Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0474/20.3BECBR
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:NORMA EXCEPCIONAL
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
APLICAÇÃO ANALÓGICA
CURSO DE MESTRADO
Sumário:I - Os ciclos de estudos integrados previstos no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, não conferem apenas um, mas dois graus – a licenciatura e o mestrado -, pelo que correspondem a dois cursos que, embora integrados, conservam autonomia entre si.
II - O artigo 6.º da Lei n.º 18/2020, de 18 de agosto, que estabelece medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior público, é aplicável à transição entre a fase de licenciatura e a fase de mestrado de um curso de mestrado integrado.
Nº Convencional:JSTA00071359
Nº do Documento:SA1202201130474/20
Data de Entrada:12/09/2021
Recorrente:UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ART. 18.º DL n.º 74/2006, de 24/03
ART, 06.º LEI n.º 18/2020, de 18/08
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. UNIVERSIDADE DE COIMBRA - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 15 de julho de 2021, que revogou a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, de 20 de fevereiro 2021, e julgou procedente o pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra si requerido por A………….., condenando a Recorrente «a reconhecer que o autor tem direito a inscrever-se no 4.º ano do Mestrado Integrado de Medicina [MIM], com todas as legais consequências daí decorrentes».
Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que – circunscrevendo-se, desde já, o âmbito da presente Revista ao único argumento do Autor que foi julgado procedente, e que, a final, serve de fundamento à decisão de revogação da douta sentença proferida em 1.ª Instância – julga aplicável ao Autor, Aluno do Mestrado Integrado de Medicina, o regime excepcional e temporário, decorrente da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, designadamente o artigo 6.º, daquele diploma, recorrendo, para o efeito, a uma alegada interpretação extensiva da norma.

2. A ora Recorrente entende que a Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, e designadamente o artigo 6.º, daquele diploma, não é aplicável aos Mestrados Integrados, uma vez que, nestes casos, está em causa a mera transição entre anos lectivos, dentro de um mesmo e único ciclo de estudos, e não uma qualquer candidatura a um ciclo de estudo para obtenção de mestrado, como se prevê naquele normativo.

3. A questão fulcral (e única) que se submete à apreciação deste Venerando Tribunal consiste, assim, em determinar e clarificar qual o âmbito de aplicação do artigo 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, a fim de se apurar se este regime excepcional e temporário pode (ou não) ser interpretado extensivamente, designadamente no sentido de abranger - além das “candidaturas” a um ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramento, como expressamente previsto na letra da Lei – também o mero prosseguimento de um mesmo ciclo de estudo, com a respectiva transição para o ano subsequente, quando o estudante não preencha os requisitos para tal, de acordo com as regras definidas para aquele ciclo de estudos.

4. A questão suscitada no presente Recurso, quanto à interpretação e determinação do âmbito de aplicação do artigo 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, permitindo esclarecer se um estudante que não disponha do número de créditos suficientes para transitar de ano dentro de um mesmo ciclo de estudos, poderá fazê-lo, ainda assim, ao abrigo deste regime excepcional, pela sua relevância jurídica e social (sobretudo para a comunidade estudantil), é merecedora, por parte deste Supremo Tribunal Administrativo, de uma análise cuidada, com vista ao aperfeiçoamento, uniformização e melhor aplicação do Direito.

5. Por razões de certeza e segurança para as Instituições Públicas e para os Estudantes que as frequentam, deve o presente Recurso ser admitido, a fim de, cabalmente e para uma melhor aplicação do Direito, se esclarecer qual o âmbito de aplicação do regime excepcional decorrente do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto.

6. O Mestrado Integrado em Medicina (MIM), ministrado na FMUC, constitui um único ciclo de estudos (integrado), que se estrutura e desenvolve ao longo de 6 anos, com regras próprias de transição entre os anos que compõem esse único ciclo de estudos, conducente, no final, à obtenção do grau de Mestre.

7. O escopo do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, são as candidaturas efectuadas para o ingresso num concreto e autónomo ciclo de estudos para a obtenção do grau de Mestre ou de Doutor, caso em que se permite que tais candidaturas sejam apresentadas, a título excepcional, mesmo quando os candidatos não tenham ainda concluído o ciclo de estudos anterior, durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo. Ou seja, não se contemplam neste normativo os casos em que o estudante foi admitido e já se encontra a frequentar um (único) ciclo de estudos integrado, conducente ao grau de Mestre, como é o caso do MIM.

8. Quando esteja em causa a mera transição entre anos dentro de um mesmo ciclo estudos (ainda que se trate de transitar do 3.º para o 4.º ano, e aquele 3.º ano marque a conclusão da parte referente à licenciatura e o 4.º o início da parte referente ao mestrado [integrado]), não pode ter aplicação do disposto no art. 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, considerando a letra daquele preceito e atento o elemento gramatical inerente à sua interpretação.

9. E, nem por via da interpretação extensiva daquela norma – uma vez que esta interpretação pressupõe que o Legislador “minus dixit quam voluit” – poderia concluir-se pela aplicabilidade daquele normativo às situações em que se visa a transição de ano dentro de um mesmo e único ciclo de estudos integrado, quando o estudante não tenha completado e atingido o número de créditos necessários a essa transição, e se veja, dessa forma, impedido de transitar de ano, prosseguindo a sua formação nesse curso, devido ao funcionamento do “ano barreira”.

10. A Lei n.º 38/2020, de 18/08 consagra um regime extraordinário, aplicável a todos os ciclos do Ensino Superior, cujo âmbito de aplicação se circunscreve às “candidaturas em ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramentos”, conforme dispõe o referido art. 6.º, do diploma, sendo que o intuito do diploma (como pode ler-se na respectiva exposição de motivos) foi estabelecer medidas que permitissem assegurar que os estudantes não seriam prejudicados quanto à candidatura para outros ciclos de estudos, caso não tenham terminado o ciclo anterior e que tivessem a possibilidade de aceder a todas as épocas de exames, devendo as avaliações ser preferencialmente presenciais.

11. O acesso à fase de Mestrado, dentro de um único ciclo de Mestrado Integrado, não depende de qualquer candidatura, sendo, de acordo com as regras definidas no respectivo Plano de Estudos, automático.

12. Se a intenção do Legislador fosse, durante a situação de pandemia e a título excepcional, permitir que os estudantes pudessem prosseguir os seus estudos, dentro do mesmo ciclo, independentemente de terem ou não obtido o número de ECTS necessário para transitar de ano, não teria, por certo, deixado de consagrar expressamente uma tal solução, admitindo que qualquer aluno pudesse, simplesmente e em qualquer circunstância, matricular-se no ano seguinte. Mas não foi esta a opção do Legislador, nem é o espírito do Diploma.

13. O Legislador não pretendeu abranger com aquele normativo os Mestrados integrados, que fazem parte de um único e mesmo ciclo de estudos, alterando, assim, as regras definidas na respectiva Estrutura Curricular e Plano de Estudos. Se fosse essa a intenção do Legislador, não falaria o diploma, por certo, em “candidaturas” a ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos.

14. A alegada interpretação extensiva que o Tribunal “a quo” faz do normativo em causa não se coaduna com a letra ou o espírito da Lei, nem sequer com a exposição de motivos subjacente ao diploma em questão, contrariando, assim, o disposto no n.º 3, do art. 9.º, do Código Civil, que determina que, enquanto intérpretes, devemos presumir que o Legislador consagrou a solução mais acertada e “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

15. O art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, tem um âmbito de aplicação bem definido e perfeitamente coadunado com a exposição de motivos que lhe está subjacente e que é: permitir aos estudantes a candidatura a outros ciclos de estudos, caso não tenham terminado o ciclo anterior e possibilitar o acesso, a todos os estudantes, a todas as épocas de exames. Tal âmbito de aplicação não pode “estender-se” de modo a abranger a transição entre anos, nos Mestrados Integrados, suspendendo, rectius afastando, a aplicação a regra do “ano barreira”.

16. Em arrimo da posição perfilhada, pugna o TCAN, no acórdão em crise, que, mercê do alegado paralelismo com as outras situações do mestrado dito normal, a exclusão das situações em que a obtenção do grau mestre depende apenas da transição de ano, dentro de um único ciclo de estudos, do âmbito de aplicação do aludido artigo 6.º, “seria incoerente do ponto de vista lógico-sistemático” e que “para além do teor verbal da lei, deve atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação lógico-sistemática)”.

17. Não se vislumbra em que medida a invocada “coerência interna” do diploma possa justificar esta denominada “interpretação lógico-sistemática”. Veja-se que, pese embora na génese da criação deste diploma, estejam as dificuldades acrescidas e inesperadas provocadas pela pandemia nas condições de ensino e de acesso dos alunos aos conteúdos leccionados, as quais não deixam de se colocar com a mesma premência relativamente a todos os estudantes e em todos os anos de cada ciclo de estudos, o diploma apenas visa assegurar a todos os alunos o acesso a todas as épocas de exames, incluindo épocas especiais, e já não a transição de ano (ainda que condicionada à conclusão ao ano anterior), dentro do ciclo de estudos que se encontrem a frequentar.

18. Mesmo relevando o elemento lógico-sistemático e o teleológico, em preterição do elemento literal, ainda assim cremos forçoso concluir-se que não pretendeu o Legislador incluir neste regime de excepção do art. 6.º, os Mestrados Integrados, rectius unicamente a transição do 3.º para o 4.º ano nos Mestrados Integrados, pelo que não podemos deixar de discordar expressamente com o entendimento perfilhado pelo TCAN no douto acórdão prolatado, no que concerne à interpretação extensiva daquele normativo.

19. Apesar do esforço argumentativo para integrar a decisão proferida no campo da interpretação extensiva, o TCAN acaba por fazer aquilo que a Doutrina denomina de interpretação extensiva analógica do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, efectuando, in casu, uma aplicação analógica daquela norma.

20. Uma vez que estamos perante uma norma excepcional, que não admite aplicação analógica – como o próprio TCAN reconhece no aresto em crise – não pode a mesma ser aplicada a casos diferentes daqueles para que foi concebida, ainda que estejamos perante casos semelhantes (pois aqui estamos já no campo da analogia e não da interpretação extensiva), sob pena de violação do disposto no art. 11.º, do Código Civil.

21. O douto Acórdão recorrido faz, assim, uma errada interpretação (extensiva) do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, contrariando as regras de interpretação da lei consignadas no art. 9.º, do Código Civil, e a proibição de aplicação analógica das normas excepcionais consagrada no art. 11.º, do mesmo Código, pelo que se impõe a sua revogação, e, bem assim, a sua substituição por um outro que julgue procedente o presente Recurso, nos termos do n.º 5, do art. 150.º, do CPTA, com as legais consequências.»

2. O Recorrido contra-alegou, concluindo que:
«1.º O Acórdão recorrido não merece, quanto à questão que é objeto de recurso, qualquer censura, apresentando-se como linear, clara e mesmo evidente a sua fundamentação. Não obstante, permitimo-nos, ainda assim, com o objetivo de esclarecer alguns aspetos mencionados pela Ré no presente recurso, referir o seguinte:

2.ª Impõe-se corrigir o argumento da Recorrente de que “o âmbito de aplicação do referido art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, não pode, em nosso entendimento, “estender-se” nos termos pretendidos pelo Autor, e acolhidos pelo Tribunal “a quo”, de modo a abranger a transição entre anos, nos Mestrados Integrados, suspendendo, rectius afastando, a aplicação a regra do “ano barreira”.

3.ª De facto, sendo que foi sempre essa a única questão colocada em juízo, assim no que se refere ao âmbito de aplicação do referido normativo, está apenas em apreciação saber se no mesmo se deve ter por incluída, através de uma sua adequada interpretação, por aplicação dos critérios legais, a situação de um aluno, no que aqui importa o Autor, que, frequentando no ano letivo de 2019/20 o 3.º ano do referido (MIM), na FMUC, ano este correspondente ao que atribui o grau de licenciatura, pretende inscrever-se na fase seguinte desse MIM, ou seja de mestrado propriamente dito, correspondente ao 4.º ano e seguintes, não obstante não dispor do número total de créditos previstos para a obtenção do grau de licenciatura (no caso faltam os correspondentes a duas unidades curriculares).

4.ª De facto, repondo a verdade das coisas, o que está em causa e assim em apreciação é a medida expressamente estabelecida no diploma, no seu artigo 6.º., no sentido de que os alunos, independentemente pois de terem conseguido obter aprovação em todas as unidas curriculares das fases / ciclos em que se encontram (licenciatura ou mestrado), poderem excecionalmente prosseguir os seus estudos, assim nas fases / ciclos seguintes (mestrado ou doutoramento),

5.ª Assim enquadrada devidamente a questão, bem se percebe, a solução por que pugnou sempre o Autor / recorrido e foi afirmada pelo Tribunal a quo, assim de que, citando, “Mesmo relevando o elemento lógico-sistemático e o teleológico, em preterição do elemento literal, ainda assim cremos forçoso concluir que não pretendeu o Legislador incluir neste regime de excepção do art. 6.º, os Mestrados Integrados, rectius a transição do 3.º para o 4.º ano nos Mestrados Integrados”, remetendo-se pois, por desnecessidade de outras consideração, para o que nesse se fez constar, por ser bem elucidativo dessas razões, incluindo, diga-se quando se conclui que o entendimento que havia sido sufragado em 1.ª instância é “frontalmente violador do princípio da igualdade”.

6.ª Como bem se fez constar do Acórdão recorrido, a respeito do âmbito de aplicação do aludido artigo 6.º, devendo “atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação logico-sistemática)”, a essa luz a sua interpretação, “como excluindo do seu campo de previsão a situação dos mestrados integrados apenas é sustentável do ponto de vista da sua coerência interna, se considerarmos como dele excluídos somente os mestrados integrados em que os alunos transitam automaticamente do termo da fase correspondente à obtenção do grau de licenciatura para a fase do mestrado propriamente dito, ou seja, para a fase da obtenção do grau de mestre, sem que a não conclusão da fase da licenciatura barre a possibilidade de frequência da fase do mestrado propriamente dito”, “mas já não será assim, nos casos em que, como revela a situação do autor, se esteja perante situações em que no âmbito de um mestrado integrado é estabelecido um sistema de “ano barreira” por via do qual se impõe a conclusão da fase destinada à obtenção da licenciatura para que o aluno possa prosseguir estudos, ou seja, progredir para a fase destinada à obtenção do grau de mestre, posto que, pese embora não se possa falar em termos técnico-jurídicos em ciclos distintos, porque não deixa de se estar perante um mestrado integrado, em que o aluno não tem de se candidatar à frequência de um mestrado, da sua livre escolha, e sujeitar-se a uma seriação mas apenas que se inscrever no ano correspondente a essa formação contínua tendo em vista a obtenção do grau de mestre, a verdade é que há um paralelismo de tal forma evidente com aquelas outras situações do mestrado dito normal, que a previsão do artigo 6.º seria incoerente do ponto de vista logico-sistemático se deixasse de fora do campo de previsão esta situação a que nos reportamos.”

7.ª Não tem também fundamento, sendo aliás mesmo incompreensível, por se estar a chamar à discussão argumento que carece de sentido, a menção da Recorrente, ao referir-se à interpretação extensiva que é dada ao preceito no Acórdão recorrido, de que a essa interpretação “pode ser apontado o mesmo vício de violação do princípio da igualdade”, com o argumento, se bem se percebe, de que a situação dos alunos que se encontrem a frequentar o 1.º ano ou o 2.º ano de um ciclo de estudos e não consigam reunir os ECTS necessários para transitar para o ano seguinte, ficando retidos no ano que se encontravam a frequentar, é equivalente / comparável à dos alunos que se encontrem a frequentar o 3.º ano.

8.ª De facto, para além de estar a referir-se a situações em absoluto distintas para efeitos da norma especial em aplicação, sendo que no que aqui importa (artigo 6.º) está apenas em causa a possibilidade estabelecida excecionalmente (dado que de acordo com o regime legal vigente essa estaria vedada) pelo legislador de transição entre as fases de estudos superiores de licenciatura, mestrado e doutoramento (não, pois, de transição entre anos dentro de cada uma dessas fases), deveria a Recorrente ter referido também, o que aliás evidenciaria a falta de fundamento do argumento que apresenta, que aos alunos do 1.º e 2.º anos, a que a mesma alude, não é exigido que tenham completado com aprovação todas as unidades curriculares do ano que frequentam para acederem à frequência do ano seguinte, mal se compreendendo assim em que se funda a invocada similitude de situações.

9.ª Por sua vez, quanto à referência da Recorrente de que os argumentos esgrimidos no Acórdão recorrido para justificar a interpretação extensiva se lhe afiguram “enquadráveis no regime jurídico da integração de lacunas e não da interpretação”, importando esclarecer, desde logo, que não se vislumbra em que local o Tribunal a quo afirmou que no caso o recurso à analogia estaria proibido, ainda assim, também a respeito da pretendida inclusão da norma na previsão do artigo 11.º do Código Civil, importa ter presente que mesmo as normas excecionais a que se reporta esse artigo, apesar de não comportarem aplicação analógica, admitem no entanto interpretação extensiva.

10.ª Aliás, ainda a propósito da aplicação do artigo 11.º do CC, havendo de ter-se em devida atenção o seu regime, desse resulta o sentido de que a norma excecional a que se refere é normalmente caracterizada como apresentando um regime oposto ao da norma geral, enquanto que a norma especial consagra uma disciplina nova e diferente, mas não em direta oposição com a disciplina geral. Ou seja, para se estar perante uma norma por excecional, para efeitos deste artigo, será necessário verificar se está ou não perante um verdadeiro ius singulare, isto é, perante um regime oposto ao regime regra e diretamente determinado por razões indissoluvelmente ligadas ao tipo de casos que a norma excecional contempla – sendo também conveniente esclarecer que não basta uma excecionalidade formal, não basta estarmos perante regra que contrarie outra mais geral, sendo indispensável que o teor normativo contrarie um princípio fundamental de direito, que se traduza num ius singulare, estabelecido contra rationis iuris.

11.ª Mesmo aplicando o invocado regime, não se vê com que fundamento legal, sendo esse o caso (e diz-se sendo esse o caso porque se defende, como afirmado já pelo Tribunal recorrido no douto Acórdão proferido, que a interpretação da norma invocada é bastante para ser chamada à aplicação), poderia ser afastado o recurso, em última instância, à analogia, assim pelas razões indicadas de modo que temos por bastante na petição inicial e que repetimos no recurso interposto para a 2.ª instância, a respeito da natureza e razão de ser da norma do citado artigo 6.º (que aliás trespassa de todo o conteúdo do diploma em que se insere), ou seja, mesmo que se pudesse porventura entender que estaríamos perante lacuna na lei (e não se entende), sempre havendo de ter-se presente o regime da integração previsto no artigo 10.º, do CC, a situação dos mestrados integrados teria de ser regulada segundo a norma aplicável aos casos análogos (n.º 1), por haver analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, ou seja precisamente os fundamentos e razões que estiveram na base do regime que se estabeleceu para os mestrados não integrados (n.º 2) – o mesmo se concluindo caso fosse de entender que não haveria caso análogo, pois a situação seria então resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (n.º 3).

12.ª Não se colocando a questão nos demais mestrados integrados (pelo facto de o acesso à fase de mestrado propriamente dita, por não existir ano barreira, ser automática), o modo de acesso, assim o de o ser por candidatura ou não, não se traduz em requisito que o legislador tenha erigido como determinante e razão de ser para distinguir os estudantes quanto à aplicação da norma e sim, diversamente, a intenção de permitir, excecionalmente, a todos eles o acesso às fases seguintes dos seus estudos, de mestrado ou doutoramento, ainda que não tenham concluído a fase/ciclo anterior – é essa a conclusão que resulta, aliás, diversamente do que refere a Recorrente, a nosso ver de modo claro da exposição de motivos do projeto e sua discussão, como se entende que resulta da consulta da atividade parlamentar quanto à apreciação https://www.parlamento.pt/Actividade Parlamentar da proposta

13.ª Se necessidade houvesse para demonstrar a razão de ser e fundamentos que estiveram para o legislador na base da criação do analisado regime extraordinário, evidenciando assim o acerto da medida legislativa aprovada, bastaria ter presente o que se invocou na presente ação sobre a situação do aqui Recorrido, este que tem consciência de que outras situações haverá de igual ou mesmo maior gravidade, importando não esquecer, ainda, que já se completou um ano letivo, em que perduraram as dificuldades e incertezas, que justificam, e impõem mesmo, por aplicação do citado normativo, a não imposição ao Autor da aplicação do ano barreira no MIM, repete-se criado apenas administrativamente.

14.ª Ou seja, em face da vigência do artigo 6.º da Lei 38/2020, bem como o estado atual de dificuldade e incerteza em que vivemos e que se manteve durante o ano letivo que agora terminou – sendo aliás de prever que se mantenham pelo menos no novo ano que se irá iniciar –, impõe-se, dando desse modo cumprimento ao mencionado normativo, que se reafirme a impossibilidade da aplicação do “ano barreira”, por afrontar, como se disse e defende, diretamente e de modo expresso, com o regime naquele previsto, bem como o objetivo que se pretendeu alcançar com a sua estipulação legal. Deste modo, cingindo-se agora a análise à situação do aqui Recorrido, que frequentou no ano letivo de 2019/20 o 3.º ano do mestrado integrado de medicina, não pode ser-lhe imposto, em face do regime excecional e extraordinário que resulta da norma anteriormente indicada, obstáculo ou impedimento, como o fizeram as Rés e defende agora a Recorrente no presente recurso, à inscrição e frequência da fase de mestrado do MIM, como bem o afirmou o Tribunal a quo no Acórdão recorrido.

15.ª De resto, interpretação diversa, que como se disse não colhe sustentação na lei em face dos critérios aplicáveis, em particular os objetivos perseguidos com a aprovação e publicação desta lei especial, levaria a que o artigo 6.º, chamado à aplicação, permitisse o acesso a mestrados não integrados, sem a prévia conclusão da licenciatura e, diversamente, já não o permitisse num mestrado integrado, assim o ministrado na FMUC (como se disse nos demais não existe o designado “ano barreira”), em clara violação, para além do pensamento e intenção legislativas, o princípio da igualdade de tratamento, também Constitucionalmente consagrado – artigo 13.º da CRP, que como é consabido é também aplicável à administração, nos termos do artigo 266.º, n.º 2.

16.ª Na verdade, para efeitos da aplicação do artigo 6.º da Lei 38/2020, a situação do Autor / aqui recorrido apresenta-se materialmente, e em absoluto, como similar / igual à dos estudantes que, frequentando uma licenciatura, pretendam candidatar-se seguidamente a um ciclo de estudos de mestrado não integrado, sem esquecermos que, como se disse já também, no geral dos mestrados integrados não há sequer impedimento a que os alunos se inscrevam nos anos correspondentes à fase de mestrado propriamente dito, ainda que não tenham concluído todas as unidades dos anos correspondentes à fase de licenciatura – contrariamente ao que ocorre na FUMC, em que se criou um impedimento, assim o denominado “ano barreira” .

17.ª É que, se naqueles primeiros casos a não conclusão das unidades integradas no ciclo de licenciatura, não fosse essa lei especial, impediria, de acordo com o regime geral vigente, que se pudessem candidatar ao mestrado, no caso do aqui Autor, esse impedimento, decorrente aliás de uma imposição administrativa, barra também, do mesmo modo, o seu acesso aos anos do MIM (4.º e seguintes) correspondentes à fase do mestrado propriamente dita.

18.ª O mesmo se concluindo, com adequada e clara fundamentação, no Acórdão recorrido, para o qual remetemos, pois, com a devida vénia, a posição defendida pela Recorrente no presente recurso, assim quanto à não aplicação da norma (referido artigo 6.º), apresenta-se como materialmente inconstitucional, por violação do artigo 13.º (princípio da igualdade), bem como artigos 73.º e 74.º (direito fundamental à educação e ao ensino), todos da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais.

19.ª Tudo para concluir, na firme convicção de que esse Venerando Tribunal, chamado a pronunciar-se sobre essa questão, à mesma responderá em concordância com o já afirmado pelo Tribunal recorrido, no Acórdão proferido.»

3. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 21 de outubro de 2021, porque «é ostensiva a divergência interpretativa das instâncias, e não é incontroversa a solução a que se chegou no acórdão recorrido».

4. Notificada nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, por entender «que o regime excepcional previsto no artº 6º da Lei nº 38/2020 é aplicável ao A., como estudante do MIM da FMUC, cujo acesso à fase de mestrado se encontra dependente da conclusão da fase de licenciatura».

5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 36.º do CPTA.


II. Matéria de facto

6. As instâncias deram como provados os seguintes factos:
«1) Em 08/09/2015 o A. realizou a sua matrícula, no ano letivo de 2015/2016, no Mestrado Integrado em Medicina (MIM) da FMUC, tendo procedido à sua inscrição nas cadeiras do 1.º ano do respetivo plano de estudos (cfr. doc. de fls. 5 do processo administrativo).

2) Em 28/02/2018 o A. requereu a desistência da inscrição em frequência, em relação ao ano letivo de 2017/2018, pedido que foi deferido em 09/03/2018 (cfr. doc. de fls. 6, frente e verso, do processo administrativo).

3) No ano letivo de 2019/2020, o A. estava inscrito no 3.º ano do MIM e obteve aprovação a 169 dos 180 ECTS necessários para concluir tal ano, uma vez que não foi aprovado em duas das unidades curriculares em que se encontrava inscrito, mormente Anatomia III e Farmacologia II, situação que o impediu de se inscrever no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, devido à vigência e aplicação do “ano barreira” (acordo; cfr. doc. de fls. 24 do suporte físico do processo e doc. de fls. 31 a 34 do processo administrativo).

4) Através de e-mail enviado, no dia 11/09/2020, aos serviços da FMUC, sob o assunto “Inscrição no quarto ano / Lei n.º 38/2020 – artigo 6.º”, o A. expôs e requereu o seguinte:

“(...) Assim sendo, ainda me encontro a concluir duas cadeiras do primeiro ciclo, pretendo realizá-las em época extraordinária. Todavia, no inforestudante continua a aparecer a informação relativa à existência de ano barreira, só me podendo inscrever no quarto ano se concluídas. Sei que noutros anos daria, mediante requerimento, para frequentar a título provisório as cadeiras de quarto ano, tornando-se efetiva a inscrição quando se concluísse as cadeiras em atraso. Teria intenção de fazer um requerimento nesse sentido, no entanto entrou em vigor recentemente a Lei n.º 38/2020 artigo 6.º, que preconiza (...).
Ora, em face desta lei, poderei inscrever-me desde já no quarto ano, que corresponde ao primeiro ano do Mestrado (Integrado).
Como não vejo esta situação da aplicação desta lei salvaguardada nesta parte no inforestudante nem em qualquer outro meio académico (só fazem referência ao artigo 5.º referente à prescrição), agradeceria que me informasse como irá proceder a faculdade ao cumprimento do disposto no artigo 6.º desta lei” (cfr. doc. de fls. 23 do suporte físico do processo).

5) Através de e-mail enviado no mesmo dia, em 11/09/2020, os serviços da FMUC informaram o A. do seguinte:

“Este normativo tem especificamente a ver com a candidatura a ciclos de estudos de mestrado (de especialização) e doutoramento – e não com Mestrados Integrados onde não há lugar a candidatura na passagem de “um ciclo para o outro” – e vem responder, nomeadamente, aos atrasos administrativos e académicos ocorridos no âmbito da pandemia de COVID-19. De facto, as regras do ano barreira no nosso MIM mantêm-se inalteradas, devendo inscrever-se apenas nas unidades curriculares do 1.º ciclo em falta que, como saberá, poderá tentar realizar na época extraordinária de outubro, como antecipação da época especial, se cumprir as normas estabelecidas e divulgadas pela UC (...)” (cfr. doc. de fls. 23, no verso, do suporte físico do processo).

6) Através de e-mail enviado no dia 14/09/2020, a exposição apresentada pelo A. relativamente à sua inscrição no 4.º ano do MIM e à suspensão do ano barreira foi reencaminhada para o Conselho Pedagógico da FMUC, tendo em vista a sua apreciação por este órgão (cfr. doc. de fls. 24 do suporte físico do processo).

7) Através de e-mail enviado no mesmo dia 14/09/2020, o Conselho Pedagógico da FMUC informou o A. da sua concordância com a interpretação constante da resposta enviada pelos serviços de apoio académico da FMUC em 11/09/2020, referida supra no ponto 5) (cfr. doc. de fls. 24, no verso, do suporte físico do processo).

8) Através de requerimento que deu entrada nos serviços da R. em 17/09/2020, o A. apresentou “reclamação/recurso hierárquico”, dirigido ao Reitor da R., no qual solicitou, a final, o seguinte:

“a) Que seja atribuído caráter urgente à presente reclamação, bem como, sem prejuízo da decisão final que venha posteriormente a ser proferida, desde já, decisão no sentido de ser permitido ao reclamante, ainda que a título provisório até à decisão final, a possibilidade de proceder à sua inscrição no quarto ano, de modo a que sejam minorados os prejuízos que possam decorrer da situação;

b) Cumpridas as formalidades que tenha por convenientes e adequadas, sendo afastada a solução afirmada na decisão reclamada, que seja afirmado o direito do reclamante a inscrever-se, no mais curto espaço de tempo possível, de modo a não prolongar a situação em que se encontra e inerentes prejuízos, no quarto ano do mestrado integrado de medicina” (cfr. doc. de fls. 16 a 21 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9) Em 06/10/2020 foi elaborada a informação n.º SGA/AJ/31/2020, da qual consta, além do mais, o seguinte:

Após análise do caso cumpre informar o seguinte:

“A – O estudante encontra-se a frequentar um ciclo integrado de estudos, designado MIM.

B – Entre o terceiro e o quarto anos do MIM existe uma condição, denominada “ano barreira” que impede que os estudantes desse ciclo de estudos possam inscrever-se no quarto ano, caso não tenham realizado com sucesso todos os ECTS correspondentes aos três primeiros anos desse ciclo de estudos.

C – A existência do “ano barreira” funciona como uma espécie de precedência, destinada a impedir que os estudantes do MIM possam iniciar a parte desse ciclo de estudos, correspondente à fase do Mestrado, sem que tenham concluído a parte inicial/anterior desse mesmo ciclo de estudos que, quando perspetivada autonomamente, corresponde à Licenciatura.

D – A existência de um “ano barreira” apenas condiciona a forma como é realizado o percurso escolar do estudante no ciclo de estudos, integrado, que escolheu frequentar.

E – O denominado “ano barreira” faz parte, desde 2016, do Plano de Estudos do MIM, tendo sido aprovado pelas entidades universitárias competentes da UC bem como pela entidade externa responsável pelo processo de acreditação do ciclo de estudos – a A3ES (Agenda de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior).

F – Segundo o Plano de Estudos do Ciclo de estudos que frequenta, o estudante não reúne condições para poder realizar a inscrição no 4º ano do MIM, em virtude de não ter concluído os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos. De acordo com o exposto, afigura-se-nos inteiramente correta a informação que, nesse sentido, foi prestada pela FMUC ao estudante.

G - Numa outra vertente, afigura-se-nos improcedente o argumento invocado pelo estudante de que o “ano barreira”, por ter sido “criado” após o seu ingresso no MIM, não lhe é, por esse facto, aplicável. Pelo contrário, o “ano barreira” integra o Plano de Estudos do MIM e as suas regras são aplicáveis a todos os estudantes por ele abrangidos a partir do início da sua vigência. Critério aliás similar ao que ocorre nos casos em que a componente curricular de um Plano de Estudos é alterada2 .

H – Relativamente à interpretação feita pelo estudante na reclamação/recurso hierárquico que apresentou, sobre a aplicação do artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08, embora compreendamos a motivação que a ela preside, não a acompanhamos.

I – O referido artigo dispõe o seguinte:
“Artigo 6.º Candidaturas a ciclos de estudos 1 – As candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos podem, excecionalmente, ser realizadas sem a conclusão do ciclo de estudos anteriores e durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo.
2 – A admissão no ciclo de estudos a que o estudante se candidata é condicional, passando a definitivo no momento da conclusão do ciclo de estudos anterior.
3 – Os estudantes que beneficiem do direito previsto no n.º 1 não podem ser prejudicados nos procedimentos de seriação e candidatura em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramento.” (s.n.)

J – Como facilmente se depreende da leitura desse artigo, a situação que o legislador procurou acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, foi a possibilidade de os interessados – em prosseguir os seus estudos num ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam –, poderem candidatar-se a esse ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído a ciclo de estudos anterior (que ainda se encontram a frequentar) e sem que sejam prejudicados na análise das candidaturas apresentadas nesse contexto e posteriores processos de seriação.
Aliás, a própria epígrafe do artigo “candidaturas a ciclos de estudos” comprova, só por si, o que acabamos de referir. E, se dúvidas existissem, o legislador logo tratou de esclarecer, no nº 1 daquele artigo, que a norma se destina apenas a “candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado 3 ou doutoramentos”. O que, manifesta e comprovadamente, não é o caso do agora reclamante/recorrente que se encontra a frequentar um ciclo de estudos integrado que, pelo interesse manifestado, pretende prosseguir.
Ou seja, a realização do percurso escolar definido pelo Plano de Estudos do MIM, contrariamente à situação prevista no artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08, não depende de qualquer candidatura. O percurso escolar que os estudantes terão que realizar no MIM encontra-se definido para a totalidade do ciclo de estudos que, sublinhe-se uma vez mais, é um ciclo de estudos integrado.
A existência de um “ano barreira” no MIM, apenas define o percurso escolar que os estudantes terão que realizar dentro de um único e mesmo ciclo de estudos. E, quanto a este aspeto, a FMUC na resposta anteriormente dada ao agora reclamante/recorrente, salientou já – e bem –, não ser admissível a alteração do percurso escolar dos estudantes que se encontra definida no Plano de Estudos do MIM em vigor, no qual se inclui, com inteira legitimidade, o “ano barreira”.

K – Face ao exposto, discordamos, com o devido respeito, da interpretação apresentada pelo reclamante/recorrente quando defende ser aplicável ao seu caso – em especial no que diz respeito à sua transição do 3º para o 4º ano do MIM –, o disposto no artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08.
Desde logo, porque o âmbito de aplicação da referida norma não abrange, de todo, a situação do reclamante/recorrente, bem distinta da configurada pelo legislador. A sua pretensão não é a de realizar uma candidatura a um ciclo de estudos distinto e subsequente daquele que frequenta, mas sim, a prossecução do ciclo de estudos integrado em que ingressou e a que pretende dar continuidade.

L – Salvo melhor opinião, não estamos, in casu, perante uma omissão do legislador que deva ser integrada por via interpretativa, mas antes, perante uma opção claramente assumida por este que não contempla, nem se coaduna, com a interpretação efetuada pelo reclamante/recorrente.
Com efeito, não pode olvidar-se, conforme disposto no nº 3, do artigo 9º, do Código Civil, que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Como julgamos suceder no caso em apreço.

Conclusões:
De acordo com a análise e entendimento suprarreferidos somos de parecer que a reclamação/recurso hierárquico apresentado não reúnem os requisitos que permitam o seu deferimento.
Assim sendo, para efeito de prossecução de estudos, deve o reclamante/recorrente inscrever-se nas unidades curriculares que lhe falta completar para concluir a componente curricular de 180 ECTS, respeitantes aos três primeiros anos do MIM que tem vindo a frequentar. A inscrição no quarto ano do MIM apenas poderá ocorrer depois de obtidos os 180ECTS mencionados.
O reclamante/recorrente poderá, no entanto, realizar – se assim o entender –, exames antecipados às unidades curriculares em falta, nos termos que lhe foram sugeridos pela FMUC.” (cfr. doc. de fls. 31 a 34 do processo administrativo).

10) Em 09/10/2020 a “reclamação/recurso hierárquico” apresentado pelo A. foi objeto de decisão de indeferimento, nos seguintes termos:

“Embora compreendendo e lamentando os problemas de saúde do estudante, o requerimento apresentado não possui objetivamente condições para ser deferido. O ano barreira, constituindo-se como uma figura próxima da precedência, faz parte integrante do plano de estudos do Mestrado Integrado em Medicina, devidamente aprovado pela Agência de Acreditado e Avaliação do Ensino Superior e tem sido aplicado a todos os estudantes que nele ingressam. A alegada possibilidade excecional aberta pelo artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18 de agosto, não parece adequar-se a ciclos de estudos integrados, que são ciclos unos e que não implicam qualquer tipo de candidatura e seriação no acesso ao mestrado, situação que o legislador terá tido a preocupação de salvaguardar face à possibilidade, devido à situação excecional de saúde pública vivenciada, de atrasos na conclusão de ciclos de estudos precedentes.
Assim sendo, para efeito de prossecução de estudos, o Estudante deve inscrever-se em 2020/2021 nas unidades curriculares que lhe faltam para concluir os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos do MIM que tem vindo a frequentar. A inscrição no quarto ano do MIM apenas poderá ocorrer depois de obtidos os 180 ECTS mencionados, podendo o Estudante realizar, se assim o entender, exames antecipados, na época extraordinária, às unidades curriculares em falta, nos termos que lhe foram sugeridos pela FMUC e que permitiriam ao Estudante, em caso de resultado positivo, solicitar à Faculdade a possibilidade de inscrição no quarto ano.” (cfr. doc. de fls. 41 e 42 do processo administrativo).

11) Através de e-mail enviado em 09/10/2020, foi o A. notificado de que o seu requerimento “foi apreciado tendo nele sido exarado despacho superior cujo projeto de decisão aponta no sentido do seu indeferimento”, mais tendo sido notificado para “se pronunciar, por escrito, querendo, sobre a proposta de decisão e respetivos fundamentos”, sendo que, “esgotado o prazo concedido para a realização de audiência prévia sem que o correspondente direito tenha sido exercido, o sentido da decisão exarada no requerimento tornar-se-á definitivo” (cfr. doc. de fls. 25 do suporte físico do processo).

12) Em 14/10/2020 o A. requereu a inscrição, por via da época extraordinária de outubro, nos exames das cadeiras de Anatomia III e Farmacologia II, pedido que foi deferido em 19/10/2020, nos seguintes termos:

“Defiro, excecionalmente, o pedido do estudante considerando o prejuízo, para o seu percurso académico e em particular devido ao ano barreira, que decorre da não inscrição na época extraordinária nos exames de Farmacologia II e Anatomia III.
Considerando ainda que, em consequência da publicação do recente regulamento académico, foram necessários ajustes do sistema informático, designadamente para permitir o acesso dos estudantes finalistas do 1.º ciclo ao requerimento para solicitar o acesso à época extraordinária, facto que só veio a acontecer no dia 13 de outubro, não deve ser cobrado o emolumento associado a este requerimento.” (cfr. doc. de fls. 15 e 16 do processo administrativo)

13) Consta de relatório médico datado de 07/08/2020 e relativo ao ora A., além do mais, o seguinte:

“O doente supracitado apresentava queixas de diminuição progressiva da visão do olho esquerdo desde há 2 anos, tendo-se acentuado no último ano, o que se tem traduzido em queixas de cansaço e cefaleias. Esta diminuição progressiva da visão provoca também um maior cansaço nos trabalhos de leitura, assim como nos trabalhos a computador, necessitando de intervalos maiores de repouso.
(...)
O olho esquerdo por apresentar doença da córnea progressiva grave, queratocone (é uma doença da córnea em que por fragilidade das fibras de colagénio, a córnea deixa de ter curvatura original e fica com uma curva mais irregular e em cone, acentuando o astigmatismo e diminuindo a visão não sendo possível que esta melhore com correção de óculos).
A 6 de agosto de 2020 foi operado ao queratocone com a técnica de crosslinking na tentativa de parar a progressão. Caso a progressão da doença não pare pode vir a precisar de um transplante de córnea. A possível melhoria da visão do olho esquerdo com esta técnica cirúrgica será lenta e ao longo de vários meses” (cfr. doc. de fls. 22 do suporte físico do processo).

14) O A. encontra-se inscrito, a título provisório, no ano letivo de 2020/2021, em unidades curriculares do 4.º ano do MIM, tendo sido lacrada a inscrição em 14/10/2020 (acordo e cfr. doc. de fls. 43 do processo administrativo).

15) A petição inicial da presente intimação deu entrada em juízo no dia 13/10/2020 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).»


III. Matéria de Direito

7. A questão que se discute neste recurso é a de saber se o artigo 6.º da Lei n.º 18/2020, de 18 de agosto, que estabelece medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior público, é aplicável à inscrição do A., ora Recorrido, no quarto ano do Curso de Mestrado Integrado de Medicina (MIM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Mais concretamente, discute-se a questão de saber se aquela inscrição se pode entender como uma «candidatura em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado», nos termos e para os efeitos do n.º 1 da disposição legal citada, que permite o ingresso condicional em cursos de mestrado a estudantes que ainda não tenham concluído a sua licenciatura.

8. Como se assinalou no acórdão preliminar, a divergência interpretativa das instâncias é ostensiva.
O TAF de Coimbra entendeu que «não estão (...) incluídos na previsão do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, os casos em que o estudante foi admitido e encontra-se a frequentar um (único) ciclo de estudos integrado ou curso superior conducente ao grau de mestre, in casu, o MIM, uma vez que, neste âmbito, o estudante não apresenta uma candidatura autónoma quando conclui, no termo do 3.º ano, os créditos necessários que lhe permitem obter o grau de licenciado, tendo em vista ingressar no 4.º ano do MIM. O que acontece é que o estudante, completados tais créditos, simplesmente transita, de modo automático, do 3.º para o 4.º ano de um mesmo e único ciclo de estudos integrado.»
Aquele tribunal recusou, além do mais, fazer uma interpretação extensiva da norma legal em questão, considerando que, nem a letra, nem o espírito da lei, autorizam a conclusão de que o legislador – dizendo menos do que queria dizer - pretendeu incluir a situação dos autos no seu âmbito de aplicação.
O TCAN, em contrapartida, concluiu que «o legislador pretendeu incluir na previsão da norma do artigo 6.º da Lei n.º 38/2020, todos os casos em que estivesse em causa a transição das fases da licenciatura para a de mestrado e para a de doutoramento, ainda que para o efeito, o legislador tivesse dito menos do que pretendia dizer.»
Para chegar a essa conclusão, aquele tribunal valorizou o facto de o MIM, embora constituindo um ciclo de estudos integrado, estar estruturado em duas fases autónomas, que conduzem, respetivamente, à concessão do grau de licenciado e de mestre. E valorizou especialmente a circunstância de a Universidade ter criado um obstáculo adicional à transição entre aquelas duas fases, através da instituição do chamado «ano barreira», que exige a realização da totalidade dos 180 créditos que correspondem à licenciatura como condição da passagem à fase correspondente ao mestrado.
Esta segmentação do MIM levou o TCAN a considerar que a situação do ora Recorrido «é materialmente igual à dos estudantes que, frequentando uma licenciatura, pretendam candidatar-se seguidamente a um ciclo de estudos de mestrado não integrado, diferentemente do que se passa na grande maioria dos mestrados integrados, em que o acesso a essa fase é automática.» Pelo que, conclui-se no acórdão recorrido, «impõe-se recorrer a uma interpretação extensiva da referida norma».

9. Nem as instâncias, nem as partes, divergem, no entanto, quanto à qualificação do regime estabelecido pelo artigo 6.º da Lei n.º 38/2020 como um regime excecional, na medida em que ele inequivocamente derroga, «enquanto se mantiverem em vigor as medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia de SARS-CoV-2», a aplicação do regime de acesso e ingresso nos ciclos de estudos conducentes aos graus de mestre e de doutor estabelecido pelos artigos 17.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, na redação que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de junho.
Não existem, assim, quaisquer dúvidas de que, não se prevendo explicitamente no seu teor literal a «transição» de fases dentro de um ciclo de estudos integrado, aquele regime apenas pode ser aplicado ao caso dos autos na medida em que dele possa ser feita uma interpretação extensiva, atenta a proibição de aplicação analógica de normas excepcionais constante do artigo 11.º do Código Civil.
Isso não significa, contudo, que a analogia esteja afastada enquanto critério de interpretação jurídica, pois aplicação analógica e interpretação analógica são conceitos distintos.
Como explica Miguel Nogueira de Brito, «o argumento a simili pode ser entendido no âmbito do desenvolvimento do direito ou no da interpretação. No primeiro caso, o argumento consiste em sustentar que, em face duma norma que atribui uma qualquer qualificação jurídica a um determinado objecto, deve concluir-se pela vigência de uma outra norma que para um caso concreto, atribui a mesma qualificação jurídica a outro objecto, que tenha com o primeiro uma semelhança relevante para efeito de os submeter à mesma disciplina jurídica. No segundo caso, o argumento consiste em sustentar que em face de um enunciado normativo em que um dos seus termos atribui uma qualificação normativa a um determinado objecto, deve estender-se o significado de tal termo de modo a compreender outros objectos, que embora não abrangidos pelo “núcleo” do termo em causa, possam ainda ser reconduzidos à respectiva “periferia”, em virtude de partilharem com o objecto abrangido pelo “núcleo” uma semelhança relevante tendo em vista a sua sujeição à mesma disciplina jurídica» – cfr. Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, AAFDL: Lisboa, 2018, pp. 239-240.
No primeiro caso, prossegue o autor, estamos no domínio da analogia legis, em que o argumento a simili serve para preencher lacunas da lei, enquanto no segundo estamos no domínio da analogia juris, ou seja, de um argumento interpretativo, que «serve para efectuar uma interpretação extensiva, isto é, uma interpretação que procede através da extensão da letra da lei».
Essencial é, portanto, que o objecto periférico que se considere abrangido pelo núcleo da norma tenha um mínimo de correspondência literal no seu enunciado.

10. O termo sobre cuja qualificação jurídica as instâncias e as partes divergem é, concretamente, o de «ciclo de estudos».
A divergência situa-se no plano material, e prende-se com a questão de saber se as duas fases em que se estrutura o MIM podem também subsumir-se naquele conceito.
A Recorrente insiste que o MIM «constitui um único ciclo de estudos (integrado), que se estrutura e desenvolve ao longo de 6 anos, com regras próprias de transição entre os anos que compõem esse único ciclo de estudos, conducente, no final, à obtenção do grau de Mestre», pelo que defende que a previsão normativa do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 38/2020 não abrange «os casos em que o estudante foi admitido e já se encontra a frequentar um (único) ciclo de estudos integrado, conducente ao grau de Mestre».
Mas a unidade do MIM não é evidente, pelo que o argumento literal da Recorrente não parece ser suficiente para afastar a conclusão a que se chegou no acórdão recorrido.
Senão vejamos.

11. O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 74/2006 não contém uma definição de «ciclo de estudos», mas do seu articulado se pode retirar que o mesmo constitui um conjunto organizado de unidades curriculares que conferem um determinado grau. Um ciclo de estudos é, na verdade, um curso que confere um grau – v., entre outros, o disposto no artigo 10.º.
Ora, os «ciclos de estudos integrados» previstos no artigo 19.º daquele diploma legal não conferem apenas um, mas dois graus – a licenciatura e o mestrado -, pelo que, na verdade, correspondem a dois cursos que, embora integrados, conservam autonomia entre si.
Um ciclo de estudos integrado não é, de facto, um ciclo de estudos materialmente distinto dos demais previstos na lei – licenciatura, mestrado e doutoramento -, mas apenas uma forma integrada de realizar os dois primeiros ciclos sucessivamente.
No caso do MIM, acresce ainda o facto de a Universidade de Coimbra ter estabelecido uma «barreira» entre os três primeiros anos do curso, que conferem o grau de licenciado, e os três últimos, que conferem o grau de mestre, pelo que o nível de integração dos respectivos ciclos é ainda menor do que o da generalidade dos ciclos integrados.
Um estudante que seja admitido no MIM pode, se assim o desejar, realizar apenas as 180 unidades de crédito a que correspondem os três primeiros anos, e obter o grau de licenciado, ou prosseguir até final, realizando as 180 unidades de crédito que correspondem aos três últimos anos, e obter o grau de mestre. Mas só pode passar à fase de mestrado se tiver previamente concluído integralmente a fase de licenciatura, obtendo o respectivo grau, o que, relativamente à frequência do curso de mestrado, o coloca numa situação materialmente idêntica àquela em que se encontra qualquer outro estudante que realiza aqueles dois ciclos de estudos separadamente.
A única verdadeira integração é a do processo de candidatura, na medida em que, uma vez assegurado o ingresso no curso integrado e realizadas aquelas primeiras 180 unidades de crédito, o estudante transita para a segunda fase do curso automaticamente.

12. Em face do exposto, não se pode deixar de considerar que a aplicação do artigo 6.º da Lei n.º 38/2020 à situação dos autos tem um mínimo de correspondência literal no seu enunciado normativo.
Um estudante que «transita» entre as duas fases do MIM está, ainda assim, a transitar entre dois ciclos de estudos que, embora realizados de forma integrada, são autónomos e distintos entre si, e conferem graus académicos também eles diferentes um do outro.
É certo um estudante que conclui a primeira fase do MIM não tem que se candidatar à fase subsequente do curso, limitando-se a matricular-se no ano seguinte, mas esse elemento interpretativo não tem a mesma relevância para a definição da razão de ser do regime excepcional estabelecido pela referida lei, e não é suficiente para afastar a sua aplicabilidade.
Seria, aliás, estranho que o ora Recorrido, não tendo realizado integralmente as 180 unidades de crédito que lhe conferem uma licenciatura, pudesse, à luz da mesma disposição legal, candidatar-se a qualquer outro curso de mestrado, mas não pudesse transitar para a segunda fase do seu próprio curso de mestrado, apenas porque está a realizá-lo de forma integrada com a licenciatura. Tanto mais que a transição entre os demais anos lectivos do mesmo curso não está sujeita à mesma «barreira».
Conclui-se, assim, que andou bem o tribunal a quo quando afirmou que «o legislador pretendeu incluir na previsão da norma do artigo 6.º da Lei n.º 38/2020, todos os casos em que estivesse em causa a transição das fases da licenciatura para a de mestrado e para a de doutoramento, ainda que para o efeito, o legislador tivesse dito menos do que pretendia dizer.»

13. Acresce que a razão de ser da “extensão” da aplicação do artigo 6.º da Lei n.º 38/2020 à transição entre fases, ou ciclos, do MIM é, também, evidente, na medida em que os respectivos estudantes foram afectados no seu desempenho escolar pela situação pandémica que vivemos na exata mesma medida que todos os demais estudantes que se encontram a concluir uma licenciatura não integrada.
Aliás, e como assinalou o tribunal a quo, para além do argumento de interpretação literal da norma, que não procede, a Recorrente não apresentou “uma razão válida para que as razões que ditaram a aprovação da norma (…) também não reclamem a aplicação do seu regime ao autor”.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que o acórdão recorrido não merece qualquer censura.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida.

Sem custas, nos termos da alínea b) do número 2 do artigo 4º do RCP. Notifique-se


Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Cláudio Ramos Monteiro (Relator) – José Francisco Fonseca da Paz – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha.