Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01440/03.9BALSB-A
Data do Acordão:03/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO
DEFERIMENTO CONDICIONADO
Sumário:I – Ao Fundo de Regularização da Dívida incumbe o pagamento das despesas “decorrentes do apuramento de dívidas à administração fiscal por parte de empresas que tenham sido objecto de reprivatização, referentes a períodos anteriores à data da operação de transferência da titularidade do capital social, quando estas não tenham sido consideradas no respectivo processo de avaliação” (art. 3º, nº 1, alínea d) do DL nº 453/88, de 13/12).
II – Nos casos em que estão pendentes processos que têm por objecto a impugnação das quantias liquidadas pela Administração Fiscal, não há um dever de pagamento imediato das quantias, mas apenas de deferir o pedido condicionalmente em função do resultado dos processos de impugnação das dívidas fiscais liquidadas, quando estes tiverem terminado.
III – O actual Secretário de Estado Adjunto e das Finanças detém competência para apreciar e decidir o pedido de reembolso aqui em causa, sendo que o montante eventualmente em causa depende do que foi decidido no processo de impugnação tributária já julgado com trânsito, e, mesmo que esta entidade não fosse actualmente a competente para proceder à execução sempre se teria de lançar mão do mecanismo estabelecido no nº 3 do art. 174º do CPTA.
IV – O Despacho nº 3493/2017, publicado no DR, 2ª série, de 26.04.2017, emitido pelo Ministro das Finanças delega competências no referido SEAFin, relativamente a todos os actos referentes ao Fundo de Regularização da Dívida Pública, nos termos do DL nº 453/88, de 13/12 (cfr. nº 5, alínea n) do referido Despacho), não existindo, portanto, qualquer causa legítima de inexecução que impeça o cumprimento do Acórdão Exequendo deste STA, de 29.06.2017.
Nº Convencional:JSTA000P24357
Nº do Documento:SA12019032101440/03
Data de Entrada:11/21/2018
Recorrente:A............, SGPS, SA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A…………, SGPS,SA vem, nos termos do disposto no art. 173º e seguintes do CPTA, formular petição de execução do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Junho de 2017, contra o Ministério das Finanças.
Alega, em síntese que, impendendo sobre o órgão do Executado, o Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, na qualidade de autor do acto, por força do disposto no nº 1 do art. 174º do CPTA, o qual se mantém o órgão competente do Executado para a prática de todos os actos relativos ao Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP), aquele não cumpriu o dever de execução da decisão judicial anulatória, desde o trânsito em julgado do Acórdão Exequendo, em 30.07.2017.
Este acórdão anulou o Despacho que indeferiu o pagamento da quantia adicionalmente liquidada pela Administração Tributária (AT) à Exequente, relativo ao IRC do exercício de 1996, acrescido de todos os encargos relacionados com a mesma, como juros, custos de garantia bancária e outros que possam vir a ser liquidados pela AT.
Para tanto, considerou o Acórdão Exequendo que o acto anulado padecia de vício de forma, por preterição de audiência dos interessados e do vício de violação de lei, consubstanciado na violação da alínea d) do nº 2 do art. 3º do Regime Jurídico do FRDP, na medida em que a dívida fiscal em causa se encontra efectivamente abrangida pela referida norma.
Defende que o sentido do Acórdão Exequendo reclama a aplicação, ao caso em apreço, do disposto no art. 103º, nº 2, al. b) do antigo CPA (art. 124º, nº 1, al. f) do actual CPA), de acordo com o qual é possível dispensar a audiência prévia.
Ora, os efeitos da (nova) decisão a proferir em execução do acórdão exequendo esgotam-se na emissão de (nova) decisão final de deferimento da pretensão da ora exequente, ou seja, o deferimento do pedido de pagamento do montante devido a título de liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 1996, ficando o pagamento condicionado ao resultado da impugnação judicial da liquidação adicional do IRC de 1996. Não impedindo a circunstância de a impugnação judicial ainda a correr termos o deferimento da pretensão formulada de se reconhecer desde logo o direito da exequente a, uma vez confirmada a existência desta dívida fiscal, esta poder ser paga pelo FRDP, ao abrigo do art. 3º, nº 1, al. d) do DL nº 453/88, 13/12.
Solução que foi já assumida no passado, quer pelo STA, quer pelo Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, quer ainda, pela Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações.
Conclui que a execução do Acórdão Exequendo se consubstancia na emissão de (nova) decisão final de deferimento do pedido de pagamento, à exequente do montante devido a título de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 1996, ficando o mesmo condicionado ao resultado da impugnação judicial da liquidação adicional de IRC de 1996; Ou, caso assim se não entenda, deve o Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, em execução do Acórdão Exequendo e no âmbito do procedimento administrativo em causa, i) elaborar (novo) projecto de decisão, ii) notificar a ora Exequente para sobre o mesmo se pronunciar em sede de audiência prévia e, por fim, iii) proferir (nova) decisão de deferimento da pretensão formulada pela ora Exequente nos termos expostos (art. 57º da presente petição) – cfr. os pedidos formulados a fls. 18 da petição als. a) e b) da petição de execução.
Formulou igualmente o pedido de que seja “fixado o prazo de 30 dias para o cumprimento do dever de executar o Acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 176.º do CPTA, mais se impondo uma sanção pecuniária compulsória ao Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, …, em caso de atraso no cumprimento do prazo fixado para a execução do Acórdão, nos termos do artigo 169.º e do n.º 4 do artigo 176.º. ambos do CPTA” (al. c), fls. 18/19).

O Ministério das Finanças deduziu Oposição, invocando que a execução deveria ser julgada totalmente improcedente, por não provada, considerando-se procedente a causa legítima de inexecução indicada nos arts. 14 a 19 da oposição.

A Exequente apresentou Réplica, defendendo dever a invocada causa legítima de inexecução ser julgada improcedente, e, procedente por provada a petição de execução do acórdão do STA de 29.06.2017.

A EMMP emitiu parecer no sentido de ser de deferir o pedido de execução formulado, não existindo qualquer causa legítima de inexecução.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Os Factos
Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão, com base nos documentos juntos aos autos:
1 – Em 21.05.2003, a Exequente recebeu o ofício nº 6364, de 09.05.2003, do Instituto de Gestão do Crédito Público, através do qual foi informada de que o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (SETF) tinha indeferido a pretensão por si formulada de pagamento da quantia liquidada pela Administração Tributária à Exequente, a título de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 1996, no valor total de €347.343,54, ao abrigo da previsão do artigo 3º, nº 2, alínea d) do DL nº 453/88, de 13/12, acrescido de todos os encargos suportados com a prestação de garantia bancária e outros montantes que pudessem vir a ser liquidados – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.
2 – Este Despacho nº 149/2003-SETF, foi proferido em 08.05.2003, exprimindo a concordância do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças com a posição tomada no parecer nº 431 da Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, de 10.04.2003, segundo o qual:
[A]s pretensões da A………… nos requerimentos apresentados ao Fundo de Regularização da Dívida Pública não deverão ser atendidas, uma vez que o valor do imposto liquidado adicionalmente corresponde a uma contingência fiscal que esteve, designadamente pelo seu diminuto valor relativo, implicitamente considerada no processo de avaliação da A…………” – cfr. docs 3 e 4 juntos com a petição inicial.
3 – Em 10.09.2003, a ora Exequente interpôs recurso contencioso de anulação junto deste Supremo Tribunal Administrativo do despacho supra mencionado - cfr. doc. 5 junto com a petição inicial.
4 – Ao mesmo tempo, no plano da jurisdição fiscal, a Exequente intentou a impugnação judicial da liquidação adicional ora em causa, tendo o Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), proferido sentença, nos termos da qual o valor da liquidação adicional a título de IRC, referente ao exercício de 1996, foi reduzido para o valor de € 309.260,90 – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.
5 – Desta decisão interpuseram, quer a Exequente, quer o SETF recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, entretanto já definitivamente julgada pelo Acórdão do TCAS, o qual transitou em julgado em 27.03.2017, tendo resultado a anulação parcial da dívida em cobrança, a concretizar mediante a emissão de novo acto tributário de liquidação, nos termos definidos no referido aresto - acordo.
6 – Em 29.06.2017, no âmbito do recurso contencioso indicado em 3 supra, foi proferido acórdão por este STA que concedeu provimento ao recurso contencioso de anulação e, em consequência, anulou o despacho do SETF, decisão cuja execução ora vem requerida – cfr. doc. 7 – “Acórdão Exequendo”.
7 – Este acórdão transitou em julgado em 30.07.2017.
8 – Em 30.10.2018, a Exequente, não tendo sido notificada de qualquer acto praticado pelo Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, no sentido de proceder à execução do Acórdão Exequendo, enviou-lhe requerimento solicitando informações sobre o procedimento administrativo adoptado com vista a dar plena execução ao referido acórdão – cfr. doc. 8 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9 – Até à data da interposição da presente execução, a exequente não foi notificada de qualquer acto praticado pelo Secretário de Estado Adjunto e das Finanças relativo ao deferimento, ainda que condicionado, do pedido de pagamento formulado em 29.01.2003.

3. O Direito
Na petição da presente execução, a Exequente pede, ao abrigo do art. 176º do CPTA, que a Entidade Executada seja condenada a executar o Acórdão Exequendo anulatório, consistindo na intimação do Secretário de Estado Adjunto e das Finanças (SEAFin, sigla utilizada pelo Executado) dentro do prazo de 30 dias e, sob a cominação de sanção pecuniária compulsória em caso de atraso no cumprimento, na prática dos seguintes actos:
i. Proferir decisão final de deferimento do pedido de pagamento à Exequente da quantia adicionalmente liquidada a título de IRC, referente ao exercício de 1996, acrescida de todos os encargos suportados com essa liquidação adicional, designadamente juros, os custos suportados com a prestação de garantia bancária e outros montantes que pudessem vir a ser liquidados pela Administração Fiscal, condicionando o referido ao resultado da impugnação judicial tributária da referida liquidação então em curso, sem a necessidade de assegurar o exercício da audiência de interessados (art. 103º, nº 2, al. b) do CPA 91); ou para, caso assim não se entendesse,
ii. Retomar o procedimento administrativo em causa para: a) emitir (novo) projecto de decisão final e, b) notificar a Exequente para o exercício do direito de audiência prévia, seguindo-se os ulteriores termos do procedimento com, c) emissão do acto administrativo de deferimento da pretensão da Exequente.

Na sua oposição o Executado invoca, por um lado, que o acórdão Exequendo se limitaria a reconhecer o direito da Exequente ao pagamento da dívida fiscal em causa quando a sua existência e o seu pagamento definitivo se encontrassem verificados, pelo que daquele apenas resultaria a obrigação do Executado retomar o procedimento administrativo no ponto em que se verificou o vício procedimental – omissão de audiência de interessados – e notificar o Exequente para se pronunciar sobre se deve ou não ser paga a quantia que peticionou a título de liquidação adicional referente a 1996, quando fosse decidida definitivamente a impugnação judicial.
Por outro lado, alega que a revogação da alínea d) do nº 2 do art. 3º do DL nº 453/88, de 13/12, operada pela Lei nº 75-A/2014, de 30/9, consubstanciaria uma ausência de habilitação legal para o SEAFin retomar o procedimento e elaborar novo projecto de decisão quanto ao deferimento da liquidação adicional de IRC de 1996, pelo que se verificaria causa legítima de inexecução.

As regras fundamentais do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de actos administrativos estão contidas no art. 173º deste diploma, nos seguintes termos:
1 – Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação”.
É entendimento deste STA que em processos de impugnação de actos administrativos o caso julgado abrange a qualificação como vícios, positiva ou negativa, pelo que o limite do dever de executar se determina em função dos fundamentos que conduziram à anulação.
No caso dos autos, o acto que foi anulado pelo acórdão exequendo – o Despacho nº 149/2003-SETF - indeferiu o pagamento de quantia de IRC, relativa ao ano de 1996, no valor de € 347.343,64 (equivalente a 69.636.128$00), liquidada adicionalmente pela administração tributária à exequente.
O acórdão exequendo anulou tal despacho de indeferimento, por violação do art. 100º do CPA 91 e por violação da alínea d) do nº 2 do art. 3º do DL nº 453/88, de 13/12.
O Executado alegou na sua oposição que do julgado anulatório resultaria a obrigação de retomar o procedimento administrativo com vista ao cumprimento do DL nº 453/88, na parte em que o acórdão considerou omitida a audiência do interessado, ao abrigo do art. 100º do CPA, e não, de imediato a prolação de novo despacho.
Quanto a esta audição, não há dúvida de que a mesma era obrigatória quando foi proferido o acto anulado, por este indeferir a pretensão então formulada.
No entanto, agora, e tal como defende a Exequente, o acto a proferir tem de ser de deferimento, face ao decidido pelo acórdão exequendo quanto à procedência do vício de violação de lei, pelo que não se justifica a audição do interessado (que seria um acto inútil), atento o que dispõe o art. 103º, nº 2, al. b) do CPA, devendo ser proferida a decisão final de deferimento do pedido de pagamento à Exequente da quantia adicionalmente liquidada a título de IRC, referente ao exercício de 1996 (nos termos que abaixo se discriminarão).
E, contrariamente, ao que pretende o Executado a pendência da impugnação judicial tributária não obsta ao deferimento do pedido formulado pela Exequente ao abrigo do art. 3º, nº 2, al. d) do DL nº 453/88, nem tal foi afirmado no acórdão exequendo o qual, obviamente, apenas apreciou o vício de violação de lei invocado (tendente à anulação do acto administrativo), não estando em causa a posterior execução do julgado.
Tal foi já o entendimento perfilhado num outro processo intentado pela Exequente contra o Executado, relacionado com as liquidações adicionais de IRC de 1997 e de 1998.
Assim, no âmbito do processo nº 993-A/02, no acórdão de 24.05.2011, referindo-se as razões porque o acórdão exequendo (o proferido em 21.05.2008, no proc. 993/02) entendeu, em suma, ocorrer a violação do preceito também em causa nestes autos, escreveu-se o seguinte, em termos que merece a nossa integral concordância:
«- o facto de a dívida fiscal liquidada poder ser impugnada judicialmente não ser motivo de indeferimento por não ser aceitável que o ónus da incerteza do exercício do direito à impugnação contenciosa da dívida fiscal e da inevitável demora da decisão recaia sobre o particular
- nada obstar a que o pedido seja deferido condicionado ao resultado do processo de impugnação, impedindo «tão somente que se efective a restituição das quantias, que só deve ocorrer quando tiverem terminado os referidos processos».;
- não ter cabimento o argumento de que o pagamento iria beneficiar os titulares do capital já reprivatizado.
Por outro lado, da referência a «restituição das quantias» infere-se que só haverá que efectivar o pagamento depois de as quantias serem pagas pela empresa reprivatizada, pois que só nessas condições o pagamento consubstanciará uma restituição.
A esta luz, impõe-se a conclusão de que a pendência do processo de impugnação judicial relativo à impugnação da dívida de IRC do ano de 1997 não é obstáculo à prolação de um despacho de deferimento da pretensão apreciada no referido despacho n.º 735/2002, mas que esse deferimento deverá ser condicionado ao resultado da impugnação judicial da respectiva liquidação e à efectivação do pagamento da quantia pela Exequente.
Assim, não há qualquer causa legítima de inexecução, devendo a reconstituição da situação que deveria existir se não tivesse sido proferido o Despacho nº 735/2002 consubstanciar-se na prolação de um despacho deferindo o pedido de pagamento da quantia de € 28.966.544,36 (…), sendo o deferimento condicionado em função do resultado do processo de impugnação judicial e quantia relativa a tal liquidação que na respectiva decisão judicial se considerar devida, para além de outros encargos que vierem a ser liquidados pela Administração Fiscal relativos a tal liquidação, ficando dependente ainda da comprovação da efectivação do pagamento pela Exequente.
Relativamente ao pedido de pagamento de juros legais desde a data do indeferimento, carece de qualquer fundamento, uma vez que os juros de mora têm por fim «reparar os danos causados ao credor» derivados da não efectivação da prestação no tempo devido (art. 804.º, n.º 1 e 2 do Código Civil) e no caso em apreço, pelo que se referiu, não ocorreu ainda o momento em que o Executado deve efectuar o pagamento.».

Alegou, ainda, o Executado que existem circunstâncias supervenientes que legitimam o incumprimento da obrigação material de execução material e jurídica do julgado, qual seja a de a revogação da alínea d) do nº 2 do art. 3º do DL nº 453/88, de 13/12, operada pela Lei nº 75-A/2014, de 30/9, consubstanciar “uma ausência de habilitação legal para o SEAFin retomar o procedimento e elaborar novo projecto de decisão quanto ao deferimento da liquidação adicional de IRC de 1996”.
Prescreve o art. 174º do CPTA, no seu nº 1 que, “o cumprimento do dever de executar a que se refere o artigo anterior é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o ato anulado”. E que se tal órgão for extinto o dever de executar recai sobre o órgão que lhe sucedeu ou sobre aquele ao qual tenha sido atribuída aquela competência (nº 3).
O Executado não refere qualquer impedimento à execução decorrente da revogação do DL nº 453/88, pela Lei nº 75-A/2014, designadamente a extinção do direito ao reembolso pelo FRDP da quantia liquidada pela AT à aqui exequente, a título de liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1996.
Aliás, nem poderia já que tem o dever de actuar por referência ao passado, ao não ter agido de modo e no momento devido, privando, com tal conduta, o interessado à tempestiva e legal emissão do acto administrativo legalmente devido.
É o que se expendeu no Acórdão deste STA de 23.10.2012, Proc. 0262/12: “No cumprimento dos deveres que decorrem da anulação, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de actuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado (artº 173º, nº 1) e de praticar, quando for caso disso, actos administrativos retroactivos, desde que estes actos não envolvam a imposição de deveres, a aplicações de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
(…)
Ora, no caso concreto está em causa, a nosso ver, precisamente uma situação cuja legalidade tem de ser aferida à data da prática do acto que foi anulado, sob pena de ineficácia e de prática de um acto completamente desenraizado da realidade.
É que as circunstâncias da prática do acto, a sua razão de ser, tem por base uma factualidade existente em determinado momento e que hoje pode não ter qualquer suporte.
Podemos dizer, assim, sem margem para dúvidas, que o momento em que a situação (objecto do acto anulado e do acto substitutivo) deveria ter sido juridicamente disciplinado, é a do acto anulado”.
Portanto, o quadro jurídico aplicável ao presente caso é o estabelecido no DL nº 453/88, que vigorava no momento em que foi praticado o acto administrativo anulado, o despacho nº 149/2003-SETF, de 08.05.2003.
Questiona o Executado a competência do actual Secretário de Estado Adjunto e das Finanças para apreciar e decidir o pedido de reembolso aqui em causa, sendo que o montante eventualmente em causa depende do que foi decidido no processo de impugnação tributária já julgado com trânsito.
No entanto, mesmo que esta entidade não fosse actualmente a competente para proceder à execução sempre se teria de lançar mão do mecanismo estabelecido no citado nº 3 do art. 174º do CPTA.
Aliás, sendo, como são, as decisões dos tribunais administrativos obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecendo sobre as de quaisquer entidades administrativas (cfr. art. 158º, nº 1 do CPTA), seria mesmo absurdo considerar inexequível o acórdão exequendo, por nenhum órgão do Estado ter competência para o executar. Isto é, se não existisse aquele órgão, outro órgão teria de ser competente para essa execução.
No entanto, tal nem é o caso, já que continua a ser o SEAFin o órgão competente para proferir o despacho de deferimento do pedido da Exequente ao reembolso do adicional do imposto em referência, nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 453/88.
Com efeito, o Despacho nº 3493/2017, publicado no DR, 2ª série, de 26.04.2017, emitido pelo Ministro das Finanças delega competências no referido SEAFin, relativamente a todos os actos referentes ao Fundo de Regularização da Dívida Pública, nos termos do DL nº 453/88, de 13/12 (cfr. nº 5, alínea n) do referido Despacho).
Não existe, portanto, qualquer causa legítima de inexecução que impeça o cumprimento do Acórdão Exequendo deste STA, de 29.06.2017.
Termos em que, é de deferir parcialmente e de forma condicionada o pedido formulado pela Exequente, de acordo com o expendido no processo nº 993-A/02, no acórdão de 24.05.2011, indicado na alínea a) de fls. 18 da petição da presente Execução.

Pelo exposto, acordam em:
a) - julgar improcedente a invocação de causa legítima de inexecução feita na presente execução;
b) - deferir parcialmente o requerimento de execução;
c) – condenar o Executado, em execução do acórdão de 29.06.2017 deste STA proferido no processo apenso, a deferir condicionalmente o requerimento apresentado pela Exequente em 29.01.2003, devendo o deferimento ser condicionado à comprovação do pagamento que vier a ser efectuado pela exequente relativamente a IRC respeitante ao ano de 1996, incluindo todos os encargos relacionados com a respectiva liquidação que eventualmente venham a ser liquidados pela Administração Tributária e pagos pela Exequente;
d) – condenar o Executado a pagar à Exequente juros de mora, à taxa legal, desde a data em que efectuar pagamentos da quantia de IRC relativas ao ano de 1996 e a data em que ocorrer o respectivo reembolso;
e) – Custas pelo Executado e pela Exequente na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.

Lisboa, 21 de Março de 2019. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.

Segue acórdão de 19 de Junho de 2019:

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


A…………., SGPS, SA, exequente nos autos, em que é executado o Ministério das Finanças, notificada do acórdão de 21.03.2019 nestes proferido, vem interpor recurso por nulidade por omissão de pronúncia para o Pleno desta Secção.
Em alegações formulou as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida não se pronunciou sobre os pedidos formulados na alínea c) da Petição de Execução, a final, relativos à fixação do prazo de 30 dias para o cumprimento do dever de executar o Acórdão Exequendo, nos termos do artigo 176, n.º 4 do CPTA, e, bem assim, de sanção pecuniária compulsória em caso de atraso no cumprimento do referido prazo, nos termos do art. 169.º e 176.º, n.º 4, do CPTA.
2. Tal omissão de pronúncia constitui causa de nulidade da decisão recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.
3. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, pronunciando-se sobre os pedidos formulados na alínea c) da Petição de Execução, a final (i) condene o Executado a executar o Acórdão Exequendo no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 4 do artigo 176.º do CPTA, e (ii) fixe sanção pecuniária compulsória em caso de atraso no cumprimento do prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 169.º e 176.º, n.º 4 do CPTA.

O Executado não contra-alegou.

Cumpre apreciar a nulidade do acórdão suscitada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 617º, nºs 1 e 2 do CPC.

Alega a Recorrente que o acórdão recorrido – proferido em 21.03.2019 -, não se pronunciou sobre os pedidos formulados na Petição de Execução de que “seja fixado o prazo de 30 dias para o cumprimento do dever de executar o Acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 176.º do CPTA, mais se impondo uma sanção pecuniária compulsória ao Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, …, em caso de atraso no cumprimento do prazo fixado para a execução do Acórdão, nos termos do artigo 169.º e do n.º 4 do artigo 176.º, ambos do CPTA” (alínea c), fls. 18/19).
O acórdão recorrido decidiu o seguinte:
“a) – julgar improcedente a invocação de causa legítima de inexecução feita na presente execução;
b) – deferir parcialmente o requerimento de execução;
c) – condenar o Executado, em execução do acórdão de 29.06.2017 deste STA proferido no processo apenso, a deferir condicionalmente o requerimento apresentado pela Exequente em 29.01.2003, devendo o deferimento ser condicionado à comprovação do pagamento que vier a ser efectuado pela exequente relativamente a IRC respeitante ao ano de 1996, incluindo todos os encargos relacionados com a respectiva liquidação que eventualmente venham a ser liquidados pela Administração Tributária e pagos pela Exequente.
(…)”.

Conforme resulta do decidido sob a alínea c) supra transcrita, existe um condicionalismo do deferimento pelo Executado do requerimento em questão.
Por tal motivo entendeu-se que só verificada a comprovação indicada se seguiriam os restantes passos da execução.
No entanto, afigurando-se-nos, que nada obsta a que, desde já, se fixe prazo para o dever de executar (verificado tal condicionalismo) e, caso este não seja respeitado, se imponha uma sanção pecuniária compulsória ao Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, em caso de atraso no cumprimento do prazo fixado para a execução do acórdão, como defende a recorrente.
Assim, julga-se verificada a nulidade por omissão de pronúncia daqueles pedidos, suprindo-a, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 617º do CPC, nos seguintes termos:
- Comprovado o pagamento indicado na alínea c) da parte decisória do acórdão de 21.03.2019, fixa-se o prazo de 30 dias para o cumprimento do dever de executar o Acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 176.º do CPTA, impondo-se uma sanção pecuniária compulsória diária de €50, ao Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, em caso de atraso no cumprimento do prazo fixado para tal execução, nos termos do art. 169.º, nºs 1 e 2 e do n.º 4 do art. 176.º do CPTA.

Pelo exposto, acordam em:
a) – suprir a nulidade do acórdão de 21.03.2019, por omissão de pronúncia nos termos sobreditos;
b) – admitir o recurso para o Pleno, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (arts. 140º, 141º, nº 1, 142º, nº 1 e 143º, nº 1 do CPTA).
c) – sem custas.

Lisboa, 19 de Junho de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.