Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0365/22.3BEAVR
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
REPOSIÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário:I - O artº.636, nº.1, do C.P.Civil, permite a ampliação do objecto do recurso por parte do recorrido, enquanto parte vencedora, o qual não tinha legitimidade para interpor recurso da sentença do Tribunal "a quo", já que o dispositivo da mesma lhe foi favorável. Todavia, tal efeito poderá inverter-se se acaso for dado provimento ao recurso interposto pela parte vencida, justificando-se então, e só então, a promoção da ampliação do objecto do recurso. É esta a função e a utilidade da ampliação do objecto do recurso, para tal somente relevando os fundamentos para sustentar a acção ou a defesa, que não os meros argumentos.
II - A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
III - No caso "sub iudice", deve afastar-se a aplicação do prazo de prescrição fixado no artº.48, nº.1, da L.G.T., por este prazo se reportar a dívidas de natureza tributária, o que não é o caso, dado que a dívida em cobrança no processo de execução fiscal é relativa a verbas pagas à entidade oponente e ora recorrente, entre Outubro de 2015 e Agosto de 2016, no âmbito de contrato de associação e cuja reposição foi ordenada pelo Ministro da Educação.
IV - O prazo de prescrição de cinco anos consagrado no artº.40, nº.1, do Regime de Administração Financeira do Estado (RAFE), para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se, exclusivamente, à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado, não contendendo com a prévia definição jurídica da obrigação de repor.
V - A exegese da norma constante do artº.323, nº.1, do C.Civil, conjugada com o disposto no artº.40, nº.1, do RAFE, deve ser no sentido de que o conhecimento por parte do destinatário de qualquer acto da Administração que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de obter a reposição de quantias indevidamente recebidas, interrompe o prazo de prescrição da obrigação. É que, a interpretação do identificado artº.323, nº.1, do C.Civil, deve levar em consideração que nos encontramos perante relação jurídica administrativa em que uma das partes, a Autoridade Administrativa, aquela que determina a reposição das quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos Tribunais, a reposição dos montantes em causa, desde que tal imposição seja efectuada pela forma e nos termos previstos na lei.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA00071835
Nº do Documento:SA2202404100365/22
Recorrente:CASA DO POVO ...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE AVEIRO
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática 1:EXECUÇÃO FISCAL
Área Temática 2:PRESCRIÇÃO
Legislação Nacional:ARTIGO 636.º, N.º 1 CPC; ARTIGO 323.º, N.º 1 C.CIV.; ARTIGO 40.º, N.º 1 DO REGIME DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA DO ESTADO; DECRETO-LEI N.º 152/2013, 04/11; AC.S.T.A.-PLENO DA 1ª.SECÇÃO, 22/06/2006, REC.2054/02
Jurisprudência Nacional:AC.S.T.A.-1ª.SECÇÃO, 11/05/2023, REC.277/15.7BEMDL; AC.T.C.A.SUL-1ª.SECÇÃO, 26/11/2020, PROC. 2184/07.8BELSB; AC.S.T.A.-PLENO DA 1ª.SECÇÃO, 29/04/1998, REC.40276, ANTOLOGIA DE ACÓRDÃOS DO S.T.A. E T.C.A., ALMEDINA, ANO I, Nº.3, PÁG.44 E SEG.AC.S.T.A.- 2ª.SECÇÃO, 6/06/2018, REC.1614/15
Referência a Doutrina:ABRANTES GERALDES, RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 4ª. EDIÇÃO, 2017, ALMEDINA, PÁG.113 E SEG.; FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, MANUAL DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, 9ª. EDIÇÃO, ALMEDINA, 2009, PÁG.162 E SEG.; JOSÉ LEBRE DE FREITAS E OUTROS, C.P.CIVIL ANOTADO, VOLUME 3º., 3ª. EDIÇÃO, ALMEDINA, 2022, PÁG.72 E SEG.
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
CASA DO POVO ... deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, constante a fls.255 a 263-verso do processo físico, a qual julgou totalmente improcedente a presente oposição a execução fiscal, deduzida pela ora recorrente enquanto executada no âmbito do processo de execução fiscal nº...., o qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças da Feira, propondo-se a cobrança coerciva de dívida ao Ministério da Educação, no montante total de € 1.785.657,84, já incluindo juros de mora, derivada da reposição de quantias indevidamente recebidas ao abrigo de contrato de associação celebrado com o Estado Português.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.265 a 281-verso do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
I-O presente recurso incide, exclusivamente, sobre matéria de direito, na medida em que, no entender do Recorrente, a decisão recorrida traduz um erro na aplicação do Direito.
II-O Recurso que ora se interpõe recai no estabelecido e previsto pelo artigo 280.º do CPPT.
III-A Recorrente não pode se não discordar por completo do entendimento do Tribunal a quo, pois que, por um lado, ressalta à vista o sentido da interpretação e análise jurídica errada que foi dado ao vertido no n.º 1 do artigo 323.º do CC. Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo que se tem por interrompido o prazo de prescrição de 5 anos previsto no n.º 1 do artigo 40.º do RAFE em 29.05.2018; assim acabando por decidir, muito sumariamente, que “não se verifica, assim, o fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, n.º 1, al d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, que foi alegado pela Recorrente em sede de Oposição à Execução.
IV-Com efeito, a Recorrente procurou demonstrar os motivos pelos quais não concorda com tais interpretações proferidas na Sentença recorrida, que no fundo se materializaram no entendimento de que tanto a notificação de 29.05.2018 como a de 27.05.2019, são aptas a gerar a interrupção do prazo prescricional de 5 anos, a partir dos quais se encontra prescrita a obrigatoriedade da reposição de quaisquer quantias indevidamente percebidas (não sendo, no entanto, o mérito do recebimento das quantias, o que se discute no presente Recurso).
V-Assim, a Recorrente demonstrou, em primeiro lugar, que a jurisprudência que sustenta a Sentença recorrida, em jeito de simbiose com a Contestação apresentada pelo Exequente, não exprime, de todo em todo, uma correta interpretação e aplicação dos normativos aqui em causa. Na verdade, a jurisprudência que se apresenta no presente processo assenta TODA em Acórdãos datados de 2012 ou em Acórdãos que, ainda que proferidos em data posterior, têm por base apenas a jurisprudência daquele ano, sempre olvidando que à altura estava em vigor um CPA diferente! Ou seja: toda a jurisprudência que é hoje citada, assenta em normas que já não existem no nosso ordenamento jurídico! O novo CPA, de 2015, trouxe como principal inovação, precisamente, o regime da execução dos atos administrativos.
VI-Porém, se no anterior CPA, conforme vertido no antigo artigo 149.º, as decisões da Administração Pública eram executórias por si próprias, podendo ser impostas coercivamente por via administrativa aos particulares, sem necessidade de recurso prévio aos tribunais;
VII-Atualmente e desde 2015, apenas há lugar à execução coerciva dos atos administrativos pela Administração Pública nos casos e segundo as formas previstas na lei, em respeito, desde logo pelo princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), tendo sido retirada do ordenamento jurídico administrativo, qualquer expressão semelhante a “podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais”.
VIII-Ora, sendo esta a redação da norma desde 2015, em virtude do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01, dúvidas não restam que é esta a redação atual que se deve aplicar ao caso em concreto!
IX-Isto porquanto, os valores que se discutem no presente processo, foram recebidos já durante a vigência do novo CPA! Em concreto, nas seguintes datas: 26.10.2015, 30.12.2015, 28.12.2015, 18.02.2016, 22.03.2016, 22.04.2016, 20.05.2016, 23.06.2016, 25.07.2016 e em 23.08.2016.
X-Na verdade, atendendo ao entendimento espelhado nessa jurisprudência carreada para os autos, teríamos que, em abstrato e no limite, em virtude de atuar sob as vestes de autoridade e no exercício de poderes públicos, a Administração Pública nunca teria de recorrer a um, PEF!
XI-O PEF, tal e qual como está previsto e regulado pelo CPPT, não teria nenhuma utilidade prática, na medida em que, a ser como decorre da jurisprudência citada, a Administração Pública não teria necessidade de recorrer aos tribunais para ver reposta uma determinada quantia ou quantias, pois que, ao atuar com poderes de autoridade e numa posição de vantagem em relação aos particulares, poderia impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, a reposição de quantias indevidamente recebidas!
XII-O que jamais se poderá admitir.
XIII-Contudo, foi exatamente isso que fez a Administração Pública, aqui Executante, ao citar a ora Recorrente no PEF n.º ...37 em 12.11.2021!
XIV-Ora, salvo o devido respeito, se fosse como vem escrito na Sentença recorrida e jurisprudências citadas, não só não teria nenhuma utilidade o PEF, como seria inútil o vertido no artigo 179.º do CPA.
XV-Na verdade, se fosse assim e se a Administração Pública não necessitasse de recorrer aos tribunais para repor uma quantia que lhe é devida, não previa o legislador que ao ato administrativo que determina a reposição dessa quantia, se segue o PEF!
XVI-Em segundo lugar, demonstrou a Recorrente, que, quando na jurisprudência citada na Sentença recorrida – que se cinge, basicamente, ao Acórdão do TCAS de 26.11.2020, proferido no Proc. n.º 2184/07.8BELSB e que se reporta ao Acórdão do TCAN de 14.12.2012, proferido no Proc. nº 178/06, que, como se disse, está desajustado ao panorama atual do CPA e do direito administrativo em geral – se refere que devemos interpretar o n.º 1 do artigo 323.º do CC, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Diploma (sob a epígrafe “interpretação da lei”), tal raciocínio só vem reforçar o entendimento da Recorrente.
XVII-Se “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” – cf. o n.º 1 do artigo 9.º do CC;
XVIII-Então temos que: o n.º 1 do artigo 323.º do CC, quando aplicável a situações jurídico-públicas (e uma vez que se parte de um Diploma e normativo que regula relações privadas), deve ser lido em conjugação com o disposto no CPA, no CPTA e, quando em causa estiverem reposições de quantias e um PEF, com o disposto no CPPT e na Lei Geral Tributária (LGT).
XIX-Não só não é assim atualmente, por força do novo CPA, como o procedimento disciplinar ou o processo administrativo subjacente ao PEF não é o local próprio de aferição do direito à cobrança coerciva das quantias indevidamente recebidas!
XX-A sede própria é o PEF, conforme estipula o artigo 179.º do CPA e a alínea b) do n.º 2 do artigo 148.º do CPPT!
XXI-Motivo pelo qual, o n.º 1 do artigo 323.º não poderá ser lido de forma a que se entenda que também os atos administrativos ou notificações de caráter administrativo e extrajudicial, são suficientes a interromper o prazo prescricional de 5 anos aqui em causa.
XXII-Aliás, como refere o n.º 1 do artigo 179.º do CPA, após o ato administrativo que determine essa reposição, se o particular não proceder ao pagamento voluntário, há lugar ao PEF. Em momento algum se refere que o próprio ato administrativo tem a capacidade de iniciar a cobrança coerciva da dívida.
XXIII-Uma coisa será o procedimento administrativo e outra, bastante distinta, será sempre o PEF!
XXIV-Em terceiro lugar, o legislador não estipulou nenhum efeito “imediato” de cobrança coerciva de dívidas a partir da notificação ao particular de um ato administrativo, não só porquanto tal retiraria todo o sentido da existência do PEF e da citação executiva, mas também, entende a Recorrida, porque teve em conta a natureza da questão que subjaz a esta cobrança.
XXV-Repare-se que perigoso seria se atribuíssemos à Administração Pública e aos seus atos administrativos e notificações extrajudiciais, o poder de - porque emanados nas vestes de poderes de autoridade -, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata a reposição de uma dívida!
XXVI-É necessário, portanto, chamar à colação a LGT, que regula as situações público-tributárias, nomeadamente quanto às causas de interrupção da prescrição dependentes da atuação da Administração Tributária. Ou seja, a citação!
XXVII-Apenas a citação do PEF no âmbito da cobrança coerciva da dívida tributária é passível de interromper o prazo de prescrição. Qualquer outro ato de notificação para o pagamento de tributos (como por exemplo as notificações para o pagamento das liquidações de IRS, IMI, IMT, IUC, Imposto do Selo,…) não conferem por si só força executiva. Até mesmo a própria Administração Tributária depende da instauração do PEF, através da citação, para a cobrança coerciva dos tributos e subsequente interrupção do prazo prescricional.
XXVIII-É evidente que só os atos judiciais dão lugar à interrupção do prazo prescricional! E não como erradamente aplicou a Sentença recorrida, conduzindo aos atos extrajudiciais os mesmos efeitos que o legislador, sucessivamente nos vários Diplomas referidos, vem dar apenas aos atos judiciais, nomeadamente citação judicial e notificação judicial!
XXIX-O legislador, no n.º 2 do artigo 40.º do RAFE, manda aplicar as causas gerais de interrupção da prescrição, que, como é consabido, são as previstas pelo CC. Se fosse sua intenção não submeter a interrupção do prazo prescricional de 5 anos após o recebimento das quantias, à citação ou notificação judicial (como expressamente estipula o n.º 1 do artigo 323.º do CC) - por força dos alegados poderes da Administração Pública em reaver diretamente os valores em causa sem recorrer aos Tribunais e, consequentemente, aos processos judiciais -, então tê-lo-ia feito.
XXX-Se para os tributos se prevê como causa da interrupção da prescrição a citação do PEF, não sendo suficiente a mera notificação da liquidação de imposto – numa situação em que é credor a Administração Tributária -, não faria sentido que, para outros organismos da própria Administração Pública, como o são o Ministério da Educação e a DGAE, bastasse a notificação extrajudicial da mera intenção de obter determinadas quantias!
XXXI-Com efeito, tal é também o entendimento propugnado pela diversa Doutrina nesta matéria.
XXXII-Assim, ainda que se entendesse que quando o enunciado normativo refere “qualquer ato”, estar-se-ia a querer dizer que qualquer ato, judicial ou extrajudicial, será suficiente para interromper o prazo prescricional, sempre teríamos que o sentido da expressão consagrada no n.º 1 do artigo – citação ou notificação judicial de qualquer acto equipara à citação ou notificação, para efeitos de eficácia interruptiva, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
XXXIII-Resumindo, “A prescrição, estando regulada por normas de ordem pública, que não admitem modificações pelos particulares, só poderá interromper-se pelos meios que a lei autoriza como tais.”
XXXIV-Ora, o RAFE não consagra nenhuma causa própria de interrupção de prazos prescricionais (cf. o respetivo artigo 40.º) para estes casos em concreto, antes remetendo expressamente e diretamente para o CC.
XXXV-Caso assim não o quisesse ter feito, poderia ter previsto expressamente o efeito interruptivo da prescrição com a comunicação ao particular, por atos da Administração Pública, das decisões de revogação e restituição de apoios financeiros, uma vez que aquele é, precisamente, o regime jurídico da administração financeira!
XXXVI-Aliás, como o fez o legislador em matéria contraordenacional, através dos seguintes normativos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 (cf. artigos 27.º e 28.º).
XXXVII-Forçoso é de concluir que a lei (sobretudo, o RAFE) não prevê para os atos da Administração Pública qualquer força interruptiva da prescrição, antes submetendo a própria Administração à necessidade de cobrar coercivamente os valores que lhe são devidos, com recurso aos Tribunais como os demais.
XXXVIII-Em bom rigor, a Recorrente entende que não poderá ser atribuída força interruptiva da prescrição a um ato da Administração Pública sem que tal esteja diretamente previsto na lei.
XXXIX-Na verdade, o único ato de natureza judicial praticado pela Administração Pública no âmbito deste processo foi a citação no âmbito do PEF, ocorrida em 12.11.2021, uma vez que o PEF tem a natureza de processo judicial, na sua totalidade, como decorre do n.º 1 do artigo 103.º da LGT, conforme já reconhecido por este Supremo Tribunal.
XL-Apenas a citação do PEF no âmbito da cobrança coerciva da dívida tributária é passível de interromper o prazo de prescrição.
XLI-Em suma, em relação aos valores em discussão nos presentes autos, a Recorrente entende que a prescrição ocorreu, respetivamente em relação a cada tranche recebida e acima mencionada, a 26.10.2020, 30.12.2020, 28.12.2020, 18.02.2021, 22.03.2021, 22.04.2021, 20.05.2021, 23.06.2021, 25.07.2021 e, por fim, a 23.08.2021.
XLII-A Sentença recorrida não realiza os fins de justiça nem no caso concreto, em apreço nestes autos, nem, tampouco, os fins de justiça subjacentes a um Estado de Direito Democrático e a uma boa administração da Justiça.
XLIII-Motivo pelo qual deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a Sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue procedente a Oposição à Execução nos presentes autos, tempestivamente apresentada em juízo, julgando procedente a exceção de prescrição da dívida exequenda, na medida em que já decorreram 5 anos desde o recebimento das quantias em causa, nos termos do RAFE, e que apenas a citação do PEF no âmbito da cobrança coerciva da dívida tributária é passível de interromper o prazo de prescrição, o que ocorreu apenas em 12.11.2021, quando já se encontrava prescrito o direito à obtenção das ditas quantias.
X
A entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.285 a 292 do processo físico), subsidiariamente, pedindo a ampliação do objecto do recurso em matéria de direito e ao abrigo do artº.636, nº.1, do C.P.Civil, as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-As Alegações da Apelante traduzem-se numa simples repetição do argumentário por si anteriormente empregue, havendo, atenta a profusa e holística fundamentação técnico-jurídica da douta Sentença, em consonância com a interrupção da prescrição oportunamente alegada pelo Apelado em sede de Oposição, que oferecer o merecimento dos autos.
B-Atenta a notificação de 24.05.2018, a notificação do Ofício de 27.05.2019 e a impugnação promovida pela Opoente em 26.06.2019, o prazo de qualquer putativa prescrição de que a Opoente quisesse beneficiar, foi, manifestamente, interrompido.
C-Tal resulta da aplicação, no mesmo âmbito, do disposto no art. 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, do disposto no art. 323.º, n.º 1, do Código Civil, bem como da lição da jurisprudência – cfr. o ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.12.2012 (RELATOR: ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS), o ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.03.2020 (RELATOR: RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA), o ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.11.2020 (RELATOR: ANA CRISTINA LAMEIRA), e o ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.01.2022 (RELATOR: HÉLDER MIRANDELA).
D-A interrupção da prescrição ocasiona, atento o disposto no art. 326.º, n.º 1, do Código Civil, o “inutiliza(r) para a prescrição (de) todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo”, pelo que falece, sem mais, e consoante reconhecido pelo douto Tribunal a quo, a excepção peremptória alegada pela Opoente.
E-O novo art. 179.º do Código de Procedimento Administrativo não altera os dados da questão.
F-A Recorrente cita fora de contexto o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.02.2021: este versa dívidas de natureza civil (o que não é o caso dos autos), e no mesmo se conclui, precisamente, pela interrupção do prazo prescricional.
G-A interrupção da prescrição resulta, ainda do disposto no art. 49.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), da Lei Geral Tributária, que podem, de igual modo, ser convocados para aplicação in casu.
Subsidiariamente,
H-A Oponente instaurou contra o Ministério da Educação, ação administrativa para impugnação de ato administrativo, em 29.09.2021, pertinente ao que se discute nos presentes autos, e que corre termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, Unidade Orgânica 1, sob o n.º de processo 676/21.5BEAVR, na qual não alegou qualquer prescrição de dívida.
I-Atento o disposto no art. 303.º, do Código Civil a excepção peremptória de prescrição, foi objecto de preclusão, pelo que, em rigor, nem poderia a mesma ter sido conhecida pelo Tribunal a quo.
J-O mesmo resulta, também, do princípio de concentração dos meios de defesa, sendo surrealista, salvo o devido respeito, que a Oponente – agora, Recorrente – tente lançar mão de distintos meios processuais, no âmbito de processos judiciais intrinsecamente paralelos, para invocar, fora de tempo, um direito precludido em função da sua não tempestiva arguição.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso, mais se devendo confirmar a sentença recorrida (cfr.fls.302 a 312 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.256 a 259 do processo físico):
1-A oponente é detentora do Colégio ... e celebrou, com o Estado Português, o contrato de associação junto como doc. 4 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2-No âmbito do aludido contrato de associação, a oponente recebeu, da Direção Geral da Administração Escolar (DGAE), à razão de € 80.500,00 por turma, entre outubro de 2015 e agosto de 2016, os valores constantes dos recibos juntos como docs. 5 a 14 da petição inicial, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
3-Em 12.10.2017 foi, pelo Sr. Ministro da Educação, no âmbito do Processo n.º 10.07/00034/EMN/17, exarado despacho no qual se determinou a aplicação à oponente de sanção de multa, e a instauração de procedimento administrativo tendente à regularização da situação relativa ao número de turmas que irregularmente funcionaram no Colégio ... e foram financiadas com a determinação dos concretos montantes financeiros indevidamente pagos e com o objetivo final da sua reposição nos cofres do Estado, o qual recaiu sobre informação cujo teor se dá por integralmente reproduzido e aqui se transcreve parcialmente:
“(…)
6. Após a análise do processo, a Senhora Instrutora elaborou o respetivo relatório final, constante de fls. 132 a 155, cujo conteúdo, por economia, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos, propondo:
6.1. Seja aplicada a pena de multa, graduada em 10 (dez) salários mínimos nacionais, no total de € 5.570,00 (cinco mil quinhentos e setenta euros);
6.2. Seja instaurada Ação de Resolução do Contrato de Associação e determinada a obrigação de reposição, por parte da entidade proprietária, nos cofres do Estado Português das importâncias recebidas, num total de € 3.542.000,00 (três milhões, quinhentos e quarenta e dois mil euros).
(…)
16. Verifica-se pois que no contrato de associação celebrado entre a Direção-Geral da Administração Escolar e a “Casa do Povo ...” estão indevidamente integradas 22 (vinte e duas) turmas, relativamente às quais tem vindo a ser atribuído apoio financeiro, impondo-se seja reposta a regularidade da situação, designadamente ao nível contratual, alterando o número de turmas a financiar, bem como se proceda ao apuramento dos montantes pecuniários indevidamente pagos e se determine a sua reposição nos cofres do Estado, mediante a instauração de procedimento administrativo com tais finalidades.
17. Pelo exposto, propõe-se:
(…)
17.2. Seja instaurado procedimento administrativo tendo por objeto a regularização da situação relativa ao número de turmas irregularmente atribuídas ao “Colégio ...”, integradas no contrato de associação e por força deste atribuído apoio financeiro, bem como a determinação concreta dos montantes pecuniários indevidamente pagos e reposição dos mesmos nos cofres do Estado.”
– cf. despacho a págs. 5 do processo administrativo junto aos autos em 08.03.2023, e informação em que o mesmo se sustentou, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4-Em 24.05.2018 foi remetido à oponente, por correio registado com a referência ..., ofício com a referência ...9, dando-lhe conta do sentido provável da decisão a proferir no âmbito do processo referido no ponto antecedente, bem como para, querendo, em dez dias pronunciar-se por escrito sobre a mesma, o qual foi recebido em 29.05.2018 – cf. ofício e talão de registo de págs. 68 e ss. do processo administrativo junto aos autos em 08.03.2023;
5-Em 27.05.2019 a DGAE remeteu à oponente ofício com a referência ... destinado a notificá-la para, em cumprimento de despacho proferido pelo Ministro da Educação no âmbito do processo disciplinar N...7, repor a quantia de 3.542.000,00 € – cf. doc. 2 junto com a petição inicial;
6-Em 23.03.2021 foi exarada pela IGEC informação com o seguinte teor:
“(…)
17. Assim, da análise dos elementos constantes do processo resulta que, de facto, no âmbito do procedimento administrativo instaurado não foi proferida decisão final pela entidade competente, no caso, Sua Excelência o Ministro da Educação, tendente a determinar que, por consequência da constituição irregular de turmas e inerente financiamento público, a "Casa do Povo ..." fica obrigada a proceder à reposição nos cofres do Estado da quantia cujo pagamento foi reclamado pela DGAE, no montante de € 3.542.000,00 (três milhões, quinhentos e quarenta e dois mil euros).
18. Na verdade, após a "Caso do Povo ...", nos termos do estabelecido nos artigos 121.º e 122.º do CPA, ter sido notificada do projeto de decisão, com respetiva fundamentação de facto e de direito, não se tendo então pronunciado, deveria tal projeto ter sido sujeito a apreciação por parte de Sua Excelência o Ministro da Educação para, caso com ele concordasse, proferir a decisão final, algo que não se verificou.
19. Assim, põe-se que, sendo inválido o ato praticado pela OGAE de notificação da interessada para repor nos cofres do Estado a quantia de € 3 542 000,00 (três milhões, quinhentos e quarenta e dois mil euros), a que aludimos em 10.1., supra, por ausência de ato praticado pela entidade competente que o permita e fundamente, e constatando-se que o processo judicial ainda se encontra a aguardar por decisão, seja novamente presente a Sua Excelência o Ministro da Educação proposta de decisão final a proferir no procedimento administrativo
20. Em tal proposta deverá ser tido em consideração, por apelo a princípios de igualdade e equidade, o entendimento seguido relativamente a outras situações idênticas, já sufragado por Sua Excelência o Ministro da Educação por despacho de 9 de agosto de 2018 (informação l/...00/DSJ/18, na qual, atém do mais, está expressamente incluído o processo disciplinar ...7), referido no último parágrafo de 14.3.4., supra, e que não foi contemplado no projeto de decisão, uma vez que este versou sobre a totalidade das turmas consideradas irregularmente constituídas, iniciais e de continuidade, abrangendo os anos letivos 2015-2016 e 2016-2017.
21. Tudo ponderado, afigura-se ser de dar como assente, face aos elementos constantes do processo, a conclusão de a interessada "Casa do Povo ...", entidade proprietária do "Colégio ...?', ter beneficiado de financiamento indevido no âmbito de contrato de associação no ano letivo 2015-2016, relativamente a 22 (vinte e duas) turmas.
22. Na verdade, consideramos que, atentos os elementos carreados aos autos, deverão ser dados como provados os comportamentos adotados pela "Casa do Povo ...", que traduzem incumprimento das disposições legais e regulamentares a que estava vinculada, designadamente as estabelecidas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 9.° da Portaria n° 172-A/2015, de 5 de junho, e as constantes do Capitulo II, 1, 1.1 e Anexo 1 do "Aviso de Abertura ao Regime de Acesso ao Apoio Financeiro a conceder em 2015/2016, no âmbito do contrato de associação", da DGAE.
(…)
27. Verifica-se pois que no contrato de associação celebrado entre a DGAE e a "Casa do Povo ..." foram indevidamente integradas 22 (vinte e duas) turmas, relativamente às quais foi atribuído apoio financeiro, impondo-se seja resposta a regularidade da situação.
28. Considerando que o financiamento assegurado e efetuado no contrato de associação em causa corresponde ao valor de € 80.500,00 (oitenta mil e quinhentos euros) por turma, o valor total indevidamente percebido pela "Casa do Povo ..." ascende a € 1.771.00,00 (um milhão, setecentos e setenta e um mil euros): € 80.500x22.
29. Assim, tudo ponderado e face ao estado atual do processo judicial, com os fundamentos de facto e de direito constantes do relatório finai do processo disciplinar ...7, da informação ...8, nas respetivas partes aplicáveis, da informação ..., ...9, em tudo o que não contrariar a presente, e da presente informação, reconhecendo-se a invalidade do ato praticado pela DGAE, traduzido na notificação da "Casa do Povo ..." para proceder à reposição nos cofres do Estado da quantia de 3 542 000,00 (três milhões, quinhentos e quarenta e dois mil euros), propõe-se seja determinada a reposição nos cofres do Estado por parte da mencionada "Casa do Povo ..." da quantia de € 1.771.000,00 (um milhão, setecentos e setenta e um mil euros). (…)”
– cf. doc. a págs. 72 e ss. do doc. 00504416 no SITAF;
7-Sobre a informação mencionada no ponto antecedente recaiu despacho do Sr. Ministro da Educação datado de 04.04.2021 determinando a reposição, por parte da oponente, nos cofres do Estado, da quantia de € 1.771.000,00 – cf. despacho. a págs. 72 do doc. 00504416 no SITAF;
8-Por ofício com a referência ..., datado de 29.06.2021, a oponente foi informada de que foi determinada a reposição nos cofres do Estado da quantia de € 1.771.000,00 – cf. ofício a págs. 127 do doc. 00504416 no SITAF;
9-Por ofício com a referência ..., datado de 20.07.2021, a oponente foi informada do despacho proferido pelo Ministro da Educação, datado de 13.07.2021, confirmativo do despacho de 09.04.2021, pelo qual se determina a reposição nos cofres do Estado da quantia de € 1.771.000,00 – cf. doc. 2 junto com a petição inicial.
10-Em 29.09.2021 a oponente intentou contra o Ministério da Educação (aí, Réu), ação administrativa para impugnação do ato administrativo, consubstanciado no despacho exarado pelo Exmo. Ministro da Educação, em 09.04.2021, confirmado no despacho datado de 13.07.2021, que determinou “a reposição nos cofres do Estado, por parte da Casa do Povo ..., entidade proprietária do Colégio ... da quantia de € 1.771.000,00 (um milhão e setecentos e setenta e um mil euros)” – cf. doc. 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11-Para cobrança coerciva do valor mencionado nos pontos antecedentes foi instaurado contra a oponente, o processo de execução (PEF) n.º ...37 – cf. informação prestada pelo órgão de execução;
12-Para citação no processo identificado no ponto antecedente foi remetido à oponente, em 08.11.2021, ofício “citação pessoal” – cf. ofício integrante dos autos.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem factos que importe dar como não provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "… No que respeita aos factos provados, conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na conjugação dos documentos não impugnados (cf. artigo 374.º e 376.º do CC) e informações oficiais constantes dos autos.
No mais, considera-se não provada, conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.
É esta, em suma, a motivação que subjaz ao juízo probatório formulado…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente oposição a execução fiscal, dado não ter considerado prescrita a dívida exequenda, esteio de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.T.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
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Deve este Tribunal começar por examinar o pedido de ampliação do objecto do recurso estruturado pela entidade recorrida, Ministério da Educação, nas contra-alegações e suportado no artº.636, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário.
A entidade recorrida, enquanto parte vencedora, não tinha legitimidade para interpor recurso da sentença do Tribunal "a quo", já que o dispositivo da mesma lhe foi favorável. Todavia, tal efeito poderá inverter-se se acaso for dado provimento ao recurso interposto pela parte vencida, justificando-se então, e só então, a promoção da ampliação do objecto do recurso, sob pena de se ver definitivamente prejudicada pela eventual resposta que o Tribunal "ad quem" viesse a dar às questões suscitadas pelo recorrente, num momento em que já não teria capacidade para reagir. É esta a função e a utilidade da ampliação do objecto do recurso, para tal somente relevando os fundamentos para sustentar a acção ou a defesa, que não os meros argumentos, igualmente permitindo o artº.636, nº.2, do C.P.Civil, a alegação, por parte do recorrido, de eventuais nulidades da sentença objecto do recurso (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2022, rec.2326/21.0BEBRG; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.113 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.162 e seg.; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil Anotado, Volume 3º., 3ª. Edição, Almedina, 2022, pág.72 e seg.).
No caso "sub iudice", a entidade recorrida, nas contra-alegações, pede a ampliação do objecto do recurso no que se refere à questão da preclusão do direito de invocar a prescrição por parte da executada e ora recorrente, atento o disposto no artº.303, do C.Civil, por um lado, dado que instaurou a mesma acção administrativa para impugnação de acto administrativo, em 29/09/2021, pertinente ao que se discute nos presentes autos, e que corre termos no T.A.F. de Aveiro, processo 676/21.5BEAVR, na qual não alegou qualquer prescrição de dívida, e por outro, em virtude de vigorar no processo o princípio da concentração dos meios de defesa (cfr.conclusões H) a J) das contra-alegações), matéria que igualmente consta como fundamento da contestação apresentada pelo Ministério da Educação em primeira instância, nos artºs.1 a 12 do citado articulado (cfr. contestação junta a fls.162 e seg. do processo físico).
Porque com base legal, no examinado artº.636, nº.1, do C.P.Civil, admite-se a ampliação do objecto do recurso pedida pela entidade recorrida.
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Deve este Tribunal, antes de mais, conhecer do único esteio do recurso deduzido, a sustentada prescrição da dívida exequenda.
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O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que apenas a citação no âmbito do PEF, visando a cobrança coerciva da dívida tributária, é passível de interromper o prazo de prescrição. Que no momento em que foi citado para os termos da presente execução (em 12/11/2021), já haviam decorrido mais de cinco anos desde a data em recebeu o montante a restituir, pelo que, atento o disposto no artº.40, do Regime de Administração Financeira do Estado (RAFE), o direito da Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE) a exigir qualquer quantia já havia prescrito. Que a decisão recorrida padece de erro na aplicação do direito (cfr.conclusões I a XLIII do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução, consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário.
No caso "sub iudice", desde logo, deve afastar-se a aplicação do prazo de prescrição fixado no artº.48, nº.1, da L.G.T., por este prazo se reportar a dívidas de natureza tributária, o que não é o caso, dado que a dívida em cobrança no processo de execução fiscal é relativa a verbas pagas à entidade oponente e ora recorrente, entre Outubro de 2015 e Agosto de 2016, no âmbito de contrato de associação e cuja reposição foi ordenada pelo Ministro da Educação (cfr.nºs.1 a 9 do probatório supra). Isto é, independentemente de esta dívida poder ser cobrada, como está a ser, através do processo de execução fiscal, constituindo a certidão de dívida, emitida pela autoridade competente, o título executivo, não é uma dívida com natureza tributária. No entanto, a admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja (cfr.artº.148, nº.2, do C.P.P.T.). E o certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de acto administrativo, no caso, que determina a reposição de dinheiros públicos, o artº.179, nº.1, do C.P.Administrativo, tal estatui (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2022, rec.215/16.0BEMDL; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.31 e seg.)
Avançando.
É indubitável que, ao caso concreto é aplicável, primacialmente, o citado Regime de Administração Financeira do Estado (RAFE), aprovado pelo dec.lei 155/92, de 28/7. Ora, nos termos do artº.40, nº.1, do referido regime a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, sendo que, de acordo com o nº.2, do mesmo artigo, o decurso do prazo consagrado no número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
O citado dec.lei 155/92, de 28/7, finalizou a arquitectura legislativa relativa ao RAFE, desenvolvendo o identificado regime inicialmente consagrado na Lei 8/90, de 20/2 (Lei de Bases da Contabilidade Pública).
O RAFE consagra nos seus artºs.36 e seg. as normas de reposição de dinheiros públicos, cominando o artº.40, nº.1, para a obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente percebidas, o curto prazo prescricional de cinco anos. Com a consagração deste prazo, pretende o legislador que a reposição de dinheiros públicos nos Cofres do Estado seja operada com celeridade, por uma questão de segurança jurídica e para combater a inércia ou falta de diligência da Administração em recuperar o que lhe é devido. Mais, o prazo de prescrição de cinco anos consagrado no artº.40, nº.1, do RAFE, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se, exclusivamente, à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado, não contendendo com a prévia definição jurídica da obrigação de repor (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 29/04/1998, rec.40276, Antologia de Acórdãos do S.T.A. e T.C.A., Almedina, Ano I, nº.3, pág.44 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/06/2018, rec.1614/15).
Por outro lado, o contrato de associação ( (sobre a noção e regime do contrato de associação, vide Maria João Estorninho e Alexandra Leitão, Contratos de Associação entre o Ministério da Educação e os Estabelecimentos Particulares e Cooperativos de Ensino, in Revista de Contratos Públicos, Edição Cedipre, Nº.5, Maio/Agosto de 2012, pág.5 e seg.).) identificado no probatório supra (cfr.nºs.1 e 2 da factualidade provada) não tem natureza civilística, desde logo, devido ao seu objecto e finalidade, antes devendo configurar-se como contrato administrativo em que o ente público detém especiais prerrogativas (cfr.v.g. ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 22/06/2006, rec.2054/02).
Tal contrato de associação foi celebrado entre o Estado e a entidade ora recorrente, no prosseguimento de competências cometidas àquele em sede do Sistema Educativo no desenvolvimento dos comandos constitucionais ínsitos nos artºs.73 e 74, da Constituição da República, ao abrigo do dec.lei 152/2013, de 4/11 (diploma que aprovou o actual Estatuto de Ensino Particular e Cooperativo) e da portaria 172-A/2015, de 5/06 (a qual fixa as regras e procedimentos aplicáveis à atribuição de apoio financeiro pelo Estado a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo).
Ainda, as notificações que ocorram no âmbito do processo administrativo de natureza disciplinar, no desenvolvimento da auditoria efectuada ao estabelecimento de ensino (cfr. nºs.3 e 4 do probatório supra), nomeadamente, a notificação visando a audiência prévia, terão efeito interruptivo da prescrição nos termos do artº.323, do C.Civil, se e quando seja manifestada por parte do Ministério a intenção de que tais montantes sejam repostos pelo infractor. Por outras palavras, a exegese da norma constante do artº.323, nº.1, do C.Civil, conjugada com o disposto no artº.40, nº.1, do RAFE, deve ser no sentido de que o conhecimento por parte do destinatário de qualquer acto da Administração que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de obter a reposição de quantias indevidamente recebidas, interrompe o prazo de prescrição da obrigação. É que, a interpretação do identificado artº.323, nº.1, do C.Civil, deve levar em consideração que nos encontramos perante relação jurídica administrativa em que uma das partes, a Autoridade Administrativa, aquela que determina a reposição das quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos Tribunais, a reposição dos montantes em causa, desde que tal imposição seja efectuada pela forma e nos termos previstos na lei (cfr.ac.S.T.A.-1ª.Secção, 11/05/2023, rec.277/15.7BEMDL; ac.T.C.A.Sul-1ª.Secção, 26/11/2020, proc. 2184/07.8BELSB).
Por último, deve relembrar-se que a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr um novo prazo a partir do acto interruptivo (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se refere na sentença recorrida, discurso com o qual concordamos, mais atendendo ao probatório supra, forçoso é concluir que, quer se tenha por interrompido o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artº.40, nº.1, do RAFE, em 29/05/2018 (cfr.nº.4 da factualidade provada), quer se tenha por interrompido o aludido prazo em 27/05/2019 (cfr.nº.5 da factualidade provada), não estava, nem está, nesta data, prescrita a obrigação de reposição das quantias recebidas pela oponente e ora recorrente, entre Outubro de 2015 e Agosto de 2016.
Não tendo o recorrente obtido ganho de causa na apelação deduzida, prejudicado fica o conhecimento do esteio que consubstancia o pedido de ampliação do objecto do recurso por parte da entidade recorrida.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.