Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0777/19.0BELSB
Data do Acordão:07/09/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ACTO
EXECUÇÃO
SINDICÂNCIA
ACÇÃO PÚBLICA
MINISTÉRIO PÚBLICO
ORDEM DOS ENFERMEIROS
Sumário:I - A providência cautelar de suspensão da eficácia opera ex-tunc, pelo que não se limita a interromper a concreta produção de efeitos do ato.
II - Nos termos do artigo 129.º do CPTA, não são, contudo, passíveis de suspensão os atos cujos efeitos se tenham consumado de forma irreversível, comprometendo a utilidade da providência requerida.
III - A ação pública visa proteger a legalidade objetiva, pelo que o Ministério Público tem o dever funcional de a propor sempre que conheça os respetivos pressupostos, independentemente de queixa, participação ou qualquer outra modalidade de iniciativa provocada.
Nº Convencional:JSTA000P26207
Nº do Documento:SA1202007090777/19
Data de Entrada:06/15/2020
Recorrente:ORDEM DOS ENFERMEIROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. ORDEM DOS ENFERMEIROS - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 30 de janeiro de 2020, que, no âmbito do recurso de apelação da Sentença do Tribunal Administrativo do Círculo (TAC) de Lisboa, de 19 de outubro de 2019, julgou verificada a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, declarou extinta a instância cautelar.
A referida sentença havia indeferido a providência cautelar de suspensão da eficácia que a Recorrente requereu do despacho da Ministra da Saúde, de 16 de abril de 2019, que ordenou a realização de uma sindicância à Ordem dos Enfermeiros, sindicância essa que, entretanto, já foi integralmente realizada.
Nas suas alegações, a Recorrente formulou, com relevo para esta decisão, as seguintes conclusões:
«(...)
b) A legitimidade do MP para propor acção de dissolução de órgão, está condicionada ao cumprimento prévio, por parte do órgão de tutela, do procedimento previsto no artigo 6.º, n.ºs 4 a 6 da LTAL, procedimento esse claramente construído de forma a permitir um contraditório, quer dos visados (n.º 4), quer do próprio órgão deliberativo (n.º 5);
c) No final, a lei confere, ainda, ao órgão de tutela o poder de ponderar “se for caso disso…” remeter ao MP o relatório, para proposição de eventual acção de perda de mandato;
d) A propositura de acção para dissolução de órgãos não se basta com uma mera participação, por parte do órgão de tutela, como decorre do n.º 3;
e) Estando em causa a dissolução de órgãos, a lei impõe que se siga o procedimento previstos nos números 4 a 6, sem o que o MP deixa de ter legitimidade para a propositura da acção;
f) De onde, caso ocorra ilegalidade no âmbito do procedimento, o MP fica carente de legitimidade para a propositura da acção;
g) Pelo que, o acórdão impugnado violou, por incorrecta aplicação os artigos 6.º, da LTAL e 129.º do CPTA».

2. O Ministério da Saúde contra-alegou, aderindo integralmente aos fundamentos do acórdão recorrido, e reiterando que a concessão da providência requerida não teria qualquer utilidade para a Recorrente.

3. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 7 de maio de 2020, por entender relevante que o mesmo se pronuncie sobre a questão «(...) de saber se os «efeitos» ditos no art. 129°do CPTA os «que o acto ainda produza ou venha a produzir» são só aqueles que proximamente decorram do acto suspendendo ou se são ainda os que esse acto remotamente cause».

4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, pois em sua opinião, e em síntese, «os efeitos a que se refere o artº 129º do CPTA apenas abrangem os que resultam causalmente do acto suspendendo e não os que posteriormente possam vir a resultar de novos actos praticados em consequência do primeiro - devendo, pois, tal norma ser interpretada no sentido de apenas abranger os efeitos que decorrem em primeira linha, como resultado causal directo do acto suspendendo.»

5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos da alínea f) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 36.º do CPTA.


II. Matéria de facto

6. As instâncias consideraram como indiciariamente provados os seguintes factos relevantes para a decisão, tendo em atenção a prova documental produzida e as alegações das partes:

a) Por ofício de 21/3/2019, sob n.º 1351, foi dirigida à respetiva Inspetora Geral e subscrito pela Chefe de Gabinete da Ministra da Saúde, uma solicitação sobre o seguinte:

«ASSUNTO: Intervenção da IGAS quanto às declarações recentes de membros dos órgãos da Ordem dos Enfermeiros e quanto às atividades realizadas e contas prestadas por esta mesma ordem profissional» contendo uma informação que se prolonga por 6 páginas e, a final, conclui no sentido de ser «determinada a realização, pela Inspeção Geral das Atividades em Saúde, de uma ação de sindicância à referida ordem profissional, com carácter de urgência face à gravidade das situações acima mencionadas tendo em vista indagar os indícios de ilegalidades resultantes:
(i) das intervenções públicas e demais declarações dos identificados membros de órgãos desta associação pública profissional;
(ii) das atividades realizadas pela mesma Ordem e correspetivas prioridades de atuação, bem como de eventuais omissões de atuação delas decorrentes, em detrimento da efetiva prossecução dos fins e atribuições que lhe estão cometidos por lei; e
(iii) da gestão da referida ordem profissional, no que respeita às suas contas e reflexos ou repercussões nelas das situações indicadas nos dois pontos anteriores; porquanto a Ordem dos Enfermeiros se encontra, constitucional e legalmente, impedida de exercer ou participar em atividades de natureza sindical e em atividades relacionadas com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros, não podendo prosseguir atividades nem usar os seus poderes fora das suas atribuições, nem tão-pouco utilizar os seus recursos em finalidades diversas das que lhe competem, sob pena de sujeição a sanções de perda de mandato dos respetivos membros ou de dissolução dos seus órgãos»;

b) Tal ofício foi recebido pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), a 22/3/2019 (n.º entrada 1472), acompanhado da informação mencionada na alínea anterior e de anexos referenciados como «Intervenções públicas e demais declarações, relativas a membros de órgãos da Ordem dos Enfermeiro, entre outubro de 2018 e março de 2019; — Relatório e Contas 2016, da Ordem dos Enfermeiros; e — Relatório e Contas 2017, da mesma Ordem.», que correspondem a fls. 8 a 60 (de 102 fls. do PA em suporte PDF);


c) A 11 de abril de 2019 deu entrada na IGAS um outro ofício remetido pelo Gabinete da Ministra da Saúde através do qual foram remetidos «três elementos adicionais (...) suscetíveis de corroborar e sustentar os mesmos indícios de ilegalidades já identificados, quanto à intervenção de membros de órgãos da Ordem dos Enfermeiros, atento o impedimento constitucional, legal e estatutário de exercício ou participação desta associação pública profissional em atividades de natureza sindical e em atividades relacionadas com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros» — cfr. fls. 61 a 82 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas;


d) Nessa sequência, os serviços da IGAS elaboraram, «com vista a sustentar a decisão superior de instauração de uma sindicância à referida Ordem», a Informação n.º2 (não sei se estará a mais…) 289/2019 subscrita pelo Inspetor A………. —, homologada por despacho, da respetiva Inspetora-geral, de 12 de abril de 2019, que concluiu «estarem verificados os pressupostos para a realização de uma sindicância, a ser determinada por Despacho da Ministra da Saúde, tendo por objeto a verificação da legalidade dos atos de gestão praticados pelos seus órgãos», pelo que «se propõe a Sua Excelência a Ministra da Saúde, que determine a realização de uma ação inspetiva, do tipo sindicância, à Ordem dos Enfermeiros», a qual se fez acompanhar de anexos que espelham a variação da despesa por rubricas conforme Relatório e Contas da Ordem dos Enfermeiros de 2017 — cfr. fls. 86 a 95 do PA;


e) Do despacho exarado pela Inspetora-Geral da IGAS, mencionado na alínea anterior, consta: «Mais se propõe que, para a instrução do respetivo processo de sindicância, sejam nomeados como sindicantes os Inspetores A……….., responsável, e os Inspetores em mobilidade, B……….. e C…………, sem prejuízo da indicação de outros elementos que venham a tornar-se necessários» — cfr. fls. 86 do PA;


f) Sobre essa informação e proposta da Inspetora-Geral da IGAS lavrou a Ministra da Saúde, a 16/4/2019, o seguinte despacho: «Determino que se proceda à sindicância proposta com urgência conforme orientação deste gabinete de 21 de março de 2019» — cfr. fls. 86 e 100 do PA;


g) Idêntico despacho, igualmente manuscrito, foi exarado pela Ministra da Saúde sobre o ofício n.º 1351 de 21/3/2019 — mencionado supra em a) — fazendo igualmente referência à «orientação deste gabinete de 21 de março [ano ilegível]», com data de 16.4 [ano ilegível], encontrando-se o "4" relativo ao mês rasurado e sobreposto ao que parece ser um "3" — cfr. fls. 2 e 86 do PA;


h) Pela Ordem de Serviço n.º 45, subscrita pela Inspetora-Geral da IGAS a 17 de abril de 2019, foi determinada a «a realização da ação inspetiva, do tipo Sindicância», à entidade Ordem dos Enfermeiros, foi designada a correspondente Chefe de Equipa, os (3) Inspetores responsáveis pela sua execução, o prazo de duração da mesma (45 dias), a finalidade subjacente — «verificação da legalidade dos atos de gestão» — e o respetivo âmbito temporal — «2016 a 2018, sem prejuízo de eventual extensão do âmbito, se se justificar» — cfr. fls. 101 do PA;


i) Por Ofício do dia 18 de abril de 2019, ref.ª IGAS- 2019-001103, da IGAS foi a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros informada de que «foi instaurado o processo de sindicância (...)à Ordem dos Enfermeiros, o qual será instruído pelos inspetores A………., B………… e C…………. Os referenciados inspetores deslocar-se-ão à sede da Ordem, no dia 29 de abril de 2019, às 10h00, para a realização de diligências de instrução do referido processo» — cfr. DOC 9 junto com o requerimento inicial (RI);


j) Por ofício da mesma data, ref.ª IGAS-2019-001105, da autoria do Inspetor A………., foi a Bastonária da OE informada de que «hoje, 18 de Abril de 2019, dei inicio à instrução do processo de sindicância supra identificado, que foi instaurado, por despacho da Ministra da Saúde, datado de 16 de Abril de 2019, e para o qual fui nomeado sindicante, por despacho de 17 de Abril de 1019, da Inspetora-Geral das Atividades em Saúde, nos termos do disposto no artigo 205º, n.º 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas» — cfr. DOC 10 junto com o RI;


k) A 20/4/2019 foi publicado no Diário de Notícias Anúncio da IGAS dando conta da instauração de um processo de sindicância à Ordem dos Enfermeiros por decisão da Ministra da Saúde, e convidando «todos os que tenham razão de queixa ou agravo contra o regular funcionamento da entidade sindicada, a se apresentarem perante o sindicante no prazo de 10 dias úteis, a contar da data da publicação do presente aviso (...)» — cfr. DOC 2 junto com o RI;


l) A 7/5/2019 foi emitida Resolução Fundamentada, subscrita pela Ministra da Saúde cujo teor se dá por integralmente reproduzido —, mediante a qual foi determinada a manutenção de todos os efeitos do despacho de 16 de abril de 2019, da Ministra da Saúde, que determinou que se procedesse à sindicância à Ordem dos Enfermeiros — cfr. RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA junta aos autos sob requerimento de 8/5/2019, registo SITAF n.º 587339;


m) A 29 de abril 2019, pelas 10.30 horas, os Inspetores/Sindicantes, A……….., B………. e C……….., acompanhados de D………., dirigiram-se às instalações da OE, sitas na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa, a fim de ser dado início às diligências instrutórias do processo de sindicância, o qual se encontra ainda em curso — por acordo;

n) No passado dia 22/07/2019, a IGAS remeteu ao Gabinete da Ministra da Saúde o teor integral do Processo n.º 1/2019-SND, constituído por 5 volumes com 825 fls., integrando o Relatório n.º 94/2019 — subscrito pelos Inspetores E……….., B………… e C………. —, respeitante à sindicância ordenada à Ordem dos Enfermeiros — cfr. DOC 1 junto sob requerimento de 10/9/2019, registo SITAF n.º 599659;


o) No dia 1/08/2019 o Conselho Diretivo, a Bastonária e o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ordem dos Enfermeiros receberam ofícios subscritos pela Chefe de Gabinete da Ministra da Saúde, acompanhados do referido Relatório para, no prazo de 30 dias apresentarem as alegações tidas por convenientes — cfr. DOC 2 junto sob requerimento de 10/9/2019, registo SITAF n.° 599659;


p) Em 8.10.2019 foi elaborada pelo Gabinete da Ministra da Saúde a nota interna - que consta de fls. 1358 a 1376, dos autos em suporte digital, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, da qual consta nomeadamente o seguinte:

«(...)

1. Na sequência da realização da ação de sindicância à Ordem dos Enfermeiros, pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), foi remetido a este Gabinete, através de ofício com a referência IGAS2019-002053, de 22/07/2019 (e N. registo de entrada n.° 8858, de 23/07/2019), o correspetivo Relatório n.° 94, de 15/07/2019, elaborado no âmbito do Processo n.° 1/2019-SND, da referida Inspeção, a qual deu deste modo cumprimento ao previsto na primeira parte do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto, na sua redação atual, aplicável por força do disposto nos n.ºs 4 e 8 do artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.

2. Nessa medida, e de acordo com a Nota Interna, de 30/07/2019, procedeu, pois, este Gabinete a notificação do mencionado Relatório aos órgãos da Ordem dos Enfermeiros nele visados, quanto às identificadas situações suscetíveis de fundamentar a respetiva dissolução de tais órgãos, tendo em vista o cumprimento do estabelecido no n.° 4 do mesmo artigo 6.º da Lei n.º 27/96 - a saber:

I. mediante N. ofício com a referência MS S4023/2019, de 31/07/2019, foi notificado o Conselho Diretivo da referida ordem profissional, tendo tal ofício sido dirigido à Sr.ª Bastonária e Presidente daquele órgão; e

II. mediante N. ofício com a referência MS S4024/2019, também de 31/07/2019, foi notificada a própria Srª Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, qua tale.

3. Por sua vez, procedeu igualmente este Gabinete a solicitação de pronúncia acerca do mesmo Relatório da IGAS e das situações nele identificadas como suscetíveis de suscitar a dissolução dos dois órgãos da Ordem dos Enfermeiros referidos no ponto imediatamente anterior, in casu à Assembleia Geral desta ordem, em cumprimento do estabelecido, desta feita, no n.° 5 do artigo 6.º da mesma Lei n.° 27/96 - a saber:

III. mediante N. ofício com a referência MS S4025/2019, de 31/07/2019, dirigido ao Sr. Presidente da Mesa da dita Assembleia Geral da Ordem dos Enfermeiros.

4. O prazo legalmente previsto, quer para a apresentação de alegações e demais documentação julgada pertinente, por parte dos visados, quer para a apresentação de parecer pelo órgão deliberativo da associação pública profissional, e assim concedido, conforme indicado nos pontos 2 e 3 da presente Nota Interna, foi de trinta (30) dias, os quais, contados nos termos do artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), se iniciaram a 02/08/2019 e terminaram no passado dia 13/09/2019.

5. Deste modo, verifica-se assim que:

- por um lado, o Conselho Diretivo da Ordem dos Enfermeiros não apresentou quaisquer alegações escritas nem documentação considerada relevante, no prazo legal concedido para o efeito;
- por outro lado, a Assembleia Geral da mesma ordem profissional, enquanto seu órgão deliberativo, não apresentou qualquer parecer, também no prazo legalmente previsto para tanto; e
- por fim, apenas foi apresentado por F…………., no último dia do prazo concedido para o efeito - portanto, a 13/09/2019 -, através de Advogado validamente constituído e mediante entrega em mão, por este, nas instalações do Ministério da Saúde documento constituído por sessenta e sete (67) páginas, acompanhado de documentação anexa, num total de setenta e dois (72) documentos, assim como de procuração forense e dois (2) pareceres jurídicos, um de Paulo Otero e outro de Alexandre Sousa Pinheiro, os quais constituem o N. registo de entrada IV 10934, de 13/09/2019.

Pelo que somente se pode, agora, considerar como suscetível de análise a documentação remetida, neste âmbito, por F…………, a qual exerce, consabidamente, o cargo de Bastonária da Ordem dos Enfermeiros e se identifica como tal, na procuração forense apresentada juntamente com aqueles documentos.

(...)

6. Nessa medida, cabe agora à Senhora Ministra da Saúde emitir despacho sobre o Relatório IGAS, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 6.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto.

7. Neste sentido, não pode deixar de se referir, já aqui, que o despacho mencionado no ponto anterior consiste, afinal e apenas, no exercício de um poder residual consubstanciado na iniciativa pré-processual que está reservada, neste caso, à Senhora Ministra da Saúde para, na sequência de um sub procedimento contraditório, decidir sobre se deve ou não haver lugar à propositura de uma ação judicial.

De resto, mais se retira, igualmente, que não compete ao Governo dissolver ou suspender os titulares dos órgãos e/ou declarar a perda de mandato dos membros dos órgãos. Estas sanções são aplicadas somente por decisão judicial.

Isto mesmo resulta, de forma cristalina, da já aludida Lei n.º 27/96, não sendo ao Governo que compete aplicar, no termo de uma ação de sindicância, qualquer sanção de perda de mandato e/ou de dissolução de órgão, antes dependendo a aplicação de uma dessas sanções de atuação conjugada do Ministério Público (através do impulso processual na instauração de uma ação judicial) e dos tribunais administrativos competentes (através do proferimento de decisões condenatórias no âmbito dessas ações).

8. O que está em causa é, pois, somente decidir:

ou pelo encerramento do processo, sem dar conhecimento dos factos apurados ao Ministério Público (designadamente, por se considerar existirem causas de justificação dos factos e/ou causas de exclusão da culpa dos agentes-I1);

- ou pela remessa do processo ao Ministério Público, se se considerarem tais factos relevantes para a aplicação de uma sanção.

(...)

Assim, e salvo melhor opinião, sou de parecer que:

- Atento tudo quanto acima se expôs e atentos, especificamente, os aspetos indicados supra, na alínea a) do ponto 20 da presente Nota Interna, deve a Senhora Ministra da Saúde, em caso de concordância, dar cumprimento ao disposto na segunda parte do n.º 3, conjugado com a parte final do n.º 6, ambos do artigo 6.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, aplicável por força dos n.ºs 4 e 8 do artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, remetendo o Relatório n.º 94 da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, juntamente com a documentação apresentada pela Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros e com o despacho que nesse sentido vier a ser exarado, ao Ministério Público - o que, em abstrato deve (e pode) ocorrer, no máximo, até ao próximo dia 09/12/2019. Atento tudo quanto acima se expôs e atentos, especificamente, os aspetos indicados também supra, nas alíneas h) e c) do ponto 20 desta mesma Nota Interna, deve igualmente o Relatório n.º 94 da referida Inspeção, juntamente com a documentação apresentada pela Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, ser remetido ao Ministério Público, para efeitos de investigação de eventuais infrações de natureza criminal, nos termos e em cumprimento do disposto no artigo 242 do Código de Processo Penal - e não obstante ter já a IGAS enviado o mesmo documento para a Polícia Judiciária, conforme decorre do ponto 5 do despacho exarado pela Sr.a Inspetora-Geral sobre o indicado Relatório, a 23/07/2019; Ambos os envios mencionados nos itens imediatamente anteriores sejam efetuados conjuntamente, mediante remessa dos referidos elementos documentais ao Ministério Público, através da Procuradoria-Geral da República, atentas as respetivas competências previstas, designadamente, nas alíneas a) e c) do artigo 10.º do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na sua redação atual), em matéria de promoção da defesa da legalidade democrática e direção e coordenação da atividade do Ministério Público;
- Atento ainda o exposto, sobretudo, nas alíneas d) e e) do ponto 15 e nos pontos 21 e 22 desta Nota Interna, devem os respetivos pedidos formulados pela Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros ser indeferidos, nos termos indicados; Deve a Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros ser notificada das decisões tomadas quanto aos itens imediatamente anteriores, designadamente, através do respetivo mandatário validamente constituído, conforme previsto na parte final do n.º 1 do artigo 111.º do Código do Procedimento Administrativo;
- Deve o Conselho Diretivo da mesma ordem profissional ser, igualmente, notificado da decisão tomada quanto ao primeiro item deste ponto da presente Nota Interina; e
- Deve também ser comunicada à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde a decisão tomada quanto aos dois primeiros itens deste mesmo ponto da presente Nota, sendo devolvidos a este serviço inspetivo os autos do correspetivo Processo n.º 1/2019-SND».

q) Sobre a nota interna descrita em p), a Ministra da Saúde lavrou, em 10.10.2019, o seguinte despacho:

«Visto. Concordo.
Proceda-se como vem proposto» - cfr. fls. 1358, dos autos em suporte digital;

r) Em 14.10.2019 foi endereçado à Procuradora-Geral da República ofício assinado pela Ministra da Saúde, - o qual consta de fls. 1377 a 1380, dos autos em suporte digital, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, do qual consta nomeadamente o seguinte:

«(...)

II - Do envio do Relatório n.° 94 da IGAS, nos termos e para efeitos de aplicação da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto

7. Assim, por meu despacho já referido, exarado a 10/10/2019 (vide doc. n.° 7 anexo), remete-se agora ao Ministério Público o Identificado Relatório n.° 94 da IGAS, elaborado no âmbito do respetivo Processo n° 1/2019-SND, em cumprimento da segunda parte do n.° 6 e da segunda parte do n.° 3, ambas do artigo 6.° da Lei n.° 27/96, e para efeitos do estabelecido no artigo 11.° deste mesmo diploma legal (aplicáveis ex vi do disposto nos n.ºs 4 e 8 do artigo 45.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro), tendo em vista a aplicação de sanções de dissolução de órgãos ou de perda de mandato dos titulares de órgãos da Ordem dos Enfermeiros, conforme apurado por aquele serviço inspetivo e melhor apreciado agora pelo Ministério Público.

8. Neste âmbito, verifica-se, pois, existirem fundamentos para a dissolução de órgãos da Ordem dos Enfermeiros - designadamente, os órgãos Bastonário e Conselho Diretivo, conforme já acima mencionado -, atento o exposto e relatado nos pontos III, IV, n.° 10, V.1, V.4, V.11 e VI-Conclusões, n.º 1 a 3, 6 a 15, 18 a 22 e 30, do indicado Relatório, sem que o alegado pela Sr.ª Bastonária da Ordem dos Enfermeiros ou a correspetiva documentação anexa se entendam ou considerem suficientes para afastar tais imputações.

9. Ainda neste âmbito, mais se refira, por último, que os autos do processo de sindicância já identificado supra - constituídos por oitocentas e vinte e cinco (825) folhas, distribuídas por cinco (5) volumes - foram, também na presente data, devolvidos à IGAS, pelo que se encontram arquivados junto desta Inspeção.

III - Do envio do Relatório n.° 94 da IGAS, por identificação de eventuais infrações criminais

10. Por sua vez, no mesmo Relatório n.° 94, da IGAS, foram identificados factos suscetíveis de configurar a prática, nomeadamente, de infrações criminais, conforme exposto e relatado, entre os demais, nos pontos IV, n.° 10, V.1, V.2 e VI-Conclusões, n.º 6 a 15 e 16 daquele Relatório (vide novamente, doc. n.° 7 anexo).

11, Neste sentido, entende-se, por fim, ser de comunicar, igualmente, ao Ministério Público o mencionado Relatório, para os efeitos que, nesta sede, se considerem adequados e convenientes, em cumprimento do disposto no artigo 242.° do Código de Processo Penal».

s) Em 14.10.2019 foi endereçado à Inspetora-geral da Inspeção-geral das Atividades em Saúde ofício assinado pela Chefe de Gabinete da Ministra da Saúde, - o qual consta de fls. 1381 e 1382, dos autos em suporte digital, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, do qual consta o seguinte:

«(...)

Assunto: Sindicância à Ordem dos Enfermeiros (Relatório n.° 94 e Processo n.° 1/2019SND) - Comunicação de decisão da Senhora Ministra da Saúde

Por referência ao assunto em epígrafe e na sequência do envio a este Gabinete, através de V. ofício com a referência IGAS-2019-002053, de 22/07/2019, do Relatório n.° 94 da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, juntamente com os autos do correspetivo Processo n.° 1/2019-SND, desenvolvido por esse serviço inspetivo, vimos por este meio comunicar a

V. Ex.a que, após cumprimento do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 6.° da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto, na sua redação atual (aplicável por força dos n.°s 2, 4 e 8 do artigo 45.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro), foi exarado pela Senhora Ministra da Saúde, a 10/10/2019, despacho de remessa do indicado Relatório para o Ministério Público, a qual foi feita na presente data, mediante envio do mesmo documento à Procuradoria-Geral da República, quer para efeitos de eventual aplicação de sanções de dissolução de órgãos (identificadas nos pontos III, IV, n.° 10, V.1, V.4, V. 11 e VI-Conclusões, n.°s 1 a 3, 6 a 15, 18 a 22 e 30 do Relatório), nos termos da parte final do n.° 3 do mesmo artigo 6.° da Lei n.° 27/96, quer para efeitos de eventual apuramento de responsabilidades por infrações criminais (também identificadas, designadamente, nos pontos IV, n.° 10, V.1, V.Z, e Vl-Conclusões, n.ºs 6 a 15 e 16 do mesmo Relatório), em cumprimento do disposto no artigo 242.° do Código de Processo Penal.

Na sequência, procede-se agora à devolução a essa Inspeção dos mencionados autos do processo de sindicância já acima referenciado, compostos por um total de oitocentas e vinte e cinco (825) folhas, devidamente numeradas e rubricadas, distribuídas por cinco (5) volumes, todos devidamente identificados, conforme haviam sido remetidos a este departamento governamental».


t) Em 17.10.2019 foi endereçado à Inspetora-geral da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde um ofício assinado pela Chefe de Gabinete da Ministra da Saúde, - o qual consta de fls. 1383, dos autos em suporte digital, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, do qual consta o seguinte:

«Assunto: Sindicância à Ordem dos Enfermeiros (Relatório n.° 94 e Processo n.º 1/2019SND) - Envio de despacho da Senhora Ministra da Saúde, de 10/10/2019

Por referência ao assunto em epígrafe e atento o solicitado, remete-se cópia do despacho da Senhora Ministra da Saúde, de 10/10/2019 - indicado no N. ofício com a referência MS 55422/2019, de 14/10/2019, remetido a esse serviço inspetivo -, o qual foi exarado sobre Nota Interna deste Gabinete, datada de 08/10/2019 e de que se remete, igualmente, cópia».

u) Em 17.10.2019 foi endereçado ao mandatário da Bastonária da Ordem dos Enfermeiros ofício assinado pela Chefe de Gabinete da Ministra da Saúde, - o qual consta de fls. 1403 a 1406, dos autos em suporte digital, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, do qual consta nomeadamente o seguinte:

«Por referência ao assunto em epígrafe e na sequência de documento apresentado por V. Ex.a ao Ministério da Saúde, no passado dia 13/09/2019, em nome de F…………., Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, contendo alegações e demais documentação considerada relevante, para efeitos do disposto no n.° 4 do artigo 6.° da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto, na sua redação atual (aplicável por força dos n.°s 4 e 8 do artigo 45.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro), assim como dois (2) requerimentos relativos a entrega de elementos constantes dos autos do processo identificado em epígrafe e a audição de dez (10) testemunhas, devidamente identificadas, vimos por este meio notificar V. Ex.a de que, por despacho da Senhora Ministra da Saúde, exarado a 10/10/2019, foram os aludidos requerimentos indeferidos, com os fundamentos que abaixo se indicam:

(...)

Por sua vez, mais se notifica também por este meio V. Ex.a de que, após o cumprimento das diligências previstas nos n.°s 4 e 5 do artigo 6.° da Lei n.° 27/96 (aplicável - refira-se, novamente - por força dos n.°s 4 e 8 do artigo 45.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro), e constatando-se que apenas a Sr.ªa Bastonária da Ordem dos Enfermeiros apresentou, por intermédio do seu mandatário validamente constituído, alegações e documentação considerada relevante - não tendo sido apresentados quaisquer documentos no mesmo sentido pelo Conselho Diretivo da mencionada associação pública profissional nem tendo sido emitido qualquer parecer pela respetiva Assembleia Geral, enquanto órgão deliberativo da mesma ordem profissional foi exarado pela Senhora Ministra da Saúde, igualmente, a 10/10/2019, despacho sobre o Relatório n.° 94 da IGAS, no âmbito do seu Processo n.° 1/2019-SND, no sentido do envio do indicado Relatório, juntamente com as alegações e demais documentação anexa apresentada pela Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos previstos na segunda parte do n.° 6 e na segunda parte do n.° 3, ambas do aludido artigo 6.° da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto, com os fundamentos seguintes:

(...)».

v) Em 17.10.2019 foi endereçado ao Conselho Diretivo da Ordem dos Enfermeiros ofício assinado pela Chefe de Gabinete da Ministra da Saúde, - o qual consta de fls. 1407 a 1409, dos autos em suporte digital, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, do qual consta nomeadamente o seguinte:

«Assunto: Notificação de decisão - Relatório da Sindicância efetuada pela IGAS, no âmbito do Processo n.° 1/2019-SND Por referência ao assunto em epígrafe e no âmbito do cumprimento das diligências previstas nos n.°s 4 e 5 do artigo 6.° da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto, na sua redação atual (aplicável por força dos n.°s 4 e 8 do artigo 45.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro), constatou-se que apenas a Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros apresentou, a 13/09/2019 e por intermédio de mandatário validamente constituído, alegações e documentação considerada relevante, não tendo sido apresentados quaisquer documentos no mesmo sentido pelo Conselho Diretivo da mesma associação pública profissional nem tendo sido emitido qualquer parecer pela respetiva Assembleia Geral, enquanto órgão deliberativo da referida ordem profissional.

Na sequência, e atento o aludido documento apresentado, vimos por este meio notificar, agora, V. Ex.as de que foi exarado pela Senhora Ministra da Saúde, a 10/10/2019, despacho sobre o Relatório n.° 94 da IGAS, no âmbito do seu Processo n.° 1/2019-SND, no sentido do envio do indicado Relatório, juntamente com as alegações e demais documentação anexa apresentada pela Sr.a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos previstos na segunda parte do n.° 6 e na segunda parte do n.° 3, ambas do aludido artigo 6.° da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto, com os fundamentos que abaixo se indicam:
(...)».


III. Matéria de direito

7. A questão que se discute neste recurso é a de saber se, encontrando-se já integralmente concluída a sindicância ordenada pelo ato suspendendo à atividade da Ordem dos Enfermeiros, e tendo os respetivos resultados sido comunicados pela Ministra da Saúde ao Ministério Público – nomeadamente para o eventual exercício de uma ação pública de dissolução dos respetivos órgãos, ou de declaração de perda do mandato dos seus titulares -, mantém-se o interesse da Requerente e ora recorrente na concessão da providência requerida nos autos.
No acórdão recorrido, entendeu-se que a concessão da providência já não teria para ela qualquer utilidade, dado que, «no caso vertente o acto administrativo de 10.10.2019, praticado pela Ministra da Saúde — consequente do acto suspendendo que ordenou a realização de sindicância à Ordem dos Enfermeiros e com o qual foi encerrada a sindicância -, já se encontra plenamente executado (cfr. maxime alínea r), dos factos provados), sendo certo que os actos que venham a ser praticados numa eventual acção … judicial para dissolução de órgãos ou perda de mandato ou no âmbito dum eventual inquérito crime instaurados pelo Ministério Público, na sequência da remessa do ofício descrito em r), dos factos provados, não são actos administrativos (consequentes do acto suspendendo), isto é, a suspensão da eficácia do acto de 16.4.2019, que ordenou a realização de sindicância à Ordem dos Enfermeiros, não tem a virtualidade de suspender tal acção judicial ou tal inquérito crime».
A Recorrente alega, contudo, que, se a eficácia do ato que ordenou a sindicância for suspensa, serão igualmente suspensos todos os atos e trâmites consequentes, deixando, assim, o Ministério Público de ter legitimidade para a propositura das referidas ações.
Vejamos então.

8. A conclusão da sindicância, por si só, não impede a suspensão da eficácia do ato que a ordenou, dado que a mesma opera ex-tunc, não se limitando a interromper a concreta produção de efeitos do ato.
Sobre essa matéria, aliás, este Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se muito recentemente, em Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo de 2 de julho de 2020, proferido no Processo n.º 31/20.0BALSB, nos seguintes termos:
«A suspensão incide sobre a eficácia jurídica globalmente considerada, i.e., sobre as próprias regras de produção dos efeitos do ato administrativo, e não sobre a mera adequação do mesmo à realidade. Por outras palavras, a pronúncia de suspensão não se limita a interromper a concreta produção de efeitos do ato; incide sobre todas as alterações que, entretanto, se tenham verificado na situação jurídica e factual preexistente à data da sua prática. Uma vez decretada, os efeitos já concretizados do ato tem de se considerar como não produzidos».
Como também se disse naquele acórdão, questão diversa é a da consumação de situações materiais irreversíveis, as quais, nos termos do artigo 129.º do CPTA, são suscetíveis de comprometer a utilidade da providência requerida. Daí que o referido artigo se refira, na sua parte final, não apenas aos efeitos que o ato ainda venha a produzir, mas também aos que ainda produza, na medida da sua reversibilidade, tanto no plano jurídico, como no plano dos factos.
Ora, no caso dos autos, a questão que se coloca é precisamente a de saber se aqueles efeitos são reversíveis, na medida em que as operações materiais de concretização do ato que ordenou a realização da sindicância já se consumaram integralmente com a conclusão da mesma, e a participação dos respetivos resultados ao Ministério Público através da remessa do respetivo relatório. E a resposta a essa questão é claramente negativa.
Na verdade, a conclusão da sindicância, e o conhecimento dos seus resultados pelo Ministério Público, são meros factos, que não desaparecem por efeito da suspensão do ato que ordenou a sua realização, uma vez que os mesmos se projetam sobre a própria realidade e não apenas no plano jurídico. Ainda que quaisquer outros efeitos jurídicos da sindicância pudessem considerar-se como não produzidos por força da suspensão jurisdicional da sua eficácia, o Ministério Público já tem conhecimento dos factos revelados pelo respetivo relatório e não está impedido de promover a ação pública com fundamento nos mesmos.

9. A Requerente pretende estabelecer uma relação de causalidade jurídica entre a realização da sindicância e o exercício da ação pública, alegando que, nos termos dos números 4 a 6 do artigo 6.º da Lei da Tutela das Autarquias Locais (LTAL), aplicável por força do disposto no número 8 do artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, o Ministério Público não teria legitimidade para a propor se essa ação não fosse precedida de uma sindicância.
Mas não tem razão.
Uma coisa são as consequências jurídicas da sindicância, nomeadamente no que se refere ao dever de participação das suas conclusões ao Ministério Público, através da remessa do respetivo relatório, nos termos do n.º 3 do citado artigo 6.º da LTAL. Outra coisa diferente são os pressupostos da ação pública de dissolução dos órgãos das autarquias locais ou das associações públicas, ou de declaração de perda de mandato dos seus membros, que, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º da mesma lei, depende exclusivamente do «conhecimento dos respetivos fundamentos».
Nada no teor literal do referido preceito legal, ou no plano dos princípios, permite afirmar que apenas um conhecimento qualificado por uma sindicância pode servir de fundamento às ações nele previstas, pelo que a circunstância de eventualmente desaparecer a base jurídica do ato que ordenou a sua realização não afasta o «dever funcional» do Ministério Público de propor as ações que ao caso couberem. A suspensão da eficácia do ato que ordenou a realização da sindicância não tem, pois, a virtualidade de provocar o esquecimento dos factos nela revelados.
Na verdade, a sindicância é instrumental em relação à descoberta da verdade material, mas não é seguramente o único meio de chegar a ela. E a ação pública visa proteger a legalidade objetiva, pelo que os seus pressupostos não estão dependentes de queixa, participação ou qualquer outra modalidade de iniciativa provocada. Daí que o Ministério Público tenha o dever funcional de a propor oficiosamente, sempre que tenha conhecimento dos seus fundamentos, qualquer que seja a forma desse conhecimento.
Deste modo, andou bem o acórdão recorrido, quando afirmou que «a suspensão da eficácia do acto de 16.4.2019, que ordenou a realização de sindicância à Ordem dos Enfermeiros, não tem a virtualidade de suspender tal acção judicial ou tal inquérito crime», o que retira à referida providência toda a sua utilidade.
Nessa medida, o acórdão recorrido não merece qualquer censura por ter julgado a lide inútil, e ter promovido a extinção da instância, atenta a verificação superveniente da consumação dos efeitos do ato suspendendo.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.


Custas do processo pela Recorrente. Notifique-se


Lisboa, 9 de julho de 2020. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – Carlos Carvalho – Maria Benedita Urbano.