Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0327/13.1BEALM
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PATRIMÓNIO CULTURAL
CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL
ZONA DE PROTECÇÃO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão questão relativamente à qual se verifica capacidade de expansão da controvérsia e cuja elucidação assume relevo jurídico, e onde se regista a necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P29371
Nº do Documento:SA1202205050327/13
Data de Entrada:04/20/2022
Recorrente:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Recorrido 1:A....., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS [doravante R.] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por inconformado com o acórdão de 20.01.2022 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 278/310 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso que havia sido deduzido por A……., SA e B………, SA [doravante AA.] na ação administrativa especial pelas mesmas instaurada e que revogou a decisão de 31.03.2014, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada [doravante TAF/ALM] [cfr. fls. 145/162 e fls. 186/187], anulando «os atos administrativos contidos na Portaria n.º 740-CO/2012, de 17.12.2012, com fundamento na caducidade do procedimento administrativo de classificação do Alto Forno da ….. como monumento de interesse público e de fixação da zona especial de proteção do monumento».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 323/333] na relevância jurídica e social da questão que reputa como de importância fundamental [a qual envolve a definição da natureza e contagem do prazo constante do art. 24.º da Lei n.º 107/2001, de 08.09 (diploma que estabeleceu as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural), mormente se constitui um prazo perentório ou meramente indicativo, questão essa que releva e se repercute nos múltiplos procedimentos de classificação de imóveis de interesse público] e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto no art. 24.º, n.ºs 2 e 5, da referida Lei n.º 107/2001.

3. As AA. devidamente notificadas produziram contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 345/367], nelas pugnando, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/ALM julgou a ação administrativa totalmente improcedente dado insubsistentes os fundamentos de ilegalidade invocados, decisão essa que veio a ser revogada pelo TCA/S, que julgou procedente a pretensão e anulou os atos impugnados contidos nos arts. 01.º e 02.º da Portaria n.º 740-CO/2012 por violação do arts. 24.º da Lei n.º 107/2001 e 34.º do DL n.º 309/2009, de 23.10.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que «no regime do CPTA, diversamente do processo civil, a falta de alegação específica não obsta automaticamente à admissibilidade do recurso», «mas reduz a tarefa de apreciação oficiosa ao que, face aos termos das alegações, se apresente como evidente» [cfr., entre outros, os Acs. do STA/Formação Admissão Preliminar de 10.07.2013 - Proc. n.º 01067/13, de 12.09.2013 - Proc. n.º 0228/12, de 09.01.2014 - Proc. n.º 01883/13, de 03.04.2014 - Proc. n.º 0237/14, de 29.04.2021 Proc. n.º 0459/20.0BELRA e de 07.04.2022 - Proc. n.º 02337/20.3BEPRT].

9. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que revistam de particular repercussão na comunidade.

11. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

12. Presentes no que constitui objeto de dissídio as pronúncias diametralmente divergentes das instâncias que se mostram firmadas nos autos e que a pronúncia do TCA, atentas as críticas que lhe foram dirigidas pelo recorrente, não se mostra isenta de alguma controvérsia e não está imune à dúvida, carecendo de devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal para aferir do seu acerto, temos como justificada a necessidade de admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

13. E, para além disso, temos que a concreta e atrás explicitada quaestio juris suscitada da revista revela-se como igualmente dotada de relevância jurídica e social fundamental, porquanto a mesma envolve não só complexidade jurídica, indiciada, desde logo, como vimos pelos juízos diametralmente divergentes das instâncias e para cuja dilucidação se exige a devida concatenação de variado quadro normativo e conceptual, assim como a mesma assume carácter paradigmático e exemplar, dado que dotada de capacidade de expansão da controvérsia, de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos para outras situações futuras indeterminadas, com evidente repercussão no âmbito dos procedimentos de classificação de bens/património e de definição/delimitação de zona especial de proteção, e que reclamam deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras.

14. Flui do exposto a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 05 de maio de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.