Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0926/14
Data do Acordão:10/09/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CUSTAS JUDICIAIS
ACÇÃO POPULAR
ISENÇÃO DE CUSTAS
REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:I - O demandante em processo judicial deduzido ao abrigo do direito de ação popular beneficia de regime de isenção de custas nos termos do art. 04.º, n.º 1, al. b) do RCP, isenção essa que deixa de ter lugar se o pedido vier a ser julgado como manifestamente improcedente (n.º 5 do referido preceito), juízo que apenas terá lugar a final e que exige uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando com um juízo de mera improcedência da pretensão.
II - Perante juízo de manifesta improcedência de pretensão cautelar deduzida ao abrigo de direito de ação popular firmado através de decisão de rejeição liminar daquela pretensão o requerente não beneficia de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, e 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P18043
Nº do Documento:SA1201410090926
Data de Entrada:07/21/2014
Recorrente:CIMAL - COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DO ALENTEJO LITORAL E OUTRO
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “CONSELHO DE MINISTROS” ePRIMEIRO-MINISTRO” [«CM»/«PM»], devidamente identificados nos autos e uma vez notificados do acórdão deste Supremo, datado de 10.09.2014, que indeferiu a reclamação deduzida pelos requerentes cautelares “COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DO ALENTEJO LITORAL” (“CIMAL”) e A…………”, igualmente identificados nos autos, da decisão do Relator que havia rejeitado liminarmente a providência cautelar sub judice vieram, ao abrigo do art. 616.º, n.º 1 do CPC/2013, apresentar o presente pedido de reforma daquele acórdão no segmento relativo à decisão quanto às custas, sustentando, em suma, deverem aqueles requerentes cautelares ser responsabilizados pelas mesmas e, assim, condenados ou, se tal não for entendido, que aquela isenção “não abrange as custas de parte” [cfr. fls. 383/386].

1.2. Devidamente notificados os requerentes cautelares, aqui ora reclamados, vieram os mesmos produzir resposta onde pugnam pela total improcedência da reclamação [cfr. fls. 392/394].

1.3. Sem vistos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
Constitui objeto de apreciação nesta sede o segmento decisório do acórdão em referência que isentou de custas os requerentes cautelares por, alegadamente, contrariar o que se preceitua nos arts. 527.º do CPC e 04.º, n.ºs 1, al. b), 5, 6 e 7 do RCP.

I. O n.º 1 do art. 616.º do CPC/2013, aplicável ex vi arts. 01.º e 140.º do CPTA, permite às partes requererem ao tribunal que proferiu a decisão a sua “reforma quanto a custas e multa”, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo preceito [relativo às situações em que caiba recurso da decisão que haja condenado em custas ou multa].

II. Se a decisão proferida pelo julgador quanto a custas e multa, ou só quanto a custas ou quanto a multa, for ilegal no entendimento da parte, isto é, se esta considera que a decisão interpretou ou aplicou erradamente a lei pode a mesma pedir que seja reformada.

III. Decorre do art. 04.º do RCP [na redação anterior à alteração operada pela Lei n.º 72/2014, de 02.09 - cfr. seus arts. 10.º e 11.º] que “[e]stão isentos de custas: … b) Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da ação popular”, prevendo-se no n.º 4 do mesmo preceito que “[n]o caso previsto na alínea u) do n.º 1, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, em todas as ações no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença”.

IV. Mais se disciplina no mesmo normativo que “[n]os casos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido” [n.º 5] e que “[s]em prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s) e t) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida” [n.º 6], sendo que “[c]om exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará” [n.º 7].

V. No caso os ora reclamantes pretendem a reforma quanto ao julgamento de isenção de custas dos requerentes cautelares porquanto consideram, num primeiro fundamento, que não estão reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o preenchimento daquela isenção visto haver sido emitida decisão na qual se concluiu pela manifesta improcedência do pedido [n.º 5 do art. 04.º do RCP].

VI. Analisados os termos dos autos e do acórdão em crise constata-se que, efetivamente, por um lado, a pretensão cautelar deduzida foi-o ao abrigo do direito de ação popular e que, por outro lado, naquela decisão foi confirmado o despacho do Relator, inserto a fls. 275/280, que havia rejeitado liminarmente tal pretensão dada a incompetência da jurisdição administrativa para conhecer do objeto dos autos [al. a), do n.º 2, do art. 04.º do ETAF] mercê da exclusão do âmbito desta jurisdição a apreciação de litígios que visem a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa, juízo de rejeição esse proferido no quadro do disposto no art. 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA em virtude de ser manifesta a ilegalidade da pretensão cautelar formulada.

VII. Se é certo estarmos em face de processo judicial deduzido ao abrigo do direito de ação popular e que o mesmo beneficiaria de regime de isenção de custas nos termos do art. 04.º, n.º 1, al. b) do RCP, temos, todavia, que aquela isenção deixa de ter lugar se o pedido vier a ser julgado como manifestamente improcedente.

VIII. A concessão de isenção de custas está, pois, dependente da parte isenta não deduzir pretensão manifestamente improcedente, juízo que apenas terá lugar a final e que exige uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando, assim, com um juízo de mera improcedência da pretensão.

IX. Se assim é temos que, no caso vertente, tal como invocam os reclamantes, perante um juízo de manifesta improcedência da pretensão cautelar, como foi aquele que foi firmado nos autos, não poderão os requerentes cautelares beneficiar de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, e 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA, impondo-se, nessa medida, a reforma do decidido quanto a custas, responsabilizando aqueles requerentes pelo seu pagamento, ficando precludido/prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da reclamação.

X. Assiste, por conseguinte, razão aos reclamantes no pedido de reforma que formularam pelo que, em face do julgado material quanto à pretensão deduzida, a condenação final quanto a custas deverá passar a ter o seguinte teor:
Custas a cargo dos requerentes cautelares, aqui ora reclamantes, dada a manifesta improcedência da pretensão cautelar deduzida [cfr. arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA, 527.º e 529.º do CPC/2013]”.




3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em reformular a condenação feita em sede de custas passando a mesma a ter o seguinte teor: Custas a cargo dos requerentes cautelares, aqui reclamantes, dada a manifesta improcedência da pretensão cautelar deduzida [cfr. arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA, 527.º e 529.º do CPC/2013].
Custas do incidente a cargo dos requerentes cautelares, aqui ora reclamados, fixando-se a taxa de justiça em ½ UC [arts. 527.º do CPC/2013), 189.º do CPTA, 07.º do RCP e Tabela II ao mesmo anexa].
Notifique-se.
D.N..

Lisboa, 9 de outubro de 2014. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires UrbanoJorge Artur Madeira dos Santos.