Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/08
Data do Acordão:05/21/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRC
LUCRO TRIBUTÁVEL
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
REGIME GERAL
Sumário:I- A tributação segundo o regime simplificado é facultativa, sendo colocada na disponibilidade do sujeito passivo a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º do CIRC.
II- A opção feita na declaração de início de actividade pela aplicação do regime geral releva para os três exercícios seguintes (n.º 7 do referido art. 53.º), ainda que esse regime já resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial.
Nº Convencional:JSTA0009155
Nº do Documento:SA220080521010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1- A Fazenda Pública com os sinais nos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fls. 53 e seguintes, que julgou procedente a impugnação deduzida por “A…”, contra a liquidação de IRC do ano de 2003, no montante de € 4.156,96, formulando as seguintes conclusões:

I. Tendo o sujeito passivo indicado, na declaração de início de actividade, um volume total anual de proveitos estimados superior a € 149.639,37, não poderia exercer a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC, uma vez que estava, nos termos do art. 53º, do CIRC e por imposição legal, enquadrado neste regime.
II. O nº 2 do artigo 53º supra citado determina que, no exercício do início de actividade, o enquadramento do sujeito passivo num dado regime de determinação do lucro tributável é efectuado em conformidade com o valor total anual de proveitos estimado, constante da respectiva declaração de início de actividade.
III. Assim, a indicação da opção pelo regime geral será apenas válida e relevante, para efeitos fiscais, se o sujeito passivo reunir todos os pressupostos referidos no nº 1 do normativo citado, nomeadamente se o valor total anual de proveitos estimado for inferior ou igual a € 149.639,37.
IV. No caso de aquele valor estimado ser superior ao limite legal, o sujeito passivo fica enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, não por opção, mas por obrigação legal.
V. Nos termos do nº 1 do art. 53º, do CIRC, quando o enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável resultar de imposição legal (e não de opção legalmente válida), o enquadramento no exercício seguinte será efectuado tendo em conta o volume de proveitos efectivamente obtido no exercício imediatamente anterior.
VI. Ora, no caso em apreço, o sujeito passivo não reunia os pressupostos de enquadramento no regime simplificado de tributação, pelo que a opção pelo regime geral assinalada na declaração de início de actividade seria absolutamente irrelevante, uma vez que o volume de negócios por si estimado determinaria — por expressa imposição legal — o seu enquadramento no regime geral.
VII. Nestes termos, atendendo a que o valor total anual de proveitos efectivamente obtido pelo sujeito passivo, no exercício de 2002, ficou aquém da estimativa efectuada para esse exercício e abaixo do limite legal estabelecido de € 149.639,37, o enquadramento do sujeito passivo seria, obrigatoriamente, alterado para o regime simplificado de determinação do lucro tributável a partir do exercício de 2003 e por três anos consecutivos (cfr. redacção do nº 9 do art. 53º, do CIRC),
VIII. a menos que o sujeito passivo tivesse exercido a faculdade de opção pelo regime geral até ao fim do mês de Março desse ano de 2003, nos termos da alínea b), do nº 7 do art. 53°, do CIRC, circunstância que, no caso em análise, não se verificou.
IX. Enquanto o enquadramento no regime geral resultar de imposição legal, o enquadramento em cada um dos exercícios subsequentes será efectuado anualmente, tendo sempre por base o volume de proveitos efectivamente obtido no exercício anterior.

2- A recorrida “A…” não contra-alegou.

3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, defendendo que, nomeadamente que “…resulta da conjugação de normas do art. 53º do CIRC que, se os proveitos do exercício de um sujeito passivo, enquadrado no regime geral (de determinação do lucro tributável), for igual ou inferior a 149.639,37€, como é o caso dos autos, passará, obrigatoriamente, a ser enquadrado no regime simplificado, a menos que, até ao fim de Março do exercício seguinte, volta a optar pelo regime geral. (…) no caso dos autos essa opção não foi renovada, bem andou a Administração Fiscal ao determinar o lucro tributável desse segundo exercício pelo regime simplificado da determinação.”

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

1. A impugnante é sujeito passivo de IRC, tendo declarado início de actividade em 03.01.2002. Na declaração de início de actividade indicou um volume total anual de proveitos estimados de 280.000,00 €. fls. 17 ss.
2. No quadro 13, epigrafado com “opção por regime de tributação (se não pretende exercer qualquer opção, passe ao quadro seguinte)”, da mesma declaração assinalou a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC.
3. Na mesma declaração, quadrado 16, assinalou possuir contabilidade organizada, informatizada e centralizada na sede. Identificou o TOC.
4. Na declaração mod. 22 relativa ao ano 2002, declarou ter obtido 5.124,70 € de proveitos.
5. Em 2004 a impugnante apresentou a declaração mod. 22 relativa a 2003 via Internet.
6. Por carta datada de 27/08/2004, remetida pela Direcção-Geral dos Impostos, foi a impugnante notificada de que a referida declaração continha erros, nomeadamente a sua inclusão no regime geral, quando o seu enquadramento deveria ter sido no regime simplificado. Fls. 11.
7. Em 28 de Dezembro de 2004 a impugnante apresentou reclamação junto do Director Distrital de Finanças de Braga, contra a sua integração no regime simplificado. Fls. 12.
8. Em 28/01/2005, o Director de Finanças de Braga, indeferiu a reclamação apresentada pela impugnante, conforme fls. 13 e 14.
9. Em 25 de Maio de 2005, a Direcção Distrital de Finanças de Braga, remeteu à impugnante um projecto de decisão sobre a determinação da matéria colectável com base na integração da impugnante no regime simplificado. Fls. 15.
10. Em 23/06/2005 a Direcção-Geral dos Impostos, DF de Braga, notificou a impugnante da alteração da fixação de rendimentos, referente a IRC do ano de 2003, conforme fls. 16.
11. Em 5 de Agosto de 2005 é a impugnante notificada da liquidação de fls. 9, com termo de pagamento a 24/8/05.

5- A questão que se coloca no presente recurso prende-se em saber se a ora recorrida, na declaração de início de actividade, tendo indicado um volume total de proveitos estimados de € 280.000,00 para o ano de 2002, poderia logo aí exercer a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC, tendo em conta que, nos termos do artigo 53.º, n.º 1 do CIRC, esse era já o regime legalmente imposto, sendo certo que o volume total de proveitos declarados para aquele ano veio a ser inferior a € 149.639, o que imporia o seu enquadramento no regime simplificado a partir do exercício de 2003, acaso não tivesse sido exercida aquela opção.
A sentença sob recurso, em suma, considerando que o regime simplificado não é o regime regra, antes pressupondo uma opção por parte do sujeito passivo, sendo certo que no caso a recorrida declarou possuir contabilidade organizada, concluiu que, não obstante o valor estimado impor o regime geral, nada obstava a que desde logo tivesse feito opção expressa por esse regime.
Por sua parte, a recorrente Fazenda Pública vem defender que a opção pelo regime geral apenas será válida e relevante no caso do sujeito passivo reunir no momento da declaração os pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 53.º do CIRC, nomeadamente se o valor total dos proveitos estimado for igual ou inferior a € 149.639,37.
Vejamos.

Estabelece o artigo 53.º do CIRC, nos nºs 1,2,7 e 8, o seguinte:

Regime simplificado de determinação do lucro tributável

1 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos residentes que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com excepção dos que se encontrem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30 000 000$00 (euro) 149 639,37) e que não optem pelo regime de determinação do lucro tributável previsto na secção II do presente capítulo.
2 - No exercício do início de actividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor total anual de proveitos estimado, constante da declaração de início de actividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o número anterior.
…………….
7 - A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;
b) Na declaração de alterações a que se referem os artigos 110.º e 111.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
8 - A opção referida no número anterior é válida por um período de três exercícios, findo o qual caduca, excepto se o sujeito passivo manifestar a intenção de a renovar pela forma prevista na alínea b) do número anterior (redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro) ( ).

Ressalta deste enquadramento normativo que a natureza facultativa da tributação segundo o regime simplificado (que se traduz em o rendimento que serve de base à tributação ser determinado através da aplicação de indicadores de base técnico-científica definidos para os diferentes sectores da actividade económicas, ou, na sua falta, através da aplicação de determinados coeficientes ao valor das mercadorias e de produtos e restantes proveitos, com um determinado montante mínimo) se define como uma garantia que é conferida ao sujeito passivo de poder ser tributado pelo rendimento real, dessa forma preservando a respectiva conformidade constitucional em face do disposto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP que preceitua que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
Definindo-se como uma garantia que é conferida ao sujeito passivo de poder ser tributado pelo rendimento real, sendo certo que o regime simplificado não constitui o regime regra consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, acompanha-se a sentença recorrida quando entende que não se vê razão para não ser atendida a opção pelo regime geral de tributação expressa pela recorrente (2. do probatório), tanto mais que assinalou na mesma declaração de inicio de actividade possuir contabilidade organizada (3. do probatório).
Nestas circunstâncias, muito embora o regime geral logo resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial para o ano de 2002, a intenção manifestada pelo ora recorrido de opção por esse regime não poderia deixar de relevar para o caso de, como veio a acontecer, o valor declarado para esse ano (€5.124,70 - 4. do probatório) determinar a aplicação, em princípio, do regime simplificado a partir do exercício de 2003.
Relevando, como releva, essa opção inicial pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC à luz da alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do CIRC, opção essa válida para os três exercícios seguintes (n.8 do mesmo artigo), ao invés do que defende a recorrente Fazenda Nacional, a concretização da opção em causa não estava dependente de nova declaração até ao fim do mês de Março de 2003, nos termos da alínea b) do citado n.º7.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente Fazenda Nacional, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 21 de Maio de 2008. Miranda de Pacheco (relator) – Jorge de Sousa – Jorge Lino.