Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01798/23.3BELSB
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
LEI
ASILO
Sumário:Não se justifica admitir revista, face à aparente exactidão do acórdão recorrido, não se vendo necessidade de uma melhor aplicação do direito, nem revelando o objecto da revista (quanto às questões apreciadas e nos precisos termos em que o foram) especial relevância jurídica ou social ou complexidade superior ao normal para este tipo de problemática, estando aqui em causa apenas um interesse próprio do recorrente.
Nº Convencional:JSTA000P31852
Nº do Documento:SA12024012501798/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:MAI - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Na presente acção administrativa AA, natural do ..., demandou o Ministério da Administração Interna visando a impugnação e anulação do despacho do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 03.05.2023, proferido no processo de Protecção Internacional nº 532/2023, que considerou o pedido de protecção internacional que formulou infundado, nos termos do disposto no art. 19º, nº 1, alínea e) da Lei nº 27/2008, de 30/6 (Lei do Asilo).

Por sentença do TAC de Lisboa, de 14.07.2023, foi julgada improcedente a acção administrativa intentada e absolvida a Entidade Demandada do pedido.

Desta sentença interpôs a Autora recurso para o TCA Sul que por acórdão de 09.11.2023 negou provimento ao recurso.

Deste acórdão interpõe revista a mesma Autora, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, invocando a importância jurídica e social das questões e a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

O Recorrido não contra-alegou.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Está em causa nos autos o Despacho do Director Nacional do SEF, proferido em 03.05.2023, que considerou infundado o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pelo aqui Recorrente, nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do art. 19º da Lei nº 27/2008, de 30/6, cuja anulação foi pedida.

O TAC de Lisboa em despacho de 14.07.2023 indeferiu a requerida produção de prova por prestação de declarações de parte, nos termos previstos no nº 3 do art. 90º do CPTA.
De seguida proferiu sentença na qual julgou improcedente a acção.
Em síntese, e, após ter analisado os preceitos aplicáveis da Lei do Asilo, considerou, em síntese, que, “Colhe-se do probatório coligido que, nas declarações que prestou, no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 20/04/2023, o Autor aludiu à necessidade de sair do ... para continuar os estudos e procurar oportunidades de trabalho para poder ajudar a mãe. Mais declarou que saiu do país devido a quezílias com o irmão, tendo sido agredido uma vez por ele, não se recordando da data em que tal ocorreu.
Quando questionado sobre como seria a sua vida de regressasse ao ..., o Autor aduziu que poderá ser preso “devido aos políticos”, não obstante ter sustentado não ser filiado em nenhum parido político.
Ora, estas circunstâncias não se afiguram suficientes para se enquadrarem nos n.ºs 1 e 2 do art.º 3 da Lei do Asilo.
O Autor referiu em sede de declarações prestadas junto da entidade Demandada, que sente dores musculares nas pernas e nas costas, no entanto, tal alegação não releva para o caso trazido á liça, por não encontrar correspondência com o que resulta do art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Asilo.
Em suma torna-se forçoso concluir que o autor não alegou factos concretos que se traduzem numa perseguição ou ameaça grave de perseguição, e por isso, a sua alegação não é suficiente para justificar a aplicação do disposto no art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Asilo”.
Mais tendo sido entendido que o Autor não se encontrava em situação enquadrável no disposto no nº 1 do art. 7º da Lei do Asilo. Isto, por não resultar dos autos que retornando ao seu país de origem corra o risco de aplicação de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante ou ameaça grave contra a vida ou a sua integridade física resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, sendo demasiado vaga a alegação de correr risco de ser preso “devido aos políticos”, sendo que declarou que depois de ter saído do seu país, desde 2019 a 2023, regressou várias vezes para visitar a mãe, o que não reflecte o alegado risco de ser detido.

O TCA Sul para o qual o A. apelou confirmou o decidido em 1ª instância.
Entendeu, em síntese, o acórdão agora recorrido quanto ao défice de instrução que este não se verificava. E que era: “[P]articularmente relevante para o caso o vertido no artº 19º, nº 1, alínea e) que se refere a situações como a presente onde o requerente, ao apresentar o pedido e ao expor os factos, “invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.”.
Como se referiu acima, é irrelevante para a ponderação que se impunha ao SEF o requerimento apresentado em maio de 2023 pelo recorrente, sendo-o, igualmente, para aferir a legalidade da decisão proferida, ouvir o recorrente em juízo.
A sentença proferida equacionou, pois, de forma correta, o quadro fáctico-jurídico em apreço, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento.
Por tudo quanto acima vem plasmado é, igualmente, inconsequente a arguição ora feita de que a sentença em crise atentou contra o disposto nos artigos 8.º, 13.º, 20.º e 267.º, n.º 5 da CRP e o plasmado no seu art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Assim, o acórdão negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

Na presente revista o Recorrente vem reafirmar o que alegara nas instâncias. Invoca que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por não atender (ao entender ser inconsequente para a ponderação que se impunha ao SEF o requerimento que aquele apresentou em maio de 2023 e igualmente, inconsequente, para aferir a legalidade da decisão proferida, ouvir o recorrente em juízo) ao exercício de um direito do recorrente, como seja o de prestar esclarecimentos, devidamente documentados e fundamentados, conforme a pretensão oportunamente formulada pelo Recorrente e da falta de produção de prova carreada pelo A., sem que tenha apresentado qualquer tipo de fundamentação válida.
A argumentação da Recorrente não é, porém, convincente.
Com efeito, no juízo sumário que a esta Formação cabe fazer, tudo indica que o acórdão recorrido fez uma correcta apreciação sobre a desnecessidade de produção de prova – por declarações do Recorrente (declarações de parte) – na fase judicial. Com efeito, a decisão de desnecessidade de produção de prova foi decidida em despacho autónomo do TAC, invocando o disposto no art. 90º, nº 3 do CPTA, sem que o Recorrente tenha impugnado tal despacho imputando-lhe qualquer vício processual em concreto.
Quanto à consideração de um pretenso aditamento ao auto de declarações (ponto 3 dos factos provados), nos termos constantes do ponto 5 do probatório, o próprio Recorrente reconhece que lhe foi possível pronunciar-se, nos termos do nº 2 do art. 17º da Lei do Asilo sobre o relatório elaborado, não se vislumbrando em que medida o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento, muito menos ostensivo, sobre a aplicação do referido preceito e o direito de audiência de interessado. Ou seja, a formalidade foi cumprida, coisa diversa é saber se os “esclarecimentos” prestados tinham relevância no caso, e o acórdão entendeu que não, já que o Recorrente “não alegou factos concretos que se traduzam numa perseguição ou ameaça grave de perseguição, e por isso, a sua alegação não é suficiente para justificar a aplicação do disposto no art.º 3.º n.ºs 1 e 2 da lei do Asilo”.
Ora, tudo indica que o acórdão recorrido procedeu a uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos da Lei do Asilo aplicáveis ao caso concreto.
De facto, as instâncias decidiram as questões atinentes à aplicação da Lei do Asilo, face ao que fora alegado pelo Recorrente, de forma e com fundamentação coincidente.
E, as questões suscitadas na apelação aparentam ter sido bem decididas pelo TCA, sem que se vislumbre que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento quanto à aplicação da Lei do Asilo no caso em apreço que pudesse justificar a admissão da revista.
O Recorrente discorda do decidido pelo acórdão recorrido (como antes pelo TAC), mas contrariamente ao que alega, nem na fase administrativa nem na fase judicial do processo alguma vez foram criadas ao A./Recorrente quaisquer expectativas de que a sua pretensão poderia obter sucesso, face ao disposto na Constituição da República Portuguesa e na legislação sobre asilo e/ou Convenções Internacionais, nada sendo alegado em concreto pelo Recorrente sobre a violação do princípio da igualdade. Não se vê, igualmente, em que medida a não admissão da revista (por não ser necessária para uma melhor aplicação do direito) possa colidir e violar “os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático plasmados nos seus artigos 1.º, 2.º, 8.º, 13.º, 20.º e 267.º, n.º 5, do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 18.º da Declaração Universal dos do Homem, da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de janeiro de 1967), designadamente no direito da recorrente a um processo célere”.
Com efeito, o que cumpre à Formação de Apreciação Preliminar, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, apreciar, é, além do mais, se erros de julgamento ou outros vícios do acórdão objecto da revista, podem justificar a admissão deste recurso excepcional por haver necessidade de uma melhor aplicação do direito, um dos pressupostos do nº 1 do referido preceito. Sendo os pressupostos daquele nº 1 apreciados de forma sumária, não se vê como possa este juízo sumário violar a miríade de diplomas e preceitos invocados, nem o Recorrente concretiza essa alegação.
Assim, face à aparente exactidão do acórdão recorrido, não se vendo necessidade de uma melhor aplicação do direito, nem revelando o objecto da revista (quanto às questões apreciadas e nos precisos termos em que o foram) especial relevância jurídica ou social ou complexidade superior ao normal para este tipo de problemática, estando aqui em causa apenas um interesse próprio do recorrente, não se justifica admitir o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas dada a isenção legal.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.