Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0571/06.8BEPRT 0662/18 |
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Data do Acordão: | 01/22/2020 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
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Descritores: | PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROVISÕES CRÉDITOS |
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Sumário: | I - A prescrição da obrigação tributária não constitui fundamento de anulação da liquidação, sendo apenas um pressuposto da utilidade do conhecimento das causas de invalidade alegadas na impugnação, razão pela qual não cabe ao Tribunal a quo diligenciar para conhecer se estão ou não verificados os pressupostos da prescrição, devendo o mesmo limitar-se a conhecer deles se todos os elementos constarem do processo. II - Segundo o ponto 3.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, não podem qualificar-se como créditos vencidos e, consequentemente, como provisões fiscalmente dedutíveis à luz do artigo 33.º, n.º 1, al. d do CIRC, os créditos exigíveis (por perda do benefício do prazo por parte do devedor em decorrência de cláusula contratual que acolha a solução do artigo 781.º do Código Civil), mas em que não tenha sido formalmente exigido o seu cumprimento ao devedor por parte do credor. |
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Nº Convencional: | JSTA000P25430 |
Nº do Documento: | SA2202001220571/06 |
Data de Entrada: | 07/04/2018 |
Recorrente: | A.....SGPS, S.A. |
Recorrido 1: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – O Banco A…….., S.A., com os sinais dos autos, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 26 de Fevereiro de 2018, julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1998, da extinta B………, S.A., apresentou recurso, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: 1.ª O presente recurso vem deduzido contra a sentença que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente contra a liquidação adicional de IRC n.° 8310010471, datada de 06.09.2000, referente ao exercício de 1998 da extinta B………., S.A. e, bem assim, contra a decisão que negou provimento ao recurso hierárquico deduzido contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele ato tributário; 2.ª Considerou o Tribunal recorrido, desde logo, que os elementos constantes dos autos não eram suficientes para o conhecimento da prescrição da dívida exequenda, nem se justificava a realização de novas diligências junto das partes, motivo pelo qual não se conheceu da prescrição invocada pelo Recorrente; 3.ª Trata-se de entendimento que, com o devido respeito, se afigura ilegal; 4.ª Com efeito, e desde logo, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, resulta de forma evidente dos autos que não ocorreu o pagamento da dívida tributária; 5.ª De facto, não só o Recorrente invocou nas suas alegações escritas submetidas em 06.05.2008 que não ocorreu o pagamento da dívida e que a mesma se encontra prescrita (cf. alegações escritas registadas em 07.05.2008 no SITAF a fls. 59 e seguintes do mesmo), como a própria administração tributária reconheceu a ausência de qualquer pagamento da dívida no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para a cobrança coerciva da liquidação sub judice, através do ofício datado de 08.03.2011 a que se alude na sentença recorrida (cf. página 20 da sentença recorrida e oficio registado em 08.04.2011 no SITAF a fls. 105 dos mesmos); 6.ª Desta forma, aqueles factos não poderiam deixar de ter sido relevados como factos provados e conhecida a prescrição da dívida exequenda; 7.ª Não tendo tais factos sido relevados como tal, incorre a sentença recorrida, nesta parte, em erro de julgamento, impondo-se que o processo baixe à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto e para a emissão de uma nova decisão que conheça da prescrição da dívida exequenda (cf. neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 05.06.2008, no âmbito do processo 2806/07); 8.ª A esta conclusão não obsta, note-se, o facto de já ter decorrido algum “(...) tempo (...)” desde a apresentação das alegações escritas pelo Recorrente e da informação prestada pela administração tributária, como se refere na sentença recorrida (cf. página 21 da sentença recorrida); 9.ª É que, neste caso, impunha-se ao Tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, que tivesse notificado as partes para prestarem os esclarecimentos que fossem necessários, pelo que, não o tendo feito, a sentença recorrida deve ser anulada, por violação do princípio do inquisitório; 10.ª Com efeito, sendo certo que sobre as partes recai o ónus da prova quanto aos factos necessários para fazer valer a sua pretensão, é igualmente certo que o Tribunal detém um papel ativo na descoberta da verdade material, sendo-lhe imputável a não realização de diligências necessárias e disponíveis para alcançar esse objetivo; 11.ª Efetivamente, o princípio do inquisitório, tradicionalmente contraposto no âmbito processual ao princípio do dispositivo que coloca na disponibilidade das partes a condução do processo e o ónus de alegar a factualidade que servirá de base à decisão, bem como de tomar a iniciativa na prova dos factos controvertidos, atribui ao Tribunal um poder-dever de condução do processo, designadamente de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para a descoberta da verdade material; 12.ª Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a realização das diligências necessárias para a descoberta da verdade material, só lhe é lícito concluir pela desnecessidade de conhecimento da prescrição — ainda para mais quando esta foi invocada pelo Recorrente - se as partes, depois de devidamente notificadas para esse efeito, não prestem os esclarecimentos que tenham sido requeridos pelo Tribunal; 13.ª Já não lhe será possível, pois, concluir a priori pela desnecessidade do conhecimento da prescrição sem desencadear, primeiro, a devida investigação; 14.ª Assim, se o Tribunal reputava essencial que estivesse inequivocamente demonstrada a falta de pagamento à data da prolação de sentença, impunha-se-lhe notificar as partes para prestarem essa informação, sob pena de violação do princípio do inquisitório e da verdade material; 15.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, também com este fundamento se impõe a anulação da sentença recorrida, por violação do princípio do inquisitório; 16.ª No entendimento do Recorrente, no caso sub judice verifica-se a prescrição da dívida tributária em apreço; 17.ª O prazo de prescrição da obrigação tributária em crise era de 8 anos, nos termos da LGT, teve o seu início em 1 de Janeiro de 1999 e, tendo o processo estado parado entre 5 de Fevereiro de 2001, data em que o prazo se interrompeu por força da dedução de reclamação graciosa, e 5 de Fevereiro de 2002, nos termos do artigo 49°, n.° 2, da LGT, verificou-se a cessação dos efeitos da interrupção da prescrição que se havia anteriormente verificado com a apresentação da reclamação graciosa, devendo esta contar-se como se aquela interrupção nunca houvesse ocorrido; 18.ª Pelo que, respeitando a obrigação tributária sub judice a IRC do exercício de 1998, já se encontra ultrapassado o prazo de 8 anos fixado no artigo 48.° da LGT; 19.ª Não obsta à prescrição da obrigação tributária em crise o facto de atualmente já não se encontrar prevista, no diploma que regula a matéria da prescrição das obrigações tributárias (LGT - artigos 48.° e 49°), uma regra similar à consagrada no n.° 2 do artigo 49.° da LGT, na redação à data aplicável; 20.ª Com efeito, embora tenha sido revogada, através da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a norma que constava do n.° 2 do artigo 49.º da LGT e que previa a cessação da interrupção da contagem do prazo de prescrição no caso de o processo estar parado por facto não imputável ao contribuinte, essa revogação apenas se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo; 21.ª Também não obsta à prescrição a prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para a cobrança coerciva da liquidação sub judice, na medida em que esta ocorreu apenas em 2011, não se verificando no caso em apreço qualquer causa suspensiva do prazo de prescrição; 22.ª Pelo que, em face do exposto, deve a obrigação tributária em crise ser declarada prescrita e, em consequência, ser anulada a liquidação sob impugnação; 23.ª Razão pela qual, se impõe a revogação da sentença recorrida, atenta a sua ilegalidade, proferindo-se nova decisão que julgue a obrigação tributária em apreço prescrita; 24.ª Sem prejuízo do acima exposto, e sem conceder, incorre ainda a sentença recorrida em erro de julgamento na parte em que julga improcedente a ilegalidade da correção referente à dedutibilidade fiscal das provisões para crédito vencido, devendo ser anulada; 25.ª É que, como é evidente, a dedutibilidade fiscal das provisões constituídas depende simplesmente de se estar perante créditos vencidos, não assumindo qualquer relevância a circunstância de haver ou não uma imediata resolução do contrato; 26.ª Com efeito, a perda do benefício do prazo a que alude o artigo 781.º do Código Civil implica, como a norma literalmente o prevê, o vencimento das demais prestações, sem qualquer condição; 27.ª Assim, e não havendo qualquer dúvida que a contabilização das provisões obedeceu aos dispositivos previstos no Aviso n.° 3/95, do Banco de Portugal, não subsistem quaisquer razões para não aceitar a dedutibilidade fiscal das provisões para crédito vencido constituídas pelo ora Recorrente; 28.ª Com efeito, o único critério a ter em conta para a classificação dos créditos como créditos vencidos ou vincendos, para efeitos de provisionamento dos respetivos riscos nos termos impostos pela referida norma prudencial, é o critério jurídico, isto é, a circunstância de, juridicamente, o credor ter ou não o direito a exigir o pagamento da prestação creditória ao respetivo devedor; 29.ª O que, neste aspeto, não é sequer controvertido pelos serviços da administração tributária; 30.ª Pelo que, ao incluí-los na base de incidência das provisões para crédito vencido, independentemente da posterior reclassificação, mais não fez o Recorrente que dar integral cumprimento ao disposto no Aviso n.° 3/95; 31.ª Outro procedimento que não este contrariaria, aliás, o disposto na referida norma prudencial, a qual, no n.° 3 do seu artigo 3°, apenas isenta as instituições de crédito de constituírem as correspondentes provisões para créditos considerados vencidos, quando ocorra a sua prorrogação ou renovação, e desde que sejam adequadamente reforçadas as garantias constituídas ou sejam integralmente pagos pelo devedor os juros e outros encargos vencidos; 32.ª Acresce que, esta é, aliás, a solução que melhor se coaduna com os critérios de prudência que subjazem às normas emanadas pelo Banco de Portugal; 33.ª Com efeito, no que concerne especificamente ao provisionamento associado ao crédito vencido, o Banco de Portugal tem pautado a sua atuação pela definição de políticas prudentes, ponderando, entre outros, os diferentes níveis mínimos de provisionamento, as classes de risco (atendendo a diferentes critérios, como a duração da mora), a existência ou não de garantia, a natureza dessa mesma garantia, aspetos subjetivos relacionados com a natureza do devedor/garante e até a sua localização geográfica, entre outros; 34.ª Nesta conformidade, sendo pois um critério de prudência o que pauta a atuação do Banco de Portugal, não pode admitir-se que determinado crédito classificado como crédito vencido seja, por mero efeito de uma alegada ausência de exigibilidade ao devedor, excluído de provisionamento; 35.ª Em face do exposto, é inequívoco que as provisões em apreço obedecem à disciplina do Aviso n.° 3/95, de 30 de Junho, do Banco de Portugal, pelo que não podem, desde logo, deixar de ser relevadas como custo fiscal, nos termos do artigo 33.° do Código do IRC, na redação à data aplicável; 36.ª Razão pela qual, se impõe a anulação da correção em apreço e, consequentemente, da liquidação adicional sub judice, julgando-se procedente o recurso e anulando-se a douta sentença recorrida, na parte ora objeto de recurso. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, na parte ora objeto de recurso e, nessa medida, a anulação dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!». 2 – A Recorrida não apresentou contra-alegações. 3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso e ordenada a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto necessária ao conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, uma vez que, existindo elementos no processo que indiciariam que a dívida estaria prescrita, o Tribunal entendeu que não lhe competia, oficiosamente, averiguar da respectiva prescrição. 4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir. II – Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: 1. Pela apresentação n.º 17, de 15/03/1999, foi registada na conservatória do registo comercial a fusão por incorporação global do património da B………., S.A. na A……..- ……….. SA - cfr. certidão da conservatória do registo comercial a fls. 43 a 50 do processo de recurso hierárquico apenso ao processo físico; 2. Pela apresentação n.º 9, de 20/11/2000, foi registada na conservatória do registo comercial a alteração de denominação da sociedade incorporante identificada no ponto anterior para C………. SGPS SA - cfr. certidão a fls. 43 a 50 do processo de recurso hierárquico apenso ao processo físico; 3. Por escritura outorgada em 19/12/2002, procedeu-se à fusão por incorporação do património da sociedade identificada no ponto anterior na sociedade A……… SGPS SA, passando esta a adotar a denominação Banco A……….SA - cfr. certidão a fls. 33 a 41, do processo de recurso hierárquico apenso ao processo físico; 4. A sociedade B…………, S.A. tinha como objeto social o financiamento à aquisição de bens e serviços, com o CAE 65223 - cfr. ponto 2.3.1 na p. 5, do relatório de inspecção constante do processo administrativo apenso ao processo físico; 5. No exercício de 1998, a B……….. SA, relativamente a contratos de crédito com alguma prestação por regularizar há mais de 90 dias, registou na conta 28 - Crédito Vencido os créditos relativos a prestações futuras nos seguintes montantes: - cfr. ponto 29 e 30 do relatório de inspeção constante do processo administrativo apenso ao processo físico; 6. No exercício de 1998, a B………… SA, inscreveu como "Provisão para créditos de cobrança duvidosa (artigo 34 do CIRC)/Créditos em contencioso [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 34.°]" o montante de 5.109.069$00 - cfr. mapa de provisões - modelo 30 -, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, anexo ao relatório da inspeção, constante do processo administrativo apenso ao processo físico; 7. Em 31/05/1999, a sociedade B……., S.A. apresentou a declaração de rendimentos referente ao exercício de 1998, na qual apurou um prejuízo fiscal de €25.569,42 - cfr. documentos informáticos relativo ao teor da declaração e à liquidação, a fls. 13 e 14 do processo de reclamação apenso ao processo físico; 8. A sociedade B…………, S.A foi objeto de uma ação inspetiva, na sequência da qual a Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária procedeu a correções à matéria tributável de IRC do exercício de 1998, no montante de 231.437.485$00 - cfr, relatório da inspeção constante do processo administrativo, apenso ao processo físico; 9. As correções referidas no ponto anterior foram justificadas no relatório de inspeção, do qual consta, entre o mais, o seguinte: […] CORPO DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA 1 - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTlVA [...] IRC - MAPA DE APURAMENTO DC 22 QUADRO 20 LINHA 6 - PROVISÕES NÃO DEDUTÍVEIS EXERCÍCIO: 1998 PROVISÃO PARA DEVEDORES E OUTRAS APLICAÇÕES Propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, ao abrigo da alínea d-) do nº 1 do artº 33° do CIRC, da verba de 5.109.069$00, registada como provisão para devedores e outras aplicações, em virtude de a sua constituição não estar prevista no Aviso 3/95 do Banco de Portugal. QUADRO 20 LINHA 7 - PROVISÕES ALÉM DOS LIMITES LEGAIS […] EXERCÍCIO: 1998 PROVISÃO PARA CRÉDITO VENCIDO CRÉDITO VINCENDO CONSIDERADO VENCIDO Propõe-se a correcção ao lucro tributável do exercício de 1998 do montante de 226.331.416$00, relativo a provisões além dos limites legais, ao abrigo da alínea d-) do nº 1 do artº 33° do CIRC, em virtude de ter sido aplicado pelo contribuinte, a propósito do cálculo do saldo da provisão para crédito vencido em 31/12/98, um critério particular, não previsto no Aviso 3/95 do Banco de Portugal, que consistiu em considerar o crédito vincendo como vencido, no caso de contratos com crédito vencido há mais de 90 dias. [...] 3 - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL [...] 3.3 - ANÁLISE POR MÓDULOS FISCAIS 3.3.1 IRC 3.3.1.1 PROVISÕES A alínea d-) do nº 1 do artº 33° do CIRC define como provisões fiscalmente dedutíveis, as que tenham sido constituídas de acordo com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal, pelas empresas sujeitas à sua supervisão. Em despacho, datado de 6/12/89, do SEAF, foi sancionado o entendimento de que as provisões aceites fiscalmente, a constituir pelas instituições bancárias e seguradoras, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal e pelo Instituto de Seguros de Portugal, serão exclusivamente as provisões específicas dessas actividades. [...] EXERCÍCIO: 1998 A-) PROVISÃO PARA CRÉDITO VENCIDO As empresas financeiras podem provisionar os créditos vencidos, de acordo com o estipulado nos artºs 1° a 3° do Aviso 3/95 do Banco de Portugal. Em 31/12/1998, o saldo da conta 29012 - Provisões Acumuladas - Aplicações - para Crédito de Cobrança Duvidosa e Crédito Vencido - para Crédito Vencido, ascendia a 887.627.275$00, valor indicado no Mapa modo 30, na rubrica relativa às Provisões para Crédito Vencido. No decurso do exercício de 1998, foi efectuado o seguinte movimento, relativamente à provisão referida: No cálculo da provisão para crédito vencido, o contribuinte recorre a critérios particulares, referidos no ponto 3.2 do Anexo às Demonstrações Financeiras, que constituem desvios em relação ao estipulado no Aviso 3/95, a saber: - Alisamento das taxas: aplicação de taxas progressivas dentro de cada classe de risco, conforme o nº de meses de mora dos créditos - Crédito vincendo considerado vencido após 90 dias de mora: transferência para a conta 28, que serve de base à constituição da provisão, do crédito vincendo de contratos que apresentem crédito vencido há mais de 90 dias No decurso da acção foram solicitados esclarecimentos ao contribuinte sobre este assunto, sendo nomeadamente solicitado o recálculo da provisão para crédito vencido, enquadrando-a nos critérios definidos pelo Aviso 3/95 do Banco de Portugal. Em resposta a estas solicitações, o contribuinte forneceu um ficheiro contendo elementos relevantes para o cálculo das provisões, nomeadamente discriminado os valores do crédito vencido e do crédito vincendo registados na conta 28 - Crédito Vencido. A aplicação dos critérios particulares referidos teve diferentes reflexos no cálculo do saldo da provisão em 31/12/98, tendo sido igualmente diferenciado o tratamento dado à questão por parte do contribuinte. De seguida analisam-se as situações que decorreram de cada um dos critérios particulares adoptados pelo contribuinte. I -) ALISAMENTO DAS TAXAS O cálculo da provisão, resultante da aplicação do método do alisamento das taxas, sobre os montantes registados nas diversas subcontas da conta 28 - Crédito Vencido, correspondentes a cada uma das classes de risco, pode ser sintetizado da forma seguinte: Expurgando do cálculo anterior as taxas alisadas, substituindo-as pelas taxas definidas pelo Aviso 3/95, obtêm-se os valores indicados no quadro seguinte: Da aplicação das taxas definidas pelo Aviso 3/95 do Banco de Portugal aos valores registados nas subcontas da conta 28 - Crédito Vencido, correspondentes a cada uma das classes de risco, resultou um excesso de provisões que ascendeu a 57.644.110$00, correspondente à diferença entre 887.573.854$00 e 829.929.744$00, valores das provisões com e sem alisamento das taxas. Compete referir que o contribuinte acresceu ao lucro tributável do exercício em causa, o valor da provisão em excesso, que atingiu 57.644.110$00, pelo que o resultado fiscal do exercício não foi afectado pelo critério particular adoptado. II -) CRÉDITO VINCENDO CONSIDERADO VENCIDO O contribuinte adoptou como critério particular, o registo na conta 28 - Crédito Vencido, do crédito vincendo de contratos que apresentavam crédito vencido, em que a prestação em mora mais antiga ultrapassava os 90 dias, sendo o crédito vincendo incluído na subconta correspondente à classe de risco onde se integrava o crédito vencido respectivo. Em 31/12/98, o total do crédito vencido e vencido ascendia a 1.524.464.099$00, sendo 1.087.495.720$00, relativo a crédito registado como vencido e 436.968.379$00, respeitante a crédito vincendo que não passou para a conta 28, em virtude de o respectivo crédito vencido estar registado na classe I, isto é, corresponder a uma mora inferior a 90 dias. Com base em ficheiro fornecido pelo contribuinte, com a totalidade do crédito, apresentado por número de meses de mora, com discriminação do crédito em vencido e vincendo, foi possível reconstituir a composição da conta 28 e da provisão para crédito vencido, da forma que se segue: Expurgando do cálculo da provisão os montantes do crédito vincendo considerados pelo contribuinte como crédito vencido, a provisão corrigida vem como segue: O valor expurgado da provisão, pode apresentar-se da forma seguinte: Em síntese, o valor a corrigir, é o que resulta do quadro que se segue: No Anexo 4 juntam-se os elementos relevantes para a documentação deste ponto do relatório. Em face do exposto, propõe-se a correcção ao lucro tributável do exercício de 1998 do montante de 226.331.416$00, relativo a provisões além dos limites legais, ao abrigo da alínea d-) do n° 1 do art° 33° do CIRC, em virtude de ter sido aplicado pelo contribuinte, a propósito do cálculo do saldo da provisão para crédito vencido em 31/12/98, um critério particular, não previsto no Aviso 3/95 do Banco de Portugal, que consistiu em considerar o crédito vincendo como vencido, no caso de contratos com crédito vencido há mais de 90 dias. B-) PROVISÃO PARA DEVEDORES E OUTRAS APLICAÇÕES O saldo da conta 29007 - Provisões Acumuladas - Aplicações - para Devedores e Outras Aplicações, em 31/12/98, ascendia a 5.109.069$00, valor indicado no Mapa mod. 30, na rubrica relativa às Provisões para Devedores e Outras Aplicações: No decurso do exercício de 1998, foi efectuado o seguinte movimento, relativamente à provisão referida: A base da provisão consistiu em créditos designados por “carteira complementar”, tendo o representante do contribuinte esclarecido tratarem-se de valores entregues a pontos de venda, no âmbito de contratos futuros que, por qualquer razão subsequente, não deram origem a contratos definitivos, pelo que não se contabilizaram na conta 22 - Crédito Interno, encontrando-se a sua maioria registados em diversas subcontas da conta 27 - Devedores e Outras Aplicações. O Aviso 3/95 do Banco de Portugal não prevê a constituição de uma provisão com as características da indicada, pelo que não é de aceitar a sua dedutibilidade fiscal. No Anexo 5 juntam-se os elementos relevantes para a documentação deste ponto. Em face do exposto, propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, ao abrigo da alínea d-) do n° 1 do art° 33° do CIRC, da verba de 5.109.069$00, registada como provisão para devedores e outras aplicações, em virtude de a sua constituição não estar prevista no Aviso 3/95 do Banco de Portugal. […] 5 - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO A-) PARA OUTROS CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA […] A-) PROVISÃO PARA CRÉDITO VENCIDO Na alínea A-) do ponto 3.3.1.1 - exercício de 1998 - propõe-se a correcção ao lucro tributável do exercício de 1998 do montante de 226.331.41 6$00, em virtude de ter sido aplicado pelo contribuinte, a propósito do cálculo do saldo da provisão para crédito vencido em 31/12/98, um critério particular, não previsto no Aviso 3/95 do Banco de Portugal, que consistiu em considerar o crédito vincendo como vencido, no caso de contratos com crédito vencido há mais de 90 dias, situação com a qual o contribuinte não se conforma. Nas alegações efectuadas ao abrigo do direito de audição, o contribuinte referiu que, nos contratos que celebra, consagra uma cláusula segundo a qual, o não pagamento atempado de qualquer das prestações contratuais lhe confere o direito á resolução imediata do mesmo, sendo exigíveis, a partir desse momento, todas as prestações vincendas. Na sua perspectiva, a circunstância de juridicamente ser possível ao credor, accionar o mecanismo da resolução do contrato, ainda que não o faça, é suficiente para que o crédito se considere vencido. No entanto, tal salvaguarda contratual não significa que o contribuinte proceda automaticamente, nestes casos, à resolução dos contratos, continuando a debitar os clientes pelos montantes das prestações que se vão vencendo, na perspectiva de poder assegurar o recebimento de prestações vencidas e vincendas, constituindo simultaneamente provisões sobre o crédito vincendo. Isto é, para efeitos de facturação, os créditos são considerados vivos, mantendo-se os débitos aos clientes á medida em que os créditos se vencem; para efeitos de provisionamento já os créditos são considerados vencidos. A leitura do Aviso 3/95 do Banco de Portugal, desvanece qualquer pretensão sobre a possibilidade de constituir previsões sobre crédito vincendo, ainda que contratualmente tal crédito pudesse estar vencido se fosse essa a opção do contribuinte, uma vez que refere que “as provisões para risco específico de crédito devem ser constituídas para crédito vencido (…)”, estando fora de causa, como parece pretender o contribuinte, que um crédito seja simultaneamente vencido (para efeito de provisões) e vincendo (para efeitos de facturação). Entende-se, por conseguinte, não ser atendível a pretensão do contribuinte, mantendo-se a correcção proposta. C-) PROVISÃO PARA DEVEDORES E OUTRAS APLICAÇÕES Na alínea B-) do ponto 3.3.1.1 - exercício de 1998 - propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, da verba de 5.109.069$00, registada como provisão para devedores e outras aplicações, em virtude de a sua constituição não estar prevista no Aviso 3/95 do Banco de Portugal. Na sua alegação, refere o contribuinte que a provisão em causa foi constituída ao abrigo do disposto na alínea a-) do art° 33° do CIRC. Em despacho, datado de 6/12/89, do SEAF, foi sancionado o entendimento de que as provisões aceites fiscalmente, a constituir pelas instituições bancárias e seguradoras, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal e pelo Instituto de Seguros de Portugal, serão exclusivamente as provisões específicas dessas actividades. Nessa medida as empresas em causa não podem recorrer ao provisionamento a 100% de créditos vencidos, com base nas alíneas a-) e b-) do n° 1 do art° 33° do CIRC, no que toca, respectivamente, aos credores com processo de falência e nos casos em que o crédito tenha sido reclamado judicialmente, uma vez que existe uma provisão específica para o crédito vencido no regime imposto pelo Banco de Portugal, devendo portanto confinar- se às percentagens definidas pelo n° 4 do art° 3°, eventualmente combinadas com outras normas do Aviso 3/95. Em consequência, não se considerou a tese do contribuinte, mantendo- se a correcção proposta. […] — cfr. relatório da inspeção, constante do processo administrativo apenso ao processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 10. Em 28/08/2000, foi proferido despacho de concordância sobre o relatório de inspeção tributária identificado no ponto anterior — cfr. documento constante do processo administrativo, apenso ao processo físico; 11. Em 06/09/2000, no seguimento das correções efetuadas, foi emitida em nome da B…………. SA a liquidação n.° 83100010471 referente a IRC de 1998, no montante de €211.185,61, tendo como data limite de pagamento o dia 08/11/2000 — cfr. documentos informáticos relativos à liquidação e à nota de cobrança, a fls. 16 a 18 do processo de reclamação, e nota de cobrança a fls. 52 do processo de recurso hierárquico, apensos ao processo físico; 12. Em 21/02/2001, foi instaurado no serviço de finanças de Porto 2 o processo de execução fiscal n.° 3182200101002570 para cobrança da dívida de IRC identificada no ponto anterior — cfr. documento informático relativo à tramitação do processo constante do processo administrativo, apenso ao processo físico; 13. Em 05/02/2001, a sociedade C…………. SGPS SA apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada no ponto 11, peticionado a sua anulação — cfr. petição a fls. 2 a 10 do processo de reclamação apenso ao processo físico; 14. Por despacho de 10/05/2004, a reclamação referida no ponto anterior mereceu decisão de indeferimento — cfr. documento a fls. 43 do processo de reclamação, apenso ao processo físico; 15. Em 30/06/2004, o Banco A………. SA apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento identificada no ponto anterior, peticionando a sua anulação e a anulação da liquidação identificada no ponto 11 — cfr. petição a fls. 3 a 25 do processo de recurso hierárquico apenso ao processo físico; 16. Por despacho de 04/11/2005, o recurso hierárquico referido no ponto anterior mereceu decisão de indeferimento — cfr. documento constante do processo de recurso hierárquico apenso ao processo físico; 17. Para comunicação da decisão identificada no ponto anterior foi remetido ao mandatário da recorrente ofício por correio registado com aviso de receção, que foi assinado e do qual consta o carimbo dos CTT com a data de 17/02/2006 — cfr. documentos constantes do processo administrativo apenso ao processo físico; 18. Por correio registado em 02/03/2006, a petição inicial da presente impugnação foi remetida a este tribunal — cfr. documento a fls. 22 do processo físico. Não se provou se ocorreu ou não o pagamento da dívida impugnada. * MOTIVAÇÃO. Os factos provados foram fixados com base nos elementos documentais constante dos presentes autos e do processo administrativo apenso, nomeadamente os relativos ao procedimento de inspeção tributária, os quais não foram impugnados e mereceram credibilidade, conforme discriminado nos vários pontos do probatório. O facto dado como não provado resulta da ausência de elementos junto aos autos. Apesar da informação prestada pelo serviço de finanças de Porto 2, através do ofício recebido neste tribunal em 08/03/2011, no sentido de que não existirem quaisquer pagamentos no processo de execução fiscal, não é de afastar a possibilidade de, no intervalo de tempo decorrido, ter ocorrido tal pagamento. Assim, e não se justificando encetar nova diligência junto das partes para apurar essa e outras eventuais ocorrências no processo de execução fiscal, dá-se este facto como não provado. 2. Questão a decidir Saber se a prescrição é fundamento de anulação da liquidação em processo de impugnação judicial e saber se assiste razão à impugnante no que respeita à interpretação sufragada pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quanto à (in)admissibilidade da dedução das provisões para créditos vencidos tal como as mesmas haviam sido constituídas pela Recorrente.
3 – Do direito 3.1. Da prescrição da obrigação tributária A recorrente começa por alegar que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deveria ter conhecido da prescrição da obrigação tributária, por a mesma resultar evidente da prova produzida e dos elementos carreados pela impugnante para o processo e que, se considerasse que esses elementos não eram suficientes, deveria o Tribunal a quo ter ordenado, em cumprimento do princípio do inquisitório, a realização da prova adequada para conhecer da alegada prescrição. Por assim não ter procedido, enfermaria aquela sentença de ilegalidade, impondo-se a sua revogação. Vejamos se assiste razão à Recorrente nesta argumentação.
3.1.1. Da matéria de facto dada como provada, releva para o balizamento temporal do termo inicial e das causas de suspensão e interrupção da alegada prescrição o seguinte: · A obrigação tributária reporta-se à liquidação adicional (acto tributário praticado em 6 de Setembro de 2000) referente ao IRC do exercício de 1998 da B……….. SA (ponto 11 da matéria de facto dada como provada); · Em 5 de Fevereiro de 2001 foi apresentada reclamação graciosa daquele acto de liquidação (ponto 13 da matéria de facto dada como provada); · Em 21 de Fevereiro de 2001 foi instaurado processo de execução fiscal no serviço de finanças de Porto 2 (ponto 11 da matéria de facto dada como provada); · Em 10 de Maio de 2004 foi indeferida a reclamação graciosa (ponto 14 da matéria de facto dada como provada); · Em 30 de Junho de 2004 foi interposto recurso hierárquico do acto de indeferimento da reclamação graciosa (ponto 15 da matéria de facto dada como provada); · Em 4 de Novembro de 2005 foi indeferido o recurso hierárquico; indeferimento que foi comunicado ao mandatário do ora Recorrente em 17 de Fevereiro de 2006 (pontos 16 e 17 da matéria de facto dada como provada); · Em 2 de Março de 2006, deu entrada em juízo a petição inicial da impugnação judicial (pontos 18 da matéria de facto dada como provada). A Lei Geral Tributária entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, e no n.º 5 do artigo 5.º do diploma que a aprovou (o Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) dispunha-se expressamente que “[O] novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998”. Assim, as normas legais aplicáveis eram as da Lei Geral Tributária, que à data dispunham o seguinte: Artigo 48.º (Prescrição) 1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. (…) Artigo 49.º (Interrupção e suspensão da prescrição) 1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que tiver decorrido após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso. (destacado e sublinhado nosso) Da conjugação dos elementos de facto com o quadro normativo aplicável resulta que o prazo de prescrição de oito anos começou a correr em 1 de Janeiro de 1999 e se interrompeu em 5 de Fevereiro de 2001 com a apresentação da reclamação graciosa. É verdade que a circunstância de a decisão da reclamação graciosa apenas ter tido lugar em 10 de Maio de 2004 e, por isso, aquele procedimento ter estado parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, deveria fazer cessar o efeito interruptivo do prazo de prescrição, ex vi do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, e dar lugar ao somatório do período posterior àquele ano para o cômputo do prazo de prescrição da obrigação tributária. Todavia, como resulta também da matéria de facto dada como provada, em 21 de Fevereiro de 2001 (data em que a obrigação ainda não estava prescrita) foi instaurado processo de execução fiscal. E o processo de execução fiscal é causa de suspensão do prazo de prescrição, ex vi do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, sempre que aquele processo fique parado em virtude de pagamento ou de prestação de garantia; elementos em relação aos quais não existem dados no processo que permitam decidir a questão. Por isso, contrariamente ao que alega a Recorrente, não existem no processo dados suficientes para conhecer oficiosamente da prescrição, uma vez que, como se afirma na sentença recorrida, a ter existido o referido pagamento ou prestação de garantia para suspender o processo de execução fiscal, tal teria determinado a suspensão do prazo de prescrição e, como tal a obrigação fiscal não estaria (e não está) prescrita.
3.1.2. Alega então a Recorrente que, a existir dúvida quanto à verificação ou não dos requisitos legais que determinariam a prescrição da obrigação tributária, deveria o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ter diligenciado para obter essa informação, como lhe impõe o princípio do inquisitório. Mas também quanto a este argumento não pode proceder o presente recurso. Com efeito, como tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo ― quer no acórdão de 11 de Março de 2009 (proc. 0659/08), referido na sentença recorrida, quer, mais recentemente, no acórdão de 4 de Julho de 2018 (proc. 01433/17), ― “só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários”. Como se explica nos mencionados arestos deste Supremo Tribunal “a prescrição não constitui fundamento de impugnação judicial da liquidação, por este processo visar apreciar a legalidade do acto de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação”. Aqueles acórdãos acrescentam ainda que, apesar disso, a prescrição pode ser conhecida no processo de impugnação, “incidentalmente, para se determinar se existe interesse em conhecer das causas de invalidade apontadas ao acto de liquidação”, uma vez que, verificada a prescrição, esta constituirá “causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”; mas não – repete-se – motivo de anulação da liquidação. E precisamente por não ser motivo de anulação da liquidação (mas apenas um pressuposto da utilidade do conhecimento das causas de invalidade alegadas na impugnação) é que o Supremo Tribunal Administrativo tem sancionado o entendimento de que não haverá, neste caso, que diligenciar para conhecer se estão ou não verificados os pressupostos da prescrição; haverá apenas que conhecer deles se todos os elementos constarem do processo. O que, como vimos, não sucedida neste caso e, pelas razões que acabámos de aduzir, não era também legalmente exigível ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contrariamente ao que afirma o Recorrente, que o mesmo diligenciasse para obter essas informações. A prescrição enquadra, sim, “fundamento de oposição à execução, tal como resulta dos artigos 99.º e 204.º, n.º 1, al. d) do CPPT” e, por isso, nada obsta a que a mesma seja conhecida em sede própria, i. e. no âmbito da oposição à execução. Em suma, também não procede no âmbito do presente recurso o argumento de violação do princípio do inquisitório por parte do Tribunal a quo.
3.1.3. Ainda sobre a prescrição, propõe-se o Recorrente trazer ao conhecimento deste Supremo Tribunal Administrativo, nas alegações que apresenta (e nos documentos que as acompanham, cf. doc 2 junto com as alegações), em complemento da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e com o intuito de afastar a incerteza quanto à verificação ou não do pressuposto que obsta ao conhecimento da prescrição, um documento que comprovaria que a prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal apenas teria tido lugar em 2011. Ora, tal como resulta da al. b) do artigo 26.º e da al. a) do artigo 38.º do ETAF e do n.º 1 do artigo 280.° do CPPT, a competência do Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, exclusivamente, a matéria de direito, constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete (cfr. al. a) do artigo 38.º do ETAF) conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.°» (Com a nova redacção da al. b do artigo 26.º do ETAF, introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo ficou também restringido às “decisões de mérito dos tribunais tributários”, o que não relevância no âmbito do presente recurso.). 3.2.1. O Recorrente considera ainda que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto incorreu em erro de julgamento na parte em que julgou improcedente a impugnação da correcção referente à dedutibilidade fiscal das provisões para crédito vencido com fundamento em alegada ilegalidade da mesma. Nesta parte o Recorrente contesta a interpretação vertida na sentença recorrida quanto à conformidade ou não da prática por si adoptada com as orientações do Banco de Portugal sobre a constituição de provisões para créditos vencidos. Importa sublinhar, primeiramente, que: i) é aceite pelo Recorrente que, para relevarem como custo fiscal nos termos das disposições conjugadas dos artigos 23.º, al h) e 33.º, n.º 1, al. d) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (Na redacção daqueles preceitos à data a que se reporta o facto tributário, ou seja, o ano fiscal de 1998.), as provisões para créditos vencidos teriam de ser constituídas de harmonia com as regras ditadas pelo supervisor financeiro, no caso, o Banco de Portugal; ii) que o conceito de créditos vencidos teria de ser o resultante do então vigente Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, publicado no D.R., 2.ª Série, de 30 de Junho de 1995, onde se estabelecia, no uso da competência conferida pela al. e) do artigo 99.º do Regime Geral (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), a obrigação de constituição de provisões por parte das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, entre outras finalidades, com as de risco específico de crédito e riscos gerais de crédito (Este é também o entendimento pacífico da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo como resulta, entre outros, do acórdão de 26 de Abril de 2007 (proc. 127/07), onde se afirma que “I - Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do CIRC, na redacção anterior à Lei 30-G/2000, são fiscalmente dedutíveis as provisões constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização. II - As provisões fiscalmente dedutíveis tanto podem resultar de uma disposição de carácter genérico como de um acto administrativo individual e concreto do Banco de Portugal, de acordo com o n.º 18 do Aviso 3/95”. 3.2.2. Assim, o objecto do presente recurso restringe-se, nesta parte, à questão de saber se era ou não conforme com aquelas regras e, nessa medida, com o resultado da respectiva interpretação jurídica, a qualificação como “créditos vencidos” de prestações futuras de créditos que se tinham como antecipadamente vencidos, à luz do artigo 781.º do Código Civil, por efeito do não cumprimento de uma prestação. 3.2.2.1. Segundo a sentença recorrida, tais prestações futuras no âmbito dos contratos que contemplavam uma cláusula de vencimento imediato das mesmas ao abrigo do artigo 781.º do Código Civil deveriam qualificar-se, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 14 de Novembro de 2006, no proc. 06B2911), como imediatamente exigíveis, mas não automaticamente vencidas e, por essa razão, as provisões para cobrir tais créditos não poderiam qualificar-se como provisões para créditos vencidos, uma vez que a sua condição de imediatamente exigíveis por perda do benefício do prazo (um “poder sancionador privado” que, por efeito do contrato, se constitui na esfera jurídica do credor em caso de incumprimento de uma obrigação parcelar por parte do devedor) não corporizaria o vencimento automático da totalidade da obrigação, continuando o mesmo dependente da interpelação do credor para o cumprimento. É que, na verdade, perante a perda do benefício do prazo, fica ainda na dependência do livre arbítrio do credor exigir imediatamente o cumprimento total da obrigação ou manter o que havia sido acordado no contrato quanto aos prazos de vencimento das prestações e ir interpelando o devedor para o cumprimento das mesmas naquelas datas, sem que se verifique, nesta segunda hipótese, um vencimento antecipado do crédito. E esta é uma solução legal razoável, pois pode o credor não ter interesse em antecipar o vencimento da obrigação total, até porque, desde logo, a referida perda de benefício do prazo prevista no artigo 781.º do Código Civil não se estende aos co-obrigados do devedor nem aos fiadores – artigo 782.º do Código Civil. Em outras palavras, a imediata exigibilidade da totalidade do crédito, que resulta do incumprimento de uma obrigação parcelar nos contratos que tenham aposta uma cláusula com o conteúdo da regra do artigo 781.º do Código Civil, só consubstancia um vencimento antecipado da totalidade do crédito se o credor efectivamente interpelar nesse momento o devedor para que este cumpra a obrigação total (liquide a dívida total). Esta é também a interpretação do artigo 781.º acolhida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2006 (proc. n.º 2911/06), segundo a qual: “I - Na liquidação da obrigação em prestações, a que alude o art. 781.º do CC, o vencimento imediato das restantes prestações, quando uma delas não é satisfeita, não exclui a necessidade de interpelação, dado tratar-se de uma faculdade do credor que a exercerá se assim o entender. II - Significando, pois, a imediata exigibilidade dessas prestações e não que a data do seu vencimento passe a ser a da prestação faltosa” Por isso não tem razão o Recorrente quando afirma nas suas alegações que “a dedutibilidade fiscal das provisões constituídas depende simplesmente de se estar perante créditos vencidos, não assumindo qualquer relevância a circunstância de haver ou não uma imediata resolução do contrato” e tem razão a sentença recorrida quando faz depender a dedutibilidade fiscal das provisões para créditos vencidos respeitantes às prestações futuras daqueles créditos de uma interpelação por parte da Recorrente para o cumprimento integral da obrigação.
3.2.2.2. Ainda sobre a questão das provisões para créditos vencidos e a sua dedutibilidade como custo fiscal tem a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo afirmado, com relevância para decisão do presente recurso, que “as provisões são fundos destinados a cobrir o risco de cobrança do crédito e, por isso, só são constituídas a partir do momento em que ocorre esse risco. Razão por que também só podem respeitar ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade” (acórdão de 21 de Setembro de 2016, proc. 936/13-30), em outras palavras, as provisões visam satisfazer um encargo previsível do exercício (no caso do “crédito incobrável”, uma receita que com um grau elevado de probabilidade não se efectivará ou que não se efectivará pelo seu valor nominal) o que significa que tem de ser respeitado, também neste âmbito, o princípio da especialização do exercício, ou seja, só se podem constituir provisões que digam respeito a encargos do exercício respectivo. Também por este critério ― o da especialização dos exercícios ― é fundamental que fique contabilisticamente demonstrado que estamos perante um crédito vencido, ou seja, um crédito a respeito do qual o devedor já foi interpelado para o seu cumprimento sem o ter realizado (sé esse é imputável ao exercício), e não apenas perante um crédito com data de vencimento futura, apesar de o credor beneficiar do poder de interpelação antecipada para o respectivo cumprimento (é que a sua imputação só pode fazer no exercício a que se reportar o incumprimento, seja naquele em que ocorre o vencimento, seja antecipadamente, naquele em que tenha lugar a formal e efectiva interpelação para o cumprimento por perda do benefício do prazo).
3.2.2.3. Por último, alega a Recorrente que o critério adoptado pelo Tribunal a quo para a qualificação dos créditos vencidos não é o critério adoptado no Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, o qual, para este efeito, consubstancia a norma especial (de regulação técnica) aplicável à qualificação das provisões para efeitos de custos fiscais. Dito de outro modo, nem todas as provisões que uma sociedade comercial constitui no âmbito de uma gestão prudente e responsável (i. e. segundo um critério de gestão privada e com a natureza de fundos ou reservas para a neutralização de riscos comerciais) são reconduzíveis ao conceito de provisões para efeitos de custos dedutíveis em IRC (i. e. conceito definido segundo um critério de despesa fiscal e com a natureza de um custo que a Sociedade em geral suporta em nome do bom funcionamento da economia). Neste contexto, cabe ao legislador, no âmbito da sua margem de livre conformação, norteado por um juízo de adequação e razoabilidade, no contexto da relação de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável, definir os critérios que hão-de presidir à determinação das provisões fiscalmente dedutíveis, ou seja, de entre aquelas que as empresas constituem as que podem ser levadas a custos do exercício. No caso das empresas submetidas à fiscalização do Banco de Portugal, como a Recorrente, as provisões eram fiscalmente dedutíveis, segundo a lei em vigor à data dos factos, sempre que tivessem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta por aquela autoridade reguladora. Por isso, no caso, importa saber, para efeitos da qualificação das provisões respeitantes a créditos vencidos, aquilo que era estipulado no já referido Aviso n.º 3/95 daquela autoridade reguladora. Ora no ponto 3.º do mencionado Aviso n.º 3/95 podia ler-se o seguinte: “1- Para efeitos da constituição das provisões para crédito vencido, os vários tipos de crédito são enquadrados nas classes de risco indicadas no número seguinte, as quais reflectem o escalonamento dos créditos e dos juros vencidos em função do período decorrido após o respectivo vencimento ou o período decorrido após a data em que tenha sido formalmente apresentada ao devedor a exigência da sua liquidação. 2- As classes de risco a que se refere o número precedente são as seguintes: a) Classe I – até três meses; b) Classe II – mais de três até seis meses; c) Classe III – mais de seis meses, mas não superior a um ano; d) Classe IV – mais de um ano, mas não superior a três; e) Classe V – mais de três anos». (destacado e sublinhado nosso) Resulta expressamente daquelas regras que, também para este efeito, ou seja, para efeitos do que a Recorrente designa nas suas alegações como “critério jurídico de classificação do crédito vencido”, um crédito vencido é apenas aquele em que já ocorreu o respectivo vencimento, i. e., já se atingiu o prazo de vencimento, ou aquele em que, embora esse prazo ainda não tenha sido atingido, o credor já tenha legitima e formalmente exigido ao devedor a sua liquidação, como sucede quando se verifica um caso de perda de benefício do prazo à luz do disposto no artigo 781.º do Código Civil. Ab contrario, para a qualificação de um crédito como crédito vencido à luz daquela regra, não basta que o credor tenha o direito de exigir a liquidação integral do crédito ao devedor (por perda do benefício do prazo), é necessário que formalmente tenha exigido o respectivo pagamento para que o crédito se possa juridicamente qualificar como crédito vencido segundo Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal e, por esse efeito, como provisão fiscalmente dedutível. Assim, também neste caso não assiste razão ao Recorrente e andou bem a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao julgar improcedente a impugnação judicial da liquidação por considerar que os créditos exigíveis (por perda do benefício do prazo por parte do devedor em decorrência de cláusula contratual que acolha a solução do artigo 781.º do Código Civil), mas em que não tenha ainda sido formalmente exigido o respectivo cumprimento ao devedor, não podem qualificar-se como créditos vencidos para efeitos do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal e, consequentemente, como provisões fiscalmente dedutíveis à luz do artigo 33.º, n.º 1, al. d do CIRC. Conclusões Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário]. * Lisboa, 22 de Janeiro de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) – Paulo Antunes – Francisco Rothes. |