Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0733/17.2BESNT
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:NOTIFICAÇÃO
SENTENÇA
NOTIFICAÇÃO POR CORREIO ELECTRÓNICO
Sumário:I - São notificados por transmissão electrónica de dados – a coberto do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro – os mandatários que tenham apresentado pelo mesmo meio peças processuais após o dia 4 de janeiro de 2018;
II - A data de 15 de junho de 2018, a que alude o n.º 2 do artigo 28.º do mesmo diploma, tem em vista apenas a obrigatoriedade da aposição da assinatura digital através de certificado de assinatura electrónica, a que aludem os n.ºs 3 e 4 do seu artigo 5.º.
Nº Convencional:JSTA000P28223
Nº do Documento:SA2202110060733/17
Data de Entrada:03/08/2019
Recorrente:A………, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A MASSA INSOLVENTE DE A…………….., LDA., contribuinte fiscal n.º…………, com sede (indicada na sentença de declaração de insolvência, cfr. fls. 15 do processo físico) na Rua ………, n.º ……., ………, 2710-……. Sintra, representada pelo Senhor Administrador da Insolvência, Dr…………….., contribuinte fiscal n.º……….., com domicílio profissional na Avenida ………, n.º .., piso …., Lisboa, recorreu «do despacho do Tribunal a quo, de 23 de outubro de 2018, que julgou improcedente a nulidade invocada» no seu requerimento de 16 de julho de 2018, requerimento este que integra o documento 002130446 do SITAF.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I. A Recorrente arguiu a nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artº 195º do CPC, afirmando que a sentença, proferida no Tribunal a quo é nula, por falta de notificação à Impugnante, ora, Recorrente.

II. Para a produção dos efeitos da nulidade, alegou não ter sido notificada da sentença por via postal.

III. A Recorrente teve conhecimento da sentença do Tribunal a quo, ao entrar no sistema informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no dia 13 de junho de 2018. Não tendo sido notificada por via postal.

IV. A Mandatária da Recorrente não apresentou peça processual após a entrada em vigor da presente portaria. Tendo apresentado as suas alegações, no dia 10 de abril de 2018.

V. Nos termos do disposto dos n.ºs 1 e 2 do art. 28º, para ora Mandatária e autos em apreço, a portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro, entrou em vigor no dia 15 de maio de 2018.

VI. Não se aplicando o disposto no art. 22º, n.º 2 al. a) da portaria, pois a Mandatária da Impugnante não declarou no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, que pretende ser notificada apenas por transmissão eletrónica de dados nos presentes autos.

VII. Decorre claramente do preâmbulo da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, relativamente à assinatura de peças processuais pelos mandatários, que o regime da presente portaria apenas entrará em vigor no dia 15 de maio de 2018, sendo que, de modo a garantir um período para adaptação dos mandatários a esta nova solução, até dia 15 de junho poderão escolher se assinam as peças processuais nos termos ai previsto ou se não procedem a essa assinatura, aplicando-se nesses casos ainda o regime previsto na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de dezembro.

VIII. Pelo exposto, é manifesto que, a falta de notificação à Mandatária da Impugnante da sentença de 13 de junho de 2018, não lhe é imputável.

IX. A falta de notificação da sentença em análise, na morada do escritório da Mandatária da Impugnante, impediu-a de exercer o seu direito de recorrer da mesma, na medida em que lhe é desfavorável, pelo que influi claramente no exame e decisão da causa.

X. Considerando que, estamos perante uma verdadeira nulidade processual, deveria o Tribunal a quo suprir a nulidade da sentença, com a consequente anulação de todo o processado e a notificação da sentença, para que a Impugnante pudesse exercer o direito de recorrer da mesma.

XI. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, as exceções nos n.os 3 e 4 do artigo 5.º da portaria 380/2017, de 19 de dezembro, aplicam-se aos Mandatários. Tendo a portaria entrado em vigor no dia 15 de maio de 2018.

XII. A Mandatária não apresentou peças processuais após o dia 15 de maio de 2018. Pelo que não existe qualquer manifestação de vontade clara ou implícita de que pretendia ser notificada apenas eletronicamente.

XIII. Assim sendo, a ora Recorrente, pugna pela revogação do despacho ora recorrido e consequentemente ser deferido o requerimento apresentado, sendo decretada a nulidade de sentença requerida como é de inteira e Sã Justiça.».

A final, pediu fosse concedido provimento ao presente recurso e fosse suprida a nulidade da presente sentença, com a consequente anulação de todo o processado e a notificação da ora Recorrente.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos autos e com efeito devolutivo.

Recebidos os autos neste Tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Exm° Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, onde concluiu pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


◇◇

2. É o seguinte o teor do despacho recorrido:

Fls. 168 a 171 (sitaf):

Vem a Impugnante arguir a nulidade da sentença por falta de notificação, nos termos do art.º 195.º do CPC, alegando, em síntese, que a mesma devia ter sido notificada por via postal uma vez que não se verificam os pressupostos da notificação eletrónica, efetuada pela secretaria em 18.06.2018, designadamente porque a Portaria n.º 380/2017, de 19.12, entrou em vigor em 15.05.2018, tendo as alegações sido apresentadas em 10.04.2018, pelo que a mandatária da Impugnante não apresentou qualquer peça processual por eletrónica após a data de entrada em vigor da referida Portaria, nem declarou no sistema informático que apenas pretendia ser notificada por via eletrónica.

Vejamos se assim é.

A Portaria n.º 380/2017, de 19.12, veio regular a tramitação eletrónica dos processos nos TAF, TCA e STA.

Entre as alterações mais significativas resultantes desta referida regulamentação destaca-se (i) a obrigatoriedade, a partir de 04.01.2018, do envio das peças processuais e dos respetivos documentos através do SITAF, mediante a utilização (também obrigatória) dos formulários disponibilizados no sistema informático; (ii) a realização das notificações aos mandatários e aos representantes em juízo através do SITAF e (iii) a notificação entre mandatários e representantes em juízo passa a poder ser feita através do SITAF.

Relativamente aos atos processuais às notificações ou comunicações eletrónicas, as comunicações internas ou as remessas do processo para o juiz, MP ou outra secção do mesmo tribunal ou de outro TAF realizadas pelos funcionários de justiça são praticadas através do SITAF – cf. o art.º 17.º da Portaria.

Sucede que, diversamente do invocado pela Impugnante, a Portaria entrou em vigor a 04.01.2018 – cf. o respetivo art.º 30.º - com as seguintes exceções: (i) a assinatura digital através de certificado de assinatura eletrónica no documento que contém a informação inserida nos formulários entra em vigor a 15.05.2018, sendo a sua aplicação obrigatória apenas para as peças enviadas a partir de 15.06.2018; (ii) a aplicação do regime de tramitação eletrónica aos processos e incidentes instaurados ou deduzidos antes de 1 de janeiro de 2004 ocorre a partir de 03.05.2018, o que determinará a renumeração dos mesmos; (iii) a aplicação do regime de tramitação eletrónica aos processos nos TCA ocorre a partir de 03.05.2018 e, por fim, (iv) a aplicação do regime de tramitação eletrónica aos processos no STA ocorre a partir de 18.09.2018.

Ora, a notificação aos mandatários não faz parte do elenco das exceções acima mencionadas, por outro lado, conforme disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 22.º da Portaria, as notificações aos mandatários são feitas de modo eletrónico desde que estes tenham apresentado em juízo uma peça processual por transmissão eletrónica, o que, in casu, sucedeu com a apresentação das alegações a que se refere o art.º 120.º do CPPT, que foram apresentadas via SITAF em 10.04.2018, bem depois da entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 19.12.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente a invocada nulidade.

Notifique.».

[data e assinatura]


◇◇◇

3. Nos autos levanta-se uma questão prévia que se prende com a delimitação do âmbito do recurso.

É que apesar de apontar a nulidade ao ato de notificação da sentença, a recorrente pede o suprimento da nulidade da própria sentença, o que sugere que a Recorrente pretende que o suprimento da nulidade invocada passa também pela remoção dessa sentença da ordem jurídica.

Só que esta interpretação dos fundamentos do recurso não faz sentido nenhum porque, na conclusão “X”, a Recorrente também revela que pretende a anulação do processado para poder recorrer dessa sentença. E não se recorre da sentença cuja nulidade tenha sido reconhecida porque um tal recurso fica sem objeto.

Tudo indica, por isso, que a Recorrente disse mais do que queria dizer: apesar de ter dito que pretendia o suprimento da nulidade da sentença, pretendeu o suprimento da nulidade do ato de notificação da sentença.

Há outros elementos interpretativos que o confirmam. Desde logo a referência ao artigo 195.º do Código de Processo Civil, que é aplicável às nulidades em geral dos atos processuais (incluindo os atos de notificação), mas não às nulidades das sentenças ou dos despachos com valor de sentença (ver os artigos 613.º e seguintes do mesmos Código).

Sendo com este sentido que interpretamos as alegações e as conclusões do recurso, reconduzimos a questão a decidir à de saber se a ilustre mandatária da Recorrente deveria ter sido notificada da sentença pela via postal e se, por conseguinte, é nulo o ato de notificação electrónica dessa decisão e bem assim os atos posteriores que dele dependam absolutamente.

Sempre dizendo, de passagem, que a pretensão à nulidade da sentença com fundamento na nulidade do ato de notificação da mesma nunca poderia proceder porque a invalidade do ato de notificação não afeta a validade do ato notificado, mas a sua eficácia.

Analisemos, então a questão concretamente invocada que é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao não julgar nula a notificação electrónica da sentença e não ordenar a sua realização pela via postal.

A Recorrente pretende que sim, porque das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 28.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro, deriva que só são relevantes para os efeitos do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), da mesma Portaria as peças enviadas a partir do dia 15 de junho de 2018. E porque, no caso, a Recorrente apresentou uma peça processual por transmissão electrónica de dados antes desta data.

Ou seja: no entendimento da Recorrente, a notificações aos mandatários só são realizadas por transmissão electrónica de dados nos processos em que estes tenham apresentado uma peça processual pelo mesmo meio após aquela data.

Sucede que a lei diz que são relevantes para os efeitos do artigo 22.º, n.º 2, alínea a) as peças processuais apresentadas após a entrada em vigor da Portaria. E a portaria entrou em vigor em 4 de janeiro de 2018, como deriva do seu artigo 30.º.

Sendo que a peça processual em causa (as alegações) foi, reconhecidamente, apresentada por transmissão electrónica de dados em 10 de abril do mesmo ano.

A referência, no n.º 2 do artigo 28.º à data de 15 de junho de 2018 não tem em vista a apresentação das peças processuais pela via electrónica (que já era possível no âmbito da Portaria 1417/2003, de 30 de dezembro), mas a aposição da assinatura digital através de certificado de assinatura electrónica, a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 5.º da mesma Portaria.

Pelo que o recurso não merece provimento.


◇◇◇

4. Conclusões

4.1. São notificados por transmissão electrónica de dados – a coberto do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro – os mandatários que tenham apresentado pelo mesmo meio peças processuais após o dia 4 de janeiro de 2018;

4.2. A data de 15 de junho de 2018, a que alude o n.º 2 do artigo 28.º do mesmo diploma, tem em vista apenas a obrigatoriedade da aposição da assinatura digital através de certificado de assinatura electrónica, a que aludem os n.ºs 3 e 4 do seu artigo 5.º.


◇◇

5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de outubro de 2021

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.