Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:093/20.4BALSB
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:PRESSUPOSTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Existindo uma divergência quanto aos pressupostos jurídico-fácticos em que assentaram as decisões, fica inviabilizada a uniformização de jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P29668
Nº do Documento:SAP20220629093/20
Data de Entrada:09/15/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………….. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 595/2019-T do CAAD, datada de 18 de junho de 2020 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou procedente o pedido de pronuncia arbitral interposto por A……………….. e B…………………, visando actos de liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) relativos à escritura de compra e venda realizada em 18/12/2009, montante de € 9.090,25, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT, doravante), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão do acórdão fundamento, proferido pela 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0755/16, datado de 15 de março de 2017, o qual transitou em julgado.

II. Por despacho a fls. 45 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso e ordenou a notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emissão de Parecer.

III. A recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 21 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral proferida em 18.06.2020, no processo nº 595/2019–T, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 15/03/2017, processo n.º 0755/16, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT na declaração de ilegalidade dos dois atos de liquidação de IMT em causa, por considerar que o prazo de caducidade do direito à liquidação de IMT é de 4 anos, contados da prática do acto de liquidação a corrigir, nos termos n.º3 do art. 31º do CIMT.
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 15/03/2017, processo n.º 0755/16, que se indica como fundamento, relativamente ao prazo de caducidade a aplicar no caso de liquidação de IMT emitida por a Entidade Recorrente ter entendido que, na data da escritura os Recorridos haviam beneficiado indevidamente da isenção prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05 de dezembro, e liquidado imposto dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 35º do CIMT.
C) A Decisão Arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar as liquidações como sendo adicionais e ao enquadrá-las no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT, contrariando a Jurisprudência do STA do Acórdão fundamento que se cita, e que refere nos dois primeiros pontos do sumário:
« I - Nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT é de oito anos o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT, contados da data da transmissão ou daquela em que a isenção ficou sem efeito. II - O prazo de caducidade de quatro anos contados da data da liquidação a corrigir, previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT, pressupõe a existência – real e não apenas ficcionada – de uma prévia liquidação a corrigir.
D) Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com o Acórdão fundamento, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentando a seguinte fundamentação:
«66. Tomando em consideração o raciocínio que se acabou de expôr, fica claro que, no caso em análise, existiu um ato prévio de liquidação, promovido em 2009 por quem teve a competência para a sua prática. Pelo que,
67. Também nos presentes autos estamos perante uma tentativa de correção, da parte da Requerida, de um erro por esta cometido aquando da prática do ato de liquidação original, tendo assim aplicação o prazo de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT.
68. Com efeito, cumpre salientar, apesar de notório, que a 05 de novembro de 2017 estava já há muito ultrapassado o referido prazo de 4 anos.
69. Por todo o exposto, torna-se evidente que os atos de liquidação sub judice não poderão subsistir na ordem jurídica, em função da caducidade do respetivo direito.»
E) No Acórdão fundamento estava em causa também uma Impugnação Fiscal que assentava na invocação da Caducidade do direito à liquidação do Imposto, o qual foi liquidado por referência a uma aquisição, em que havia sido considerada automaticamente a isenção nos termos do disposto no artigo 20.º, do Decreto Lei n.º 423/83, de 05/12.
F) No Acórdão fundamento foi entendido em suma que:«(…) não sendo legítimo – porque destituído de fundamento legal -, ficcionar a existência de uma prévia liquidação à taxa zero ocorrida no momento da escritura para efeitos de aplicação do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT quando nenhuma prévia liquidação existiu, sendo a impugnada a primeira e única.»
G) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com a interpretação em sentido oposto da aplicação do n.º 3 do art. 31.º do CIMT, e assim, saber se se aplica ou não, o nº3 do artigo 31º do CIMT, e o prazo de caducidade de 4 anos, às liquidações que foram emitidas por não verificação dos pressupostos da isenção nos termos do artigo 20.º, do Decreto Lei n.º 423/83, de 05/12.
H) Importa dirimir esta questão, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que determine a improcedência do pedido arbitral e manutenção das liquidações por não ser aplicável o prazo de caducidade previsto no nº3 do artigo 31º do CIMT, nos termos do nº6, do art. 152º do CPTA.
I) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no art. 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência destinam-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
J) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os que são enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
K) Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p.809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
L) O douto Acórdão do STA, convocado como fundamento, elucida o âmbito de aplicação do n.º3 do art. 31º e do n.º1 do artigo 35º ambos do CIMT e em suma considera que: “a isenção de IMT reconhecida no momento da celebração da escritura corresponde a uma liquidação de valor 0 como pura ficção, nem sequer jurídica porque destituída de qualquer fundamento normativo, pois decisivamente, aquela interpretação viola ostensivamente a norma segundo a qual nos casos em que a isenção fica sem efeito é aplicável o prazo geral de caducidade (8 anos) e não o prazo de liquidação adicional (4 anos)”.
M) No mesmo sentido propugnado no Acórdão fundamento, entendemos que, não estamos perante liquidações adicionais, pois que os actos tributários não foram praticados com o objectivo de corrigir ou rectificar uma declaração anterior viciada por erro de facto ou de direito ou mesmo por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.
N) Assim, naquele momento não existiu uma liquidação de IMT, pois em virtude da isenção declarada não se promoveu qualquer liquidação. Estamos agora, perante uma primeira liquidação de imposto, sendo que as liquidações de IMT foram praticadas e validamente notificadas ao Requerente no prazo de 8 anos, como estabelece o art. 35.º, n.º 1 do CIMT.
O) Pelo exposto, fica demonstrado que a Decisão Arbitral está em contradição com o Acórdão fundamento proferido no processo nº 0755/16, de 15.03.2017, quanto à interpretação e aplicação do regime no nº3, do art. 31º do CIMT, pelo que deve esse Alto Tribunal admitir o presente recurso e, analisado o seu mérito, dar provimento ao mesmo, revogando-se a Decisão Arbitral na parte de que se recorre, com todas as legais consequência.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações pelos recorridos A…………… e B………….. que terminaram com o seguinte quadro conclusivo: (cfr. fls. 51 a 66 do SITAF)
(…)
34.º Os Recorridos consideram que o presente recurso não deverá ser julgado porque (i) não está em causa a mesma questão fundamental de direito; e (ii) não existe contradição de julgados – sendo estes requisitos essenciais para que o recurso de uniformização seja aceite. Ainda que assim não se entenda, e o presente recurso venha a ser julgado, os Recorridos consideram que este Douto Tribunal deverá uniformizar jurisprudência no sentido da Decisão Arbitral sub iudice.
35.º Como decorre da lei e da jurisprudência dos tribunais portugueses, nomeadamente deste Douto Tribunal (por todos veja-se Acórdão STA de 4 de junho de 2014, rec. n.º 01763/13) para que estejamos perante a mesma questão fundamental é necessário “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado decisão oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos” (sublinhado nosso).
36.º No caso concreto, verifica-se que as situações de facto da Decisão Arbitral e do Acórdão fundamento não são idênticas, mas sim opostas. Enquanto na Decisão Arbitral existe uma liquidação prévia, concretizada através da emissão do DUC 160.009.030.800.703 em 14 de dezembro de 2009, com isenção total (ou seja, liquidada a zeros); no caso do Acórdão fundamento tal liquidação pura e simplesmente não existiu, na medida em que a isenção só foi reconhecida pela escritura pública não tendo existido nenhum ato de liquidação em sentido próprio.
37.º Esta diferença substancial leva a decisões completamente distintas na medida em que a aplicação do prazo de caducidade de quatro ou de oito anos (n.º 3 do artigo 31.º, ou n.º 1 do artigo 35.º ambos do CIMT respetivamente) depende essencialmente da existência ou não de uma liquidação prévia. Portanto, caso haja liquidação (como aconteceu na situação factual sobre a qual a Decisão Arbitral se pronuncia) o prazo de caducidade é de quatro anos. Caso não tenha existido liquidação (como no caso que foi analisado pelo Acórdão fundamento) então o prazo é de oito anos.
38.º Por conseguinte, o RUJ deverá ser desde já rejeitado, porquanto Decisão Arbitral e Acórdão fundamento baseiam-se em factos distintos, pelo que não estamos perante a mesma questão fundamental de direito.
39.º Também a contradição de julgados é aparente na medida em que a Decisão Arbitral e o Acórdão fundamento podem coexistir e ser harmonizados. Com efeito, a própria Decisão Arbitral, citando na sua fundamentação a Decisão Arbitral do CAAD n.º 379/2015-T, distingue claramente o caso concreto que está em análise, de outras situações que justificam uma decisão diferente: “Como se pode verificar, a situação dos autos nada tem que ver com aquelas em que nunca houve qualquer liquidação de imposto, tendo o reconhecimento da isenção fiscal sido feito pelo notário interveniente na respetiva escritura pública e pelo conservador que procedeu ao competente registo. Na verdade, não parece defensável atribuir a esse reconhecimento notarial ou registral a natureza de acto tributário, muito menos a vocação dum acto de liquidação em sentido próprio. Nessas situações, portanto, tem sido considerado que a liquidação motivada pela constatação do erro em que se traduz o reconhecimento de um benefício que se julga afinal inaplicável não é uma liquidação adicional em sentido próprio, por não haver nenhuma liquidação anterior a que ela possa acrescer. E, se assim é, não pode aplicar-se o prazo de caducidade do direito à liquidação constante do n.º 3 do art.º 31 do CIMT.;
40.º Nestes termos, fica claro que estamos perante duas situações distintas e que não existe contradição de julgados, na medida em que a própria Decisão Arbitral conhece e reconhece a jurisprudência deste Douto Tribunal, e toma as suas decisões em conformidade e sem violar as suas tendências jurisprudenciais. Razão pela qual o RUJ também não pode ser julgado por não existir contradição de julgados, o que se requer.
41.º Finalmente, caso o RUJ venha a ser admitido e julgado, então os Recorridos consideram que este Douto Tribunal profira uma decisão no mesmo sentido que a Decisão Arbitral: que determine a aplicação do n.º 3 do artigo 31.º do CIMT nos casos em que a AT emitiu DUC a conferir isenção em favor dos sujeitos passivos.
42.º A emissão do DUC corresponde a uma verdadeira liquidação pelo que o prazo de caducidade deverá ser de quatro anos. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, “A liquidação do IMT é da iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios eletrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida”. Nos termos do n.º 3 desse mesmo artigo, nas situações de isenção, tal declaração deve ser apresentada antes do ato/facto translativo dos bens – ou seja, resulta deste artigo que não é pelo facto de estarmos perante uma operação isenta que deixamos de estar perante uma liquidação. Adicionalmente, o n.º 1 do artigo 21.º do CIMT refere que a competência para a liquidação é dos serviços centrais da Direção-Geral de Impostos, com base na declaração do sujeito passivo, considerando-se o ato praticado pelo serviço de finanças competente. Assim, a emissão do DUC corresponde ao ato através do qual a AT define o quantum de imposto devido, que é exatamente o que significa liquidação.
43.º O facto desta liquidação se basear nas declarações apresentadas pelo sujeito passivo não deve obstar a que este ato seja uma liquidação em sentido próprio, desde logo porque existem outros impostos, como o IRS, em que a liquidação também se baseia nas declarações prestadas pelo sujeito passivo.
44.º Adicionalmente, baseando-nos na teoria geral do Direito Fiscal, isenção e não sujeição são duas realidades distintas. Enquanto que a não sujeição implica que determinado facto esteja fora do âmbito de aplicação do imposto, no caso das isenções o facto tributário está dentro desse âmbito de aplicação, simplesmente o legislador decide aplicar uma tributação mais favorável. Daqui resulta que, ao contrário da não sujeição, no caso das isenções tem de haver uma aplicação positiva da lei fiscal, sendo necessário determinar a matéria coletável ao abrigo da isenção e, portanto, liquidar o imposto ainda que o valor dessa liquidação seja zero.
45.º O facto de a liquidação ser a zeros não pode obstar ao reconhecimento deste ato como uma verdadeira liquidação. Se assim fosse, existiria uma grave violação do princípio da igualdade na medida em que as isenções parciais beneficiariam de um prazo de caducidade de quatro anos, enquanto as isenções totais teriam de esperar oito anos para caducarem. Ora, não se pode aceitar que duas situações em tudo idênticas (material e procedimentalmente) resultem na aplicação de dispositivos legais totalmente distintos pelo simples facto de no caso das isenções totais a liquidação ser a zeros (e portanto poder ser corrigida na sua totalidade), já que no caso das isenções parciais, como a liquidação não é a zeros, a nova liquidação implica necessariamente que a correção efetuada tenha em conta a parte do imposto que já foi paga aquando da liquidação inicial parcialmente isenta, ou seja a liquidação subsequente tem necessariamente uma natureza corretiva.
46.º Por tudo isto, considera-se que a Decisão Arbitral decidiu bem ao entender que “nos presentes autos estamos perante uma tentativa de correção, da parte da Requerida, de um erro por esta cometido aquando da prática do ato de liquidação original, tendo assim aplicação o prazo de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT”

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer a fls. 69 a 74 do SITAF
“I. O presente recurso de uniformização de jurisprudência vem interposto do acórdão arbitral proferido no processo nº 595/2019-T do CAAD, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 25º, nº2 e 3 do RJAT, e do artigo 152º do CPTA, e com o fundamento de aquele acórdão se encontrar em oposição com a doutrina do acórdão da secção de Contencioso Tributário do STA de 15/03/2017, proferido no proc. 0755/16.
1.1 Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
1.2 No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (- cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
E não basta para a existência de uma relevante contradição a adoção de soluções diversas, mas exige-se concomitantemente que a diversidade de soluções assente em pronúncia expressa, o que demanda que nos dois casos ambos os tribunais tenham efetuado uma ponderação expressa dos argumentos subjacentes ao entendimento que perfilharam sobre a questão.
2. Considera a Recorrente que a oposição dos julgados verifica-se na apreciação que cada um dos tribunais fez da questão de saber qual o prazo a observar na liquidação de IMT, e designadamente se se mostra aplicável o prazo de 4 anos previsto no nº3 do artigo 31º do CIMT, ou antes o prazo de 8 anos previsto no nº1 do artigo 35º do mesmo Código.
2.1 No entendimento da Recorrente, a oposição verifica-se porque, tendo subjacentes situações de facto similares e sendo aplicável o mesmo quadro legal, enquanto na decisão recorrida do CAAD se entendeu ser aplicável o referido prazo de 4 anos, no acórdão fundamento entendeu-se ser aplicável o prazo de 8 anos previsto no nº1 do artigo 35º do CIMT.
2.2 Por sua vez os Recorridos alegam que não se verifica a assinalada oposição de decisões, pois enquanto na decisão arbitral se teve em consideração que «por ocasião da referida aquisição foi liquidado, em 14 de dezembro de 09, o DUC 160.009.030.800.703, com isenção total de IMT, tendo beneficiado da isenção …», já no acórdão fundamento não se faz qualquer referência a liquidação, mas apenas que foi reconhecida a isenção de IMT. Concluem, assim, que a oposição é meramente aparente, por terem por base factos distintos que justificam a diferente decisão.
II. Importa desde logo analisar se se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência supra enunciados e se as decisões em confronto adotaram ou não entendimentos diversos quanto à assinalada questão de direito.
1. Na decisão arbitral deu-se como assente (em sede de discussão da matéria de direito- Do probatório não consta fixada tal matéria de facto) que por ocasião da aquisição de lote de terreno para construção em 18/12/2009, «foi liquidado, em 14/12/2009, o DUC…, com isenção total de IMT, tendo beneficiado da isenção prevista no nº1 do artigo 20º do Decreto Lei nº 423/83, de 05 de dezembro». E que «Em 05 de novembro de 2017, os Reclamantes foram notificados para proceder ao pagamento do IMT devido pela aquisição do referido lote, tendo os serviços da Requerida entendido, a esta data, que a referida isenção, concedida em 2009, havia sido indevidamente aplicada» - (Cfr. pontos 57, 58 e 59 da decisão arbitral).
Em face de tais dados considerou-se na decisão arbitral que este segundo ato consubstancia uma liquidação adicional e o primeiro acto “um acto liquidação de IMT com coleta zero”.
Para o efeito fizeram-se as seguintes considerações:
«63. Assim, importa notar que os serviços da Requerida, na própria fundamentação que acompanhou as liquidações notificadas aos Requerentes, a 05 de novembro de 2017, referem o seguinte: “Conforme DUC ... (declaração de IMT), emitido em 2009/12/14, beneficiou o SP, no ato de aquisição do Imóvel, da isenção a 100%, da totalidade do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), de acordo com o previsto no Artigo 20.º do DL n.º 423/83 de 05/12, que legisla a atribuição da “utilidade turística” e os benefícios inerentes e essa qualidade.” 64. Deste modo, é a própria Requerida que reconhece, sem margem para dúvidas, a existência de um acto de liquidação de IMT com coleta zero».
E adotando o entendimento sufragado na decisão arbitral nº 379/2015-T3 , (Neste processo deixou consignado o seguinte:) no sentido de que a situação dos autos é diversa daqueles casos em que o notário se limita a reconhecer a isenção fiscal, caso em que não há “um ato de liquidação em sentido próprio”, nem é aplicável o disposto no nº3 do artigo 31º do CIMT. E acrescenta-se:« Ora, é diferente, como se disse, a situação a que se reportam os presentes autos. Nela é clara a existência de um prévio acto de liquidação, promovido por quem tem competência para a sua prática. Nesse acto de liquidação, praticado no dia 23.02.2010, entendeu a Requerida que a transacção era beneficiária de uma isenção que veio a considerar depois não ser afinal aplicável».
2. No acórdão fundamento estava em causa uma situação de facto em que na escritura notarial relativa à aquisição de uma fração autónoma de prédio urbano classificado para fins turísticos foi feito constar que «Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro». Posteriormente, na sequência de uma ação inspetiva e de propostas de correção, em que os Serviços de Inspeção consideraram que os adquirentes tinham beneficiado indevidamente de isenção de IMT, a AT emitiu a correspondente liquidação de IMT.
Considerou-se no acórdão de 15/03/2017 (ac. fundamento) ser «…irrelevante, para efeitos de determinação do prazo de caducidade aplicável, que tenha sido em razão da declaração dos contribuintes ou de erro dos serviços que (indevidamente) se tenha consignado na escritura haver lugar a isenção de IMT, pois que o prazo de caducidade é o mesmo numa e noutra situação, não sendo legítimo – porque destituído de fundamento legal -, ficcionar a existência de uma prévia liquidação à taxa zero ocorrida no momento da escritura para efeitos de aplicação do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT quando nenhuma prévia liquidação existiu, sendo a impugnada a primeira e única».
3. Analisadas as decisões em confronto resulta das mesmas que a diversidade de soluções quanto à definição do prazo de caducidade assenta no distinto entendimento sobre a existência ou não de um ato de liquidação anterior aquando da celebração da escritura pública relativa à compra e venda do imóvel.
Resulta das duas decisões em confronto que as mesmas têm por objeto situações similares de gozo de benefício de isenção na transmissão onerosa de imóveis (no acórdão fundamento ao abrigo do regime previsto no Dec.-Lei nº 540/76, de 9 de julho, e na decisão arbitral ao abrigo do regime previsto no Dec.-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro).


No caso vertente, ao contrário de outras situações em que os tribunais, judiciais e arbitrais, têm sido chamados a dirimir litígios sobre o sentido e o alcance das isenções fiscais disponíveis no quadro do instituto da utilidade turística, concedidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 423/83, a notária que intervém na escritura pública de aquisição do Imóvel em causa por parte da Requerente não se limita a reconhecer a isenção prevista no artigo 20.º do dito Decreto-Lei n.º 423/83. Antes arquiva, como se lê a fls 120 do livro n.º 74, “declaração com o número…, datada de 23/02/2010, comprovativa da isenção do pagamento do IMT nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (…)”.
Como se vê, a notária que interveio na escritura não se limitou a interpretar a norma de isenção, considerando-a aplicável à transmissão objecto da referida escritura.
A declaração que a notária diz ter arquivado é emitida pelos serviços da Requerida, identifica o adquirente e o alienante do Imóvel, refere o facto tributário (“aquisição de figuras parcelares do direito de propriedade sobre imóveis”), descreve o bem sobre que incide o direito de superfície a ser transaccionado, indica a matéria colectável (“€ 92.000,00”), menciona a taxa aplicável (“6,50%”), assinala a isenção de que a transacção beneficia (“33 – Utilidade Turística (Art.º 20.º do D.L. 423/83), 100% sobre a matéria colectável”) e revela ainda um n.º de liquidação (“…”)


Na decisão arbitral considerou-se que o DUC emitido aquando da aquisição do imóvel, ainda que sem imposto apurado, em virtude do gozo do benefício de isenção declarado, configura um ato de liquidação (E para dar enfâse a tal qualificação, deixou-se exarado no ponto 58) da decisão arbitral que «Por ocasião da referida aquisição foi liquidado, em 14 de dezembro de 2009, o DUC…., com isenção total de IMT,…» (sublinhados nossos).
Já no acórdão do STA que serve de fundamento, considerou-se que em virtude do gozo do benefício de isenção não foi praticado qualquer ato de liquidação em sentido estrito.
Afigura-se-nos, que embora a diversidade de soluções quanto à definição do prazo de caducidade assente no distinto entendimento sobre a existência ou não de um ato de liquidação anterior aquando da celebração da escritura pública relativa à compra e venda do imóvel, o mesmo radica na qualificação do ato como ato de liquidação em sentido estrito, e não na ocorrência naturalística do ato, como aparentemente pretende fazer crer a recorrida. E nessa medida entendemos que estamos perante questão de direito conexa com a questão da caducidade e passível de fundamentar o recurso de uniformização de jurisprudência.
Entendemos, assim, que nada obsta à prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência.

III. ANÁLISE DA QUESTÃO.
A questão que se coloca consiste em saber se nos casos de concessão automática do gozo do benefício de isenção de IMT (ou anteriormente da sisa) ao abrigo de determinado regime legal, mediante declaração apresentada pelo contribuinte junto do Serviço de Finanças, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 19º do CIMT, esse ato deve ou não ser qualificado como ato de liquidação, para efeitos de aplicação do prazo de caducidade de 4 anos previsto no nº3 do artigo 31º do CIMT, ou o prazo de 8 anos previsto no nº1 do artigo 35º do mesmo Código.
Como decorre do artigo 19º do CIMT, a lei faz recair sobre o contribuinte a obrigação de apresentação, mesmo nos casos de situação de isenção, de uma declaração de modelo oficial (aprovado pela portaria nº 1423-H/2003, de 31 de dezembro) para efeitos de liquidação do imposto devido, em momento anterior ao ato ou facto translativo, e que constitui o denominado DUC a que se reporta a decisão arbitral.
Costuma considerar-se que a liquidação, em sentido estrito, constitui o ato de aplicação da taxa à matéria tributável (De acordo com o acórdão do STA de 13-4-1988, processo nº 5332, publicado em CTF nº 351, pág. 510, «a liquidação é a fase que se traduz na aplicação da taxa do imposto à matéria colectável já determinada, culminando com a determinação da quantia que se tem de entregar ao Estado» - cfr. igualmente o acórdão de 24/09/2008, proc. 0342/08, e Jorge Lopes de Sousa (in CPPT anotado, I vol., pág. 501).
Ora, nos casos em que o contribuinte beneficia de uma isenção, não há lugar à prática desse ato, sem prejuízo de se dar início ao procedimento de liquidação, com a apresentação da declaração por parte do contribuinte (art. 59º, nº1, do CPPT).
Ora, nesses casos, com a apresentação da declaração por parte do contribuinte, em que este invoca a isenção prevista no artigo 20º do Dec.-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, como no caso da decisão arbitral recorrida, não é emitida qualquer liquidação por parte da administração tributária, mas apenas o denominado “DUC” (documento único de cobrança), que nestes casos serve de comprovativo do cumprimento da obrigação declarativa prevista nos artigos 19º e 20º do CIMT, e cuja apresentação é exigida pelo notário aquando da celebração do contrato de compra e venda. Ora, nos casos em que a declaração apresentada pelo contribuinte não dá origem qualquer liquidação, designadamente por força da invocação de benefício fiscal de isenção previsto na lei, não pode a liquidação emitida posteriormente pela Administração Tributária, com o fundamento de não se verificarem os pressupostos de tal isenção no caso concreto, ser havida como liquidação adicional. E assim sendo, o prazo de caducidade a atender nestes casos é o prazo de 8 anos previsto no nº1 do artigo 35º do CIMT, e não o prazo de 4 anos previsto no nº3 do artigo 31º do mesmo Código.
Neste sentido se pronunciou o acórdão do STA de 13/09/2017, proferido no processo nº 01126/16, no qual se deixou sumariado o seguinte:
“(…) III - Os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, declarando que a aquisição das frações se destina à instalação de empreendimento turístico, isto é, declarando a existência de uma realidade que faz espoletar a isenção perante o disposto no nº 1 do art.º 20º do DL 423/83, fazem operar, de forma direta e automática, a isenção de tributação. O que obriga o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário (art.º 49º do CIMT).
IV - O que não impede os serviços da administração tributária de, posteriormente, dar cumprimento ao dever de fiscalização e de controlo da verificação dos pressupostos factuais e jurídicos do benefício (art.º 7º do EBF), devendo averiguar se ocorriam, ou não, os pressupostos de que depende a isenção de IMT à luz do art.º 20º do DL 423/83.
V - Vindo a administração tributária a constatar, através de ação inspetiva, que (…) não ocorriam os pressupostos para a isenção de que os sujeitos passivos haviam beneficiado de forma automática mas indevida, tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (art.º 35º do CIMT
(…).».
Atento o supra exposto e mostrando-se aplicável o prazo de 8 anos previsto no nº1 do artigo 35º do CIMT, temos que concluir que a liquidação emitida pela Administração Tributária no caso concreto e notificada ao contribuinte em 05/11/2017, foi emitida no prazo de caducidade, porque desde a data da ocorrência do facto tributário – 18/12/2009 - ainda não se tinha completado aquele prazo de 8 anos.
Entendemos, assim, que deve ser proferido acórdão uniformizador de jurisprudência nos seguintes termos:
1. Nos casos de apresentação de declaração ao abrigo do disposto no artigo 19º do CIMT, em que o contribuinte invoca a isenção prevista no artigo 20º do Dec.-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, a emissão de DUC sem apuramento de imposto não consubstancia um ato de liquidação em sentido estrito.
2. Caso a Administração Tributária venha a considerar que não se mostravam reunidos os pressupostos legais da referida isenção, o prazo de caducidade a atender para efeitos de emissão da respetiva liquidação, é o prazo de 8 anos previsto no nº1 do artigo 35º do CIMT.
E em consequência ser a decisão arbitral revogada e julgar-se improcedente a ação, mantendo-se na ordem jurídica os atos impugnados.”

I.4 – Os recorrentes, ora recorridos vêm responder ao parecer do Ministério Publico, nos termos do nº2 do artigo 146º do CPTA, no sentido que a posição por ele defendida no seu parecer, faz surgir dúvida quanto ao saber “…qual o prazo de caducidade a considerar no caso de aplicação da isenção técnica prevista no artigo 32.º, do Código do IMT, e qual a diferença para o caso analisado no Acórdão Recorrido.”, sem aferir se há ou não oposição de acórdãos entre as duas decisões. Pelo que peticionam que o presente recurso para uniformização de jurisprudência deve ser rejeitado por não estarem verificados os pressupostos para a sua admissibilidade. (cfr. fls. 79 a 80 do SITAF).

I.5Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:
a) Os Requerentes foram notificados, pelos ofícios n.º ... e n.º ... de 5 de novembro de 2017, para procederem ao pagamento do IMT devido pela aquisição do lote de terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ... da Freguesia do ..., Concelho de Óbidos, correspondente a € 9.090,25 (nove mil e noventa euros e vinte e cinco cêntimos) cada, no prazo de 30 dias contados da data da assinatura do aviso de recepção.
b) Em conjunto com os referidos ofícios, foram enviados aos Requerentes os documentos únicos de cobrança (“DUC”) n.º ... e n.º ..., válidos até 6 de dezembro de 2017.
c) Em seguida, através dos ofícios n.º... e n.º ... de 14 de novembro de 2017, os Reclamantes foram notificados para, no âmbito dos referidos atos de liquidação do IMT, exercerem, querendo, o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias.
d) Em 30 de novembro de 2017, os Requerentes apresentaram um requerimento solicitando, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 60.º da LGT, a prorrogação do prazo para apresentação de audição prévia até aos 25 dias, alegando residirem no Reino Unido e não ser a língua portuguesa a sua língua materna, e apenas nessa data lhes ter sido possível constituir mandatário em Portugal para os representar, não se encontrando, ao momento, “em condições para exercer condignamente o seu direito de participação”.
e) Em 5 de dezembro de 2017, foram os Requerentes notificados do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo, com o fundamento de que o prazo concedido de 15 dias seria suficiente para ser exercido o respetivo direito de audição prévia.
f) Na sequência do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para exercerem o direito de audição prévia, os Requerentes foram notificados novamente para procederem ao pagamento das liquidações de IMT, utilizando os mesmos números de ofício n.º 995 e n.º 996, e a mesma data referida na alínea a) supra.
g) Os ofícios reemitidos vinham acompanhados dos mesmos DUC referidos em b) supra, e por isso válidos até ao dia seguinte, 6 de dezembro de 2017, que os Requerentes alegaram ter recebido após a caducidade dos mesmos.
h) Inconformados, os Requerentes apresentaram, em 26 de março de 2018, Reclamação Graciosa, alegando: (i) a preterição do direito de audição prévia, em face do indeferimento com fundamentação insuficiente do pedido de prorrogação do prazo, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 60.º da LGT; e também (ii) a irregularidade da notificação das liquidações, por falta de concessão de prazo para pagamento, uma vez que os referidos ofícios foram acompanhados das guias de pagamento do IMT anteriormente expedidas sem que, na prática, fosse concedido um prazo para pagamento.
i) Em 30 de janeiro de 2019, os Requerentes foram notificados do despacho emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... –..., que indeferiu a Reclamação Graciosa.
j) O referido despacho de indeferimento teve como fundamento: (i) a inexistência de qualquer violação do direito de audição, considerado-se o prazo inicialmente concedido de 15 dias como suficiente para exercer o direito de audição; (ii) terem os Requerentes sido notificados do projecto de liquidação e das liquidações de IMT efectuadas, constando das mesmas “as disposições legalmente aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, bem como o prazo para pagamento do imposto e os meios de defesa ao dispor do reclamante”; e (iii) a notificação mencionar o prazo de 30 dias para pagamento, não podendo os Recorrentes alegar que o prazo para pagamento tinha já expirado.
k) Novamente inconformados, os Requerentes apresentaram Recurso Hierárquico com fundamento no incumprimento do dever de fundamentação por parte da AT, alegando também que esta incumpriu no seu dever de apreciar as questões colocadas.
l) Em seguida, foram os Requerentes notificados do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, o qual manteve o sentido da decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa.
m)Em face do exposto, vieram os Requerentes peticionar a constituição do presente tribunal arbitral, pedindo a condenação da Requerida com a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação e o correspondente reconhecimento ao direito à restituição dos valores já pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios.

O Acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 755/16, de 15 de março de 2017, deu como provada a seguinte factualidade:
A) Por escritura pública outorgada em 27.12.2005, os ora Impugnantes adquiriram, pelo preço de € 546.879,00, a fração autónoma designada pelas letras “AY”, de um prédio urbano classificado para fins turísticos, sito em Vilamoura, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..........., concelho de Loulé, sob o artigo …………. – cfr. fls. 49 a 50 do processo instrutor apenso e por acordo.
B) Na escritura notarial foi feito constar que «Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei número 423/83, de 5 de Dezembro» - cfr. fls. 50 do processo instrutor apenso e por acordo.
C) Os Impugnantes foram alvo de um procedimento de inspeção tributária de âmbito parcial (ações de controlo no âmbito dos impostos sobre o património) a coberto da ordem de serviço n.º OI201301093, de 28.06.2013 - cfr. fls. 30 a 35 do processo instrutor apenso e por acordo.
D) Por ofícios da Direção de Finanças de Faro n.ºs 13087 de 26.07.2013 e 14442 de 16.08.2013, emitidos em nome dos ora Impugnantes para a morada Rua ..…., ….., em Lisboa, foi-lhes dirigida a notificação do projecto de correções que antecede para efeitos de audição prévia, os quais foram devolvidos ao remetente, o segundo, registado com aviso de receção, com a menção «Recusado» - cfr. fls. 52 a 57 do processo instrutor apenso.
E) Por despacho de 13.09.2013 foi superiormente sancionado o Relatório Final de Inspeção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se refere, além do mais, que os ora Impugnantes beneficiaram indevidamente da isenção de IMT, ao abrigo do artigo 20.º do DL 423/83, de 5 de dezembro, procedendo à correção da situação em sede de IMT no montante de € 35.547,14,00 - cfr. fls. 30 a 35 do processo instrutor apenso.
F) No Relatório Final de Inspeção, no Capítulo IX, dedicado ao “Direito de Audição”, é referido, além do mais, que «tendo a correspondência sido devolvida …Nos termos do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, o sujeito presume-se notificado» - cfr. fls. 30 a 35 do processo instrutor apenso.
G) Por ofício n.º 16096 de 16.09.2013, recebido em 18.09.2013, os Impugnantes foram notificados do relatório de Inspeção - cfr. fls. 58/59 do processo instrutor apenso.
H)Ato Impugnado: Em 22.11.2013, na sequência das correções identificadas em E), foi emitida pela Administração Tributária a liquidação de IMT n.º 2013 22467503 no valor total de €35.547,14 - cfr. fls. 24 e 37 do processo administrativo apenso.
I) Os impugnantes foram notificados da liquidação que antecede e para efetuar o respetivo pagamento no prazo de 30 dias, contendo a liquidação a seguinte descrição: «Vai o sujeito passivo acima indicado pagar o IMT que for devido com referência à compra que efectuou a C……………SA, NIPC …………., em 27/12/2005 …, da fração AY do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………….. sob o n.º…………., destinado a Serviços, integrado no Empreendimento Turístico …….. sito na Avenida………., em Vilamoura …, cujo valor patrimonial corresponde ao direito transmitido era de €262.400,00 e o preço correspondente a €546.879,00
O IMT será liquidado com base no preço correspondente ao direito adquirido, no montante de €546.879,00 ao qual vai ser aplicada a taxa de 6,5 a que se refere a alínea d) do artigo 17.º do respectivo Código do IMT.
Ordem de Serviço n.º OI201301093» 14 - cfr. fls. 24 e 37 do processo administrativo apenso.
J) Em 11.03.2014 apresentaram reclamação graciosa da liquidação identificada em H) com os mesmos fundamentos da presente impugnação, nos termos constantes de fls. 3 a 14 do processo instrutor apenso, e que aqui se dão por reproduzidas – cfr. fls. 3 a 14 do processo administrativo apenso.
K) Por despacho de 12.03.2015, notificado aos Impugnantes por ofício da mesma data, foi indeferida a reclamação graciosa com os fundamentos constantes do respetivo projeto de decisão que aqui se dão por integralmente reproduzidos – cfr. fls. 68 a fls. Finais do processo administrativo apenso.
L) A Impugnação deu entrada em 15.06.2015 – cfr. fls. 3 dos autos.

II.2 – De Direito
I. São três as questões que, nesta instância, importa dirimir:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso deve ser rejeitado pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal ?

c) Sendo negativa a resposta à questão anterior, deve ser provido o recurso ?


II. Importa recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.

IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões arbitrais em confronto, entendemos que não se encontram integralmente verificadas as condições acabadas de referir.

Comecemos por reconhecer que as decisões em confronto são, inquestionavelmente, muito próximas.

Com efeito, ambas as decisões:

– versam sobre o mesmo imposto – o Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (doravante, IMT);

– tem por sujeitos passivos de IMT pessoas individuais;

– incidem sobre a mesma questão – o prazo de caducidade do direito à liquidação deste imposto;

– respeitam à uma factualidade relativamente próxima – os sujeitos passivos beneficiaram, indevidamente, de uma isenção de IMT, aquando da escritura de transmissão do bem imóvel, que veio a ser ulteriormente corrigida;

– as liquidações têm por enquadramento um idêntico fundamento de Direito – a isenção de IMT para os imóveis que se enquadrem na previsão do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

V. Acresce que o quadro jurídico em causa quanto à questão de Direito sobre a qual se verifica a suposta divergência interpretativa não sofreu quaisquer alterações quanto ao segmento em causa, mantendo-se inalterada a redacção do n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT: “A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º”; e identicamente se passaram as coisas quanto à redacção do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT: “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária.”.

Quanto às restantes normas dos artigos 31.º e 35.º do Código do IMT, importa apenas sublinhar que as alterações ali ocorridas não são, igualmente, de molde a interferir com paridade dos quadros jurídicos em que foram formadas as decisões em confronto.

VI. Todavia, pese embora a profunda e indiscutível proximidade entre as decisões em confronto e respectivo quadro jurídico, subsiste entre elas um elemento diferenciador de natureza fáctico-jurídica que não pode ser obnubilado.

Trata-se da leitura feita pela decisão recorrida quanto à ocorrência de um suposto ato de liquidação proprio sensu (e abstemo-nos aqui de considerar correto ou incorrecto o enquadramento jurídico dessa factualidade). Sucede, apenas e somente (e é quanto basta), que a verificação de um tal ato de liquidação foi assente pela decisão recorrida e assumida como decisiva na formulação da interpretação aí adotada relativamente ao artigo 31.º, n.º 3 e ao artigo 35.º, n.º 1, ambos do Código do IMI.

Contrariamente ao Parecer do Ministério Público constante dos presentes autos, é nosso entendimento que tal singularidade da decisão arbitral recorrida veio a revelar-se decisiva no sentido da interpretação adotada na mesma decisão arbitral e não pode ser secundarizada por um, supostamente irrelevante, “distinto entendimento sobre a existência ou não de um ato de liquidação anterior aquando da celebração da escritura pública relativa à compra e venda do imóvel, o mesmo radica na qualificação do ato como ato de liquidação em sentido estrito, e não na ocorrência naturalística do ato”; dito de outro modo, a decisão recorrida parece nitidamente revelar o carácter decisivo deste facto e respectivo enquadramento jurídico na fixação do sentido interpretativo a que chegou.

Mais, não tivesse ocorrido um tal enquadramento fáctico-jurídico, e tudo leva a crer que a solução seria distinta e idêntica à vertida no Acórdão Fundamento, como se pode extrair da seguinte passagem da decisão arbitral recorrida: “Na verdade, não parece defensável atribuir a esse reconhecimento notarial ou registral a natureza de acto tributário, muito menos a vocação dum acto de liquidação em sentido próprio. Nessas situações, portanto, tem sido considerado que a liquidação motivada pela constatação do erro em que se traduz o reconhecimento de um benefício que se julga afinal inaplicável não é uma liquidação adicional em sentido próprio, por não haver nenhuma liquidação anterior a que ela possa acrescer. E, se assim é, não pode aplicar-se o prazo de caducidade do direito à liquidação constante do n.º 3 do art.º 31.º do CIMT.

Ora, é diferente, como se disse, a situação a que se reportam os presentes autos. Nela é clara a existência de um prévio acto de liquidação, promovido por quem tem competência para a sua prática. Nesse acto de liquidação, praticado no dia 23.02.2010, entendeu a Requerida que a transacção era beneficiária de uma isenção que veio a considerar depois não ser afinal aplicável”.


VII. Ora, é precisamente para obstar ao confronto de decisões que partem de pressupostos jurídico-fácticos distintos que as condições de uniformização de jurisprudência se revelam tão rigorosas.
E, pelo exposto, importa concluir que não se encontram, in casu, reunidas a totalidade das condições de que depende o conhecimento do mérito do presente Recurso.


III. CONCLUSÃO
Existindo uma divergência quanto aos pressupostos jurídico-fácticos em que assentaram as decisões, fica inviabilizada a uniformização de jurisprudência.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de Justiça.


Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 29 de Junho de 2022. - Gustavo Lopes Courinha (Relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.