6.2. No acórdão recorrido ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“O conceito de fundamentação é um conceito algo fluído e de dimensão relativa, que deve ser aferido em função do concreto tipo de ato, assumindo um caráter instrumental em relação à realização do direito em causa, devendo por isso a sua suficiência ser aferida pelo comprometimento da possibilidade de reação judicial ou graciosa contra o mesmo, apenas devendo ser reservada a declaração dessa insuficiência com o consequente fulminar da sua anulação, quando a gravidade seja tal que a um normal destinatário do ato lhe seja difícil ou mesmo impossível contra ele esgrimir as diretas e imediatas razões de facto e/ou de direito que no seu entender conduzem à respetiva ilegalidade, e no caso, tendo presente a matéria constante, especialmente, nos seus art.ºs 9.º a 111º da sua petição de impugnação, onde a mesma, de forma assaz desenvolvida, pretende que tais despesas com essas viagens o foram para incrementar a venda dos produtos comercializados pelas empresas do grupo, onde também viajavam técnicos da empresa, constituindo por isso despesas de publicidade, tal fim que com a fundamentação se visa alcançar, não se coloca minimamente postergado, pelo que a fundamentação expendida no caso, se tem de considerar clara, suficiente e congruente, para cumprir com o desiderato que com a mesma se visa atingir.
Por outro lado e ao contrário do expendido na sentença recorrida, a materialidade invocada pela ora recorrida em sede de direito de audição, não deixou de ser pontualmente tida em conta pela AT, como exige a norma do n.º 7 do art.º 60.º da LGT, como de fls. 152 e segs. do PA apenso se pode colher, tendo mantido a tributação como despesas de representação quanto às viagens e demais verbas relacionadas com os seus clientes, por nelas as ter subsumido, tendo, igualmente, mantido as verbas relacionadas com as invocadas viagens dos colaboradores por falta de identificação destes, mas já aceitou como custo, a tal título inscrito como despesas a verba de € 9.971,47, por a mesma os ter vindo a justificar, desta forma tendo ocorrido uma densificação suficiente do ato em ordem a permitir compreender, plenamente, o balizamento dessas desconsiderações como custos fiscais, pelo que a sentença recorrida que em contrário decidiu não se pode manter, tendo de ser revogada com o provimento do recurso”.

E mais adiante:
“4.1.1. Na matéria dos art.ºs 9.º a 50.º da sua petição de impugnação pugna a impugnante que as despesas por viagens com os seus clientes se inseriram numa estratégia de promoção e reconhecimento dos seus produtos (pneus) e das suas características técnicas, como tal tendo em vista um incremento das suas vendas, pelo que devem ser qualificadas como despesas de publicidade, subsumíveis à alínea b) do nº 1 do artº 23º do CIRC, logo como um custo fiscal que a mesma suportou, indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Pese embora o brilhantismo e explicitação em como no caso funcionaria tal incremento de vendas através de tais viagens, o certo é que a mesma nada veio provar atinente a esses fins propalados, pelo que tais despesas acabam por cair, no conceito de despesas de representação, previsto no artº 81º, nº 6 do CIRC, que abrange as despesas por viagens em geral, atribuídas a qualquer pessoa ou entidade, quando nem sequer os documentos externos que titulam tais despesas identificam o seu beneficiário, mas apenas, invariavelmente, “B………”, como de fls. 159 a 167 do PA apenso se pode colher, e bem se refere no mesmo relatório da ação inspetiva, desta forma não podendo deixar de improceder a matéria atinente a esta questão”.

6.3. Por sua vez, no acórdão fundamento, argumentou-se da forma seguinte:

“Nesta matéria, com referência ao exposto no probatório, refira-se que os serviços de inspeção consideraram os seguintes elementos para proporem as correções (cfr. documento a fis. 85 a 122):
“(..j3,1 .3 - CORREÇÃO NÍVEL DO IMPOSTO A PAGAR
3.1.3.1 —B……LDA

3.1.3.1.1 - Tributações autónomas Não tributou autonomamente, nos termos do previsto no nº 6 do art. 8, I do CIRC, a importância de €19.207,69, resultante da aplicação da taxa de 6% sobre o custo total de €320.128,12 suportado, durante o exercício de 2003, com as viagens abaixo mencionadas, relacionadas com ofertas de viagens aos clientes, que se enquadram no conceito de despesas de representação conforme definido no nº 6 do art. 81º do CIRC.
As referidas despesas com viagens foram contabilizadas nas contas “622821 - Viagem (Casa de Campo) e “622822 - Viagem (Cabo Verde)”, tendo como suporte
faturas emitidas por diversas agências de viagens;

Faturas Descrição Conta Valor

4187 Parte do custo de viagem de grupo à República Dominicana 622821 237.281,04
4282 Parte do custo de viagem de grupo à República Dominicana 622821 7.698,37
4233 Parte do custo de viagem de grupo à República Dominicana 622821 10.206,78
4330 Viagem a Tenerife 622821 2.427,52
4340 Valor referente a 3 passagens aéreas fora da EU 622821 2.583,12
4338 Cancelamento pacote turístico - Eurodisney 622821 115
300819 Viagem Lisboa/Fortaleza/Lisboa 622821 1.022,24
300135 Viagem a Cabo Verde Grupo C……… 622821 45.000,00
300515 Restantes despesas da viagem a Cabo Verde 622821 13.794,05
Total 320.128,12


Tributação autónoma, 6% sobre 320.128,12 19.207,69
A partir daqui, na decisão recorrida foi entendido que “Não tendo a administração tributária questionado a existência destes custos, nem a sua indispensabilidade, não poderia sem mais, atribuir-lhe a natureza de despesa de representação.
Conforme resulta da fundamentação da administração tributária esta apenas classifica tais despesas como despesas de representação, sendo certo que a impugnante, logo no exercício do direito de audição referiu que tais despesas referiam-se pelo menos em parte a trabalhadores da impugnante, e não apenas a clientes.
Com efeito, a administração tributária, não refere os elementos em que se baseou para concluir sem mais explicações que se trata de despesas de representação.

A Administração tem o dever de fundamentar os seus atos que afetem os direitos ou interesses legítimos dos administrados, de harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 268º da CRP, traduzindo-se na exposição das razões que a levam a praticar o ato e a dar-lhe determinado conteúdo, com a descrição expressa das premissas em que assenta.
Segundo a jurisprudência uniforme do STA, e atendendo à funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, ou seja, ao fim instrumental que o mesmo prossegue, um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo do seu autor, de modo a permitir àquele a defesa adequada e consciente dos seus direitos e interesses legítimos.
Pode, assim, dizer-se que um ato está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familia de que fala o artº. 487º, n.º 2 do CC - fica devidamente esclarecido acerca das razões que o motivaram, não necessitando de ser uma exaustiva descrição de todas as razões que estiveram na base da decisão, bastando que se traduza numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, ou até numa mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
Entende-se, pois, que no que se refere à fundamentação das correções, esta não é suficiente.
Ou seja, considerando que tais custos se encontram regularmente documentados através de faturas, e aliás, a sua natureza de custo não é contestada, então cabe à administração tributária a fundamentação de facto e de direito, dos pressupostos da sua atuação, o que manifestamente não sucede in casu porquanto apenas se fazem juízos conclusivos.
Na verdade, não se enunciam factos em concreto que possam sustentar que tais despesas não constituem despesas de publicidade, mas antes despesas de representação.
Assim, as correções impugnadas enfermam de vício de violação de lei conseguinte, a liquidação impugnada deve ser anulada, bem como os respetivos juros compensatórios....”.
Por outro lado, cumpre ter presente que em matéria tributária, o dever de fundamentação dos atos decisórios de procedimentos tributários e dos atos tributários é concretizado de forma genérica, no artº. 71.º da LGT.
Nos termos deste último artigo, «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e a «fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Por outro lado, como já ficou dito, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objetivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
A partir daqui, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a fundamentação externada pela AT não satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo insuficiente porque não permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração.
Com efeito, tal se aponta na decisão recorrida, a AT não coloca em causa a existência destes custos, nem a sua indispensabilidade, o que significa que existia um trabalho a montante relacionado com o enquadramento dado a tais despesas pela ora Recorrida.
Assim, resulta claro que o dever de fundamentação foi manifestamente postergado, limitando-se o órgão fiscal a proceder, sem mais, a uma reclassificação das referidas despesas.
Ora, reclassificar significa uma nova apreciação da realidade, matéria que tem de partir da análise da velha realidade, por forma a tomar percetível a razão de ser da nova classificação.
Tal significa que a AT deveria ter começado por afastar o enquadramento de tais despesas como despesas de publicidade, apontando os factos suscetíveis de evidenciar a desconformidade da posição assumida pela Recorrida e não limitar a sua ação á segunda parte da questão com referência à afirmação de tais despesas como despesas de representação.
Nesta medida, a análise do RF permite dizer que a Recorrente nunca se preocupou com a questão, pois que não se surpreende nos elementos dos autos, qualquer elemento do qual se retire a apreciação da relevância da matéria como custos de publicidade, sendo que, neste domínio, perante a declaração do sujeito passivo, e na medida em que a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, questionando os termos da contabilização da realidade em apreço.
Deste modo, considerando que a situação em apreço impunha, por um lado, a desmontagem da apreciação da posição da Recorrida, afastando o enquadramento da situação como custos de publicidade e, por outro lado, a reclassificação da situação, é ponto assente que a Recorrente negligenciou o primeiro elemento (as presentes alegações de recurso são significativas neste domínio), comprometendo de forma decisiva a demonstração do «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, não permitindo ao visado conhecer os antecedentes da tal nova reclassificação, pondo em crise o próprio direito de defesa, na medida em que não se conhece a razão de ser da desconsideração das despesas em apreço como custos de publicidade, o que impõe a confirmação da sentença neste domínio”.

6.4. Aqui chegados, podemos então concluir pela oposição de acórdãos?

Não restam dúvidas de que os fatos dados como provados em ambos os arestos são muito semelhantes (v alínea D) do probatório supra do acórdão recorrido e a alínea E) do probatório supra do acórdão fundamento).
Porém, não estamos perante diversa interpretação da mesma lei, antes perante diversa apreciação da matéria de fato.
Na verdade, no acórdão recorrido, foi entendido que a administração tributária havia fundamentado devidamente a decisão de liquidação, afastando a tese da recorrente sobre a natureza dos referidos custos como despesas de publicidade e sendo correto o enquadramento como despesas de representação.

Já no acórdão fundamento se entendeu de modo diferente por se ter considerado que a administração tributária deveria ter justificado a razão pela qual afastava as despesas como custos de publicidade.

Estamos, portanto, perante apreciação do conceito de fundamentação do ato tributário e da matéria de fato pertinente. Assim sendo, não pode considerar-se a existência de oposição de acórdãos já que esta pressupõe decisões de direito diversas perante matéria de fato substancialmente idêntica, não cabendo ao STA, neste recurso, a censura da apreciação da matéria de fato que os Tribunais Centrais Administrativos fizeram sobre a mesma.

Em face do que ficou dito, o recurso tem de ser julgado findo, ao abrigo do artº 284º, nº 5 do CPPT.

7. Nestes termos e pelo exposto, julga-se findo o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de dezembro de 2013. – João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado.