Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01926/13
Data do Acordão:01/15/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
INDEFERIMENTO
Sumário:I - O indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia é directamente sindicável através de reclamação judicial, dele não cabendo recurso hierárquico.
II - O facto de em causa estar um acto administrativo em matéria tributária - qualificação que, não sendo unânime, é a por nós perfilhada –, não invalida aquela conclusão, porquanto, desde que seja assegurado ao lesado meio de reacção contra os actos que lesem a sua esfera jurídica – e é-o, através da reclamação judicial prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT – nada impede que sejam derrogadas as regras gerais que permitem, em regra, a impugnação administrativa das decisões finais do procedimento por meio de recurso hierárquico facultativo (artigo 80.º da LGT e 67.º do CPPT), recurso este que, em geral e precisamente em razão do seu carácter facultativo, não protela o prazo de impugnação do acto recorrido.
III - Não obstante, a decisão de arquivamento do recurso hierárquico é judicialmente sindicável – porquanto lesiva – afigurando-se a reclamação judicial o meio processual adequado para a sindicar.
Nº Convencional:JSTA00068535
Nº do Documento:SA22014011501926
Data de Entrada:12/17/2013
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART103 N3 ART80 ART97 N3 ART52.
CPPTRIB99 ART276 ART67 ART98 N4 ART277 N1 ART97 N2.
CONST76 ART268 N4.
CPC96 ART145 N5 N6.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0488/10 DE 2010/06/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A…….., com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 11 de Julho de 2013, que rejeitou liminarmente a reclamação judicial por si deduzida contra o despacho do Director de Finanças de Vila Real de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto do acto de indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia para suspender a execução fiscal.
O recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

O recorrente não se conforma com a Sentença recorrida, porquanto se considera que o Tribunal recorrido realizou uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como se demonstrou.
Não obstante a natureza judicial do processo de execução fiscal, existem atos materialmente administrativos na execução que podem ser praticados pela Administração Tributária.
A decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia consubstancia um verdadeiro e material ato administrativo.
Apesar de ser um ato administrativo em matéria tributária que, por via do indeferimento da pretensão do executado, é suscetível de controlo jurisdicional, tal não implica a perda da sua qualidade enquanto ato administrativo (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 80/2003, proferido no âmbito do processo n.º 151/02 e cujo relator foi o Juiz Conselheiro Benjamim Rodrigues, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.2012 (processo n.º 0446/12, disponível em www.dgsi.pt), segundo o qual:”II – A Lei Geral Tributária atribuiu assim globalmente ao processo de execução fiscal a natureza de judicial, pese embora nele sejam praticados atos materialmente administrativos por órgãos da administração tributária. III – A decisão do pedido de dispensa de prestação de garantis previsto nos arts. 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 52.º n.º 4 da Lei Geral Tributária deve qualificar-se como ato materialmente administrativo em matéria tributária, sujeito ao regime geral do ato administrativo.
Ora, o nosso ordenamento jurídico estabelece que são suscetíveis de Recurso Hierárquico quaisquer atos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos, e subsiste a regra da admissibilidade de recurso hierárquico das decisões dos procedimentos tributários – artigo 66.º do CPPT.
A Fazenda Pública ao não conhecer o Recurso Hierárquico interposto violou o disposto nos artigos 47º, nº 1 e 66º do CPPT, o artigo 80º da LGT e o artigo 173º do CPA, sendo aliás a decisão de arquivamento do Recurso Hierárquico nula por preterição de formalidades legais – artigo 99º, al. d) do CPPT por analogia.
Sem prescindir,
Não obstante o recorrente entender que o Recurso Hierárquico é o meio processual adequado, tal como supra exposto, o recorrente mais afirma que a Reclamação poderá ter por objecto a decisão de rejeição do recurso hierárquico.
É imperioso referir que o artigo 276.º do CPPT não cerceia o seu objecto, e tal é nítido, pelo que, de acordo com a melhor interpretação do art. 276.º, qualquer decisão da administração tributária, no âmbito da execução fiscal, e que afecte a esfera jurídica do reclamante, pode ser passível de reclamação (Cfr. Helder Martins Leitão, in “Reclamação Tributária, Revisão da Matéria Colectável, Recurso Hierárquico”, 3.ª edição, Colecção Nova Fiscus, Almeida & Leitão, Lda., pág. 65 e seguintes …)
10ª O conjunto das normas dos artigos 276º a 278º do CPPT, conferem, no domínio da execução fiscal, a possibilidade de reação quando se encontra, afetados direitos e (ou) interesses por banda do executado e também de terceiro ou, ainda mais latamente, de qualquer interessado.
11ª A própria Constituição, nos termos do artigo 268.º, n.º 4 da CRP, garante a qualquer pessoa o direito de impugnação contenciosa de quaisquer actos da administração tributária que lesem os seus direitos ou interesses legítimos.
12ª Nem todas as decisões são suscetíveis de reclamação, apenas o são aquelas que no processo afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, como in casu, pelo que apenas estão fora do âmbito da reclamação do art. 276.º do CPPT as decisões de mero expediente (emissão de mandado de penhora, despacho para preparar o processo para reversão, despacho de apensação de processos, instauração do PEF).
13ª O despacho de arquivamento de recurso hierárquico no âmbito de processo de execução fiscal configura-se como um acto que afecta perigosamente a esfera jurídica do recorrente, e os seus direitos e interesses enquanto executado (Cfr. acórdão do STA de 17/12/2008, Processo n.º 01009/08).
14ª A Reclamação é meio admissível para reagir ao despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, despacho proferido no âmbito de processo de execução fiscal, o que desde logo faz improceder o argumento que sustenta a sua extemporaneidade.
15ª Consubstanciando-se a reclamação do art. 276º como a prática de um acto integrado no processo de execução fiscal, é preciso referir que sendo o prazo para deduzir reclamação um prazo judicial, ao prazo de 10 dias previsto no artigo 177.º n.º 1 do CPPT acrescem ainda os 3 dias de multa previstos no artigo 145.º n.º 5 e 6 do CPC.
16ª O requerente não concorda com a douta Sentença recorrida, porquanto deduziu tempestivamente a sua defesa.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
17ª Sem prescindir de entendermos e reiteramos que o Recurso Hierárquico é o meio processual competente, com referência ao caso subjudicio, julgamos que, se assim não se entender, é possível a convolação do Recurso Hierárquico apresentado, no meio processual que o Tribunal achar indicado: a Reclamação dos Actos do Órgão de Execução Fiscal, tudo por aplicação dos artigos 20º, nº 5 e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, e arts. 7º, 12 n.º 3 CPTA e 97, n.º 3 LGT e 98º, nº 4 CPPT.
18ª Em face das circunstâncias, e em face do alegado, deve, pois, ter aplicação plena o princípio pro actione de forma a impedir que a rígida aplicação do formalismo processual possa colocar em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito e, em consequência admitida a reclamação contra os actos dos órgãos de execução fiscal.
19ª E mesmo no âmbito do procedimento administrativo se exige o cumprimento das regras de convolação, porquanto, é perfeitamente possível e admissível a convolação de um meio gracioso tributário (reclamação graciosa, recurso hierárquico) num processo judicial, e assim nos dita o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Fevereiro de 2009,
20ª A reclamação dos actos tem uma dupla natureza: é procedimento administrativo numa primeira fase, e processo judicial numa segunda fase.
21ª Pelo que, quer na fase de procedimento administrativo, quer na fase de processo judicial, é possível, exigível e obrigatória, se for o caso, a convolação do recurso hierárquico em reclamação dos actos do órgão de execução fiscal.
22.ª E no caso, o ora Recorrente deduziu tempestivamente o Recurso Hierárquico, e até respeitou o prazo fixado no art. 277.º, n.º 1 do CPPT, caso se entenda que a Reclamação dos actos do órgão de execução fiscal é o meio processual adequado.
23ª Considerando o caso concreto, pode ainda, e caso assim se entenda, o recurso hierárquico convolar-se para reclamação do art. 276.º do CPPT, isto porque se trata de um prazo judicial e ao prazo de dez dias acrescem ainda os 3 dias de multa fixados no art. 145º nº 6 do CPC.
24ª O recorrente deduziu tempestivamente a sua defesa escrita, e seja qual for o meio processual que se ache adequado.
25ª Não existe razão para afastar, por regra, a convolação do procedimento tributário gracioso em processo judicial tributário, porquanto atenta a ligação entre ambos, e face ao disposto no art. 52.º da Lei Geral Tributária (erro na forma de procedimento), bem como do art. 98.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e no 97º, nº 3 da Lei Geral Tributária (erro na forma de processo), impõe-se essa convolação.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.

2 – Por Acórdão de 18 de Outubro de 2013 (a fls. 123 a 142 dos autos) o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente este Supremo Tribunal, no entendimento de que as questões a dirimir têm exclusivo fundamento em matéria de direito, tendo os autos sido remetidos a este Supremo Tribunal precedendo requerimento do recorrente nesse sentido.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 150 a 152 dos autos, concluindo no sentido de que a decisão recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada e o recurso julgado improcedente.


Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à conferência.

- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a da saber se bem andou a decisão recorrida ao rejeitar liminarmente a reclamação judicial apresentada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento do pedido de dispensa de garantia para suspender a execução fiscal.

5 – Apreciando.
É do seguinte teor o despacho reclamado:
«A………., com domicílio fiscal na Rua …..., ……., Vila Real, com o NIF ……….., vem, ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, apresentar reclamação tendo por objecto o Despacho do Director de Finanças de Vila Real que indeferiu o recurso hierárquico por si interposto do despacho do Chefe de Finanças de Vila Real que indeferiu o pedido de prestação de garantia pelo mesmo apresentado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2496201001001022830.
Para tanto, alega, em síntese, que (i) o despacho reclamado é ilegal porquanto não admitiu o recurso hierárquico interposto quando se trata de acto materialmente administrativo e, como tal, susceptível de recurso hierárquico; (ii) o despacho que indeferiu o pedido de prestação de garantia também é ilegal por não ter sido precedido de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade.
Suscitadas por este Tribunal as questões da inamissibilidade da utilização do presente meio processual para pôr em causa a decisão do recurso hierárquico bem como a caducidade do direito de impugnar a decisão de indeferimento do pedido do pedido de dispensa de garantia, veio o reclamante defender a admissibilidade de tal utilização ou, caso assim não se entenda, a convolação do recurso hierárquico interposto em reclamação, no cumprimento dos princípios pro actione e da adequação formal.
Considerando que o processo de execução fiscal tem natureza judicial – cfr. o n.º 1 do artigo 103.º da LGT – e que dos actos materialmente administrativos praticados pelo órgão de execução fiscal cabe reclamação para o juiz – cfr. artigos 151.º, n.º 1, e 276.º do CPPT -, não está legalmente prevista a possibilidade de recorrer hierarquicamente dos mesmos, pelo que é manifestamente improcedente a reclamação em causa tendo por objecto a decisão do recurso hierárquico interposto de um indeferimento de requerimento apresentado pelo reclamante.
Tendo sido emitida, em 02.05.2012 (cfr. fls. 27 do PA apenso), pronúncia (de indeferimento) pela Administração Tributária relativamente ao pedido do reclamante de dispensa da prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal – notificada ao mandatário do reclamante em 04.05.2012 (cfr. fls. 27 do PA apenso), o meio processual adequado para o reclamante reagir contra tal indeferimento seria a reclamação nos termos do artigo 276.,º do CPPT, para o que dispunha do prazo de dez dias. Por conseguinte, à data da apresentação da p.i. no Serviço de Finanças de Vila Real – em 19.06.2012 (cfr. fls. 26 do processo físico), havia já decorrido tal prazo.
Finalmente, quanto à pretendida convolação do procedimento administrativo (de recurso hierárquico) em processo judicial (de reclamação nos termos do disposto no artigo 276.º do CPPT), não se afigura a mesma possível pois que a convolação em caso de erro na forma processual adoptada é uma competência do Tribunal e não da Administração tributária – cfr. n.º 4 do artigo 98.º do CPPT.
Pelo exposto, decide-se rejeitar liminarmente a reclamação apresentada.
Sem custas.
Registe e notifique.
Após trânsito, devolva autos ao órgão de execução fiscal.
Mirandela, 11.07.2013».
Não se conforma com o decidido o recorrente, alegando, em síntese, que atenta a natureza de acto administrativo em matéria tributária do acto de indeferimento do pedido de dispensa de garantia é admissível a interposição de recurso hierárquico de tal acto, como admissível é reclamação judicial do respectivo indeferimento, porque praticada no âmbito da execução fiscal e alegadamente interposta tempestivamente atenta a natureza judicial do prazo de reclamação, alegando subsidiariamente que, caso assim não se entenda, deve ordenar-se a convolação do recurso hierárquico em reclamação judicial, atento o disposto nos artigos 52.º e 97.º n.º 3 da Lei Geral Tributária e 98.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o princípio “pro actione”.
Vejamos, pois.
É inquestionável que a decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia da qual o ora recorrente interpôs recurso hierárquico foi proferida no âmbito de uma execução fiscal, visando o pedido de dispensa da garantia obter precisamente a suspensão desse processo executivo. E sendo-lhe desfavorável a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, proferida pelo órgão de execução fiscal e no âmbito desta, o requerente devia ter desde logo manifestado o seu inconformismo com a decisão proferida através de reclamação judicial, porquanto nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da Lei Geral Tributária é esta, e não outra, a via processual que, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal e sua coexistente tramitação pelos serviços de finanças (cfr. o n.º 1 do artigo 103.º da LGT), foi encontrada pelo legislador para controlo judicial dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal no processo executivo.
O facto de em causa estar um acto administrativo em matéria tributária - qualificação que, não sendo unânime, é a por nós perfilhada –, não invalida aquela conclusão, porquanto, desde que seja assegurado ao lesado meio de reacção contra os actos que lesem a sua esfera jurídica – e é-o, através da reclamação judicial prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT – nada impede que sejam derrogadas as regras gerais que permitem, em regra, a impugnação administrativa das decisões finais do procedimento por meio de recurso hierárquico facultativo (artigo 80.º da LGT e 67.º do CPPT), recurso este que, em geral e precisamente em razão do seu carácter facultativo, não protela o prazo de impugnação do acto recorrido.
No caso dos autos - e talvez porque na notificação da decisão de indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia não foi o requerente notificado dos meios de defesa ao seu dispor (cfr. fls. 134/A a 137/A do PA apenso) –, do indeferimento de tal pedido, notificado ao mandatário do recorrente em 4 de Maio de 2012, foi interposto recurso hierárquico para Director de Finanças de Vila Real em 16 de Maio de 2012 (cfr. data aposta na respectiva petição, a fls. 140-A do PA), recurso este no qual foi proferida decisão de arquivamento do procedimento em razão da inadequação do procedimento de recurso hierárquico para o controlo dos actos praticados no processo de execução fiscal (cfr. fls. 197-A do PA), sendo dessa decisão proferida no recurso hierárquico que o ora recorrente deduziu a reclamação judicial objecto nos presentes autos de indeferimento liminar.
Ora, que tal decisão, porque lesiva, é recorrível não nos oferece dúvidas, pois que tal o impõe a Constituição da República em relação a todos os actos lesivos (artigo 268.º n.º 4 da CRP) e a decisão de arquivamento do recurso hierárquico é obviamente lesiva do direito do contribuinte de ver reapreciada a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia porquanto, atento especialmente a que a Administração tributária incumpriu o seu dever de notificar o contribuinte dos meios de defesa ao seu dispor aquando da notificação do acto de indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantias, impunha-se que convolasse o recurso hierárquico deduzido em reclamação judicial, pois que tal dever de convolação do meio impropriamente utilizado no meio julgado adequado não existe apenas no processo judicial (cfr. o artigo 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT), mas também no procedimento administrativo (artigo 52.º da LGT), não havendo, in casu, obstáculo a essa convolação por intempestividade atenta a natureza judicial do prazo de reclamação previsto no n.º 1 do artigo 277.º do CPPT e consequente aplicabilidade a este do disposto no então artigo 145.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Civil – CPC (admitindo essa aplicabilidade cfr. o Acórdão deste STA de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 488/10).
Questão é a de saber se o despacho de arquivamento poderia ter sido sindicado, como foi, através da reclamação judicial deduzida ou se devia, ao invés, ter sido sindicada através de outro meio processual (maxime a acção administrativa especial, atento a que em causa não está a legalidade de qualquer acto de liquidação – cfr. o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT).
Considerou o juiz “a quo” que o não poderia ser através da reclamação deduzida porquanto não está legalmente prevista a possibilidade de recorrer hierarquicamente dos mesmos, pelo que é manifestamente improcedente a reclamação em causa tendo por objecto a decisão do recurso hierárquico interposto de um indeferimento de requerimento apresentado pelo reclamante.
Não nos parece que pudesse decidir assim, porquanto dos meios processuais previstos na lei tributária é a reclamação judicial, e não qualquer outro, designadamente a acção administrativa especial, a que melhor se adequa à pretensão do recorrente e esta foi tempestivamente deduzida (atento a que o recorrente foi notificado da decisão de arquivamento em 8/06/2012 – cfr. fls. 199-A do PA – e deduziu a reclamação em 20/06/2012 – cfr. a data aposta na sua petição de reclamação, a fls. 4 dos autos – sendo o prazo de reclamação de dez dias e tendo natureza judicial, pelo que lhe é aplicável o então artigo 145.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Civil). É que a referida reclamação é o meio adequado a reagir contra decisões lesivas do órgão de execução ou outras autoridades da administração tributária proferidas no processo de execução fiscal e o despacho de arquivamento do Director de Finanças foi proferida nesse âmbito. Daí que, não sendo o indeferimento de um recurso hierárquico indevidamente deduzido o tipo de acto que, em regra, é objecto de reclamação judicial, a verdade é que não há obstáculo legal a que tal se verifique, justificando-se que assim seja in casu.
Pelo exposto se conclui que a decisão recorrida, de indeferimento liminar da reclamação, não pode manter-se, sendo de prover o recurso e determinar a baixa os autos ao tribunal “a quo” para que prossigam, se a tal nada mais obstar.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, baixando os autos ao tribunal “a quo” para que prossigam, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado – Ascensão Lopes.