Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0200/18
Data do Acordão:03/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
EFEITOS PUTATIVOS
Sumário:Deve admitir-se a revista de acórdão que negou a relevância invalidante aos efeitos putativos emergentes de uma situação de facto constituída ao abrigo de actos nulos.
Nº Convencional:JSTA000P23080
Nº do Documento:SA1201803150200
Data de Entrada:02/26/2018
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E MUNICÍPIO DE FELGUEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………… e OUTROS recorreram, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 3 de Novembro de 2017, que revogou a sentença proferida pelo TAF de Braga, que por seu turno julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o MUNICÍPIO DE FELGUEIRAS e os contra-interessados (ora recorrentes) pedindo a declaração de nulidade do despacho que deferiu a informação prévia, licenciou o loteamento requerido no processo 1112/04 e autorizou a emissão do alvará de loteamento n.º 1/05, “por verificada a excepção peremptória da atribuição de efeitos putativos à nulidade declarada”.

1.2. Fundamentam a admissibilidade da revista por entender que as questões subjacentes (atribuição de efeitos putativos a actos administrativos proferidos há mais de 19 anos) revelam especial importância e capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, alegam ainda os recorrentes, o tratamento da questão tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência, quer ao nível da doutrina, pelo que se justifica a intervenção do STA com vista a garantir a uniformização da aplicação do direito.

1.2. O MP, em representação do Estado Português, disse o seguinte: “Atenta a argumentação aduzida, nada temos a opor quanto à admissibilidade do recurso”.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância depois de verificar que os actos impugnados e (pedido de informação prévia, e licenciamento da operação de loteamento) eram nulos, por permitirem a constituição de lotes com área inferior a 500 m2, apreciou a questão que tinha sido apreciada na 1ª instância sob a epígrafe “Da excepção peremptória: dos efeitos putativos dos actos nulos/juridicização da situação de facto”.

Apreciou a questão à luz do disposto no art. 134º, 3 do CPA (na redacção anterior ao Dec. Lei 4/2015), segundo o qual a nulidade do acto administrativo “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos putativos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito ”.

Entendeu, depois, que o tempo decorrido (cerca de 20 anos desde a construção das moradias e divisão do terreno em lotes) era suficiente para se considerar verificado o requisito relativo ao “decurso do tempo” suficientemente longo para se pôr em causa a “possibilidade de atribuição de efeitos putativos”.

De seguida apreciou a questão de saber se a transformação da situação de facto decorrente dos actos impugnados nulos era compatível com os princípios gerais de direito e concluiu pela afirmativa.

O TCA Norte depois de entender discutível a qualificação jurídica da questão: excepção peremptória impeditiva da declaração de nulidade (como se sustentou no acórdão do TCA N de 20-11-2014, proc. 00926/09.6BEAVR); ou sem reflexos nessa declaração, (acórdãos do STA de 28-6-2011, proc. 0512/11 e de 11-10-2005, proc. 0262/2005 segundo a qual a existência ou não de uma situação a que devem ser reconhecidos efeitos putativos não releva para efeitos de declaração de nulidade), respondeu negativamente à questão de saber se os actos impugnados mereciam manter-se na ordem jurídica.

No essencial o TCA Norte conclui que não existia no caso “uma confiança legítima aos beneficiários desses licenciamentos que pudesse perspectivá-los em termos de proporcionarem uma divisão jurídica do prédio à revelia do crivo administrativo pelo respectivo procedimento de loteamento.

As questões suscitadas com a produção de efeitos de actos nulos são muito frequentes. Como decorre do teor do acórdão recorrido a divergência jurisprudencial verifica-se, desde logo, na questão de saber se os “efeitos putativos” decorrentes da nulidade poderão evitar a própria declaração de nulidade.

Julgamos que as questões suscitadas justificam a admissão da revista.

Desde logo o MP, em representação do Estado, nada tem a opor, o que evidencia de algum modo o reconhecimento da importância da intervenção do STA.

É ainda verdade que a litigiosidade emergente da delimitação dos efeitos putativos de situações de facto constituídas ao abrigo de actos nulos é bastante frequente.

Existe, como emerge do acórdão recorrido, alguma jurisprudência que tem admitido que a relevância da situação se projecte sobre a própria declaração de invalidade (excepção peremptória).

As consequências sociais são bastante relevantes, pois está em causa a validade de licenciamento de quatro moradias, a sua eventual demolição e possível indemnização a pagar pelo Município, na sequência da nulidade dos actos por si praticados.

É ainda relevante a intervenção do STA com vista a uma contribuição para a infirmidade de tratamento destas questões jurídicas.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 15 de Março de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.