Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0452/13.9BEBJA 0155/18
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:QUESTÃO NOVA
Sumário:Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, neles não cabendo, em princípio, a apreciação de questões ali não apreciadas, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA00070927
Nº do Documento:SA2201903200452/13
Data de Entrada:02/14/2018
Recorrente:AGDA-ÁGUAS PÚBLICAS DO ALENTEJO, S.A.
Recorrido 1:ASSOCIAÇÃO .........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF DE BEJA
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO CIVIL
Área Temática 2:RECURSO, QUESTÃO NOVA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. AGDA - Águas Públicas do Alentejo, SA, recorre da sentença que, proferida no TAF de Beja, julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra as liquidações de taxa de exploração e conservação operadas pela Associação …………. (A………..), relativamente aos meses de Maio a Outubro de 2013, no montante global de 136.492,50 Euros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. O nº 1 do art. 69°-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, determina que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural sob proposta do IHERA - ora DGADR.
B. Por via do Decreto-Lei 169/2005, de 26 de Setembro, é alterado o art. 1º do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, o qual determina, sem mais, a manutenção em vigor da legislação complementar (caduca) aplicável aos empreendimentos hidroagrícolas, pese embora o hiato de tempo decorrido e ainda a colisão de algumas normas com o “novo” regime legal instituído.
C. Não poderemos inferir do teor do Decreto-Lei 169/2005 que estamos perante uma “revogação” do regime consagrado pela redacção do Decreto-Lei 86/2002, de 06 de Abril e, consequentemente, de uma “repristinação'' do regime legal anterior.
D. A norma constante do nº 1 do art. 107º do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 169/2005, de 26/09, não pode ser interpretada como uma derrogação de todo o regime inovatório introduzido pelo Decreto-Lei 86/2002, mas antes como uma medida de recurso para evitar “males maiores” que adviriam da ausência de instrumentos jurídicos de gestão dos empreendimentos hidroagrícolas.
E. A intenção do legislador apenas pode ser interpretada no seguinte sentido: o prazo concedido pelo Decreto-Lei 86/2002 para a revisão da legislação complementar do regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas - 180 dias - havia há muito expirado, o que colocava em “crise” muitos empreendimentos, por via da caducidade dos respectivos instrumentos jurídicos de gestão.
F. Também a impugnante e ora recorrente é titular de um contrato de concessão para a captação de água na albufeira ………, para o abastecimento às populações, o qual tem o número 4/CSP/SD/2012.
G. Esse contrato, emitido de acordo com os preceitos constantes da Lei da Água (Lei 58/2005, de 29 de Dezembro) e legislação complementar (Decreto-Lei 226-A/2007 entre outros), obriga, de facto, a ora recorrente à comparticipação nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração da barragem ……… (cfr. cláusula 13ª do contrato junto com a PI).
H. Se os termos da TEC se mostrassem definidos nos termos constantes do nº 1 do art. 69º-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, não fazia qualquer sentido aquela cláusula, pois bastaria a remissão para a lei!
I. Mas tais termos não se encontram definidos pela entidade competente - O Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
J. logo, a liquidação da TEC efetuada pela ora recorrida é ilegal, pois embora a A…….. seja a entidade competente para a liquidação e cobrança das taxas devidas pela utilização da obra hidroagrícola ………., não lhe compete a fixação de tal taxa, quando em questão está o abastecimento público de água.
K. A TEC liquidada pela recorrida foi-o com base em termos estabelecidos pela sua Assembleia Geral e Regulamento (de 1970) e não nos termos do nº 1 do art. 69°-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04.
L. A ratio legis por detrás do regime instituído pelo art. 69°-A, acima referido, visa, precisamente, prevenir a ocorrência de abusos como os que se verificam no caso sub judice.
M. No caso concreto da ora recorrente, a única infraestrutura da obra hidroagrícola de que beneficia - e que por tal benefício será obrigada ao pagamento de uma TEC - é a barragem em si.
N. É a ora recorrente que capta directamente, no plano da albufeira, a água que posteriormente trata e fornece aos concelhos de Beja de Aljustrel.
O. Todos os meios necessários a essa captação são próprios da recorrente - torre de captação, bombas, quadros elétricos, tubagens, etc.
P. Por essa razão, o seu contrato de concessão a obriga a comparticipar nas despesas de conservação, manutenção e exploração, apenas da barragem ……… e não da totalidade do aproveitamento hidroagrícola.
Q. Por esta razão, quando está em causa o abastecimento público de água para consumo humano, a definição dos termos da TEC foi afastada das competências das entidades gestoras das obras hidroagrícolas e “avocada” pelo Ministério da Agricultura.
R. Está em causa uma actividade de reconhecido interesse público (o abastecimento público de água para consumo humano), a qual não pode ficar “refém” de decisões tomadas em assembleias gerais das entidades gestoras das obras hidroagrícolas, nas quais as entidades que gerem o abastecimento público de água para consumo humano não têm assento!
S. A TEC liquidada pela recorrida à recorrente, torna esta última uma das maiores, se não a maior “contribuinte” da obra ………….
T. Quando. na verdade. a recorrente apenas beneficia da barragem.
U. Precisamente porque todos estes factores têm que ser tidos em consideração, os termos da TEC, quando está em causa o abastecimento público de água, foram afastados das competências das entidades gestoras das obras hidroagrícolas.
V. A recorrente reconhece que algo tem a pagar à recorrida a título de comparticipação nas despesas de conservação, manutenção e exploração da barragem …………, mas não a TEC que a A……….liquidou.
W. De facto, a A………… tem competência para liquidar taxas que são devidas pela utilização da obra hidroagrícola, nos termos do seu contrato de concessão, assim como para fixar as mesmas.
X. Contudo, não tem competência para fixar os termos da TEC devida para a actividades não agrícolas, mormente o abastecimento público de água para consumo humano, nos termos do disposto no nº 1 do art. 69°-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04.
Y. Ao fazê-lo como fez usurpou competências que incumbem ao Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
Z. Logo, os actos de liquidação praticados estão feridos de nulidade e, consequentemente, não podem manter-se na ordem jurídica.
Termina pedindo que, em procedência do recurso, a sentença recorrida seja substituída por outra que confirme que os actos de liquidação praticados pela Associação …………. se encontram feridos de nulidade, não podendo, por isso, subsistir na ordem jurídica.

1.3. A Recorrida — Associação …………….. (A…………) — apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:
1 - A Recorrida liquidou e procedeu à cobrança das TECs à Recorrente por esta, ao abrigo de “Contrato de Concessão de Captação de Água Superficial Destinada ao Abastecimento Público na Albufeira ……………” utilizar em seu proveito infraestrutura do Aproveitamento Hidroagrícola …………, de que é concessionária aquela, nos termos previstos no “Contrato de Concessão para a Gestão do Aproveitamento Hidroagrícola ……….”, em que foi concedente o Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural, celebrado a 22 de Julho de 2009;
2 - Refere este, conforme a Portaria 1473/2007, Base XXIV, que a utilização de infraestrutura de domínio público objecto da concessão-barragem se encontra sujeita ao pagamento das taxas previstas no regime jurídico dos Aproveitamentos Hidroagrícolas (TEC) e da lei da Agua (TRH);
3 - Pelo que a pretensão da Recorrente, também contrariada por legislação vária que enforma a actividade das Associações de Beneficiários, como adiante se menciona e lapidarmente analisada na Douta Sentença recorrida, que apenas é devedora de pagamento de comparticipação nas despesas da infraestrutura não pode proceder;
4 - Aliás a sua própria concedente o afirma, sujeitando-a à aplicação das TEC, ao proceder à interpretação correcta do art. 13° do Contrato celebrado com a Recorrente.
5 - Atendendo-se à actual redacção do art. 107º do Dec. Lei 269/82, de 10 de Julho, ao manter em vigor a legislação aplicável às associações de beneficiários, até à sua revisão por decreto regulamentar, estabelece, inequivocamente, que o preceituado no “Regulamento da Obra de Rega dos Campos ……..”, aprovado por despacho do Senhor Presidente do Conselho de 21/10/1970, publicado no Diário do Governo, III Série - nº 18, de 22/01/1971, no “Regulamento das Associações de Beneficiários” publicado no Decreto Regulamentar 84/82, de 4/11, e no Dec. lei 269/82,de 10/07, é aplicável à presente demanda;
6 - Atendendo-se ao supra referido, a inovação do regime jurídico das obras do aproveitamento hidroagrícola, levada a cabo pelo Dec. Lei nº 86/2002, de 06/04, terá de ser consentânea aos diplomas supra, atendendo-se, quanto ao último, na sua redacção primitiva.
7 - Pelo que, como se refere na Douta Sentença, o direito de liquidação e cobrança de TEC em Aproveitamento Hidroagrícola, seja qual for a natureza da actividade beneficiada, é da competência da entidade gestora - associação de beneficiários - concessionária da obra.
8 - Não colhe assim, nos termos legais, que a Recorrida tenha, quando da liquidação do acto tributário, agido com usurpação de poder.
9 - De facto, não é da competência, por ora, do Senhor Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e Pescas fixar os termos da TEC a ser paga pelas actividades não agrícolas, beneficiárias de Aproveitamento Hidroagrícola, como consta no art. 69º-A nº 1 do cit. Dec. Lei;
10 - Como o próprio Senhor Ministro, entidade usurpada no entender da Recorrente, expressamente reconheceu ao fazer publicar a Portaria 1473/2007 onde, em anexo, na “Minuta de Base de Contrato de Concessão para a Conservação e Exploração dos Aproveitamentos Hidroagrícolas” se prevê como um dos objectos da concessão a prestação de serviços de armazenamento de água que assegure o abastecimento público, obrigando a entidade que beneficia com este serviço ao pagamento de TEC e o direito à concessionária de proceder à sua liquidação e cobrança.
11 - Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente, pelo que deve ser mantida, na íntegra, a Douta Sentença recorrida com o que se fará, Justiça.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes, além do mais:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra liquidações de taxa de conservação e exploração no montante global de € 136.492,50 (junho 2013 a novembro 2013).
FUNDAMENTAÇÃO
l. Após invocação na petição de impugnação judicial de diversos fundamentos para sustentar a ilegalidade dos actos de liquidação da taxa de conservação e exploração pela Associação…………. (A…………), a recorrente restringiu o fundamento do recurso a uma alegada falta de intervenção do Ministro das Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural no procedimento legislativo conducente à definição da taxa (art. 69°-A nº 1 DL n° 269/82, 10 de julho, na redação do DL n° 86/2002, 6 abril).
2. O recurso jurisdicional visa o reexame da decisão impugnada, no sentido da sua revogação, modificação ou confirmação, estando vedado ao tribunal de recurso o conhecimento de questão nova (não apreciada no tribunal de instância), salvo se for de conhecimento oficioso.
No caso concreto a recorrente suscitou nas conclusões das alegações questão nova, não apreciada na sentença e, consequentemente, exterior ao perímetro de cognição do STA na qualidade de tribunal de recurso.
3. Subsidiariamente,
O fundamento invocado é improcedente, pelos seguintes motivos:
1º Os termos da intervenção ministerial no procedimento legislativo de estabelecimento da taxa de conservação e exploração têm expressão normativa na Portaria n° 1473/2007, 15 novembro do Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, o qual aprovou a minuta base do contrato de concessão para a conservação e exploração das obras de aproveitamento hidroagrícola, cujo regime jurídico foi instituído pelo DL nº 269/82, 10 julho, com as alterações introduzidas pelo DL nº 86/2002, 6 abril (Portaria, art. 1º).
2º A Base XXIV da minuta base do contrato de concessão autoriza a concessionária a liquidar e cobrar as taxas previstas no regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas.
3º A utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas (no caso concreto abastecimento público de água aos municípios de Beja e Aljustrel) está sujeita a uma taxa de conservação e exploração, sendo-lhe aplicável o regime da taxa estabelecido para as actividades agrícolas (arts. 69° e 69°-A DL nº 269/82, 10 julho com as alterações introduzidas pelo DL n° 86/2002, 2 abril).
4° O valor do m3 de água fornecido à recorrente para abastecimento público (0,0687€/m3), parâmetro de quantificação da taxa de conservação c exploração (art. 67° nº 1, DL n° 86/2002, 6 abril), foi aprovado pela Assembleia Geral da A……… reunida em 25.03.2013, com manutenção do critério constante do Regulamento do Aproveitamento Hidroagrícola ……….. (Diário da República Série III - número 18, 22 janeiro 1971 (factos provados al. E) fls.243/10).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.».

1.5. Notificadas que foram a recorrente e a recorrida do teor do Parecer do MP e para se pronunciarem, querendo, sobre a ali suscitada questão prévia de o recurso versar questão nova não apreciada na sentença recorrida, nada disseram.

1.6. Corridos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
A) Em 22/07/2009, a A………. celebrou com o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, representado pela Direcção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural o «CONTRATO DE CONCESSÃO PARA A GESTÃO DO APROVEITAMENTO HIDROAGRÍCOLA ………..», nos termos do qual:








B) Em 13/01/2012, a Impugnante celebrou com a ARH o contrato de concessão relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial destinada ao abastecimento público na Albufeira …………. — contrato de concessão nº 4/CSP/SD/2012, através do qual lhe foi concedida «a captação de águas superficiais do domínio público, destinadas à produção de água para abastecimento público, na albufeira da Barragem ………., designada por Sistema de Abastecimento ………….» (cfr. documento 7 junto com a petição inicial — p.i.);
C) Nos termos da cláusula 13 do contrato de concessão referido na alínea anterior, a Impugnante está obrigada «a comparticipar nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração da barragem ………..» (cfr. documento n. 7 junto com a p.i.);
D) Em 01/02/2013, a Agência Portuguesa para o Ambiente (APA) remeteu à Impugnante a nota de liquidação nº 815/2013/ALT, referente à taxa de recursos hídricos de 2012 (cfr. documento nº 16 junto com a p.i.);
E) Em 25/03/2013, reuniu a sessão ordinária da Assembleia Geral da A…………, tendo sido aprovado o “Plano e Orçamento de Receitas e Despesas de 2013” do qual resulta o seguinte:











F) Em 07/06/2013, a A……….. emitiu a factura nº V013/1300006, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Maio de 2013, no valor de € 20.300,59 (cfr. documento nº 1 junto com a p.i.);
G) Em 02/07/2013, a A………. emitiu a factura nº V013/1300007, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Junho de 2013, no valor de € 21.625,22 (cfr. documento nº 2 junto com a p.i.);
H) Em 07/08/2013, a A………. emitiu a factura nº V013/1300008, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Julho de 2013, no valor de € 25.320,94 (cfr. documento nº 3 junto com a p.i.);
I) Em 02/09/2013, a A……. emitiu a factura nº V013/1300009, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Agosto de 2013, no valor de € 24.857,06 (cfr. documento nº 4 junto com a p.i.);
J) Em 03/10/2013, a A…….. emitiu a factura nº V013/1300011, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Setembro de 2013, no valor de € 22.300,28 (cfr. documento nº 5 junto com a p.i.);
K) Em 04/11/2013, a A………. emitiu a factura nº V013/1300011, referente à taxa de exploração e conservação relativa ao mês de Outubro de 2013, no valor de € 22.088,36 (cfr. documento nº 6 junto com a p.i.);
L) Em 13/12/2013, deu entrada neste Tribunal a petição inicial de impugnação judicial (cfr. fls. 1 dos autos);
M) Em 09/12/2014, a Agência Portuguesa do Ambiente remeteu à A…… o ofício nº 5062852-20141209, com o assunto «Parecer relativo à contestação do Título de Utilização dos Recursos Hídricos pela ARH do Alentejo a Águas Públicas do Alentejo, S.A. (captação na albufeira ……….»), do qual se extrai o seguinte:





3.1. A recorrente deduziu impugnação judicial contra as liquidações de taxa de exploração e conservação operadas pela Associação ………. (A……….), relativamente aos meses de Maio a Outubro de 2013.
Alegou, em síntese e no essencial:
— Tendo ela por objecto a exploração e gestão dos serviços de águas relativos ao sistema público integrado de águas do Alentejo (cabendo-lhe, nomeadamente, a gestão do sistema de abastecimento público de água dos municípios de Beja e Aljustrel) e sendo a A……… a responsável pela exploração e conservação da obra de aproveitamento hidroagrícola ………., é ela (recorrente) quem desde 01/07/2010, ao abrigo do respectivo Contrato de Concessão celebrado com a Administração da Região Hidrográfica do Alentejo, I.P. (ARH), procede à captação, com recurso a meios próprios e a torre de captação sob a sua exploração, de água proveniente das afluências próprias da albufeira e armazenada na obra de aproveitamento hidroagrícola ………..
— A A……… liquida e cobra à recorrente uma taxa de exploração e conservação (a qual se destina exclusivamente a cobrir os custos de conservação das infraestruturas e de gestão e exploração da obra), mas a recorrente desconhece quais os encargos que a mesma Associação suporta com a exploração e conservação da barragem, sendo que sempre exigiu um preço pela água captada, o que resulta claro das quantias cobradas e fórmula da sua obtenção.
— À A………. compete legalmente a gestão da infraestrutura da Barragem ………., mas não a gestão da água nela contida, não podendo dela dispor, salvo quanto ao volume de água que lhe for destinado pela ARH para rega agrícola.
Ora, a taxa dos recursos hídricos, que é paga à Administração da Região Hidrográfica do Alentejo, I.P. (ARH), é que visa compensar a utilização da água e não a taxa de exploração e conservação, não sendo, pois, legalmente admissível à A………. cobrar uma taxa pela água captada, razão pela qual, o acto de liquidação operado nas facturas em crise, consubstanciando um verdadeiro preço, constitui acto estranho às atribuições da A……….., tendo um objecto impossível, pelo que são nulos, nos termos previstos no art. 133º, nº 2, als. a) e b) do CPA.

3.2. Na consideração de que a impugnante invoca a ilegalidade (nulidade) dos actos impugnados, por não corresponderem a uma verdadeira taxa mas, antes, a um preço devido pela utilização privativa da água, não se enquadrando, assim, no objecto da A……, a sentença considerando (i) o disposto no nº 2 do art. 4º da LGT e o regime geral relativo às taxas, (ii) o regime jurídico das obras de aproveitamento hidroagrícola [no DL nº 269/82, de 10/07 (alterado pelo DL nº 86/2002, de 06/04 e pelo DL nº 169/2005, de 26/09), no Regulamento da Obra de Rega dos Campos …….. (aprovado por despacho do Presidente do Conselho de 21/10/1970, in DR, III Série, nº 18, de 22/01/1971) e no Regulamento das Associações de Beneficiários (aprovado pelo DRegulamentar nº 84/82, de 04/11)], e (iii) o regime das taxas de recursos hídricos [(nomeadamente as disposições contidas na denominada Lei da Água (aprovada pela Lei nº 58/2005, de 29/12), e no DL nº 97/2008, de 11/06, que estabeleceu o regime económico e financeiro dos recursos hídricos previsto pela Lei da Água], e apelando, igualmente, à jurisprudência do STA (nomeadamente ao ac. do Pleno, de 17/12/2008, proc. nº 267/08, e aos acs. desta Secção, de 30/04/2008, proc. nº 0206/08 e de 10/10/2001, proc. nº 038714, veio a concluir que a taxa de conservação e exploração é uma verdadeira taxa, cobrada pela pessoa colectiva pública para tal competente e que não se sobrepõe à taxa de recursos hídricos, julgando, consequentemente, improcedente a impugnação, com base na fundamentação seguinte:
— O próprio legislador qualifica a taxa de conservação e exploração como uma verdadeira taxa. E interpretando a petição inicial também se conclui que a impugnante não questiona a taxa tal como a mesma é criada pelo legislador, mas antes a sua liquidação e cobrança por banda da impugnada, que, nos moldes em que esta o faz, a transmutaria num verdadeiro preço pela água captada.
— As taxas não pressupõem uma equivalência económica, mas antes um equilíbrio entre as prestações realizadas pelas entidades públicas e as correspondentes contra-prestações exigidas aos destinatários. E só se se verificasse essa equivalência económica é que tal poderia considerar-se um indício revelador de que nos encontraríamos perante um preço e não uma verdadeira taxa. E, assim, não releva que a taxa de conservação e exploração não corresponda inteiramente às despesas concretamente incorridas pela A………., contrariamente ao que propugna a impugnante AGDA, uma vez que, como em qualquer taxa, se encontram subjacentes à prestação do ente público não só a compensação pelos custos, mas, igualmente, razões de ordem pública.
— A vantagem que a impugnante retira da prestação da impugnada - conservação das infraestruturas nas quais se encontra armazenada a água que é por si captada - é calculada em função da quantidade de metros cúbicos dessa mesma água, o que não equivale a dizer que a impugnante se encontra a pagar uma taxa pela utilização da água (aliás, o critério do volume de água utilizado encontra expresso acolhimento legal, constando, nomeadamente, do nº 1 do art. 67º do DL nº 269/82, de 10/07, sendo um critério que se configura como proporcional e adequado para apurar a medida da comparticipação da impugnante nas despesas de conservação e exploração das infraestruturas e equipamentos da obra de aproveitamento hidroagrícola. A impugnante confunde aqui duas realidades: a taxa de conservação e exploração e a taxa de recursos hídricos. A primeira é devida pela circunstância de a impugnante captar água proveniente da albufeira e armazenada na obra de aproveitamento hidroagrícola …….., beneficiando das infraestruturas geridas e exploradas pela A………, enquanto que a segunda se reporta, concretamente, à utilização privativa da água do domínio público para prossecução do objecto do contrato de concessão, em particular a captação e tratamento de água para abastecimento público. Daí que, procedendo a impugnante à captação da água em albufeira afecta a obra de fomento hidroagrícola recai sobre si o dever de liquidar as duas taxas.
— A A……... encontra-se legitimada a cobrar a taxa de conservação e exploração quer por força do disposto no Regulamento da Obra de Rega dos Campos…… e no DL nº 269/82, de 10/07, como, ainda, no contrato de concessão celebrado com o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
— A taxa em apreço não se confunde com um preço, pois que se caracteriza pela sua bilateralidade, dirigindo-se o serviço prestado pela A………. a beneficiar a AGDA, não sendo, porém, passível de ser definido o seu custo por regras de mercado e, por isso, sendo autoritariamente definido.
— Os actos de liquidação impugnados também não sofrem de vício de usurpação de poderes ou de incompetência absoluta, previstos nas als. a) e b) do nº 2 do art. 133º do CPA, sendo que os argumentos aduzidos pela impugnante também não se reconduzem ao vício de usurpação de poderes, ou seja, à prática de um acto que decida uma questão reservada ao poder político ou aos tribunais.
E também não se verifica o vício de incompetência absoluta, dado que foi legal e contratualmente atribuída à impugnada a competência para liquidar e cobrar a taxa de conservação e exploração, como contrapartida pela gestão, exploração e conservação das infraestruturas e equipamentos da obra de aproveitamento hidroagrícola ……….

4. Como flui das Conclusões do recurso, a recorrente aponta à sentença erro de julgamento, uma vez que, determinando o nº 1 do art. 69°-A do DL nº 269/82, de 10/07 (aditado pelo DL nº 86/2002, de 06/04) que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é «devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural sob proposta do IHERA» - ora DGADR, então ocorre nulidade das liquidações impugnadas, dada a falta de intervenção do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural no procedimento legislativo conducente à definição da taxa, nos termos da citada norma, a qual, em seu entender, foi mantida em vigor, face à nova redacção introduzida pelo DL nº 169/2005 no nº 1 do art. 107º do DL nº 269/82, [que já fora aditado pelo DL nº 86/2002 — para a recorrente, este nº 1 do art. 107º do DL nº 269/82 (na nova redacção do DL nº 169/2005), não pode ser interpretada como uma derrogação de todo o regime inovatório que fora introduzido pelo DL nº 86/2002 (e pela consequente repristinação do regime legal anterior), mas antes como uma medida de recurso para evitar “males maiores” que adviriam da ausência de instrumentos jurídicos de gestão dos empreendimentos hidroagrícolas].
Ora, não obstante ter invocado na PI da impugnação diversos fundamentos para sustentar a alegada ilegalidade das liquidações questionadas (liquidações operadas pela A………… relativas à taxa de conservação e exploração) e apesar de a sentença recorrida ter apreciado cada um desses fundamentos [incluindo os atinentes aos vícios que a recorrente subsumiu à previsão das als. a) e b) do nº 2 do art. 133º do CPA: usurpação de poderes e incompetência absoluta] e concluir pela improcedência da impugnação, o erro de julgamento que a recorrente aponta à sentença (cfr., nomeadamente, as Conclusões I e sgts.) é o de não ter considerado ilegais as liquidações, por falta de intervenção do Ministro das Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural no procedimento legislativo conducente à definição da taxa, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 69°-A do DL n° 269/82, de 10/07 (aditado pelo DL n° 86/2002, de 06/04). O que se traduz na alegação de uma questão nova [que anteriormente não fora invocada (pelo menos nesta vertente) e, consequentemente, também não apreciada na sentença recorrida].
É que, embora tenha referenciado, nos arts. 18º e 19º e 41º e 42º da PI, o disposto nesse nº 1 do art. 69º-A, a recorrente reporta a respectiva alegação à matéria atinente à discussão sobre a natureza jurídica das prestações liquidadas (taxa de exploração e conservação ou preço da água) e ao cálculo desse alegado preço (a taxa destinar-se-ia exclusivamente a cobrir os custos de conservação e de gestão e exploração, pelo que a fórmula utilizada nas liquidações constitui unicamente uma forma de estabelecer um preço da água captada pela recorrente na Barragem ………).
E de todo o modo, a recorrente também não alega que tenha ocorrido omissão de pronúncia quanto à questão ora suscitada.
Assim, dado que o fundamento do recurso se restringe àquela referida alegação, verifica-se, então, como sublinha o MP, cujo Parecer se acompanha, que a recorrente suscita nas conclusões das alegações questão nova, não apreciada na sentença e, consequentemente, exterior ao perímetro de cognição do STA na qualidade de tribunal de recurso.
Com efeito, como pacifica e reiteradamente tem sido afirmado pela jurisprudência, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova [cfr., entre outros, os acórdãos deste STA, de 27/6/2012, proc. nº 218/12; de 25/1/2012, proc. nº 12/12; de 23/2/2012, proc. nº 1153/11; de 11/5/2011, proc. nº 4/11; de 1/7/2009, proc. nº 590/09; de 4/12/2008, proc. nº 840/08; de 30/10/08, proc. nº 112/07; de 2/6/2004, proc. nº 47978 (Pleno); de 29/11/1995, proc. nº 19369 e do STJ, proc. nº 259/06.0TBMAC.E1.S1], neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso.
O que não é o caso da questão ora em apreço.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não tomar conhecimento do presente recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Março de 2019. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.