Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0313/11
Data do Acordão:06/29/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PROCESSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
RECURSO JURISDICIONAL
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
DECISÃO
COIMA
Sumário:I - O disposto nos artigos 63.º e 73.º, nº 2, ambos do Regime Geral das Contra-Ordenações, aplicável subsidiariamente ao RGIT por força da alínea b) do seu artigo 3.º, permite o recurso jurisdicional da decisão de rejeição da impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima proferida pelo tribunal tributário de 1.ª instância, independentemente do valor da coima aplicada.
II - É de 20 dias, contados da notificação, o prazo de que o arguido dispõe para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima – artigo 80.º n.º 1 do RGIT – contado nos termos do artigo 60.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT.
III - Se em face de uma notificação pouco clara se suscitam dúvidas quanto ao termo inicial do prazo indicado para a interposição do recurso, tem o mandatário judicial do arguido o ónus de as procurar esclarecer, tanto mais que para tal basta consultar o preceito legal expressamente indicado na notificação e do qual resulta, de modo inequívoco, o prazo e o termo inicial da sua contagem, não lhe sendo lícito pretender, com fundamento numa pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos.
IV - Não é nula a notificação efectuada, por erro na indicação do prazo de defesa, quando este consta da notificação através de expressa referência ao artigo 80.º, n.º 1 do RGIT.
Nº Convencional:JSTA000P13067
Nº do Documento:SA2201106290313
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, S.A., recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu, em 29 de Setembro de 2010, julgando intempestivo o recurso por si interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo-1 que lhe aplicou a coima de € 400,00, acrescida de custas processuais no valor de € 51,00, pela prática de infracção prevista no artigo 13.º, n.º 1, alínea i) do CIMI, punida pelos artigos 117.º, n.º 2, 24.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4 do RGIT.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I. Na sequência da interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 1899 2010 06000304, no montante de € 400,00 (quatrocentos euros), acrescida de custas processuais no valor de € 51,00 (cinquenta e um euros), a sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou o pedido de recurso intempestivo.
II. A ora recorrente foi notificada a 25 de Fevereiro de 2010 e interpôs recurso no dia 12 de Abril de 2010.
III. De acordo com o teor da notificação da decisão de aplicação de coima, assistia à recorrente o prazo de 20 dias, subsequentes ao decurso do prazo de 15 dias, para recorrer judicialmente da decisão de aplicação de coima.
IV. O prazo de 15 dias iniciou a sua contagem a 26 de Fevereiro de 2010 e terminou a 12 de Março de 2010, nos termos do disposto no art.º 279.º do Código Civil, ex vi art.º 20.º do CPPT, e o prazo de 20 dias iniciou a sua contagem a 13 de Março de 2010 e terminou a 12 de Abril de 2010, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados, nos termos do disposto no art.º 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, ex vi art.º 3.º, al. b) do RGIT.
V. A decisão sub judice fundamenta-se, por um lado, num alegado ónus da recorrente em esclarecer a “dúvida quanto ao termo inicial da contagem do prazo” para interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima.
VI.Todavia, contrariamente ao vertido na douta sentença sub judice, a leitura da notificação efectuada quanto à decisão de aplicação de coima não dá origem a qualquer dúvida, sendo claramente referidos os meios de defesa da arguida, ora recorrente – vide doc. 1.
VII.Considerando que o teor da notificação é legível e de fácil apreensão, jamais poderá recair sobre o sujeito passivo, ora recorrente, o ónus de, perante uma comunicação de decisão perfeitamente inteligível, vir, a título infundado, solicitar quaisquer esclarecimentos à mesma – não sendo a situação sub judice subsumível ao disposto no n.º 1 do art.º 37.º do CPPT.
VIII.Por outro lado, muito embora seja inquestionável que o prazo legal de interposição de recurso, previsto no art.º 80.º, n.º 1 do RGIT, é de 20 dias, a notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 1 refere, inequívoca e expressamente, que tal prazo de recurso de 20 dias inicia a sua contagem apenas após o termo do prazo de 15 dias, previsto no n.º 2 do art.º 78.º do RGIT.
IX. A correlação entre estes dois prazos – de 15 dias para pagamento voluntário com redução (78.º/2 RGIT) e de 20 dias para interposição de recurso da decisão (80.º/1 RGIT) – é estabelecida no teor da notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 1 (doc. 1), à semelhança da correlação estabelecida entre os prazos previstos nos art.ºs 78.º, n.º 2 e 79.º, n.º 2, ambos do RGIT, a qual jamais foi questionada pela douta sentença proferida.
X. Deste modo, é evidente não existirem quaisquer indícios que permitissem questionar a perfeição da notificação efectuada à arguida, ora recorrente, quanto à decisão de aplicação de coimas.
XI. De acordo com o disposto no art.º 36.º, n.º 1, do CPPT, ex vi art.º 70.º, n.º 2 do RGIT, quaisquer actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes, quando lhes sejam validamente notificados.
XII. Considerando que a notificação da decisão de aplicação de coima proferida nos presentes autos preenche os requisitos legais do art.º 36.º, n.º 2 do CPPT, os direitos da ora recorrente são definitivos, ao abrigo do Princípio da Definitividade dos Actos Tributários, previsto no art.º 60.º do CPPT.
XIII. Deste modo, ainda que, por mero raciocínio académico, se pudesse considerar que o termo inicial para contagem do prazo de interposição de 20 dias não corresponde ao expresso na notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 1, tal acto tributário de notificação seria definitivo no que respeita ao prazo para o exercício dos meios de defesa do contribuinte, aqui recorrente, pelo que o recurso interposto pela recorrente, nos termos do art.º 80.º do RGIT, deve ser sempre considerado tempestivo.
XIV. Supletivamente, caso os Mmos. Juízes Conselheiros venham a considerar que o termo inicial do prazo de recurso da aqui recorrente à data da notificação da decisão de aplicação de coima, a notificação efectuada deve ser considerada nula, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 63.º do RGIT, por erro na indicação do prazo de defesa e consequente falta dos requisitos legais, com a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam.
Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e admitindo-se, por tempestivo, o recurso jurisdicional interposto, nos termos previstos no art. 80.º, nº 1 do Regime Geral de Infracções Tributárias, com o que contribuirão V. Exªs, preclaros Conselheiros, para a realização do direito.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso – cfr. fls. 100.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. Na decisão recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) O processo de contra-ordenação foi instaurado tendo por base o auto de notícia levantado em 14.01.2010, por infracção ao artigo 13.º, n.º 1, al. i) do CIMI – cfr. fls. 2 dos autos.
b) A arguida foi notificada da decisão de aplicação da coima no dia 25 de Fevereiro de 2010 – cfr. fls. 16 dos autos.
c) Apresentou o recurso de contra-ordenação no Serviço de Finanças de Valongo-1 no dia 12 de Abril de 2010 via fax – cfr. doc. de fls. 53 dos autos.
d) Em 13.04.2010 deu entrada no referido Serviço de Finanças, via CTT, o original da petição enviada por fax no dia anterior – cfr. doc. de fls. 53 dos autos.
3. A questão colocada no presente recurso consiste em saber se decisão recorrida incorreu em erro ao julgar intempestivo o recurso interposto do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo-1 que aplicou à arguida a coima de € 400,00 pela prática de infracção prevista no artigo 13.º, n.º 1, alínea i) do CIMI, e punida pelos artigos 117.º, n.º 2, 24.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4 do RGIT.
3.1. Todavia, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, convém tomar posição sobre outra questão, prévia em relação à decisão de fundo, e que tem a ver com a admissibilidade do recurso, porquanto o montante da coima aplicada à arguida é inferior ao valor de um quarto da alçada fixada para ao tribunais judiciais de 1.ª instância (1.250,00 € - art.º 24.º da LOFTJ na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24/08, DL n.º 303/2007, de 24/08, e que corresponde ao actual n.º 1 do art.º 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28/08).
Segundo o disposto no artigo 83.º do RGIT, o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória. Contudo, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que o recurso jurisdicional deve ser recebido com base nos fundamentos previstos no artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (Dec.Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), subsidiariamente aplicável ao RGIT por força da alínea b) do seu artigo 3.º, e que constitui, como se sabe, uma válvula de segurança do sistema de alçadas, permitindo assegurar a realização da justiça.
Ora, segundo a alínea d) do n.º 1 desse artigo 73.º, é sempre admitido recurso jurisdicional da decisão de rejeição da impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima. E, por outro lado, o artigo 63.º desse Regime Geral estabelece que há recurso, independentemente do valor da coima aplicada, do despacho do juiz que rejeite o recurso feito fora do prazo.
Pelo que se justifica, plenamente, a admissão do presente recurso jurisdicional.
3.2. Quanto ao mérito do recurso.
Segundo a decisão recorrida, o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi intempestivamente apresentado, uma vez que o prazo para a sua interposição é de 20 dias após a notificação ao arguido da decisão (artigo 80.º, n.º 1, do RGIT) e esse prazo encontrava-se já ultrapassado quando o recurso deu entrada no Serviço de Finanças de Valongo-1, em 12/04/2010, pois a arguida fora notificada da decisão de aplicação da coima em 25/2/2010.
É contra essa decisão que se insurge a arguida, ora Recorrente, que sem colocar em causa a apontada data em que recebeu a notificação, invoca que em face do teor dessa notificação o prazo de 20 dias para interposição de recurso se contaria após os 15 dias de que dispunha para efectuar o pagamento voluntário da coima, pelo que teria, assim, apresentado em tempo a sua defesa.
A este propósito e em situação absolutamente idêntica à destes autos, se pronunciou recentemente esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 1/06/2011, no Processo nº 312/11. Dada a total identidade dos factos fixados no probatório, da questão jurídica suscitada e das conclusões da alegação de recurso apresentadas, aliás, pela mesma recorrente, remete-se para o que aí se decidiu, por manifesta identidade de razões e por se aderir totalmente à fundamentação aí explicitada, que constitui, aliás, jurisprudência pacífica deste Tribunal.
Aí se escreveu: «Como já se disse, a propósito de caso semelhante, no acórdão desta Secção de 3/6/2009, no recurso n.º 349/09, embora a notificação da decisão administrativa da coima, efectivamente, não seja um modelo de clareza nem no que respeita ao prazo para interposição do recurso nem quanto a outros aspectos, o certo é que, de forma alguma, do seu texto resulta, como pretende fazer crer a recorrente, a indicação inequívoca de que o prazo de 20 dias para recorrer se inicia após o decurso do prazo de 15 dias para pagamento voluntário da coima, com redução de 25% (artigo 79.º, n.º 2 do RGIT).
Com efeito, a remissão do n.º 3 para o n.º 1 do texto da notificação respeita apenas ao prazo e não ao modo de contagem do prazo para interposição do recurso judicial (cfr. fls. 23 dos autos). (...) a simples leitura do artigo 80.º, n.º 1 do RGIT (expressamente indicado no n.º 3 do texto da notificação como fundamento normativo do recurso) pela advogada que representa a arguida no processo, funcionalmente obrigado ao conhecimento da lei, permitiria a dissipação de qualquer dúvida, a qual parece nem se justificar, se atentarmos que a própria recorrente reconhece como inquestionável que o prazo legal de interposição do recurso, previsto no artigo 80.º, n.º 1 do RGIT, é de 20 dias (conclusão VIII das suas alegações de recurso).
Consideramos, assim, seguindo o entendimento já manifestado no aresto supra citado, que a ser legítima a dúvida quanto ao termo inicial da contagem do prazo, face à eventual pouca clareza do texto da notificação, sempre incumbiria à arguida, para mais representada por advogada, também o ónus de a ver esclarecida, esclarecimento este de muito fácil obtenção pois que a notificação indica de forma expressa o preceito legal aplicável (o artigo 80.º do RGIT) e deste resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem.
Assim sendo, não lhe é, pois, lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos.
É, pois, de 20 dias após a notificação o prazo de que a arguida dispunha para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da LQC (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados. Feitas as contas, conclui-se, pois, que o prazo para interposição do recurso terminou efectivamente no dia 25 de Março de 2010.
A decisão judicial que assim o considerou e em conformidade rejeitou por extemporâneo o recurso apresentado só em 12/04/2010 não merece, pois, qualquer censura, devendo ser confirmada.
Por último, improcede também a alegada nulidade da notificação, por pretenso erro na indicação do prazo de defesa e consequente falta de requisitos legais, pois, como supra já referido, do n.º 3 do seu texto consta expressamente, por referência ao artigo 80.º, n.º 1 do RGIT, o prazo de que a arguida dispunha efectivamente para interpor recurso da decisão que lhe aplicou a coima aqui em causa, pelo que, face às considerações já tecidas a respeito da interpretação do texto da notificação, se conclui não haver qualquer nulidade daquele acto processual por falta de requisitos legais.».
De tudo o que antecede resulta que improcedem, na íntegra, as conclusões do presente recurso.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Junho de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Valente Torrão - António Calhau.