Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0300/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
INTIMAÇÃO
Sumário:Não deve admitir-se recurso excepcional de revista relativamente a questões que foram apreciadas pelo TCA através de um discurso fundamentado e juridicamente plausível.
Nº Convencional:JSTA000P23170
Nº do Documento:SA1201804120300
Data de Entrada:03/16/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:ORDEM DOS ADVOGADOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)


1. Relatório

1.1. A………… recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA SUL, proferido em 23 de Novembro de 2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Loulé, que por seu turno julgou improcedente o PEDIDO DE INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS, através do qual pretendia, em suma, que a ORDEM DOS ADVOGADOS, perante a inconstitucionalidade do art. 156º, 1,a) do Estatuto da Ordem dos Advogados e art. 7º, n.º 1, a) do Regulamento de Inscrição dos Advogados e dos Advogados Estagiários, e a nulidade do despacho do Vogal do Conselho Geral de 10-1-2012, reconhecesse que se encontrava inscrito como advogado estagiário desde 18-3-2004, e desde 6-6-2007, como Advogado, condenando-se a Ordem dos Advogados a proceder no prazo de cinco dias à entrega da Cédula Profissional e a fixação de uma sanção compulsória em caso de incumprimento.

1.2. Juntamente com o recurso de revista para este STA o requerente também recorreu para o Tribunal Constitucional.

O recurso para o Tribunal Constitucional foi apreciado, em 8 de Fevereiro de 2018, tendo sido proferida a seguinte decisão: “Pelos fundamentos expostos, decide-se, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 78º-A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”

1.3. Notificado da decisão do Tribunal Constitucional veio o recorrente pedir que fosse remetido para o STA o recurso de revista oportunamente interposto.

1.4. O recorrente justifica a admissão da revista relativamente à questão da inconstitucionalidade do art. 156º, 1, a) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Dec. Lei 84/84,de 16 de Março e art. 7º, n.º 1, al. a) do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, por violação do art. 30º, n.º 4 da CRP. Considera que, não tendo encontrado jurisprudência do STA que tivesse apreciado e decidido esta questão, e porque a mesma se reveste de importância fundamental, deve ser admitida a revista.

1.5. Nas suas contra-alegações a Ordem dos Advogados considera que no caso dos autos não está em causa a apreciação de uma questão jurídica ou social relevante. Mais explicita que a inscrição do recorrente na Ordem dos Advogados foi recusada pela verificação da falta de idoneidade do requerente, apurada no procedimento administrativo próprio, e perante a condenação do mesmo por um crime de falsificação de documento, na pena de 2 anos de prisão, sendo que para além daquela condenação o requerente foi igualmente condenado como autor material de um crime de injúria agravado (na pena de dois meses de prisão) e como autor material de um crime de difamação agravado (na pena de 6 meses de prisão). Daí que a inscrição na Ordem dos Advogados tenha sido indeferida pelo Conselho Geral com base na falta de idoneidade para o exercício da profissão, ao abrigo do disposto no art. 181º, n.º 1, al. a) do EOA (Lei 15/2005, de 26/01).

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acórdão recorrido ao delimitar o âmbito do recurso (para o TCA Sul) entendeu que o recorrente não tinha posto em causa o entendimento feito na sentença recorrida de que por não ter sido impugnada judicialmente, pelo autor, nem padecer de qualquer vício susceptível de geral a sua nulidade, a deliberação do Conselho de Deontologia, proferida em processo próprio para averiguação a inidoneidade moral, que seguiu a tramitação do processo disciplinar, se consolidou como caso decidido na ordem jurídica, sem que a validade do mesmo possa ser sindicada neste momento pelo tribunal, por há muito ter caducado o direito de o impugnar em juízo e por há muito se ter tornado objectivamente inimpugnável.

Do mesmo modo entendeu que o recorrente também não pôs em causa o entendimento da sentença relativamente à consideração de que a decisão administrativa não padecia de erro algum sobre os pressupostos, e, mesmo que padecesse, não poderia implicar a anulação do acto que declarou a falta de idoneidade do autor para o exercício da profissão de advogado, por não ter sido tempestivamente impugnada.

Apreciou, então, a questão de saber se o art. 156º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL 84/84, de 16 de Março e o art. 7º, n.º 1 do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, aprovado em Conselho Geral em sessão de 7 de Julho de 1989 eram inconstitucionais por violação do art. 30º, n.º 4 da CRP, segundo o qual “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.

Conclui o acórdão recorrido que tais normas que impedem a inscrição como advogados ou advogados estagiários aqueles que “(…) não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, e, em especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso” não eram inconstitucionais, dado que a aplicação do respectivo regime pressupõe o preenchimento do conceito de crime gravemente desonroso, não estando em causa, portanto, um efeito automático ligado à condenação da prática de certos crimes.

O presente caso apresenta contornos especiais, na medida em que o recorrente não impugnou a decisão dos órgãos competentes da Ordem dos Advogados que indeferiram o seu pedido de inscrição. Qualquer vício daquele acto administrativo, gerador de mera anulabilidade, não pode ser apreciado. Daí que, ainda que o acto administrativo em causa tivesse aplicado normas inconstitucionais, só na medida em que de tal violação resultasse a nulidade do acto, o interessado o poderia pôr em causa. E, nesse caso, o meio processual adequado seria a acção administrativa contra o acto de indeferimento, com fundamento na sua nulidade.

Consequentemente, é desde logo, altamente discutível a idoneidade do actual meio processual, face ao que dispõe o art. 109º, 1, do CPTA (“A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”).

Para além do exposto, entendemos que a questão da inconstitucionalidade apreciada pelo TCA está fundamentada através de um discurso jurídico plausível. Na verdade, diz o TCA Sul, que a recusa de inscrição não resulta como efeito automático e necessário de uma pena, ou da prática de um determinado crime, mas antes pelo preenchimento de um conceito indeterminado levado a cabo pela Ordem dos Advogados através de uma avaliação e procedimento próprio – o que é verdade. Não se justifica, assim, face à plausibilidade jurídica da decisão recorrida que esta questão seja reapreciada pelo STA.

É certo que o recorrente podia discutir se a sua situação concreta (as condenações que sofreu) cabia, ou não, naquele conceito indeterminado: falta de idoneidade moral. Todavia, com este âmbito, a questão diz respeito apenas ao caso singular do recorrente e à relevância do seu comportamento para efeitos de preenchimento daquele conceito. Ora com este âmbito a questão não extravasaria os contornos do caso dos autos, não se revestindo por isso de importância jurídica ou social bastante para justificar um recurso excepcional, como é a revista.

4. Decisão

Face ao exposto, não se admite a revista.

O recorrente está isento de custas nos termos do art. 4º, 2, b) do RCP.

Todavia, e porque a sua pretensão foi totalmente vencida “(…) é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo” e pelas custas de parte, nos termos do art. 4º, n.º 6 e 7 do RCP.

Lisboa, 12 de Abril de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.