Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:090/18.0BCLSB
Data do Acordão:04/05/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:Não é de receber a revista do acórdão do TCA confirmativo de decisão do TAD que admitiu a produção de prova testemunhal relativa à existência e ao clausulado de contratos reduzidos a escrito por convenção das partes e celebrados com terceiros, pois, e no caso de documentos particulares, a proibição de que se produza prova por testemunhas, prevista no art. 393º do Código Civil, só respeita aos dissídios que corram entre os próprios contraentes.
Nº Convencional:JSTA000P24425
Nº do Documento:SA120190405090/18
Data de Entrada:03/26/2019
Recorrente:LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
Recorrido 1:FUTEBOL CLUBE DO PORTO - FUTEBOL, SAD E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A Liga Portuguesa de Futebol Profissional interpôs a presente revista do acórdão do TCA Sul confirmativo da pronúncia do TAD que - num processo aí intentado contra a recorrente por Futebol Clube do Porto - Futebol SAD, Sporting Clube de Portugal, SAD, Vitória Sport Clube - Futebol SAD e Clube Desportivo Nacional - Futebol SAD, processo esse em que o TAD suspendeu a obrigatoriedade de certas normas - permitiu aos autores a produção de prova testemunhal para demonstrar a existência de determinados contratos.

A recorrente pugna pela admissão da revista por ela recair sobre uma questão relevante e mal decidida.
Os recorridos consideram a revista inadmissível.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).
A essencial «quaestio juris» colocada na revista consiste em saber se o TAD e o TCA andaram bem ao aceitar que os autores produzissem prova testemunhal para demonstrar a existência e o teor de contratos escritos - mas não sujeitos a forma legal - por eles celebrados com terceiros.
A recorrente clama pela flagrante ilegalidade dessa aceitação, que afrontaria o disposto no art. 393° do Código Civil.
O n.º 1 desse artigo exclui que os contraentes, após estipularem uma forma convencional (art. 223° do Código Civil), provem por testemunhas a existência e o clausulado do negócio. E o n.º 2 do art. 393° afasta a prova testemunhal relativamente ao conteúdo documental já dotado de força probatória plena.
Mas, no caso dos documentos particulares, estas proibições do uso da prova testemunhal só regem nos dissídios que corram entre os próprios contraentes. Na verdade, e à luz do n.º 1 do artigo, só eles estão reciprocamente vinculados à forma convencional que pactuaram - e a inadmissibilidade de um recurso a testemunhas é um efeito desse seu pacto; e, quanto ao n.º 2, é bem sabido que a força probatória dos documentos particulares só opera «inter partes» - pois tal força só tem eficácia «erga omnes» no caso dos documentos autênticos.
Sendo assim, o art. 393° do Código Civil não veda absolutamente que o autor ou o réu utilizem a prova por testemunhas para provar a existência ou o teor de um contrato que hajam celebrado com terceiros mediante forma convencional. Questão diversa - e alheia ao tema da revista - é a de saber até que ponto ou em que termos uma prova desse género, sujeita a apreciação livre, poderá convencer o julgador.

Postas assim as coisas, o acórdão recorrido deu uma solução certa ao problema jurídico com que se defrontara. E, se também considerarmos que o assunto colocado no presente recurso é incomum na jurisdição administrativa, temos de concluir pela desnecessidade de recebimento da revista.
Portanto, deve prevalecer, «in casu», a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.
Porto, 5 de Abril de 2019. - Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.