Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0223/14
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:DIREITO DE AUDIÊNCIA
Sumário:É dispensada a audição prévia nos termos do art.° 60.° da LGT quando no indeferimento de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa apenas se apreciou factualidade e fundamentos jurídicos já conhecidos do contribuinte. (*)
Nº Convencional:JSTA00069192
Nº do Documento:SA2201505060223
Data de Entrada:02/25/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA - ....... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART60 N1 N3 ART11 N1.
CPPTRIB99 ART66 N4 ART68.
CONST76 ART267 N4 N5.
CCIV66 ART9.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A…………, S. A. e B…………, identificados nos autos, na qualidade de sucessores da C…………, SGPS, S. A. deduziram impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa, da decisão que indeferiu o recurso hierárquico da reclamação graciosa apresentada da liquidação de IRC do exercício de 1999.

Naquele Tribunal decidiu-se julgar procedente a impugnação, anulando-se a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, para que fosse conferido o exercício do direito de audição prévia aos impugnantes antes da decisão do recurso hierárquico e que fosse proferida nova decisão sobre a legalidade da liquidação que tivesse em consideração esse exercício.

2. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões das suas alegações:

1. Na douta sentença ora recorrida o tribunal “a quo”, julgou procedente a presente impugnação e, em consequência, anulou “a decisão de indeferimento de recurso hierárquico para que seja conferido o exercício do direito de audição prévia aos Impugnantes antes da decisão de recurso hierárquico, e seja proferida nova decisão sobre a legalidade da liquidação que tenha em consideração esse exercício”.
2. Fundamentou a sua decisão propugnando que a “redacção do nº 3 do art. 60º da LGT resulta que o legislador pretendeu restringir a dispensa de audição prévia do contribuinte não em todo o procedimento tributário, mas apenas e somente no procedimento tributário anterior à liquidação: (…)”;
3. Tendo concluindo não haver “lugar à dispensa da audição do contribuinte nos termos do disposto no art.º 60º, nº 3 da LGT quando estamos na fase de recurso hierárquico pois trata-se da fase do procedimento tributário posterior ao da liquidação.”
4. Com todo o respeito, não podemos concordar com a posição assumida pelo tribunal “a quo”. A douta sentença ora sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, na medida em que fez uma errónea aplicação do disposto no nº 3 do artigo 60º da LGT;
5. Entende a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito por melhor opinião, tal como decidiu o STA, no Acórdão de 16-01-2013 - Proc.º 0670/12 — 2ª Secção), mencionado na Douta Sentença, “I - O n° 3 do art. 60º da LGT, com a redacção introduzida pela Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio, assume carácter de norma interpretativa, que lhe é atribuído pelo art. 13º, n.º 2, da mencionada lei, visando esclarecer que o direito de audição prévia consagrado no art. 60º só impõe nova audição do contribuinte ante a existência de factos que não tiverem sido anteriormente objecto de contraditório, como já era jurisprudência relevante no âmbito da redacção originária daquele preceito legal.”;
6. No mesmo sentido se pronunciou já o Pleno da Secção de CT, do mesmo Tribunal, conforme se pode constatar pelo que foi decidido pelo Acórdão de 26-09-2007, Proc.º 0903/06, quanto ao instituto em análise, ao destacar que: “(…), quando a audiência efectuada tenha possibilitado pronúncia sobre todas as matérias do procedimento, por a ele, entretanto, não ter chegado novidade, não se legitima a sua repetição, que redundaria num acto inútil proibido, aliás, pelo artigo 57º nº 3 da LGT.
7. No caso dos autos, é manifesto que a Impugnante exerceu, por escrito, o direito de audição prévia nos termos do artigo 60° da LGT, no âmbito da acção inspectiva externa, tendo inclusive sido atendida, em parte, as suas pretensões no relatório final da referida inspecção (procedimento de 1° grau), tendo, portanto, tal intervenção influenciado a liquidação final;
8. Retira-se igualmente do probatório que a decisão do recurso hierárquico se baseou nos mesmos factos sobre os quais foi dado, às Impugnantes, a possibilidade de exercido do direito audição no procedimento anterior (Reclamação Graciosa), que a Impugnante optou por não exercer;
9. Factos que legitimam, em absoluto, a dispensa do direito de audição no procedimento, como resulta da correcta conjugação dos artigo 60°, nº 1 e 3 da LGT, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo art.º 13º da Lei 16-A/2002, de 31 de Maio, e artigo 103°, nº 2, alínea a) do CPA, aplicável ex vi, artigo 2, alínea c) da LGT, dado não terem sido invocados factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado.
10. Da letra e do espírito da norma (art.° 60°, n° 3 da LGT) resulta que o contribuinte tem que ser sempre ouvido antes da liquidação, excepto se já tiver sido ouvido, “em qualquer das fases do procedimento”, anterior, casos, em que essa audição é dispensada, quer antes da liquidação (procedimento de 1° grau), quer antes das decisões a proferir, quer na Reclamação, quer no recurso (procedimentos de 2° grau), que venham eventualmente a ocorrer, excepto, mais uma vez, se forem invocados factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado.
11. Como refere a recente jurisprudência do TCAS, proferida no “Acórdão do TCAS, de 16-09-2013 — Proc.º 01510/06 — CT – 2° Juízo”, em que nos revemos e subscrevemos:
“4. Nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso. Nestes casos, não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual.
12. Por tudo, apoiados na melhor doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, só se pode concluir, não ter o mínimo de fundamento a posição vertida pelo tribunal “a quo”, de que “..., não há lugar à dispensa da audição do contribuinte nos termos do disposto no art.° 60°, nº 3 da LGT quando estamos na fase de recurso hierárquico pois trata-se da fase do procedimento tributário posterior ao da liquidação.”, como o são a reclamação e o recurso;
13. Não se extrai, em momento algum, quer da letra, quer do espírito, quer ainda da ratio legis, que “(o) preceito legal em causa delimita expressamente o seu âmbito de aplicação aos casos em que o contribuinte deveria ter sido ouvido antes da liquidação, o que exclui todos os casos em que o contribuinte deve ser ouvido no procedimento tributário após a liquidação,...”. como é firmado na Douta Sentença;
14. É totalmente infundada a anulação da “(d)ecisão de indeferimento de recurso hierárquico, promovida pela Douta Sentença, ora recorrida, por a mesma não enfermar de nenhum dos vícios que lhe são imputados, designadamente, a de preterição de formalidades essencial, que como se demonstrou não se verificam;
15. E não se diga, como o diz o tribunal “a quo”, que assim não é, porque ‘mio caso em apreça os Impugnantes nem sequer foram ouvidos antes da decisão de reclamação graciosa, porque apesar de notificados para o efeito, não decidiram exercer esse direito, pelo que não se pode dizer que intervieram na fase anterior do procedimento, e também por essa razão, nunca seria de aplicar o disposto no nº 3 do art. 60°.”
16. É com pena nossa que voltamos a discordar, mais uma vez, em absoluto, de tal posição, a mesma, salvo Douta opinião, não resulta, também aqui, nem letra da lei, nem do seu espírito.
17. O facto de estarmos perante um direito, de natureza peremptória, que, por livre e espontânea vontade do particular, pode, por opção, não ser exercido, é sintomático, o quanto é absurda a ideia da obrigatoriedade de uma pronúncia do interessado;
18. In casu, deu-se ao contribuinte a possibilidade de exercício do direito, fixou-se-lhe prazo para o efeito, o mesmo entendeu não o exercer, ou por não possuir elementos novos susceptíveis de alterar a posição da Administração, ou por querer levar a contenta para a instâncias judiciais, ou por outro motivo que entendeu, dentro da sua livre disposição,
19. Seria de todo ilegítimo, impor-lhe o exercício de audição, como defende a Douta Sentença, até porque, não se encontra garantido que a sua pronúncia motivasse uma alteração de posição da entidade decisora.
20. Da mesma forma não se encontra demonstrado que tal audição poderia promover uma maior fundamentação da decisão por parte de Administração fiscal, dado que a mesma se baseou numa profunda Informação, em que se analisou todos os factos invocados pelas Impugnantes e, justificada a posição da Administração fiscal, com referência às normas jurídicas aplicáveis, ou então, em alguns casos, através de remissão para informações anteriores, todas elas de conhecimento do contribuinte;
21. Tendo presente a posição do Supremo Tribunal relativamente a situações semelhantes à dos presentes autos, vertida nos acórdãos mencionados, no sentido de ser dispensável a audição do contribuinte, considerando a natureza interpretativa da redacção dada ao art.° 60° da LGT pela Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio, não se deparam razões para nos presentes autos decidir em sentido contrário, devendo por isso ser revogada a Douta Sentença ora recorrida;
22. Por erro de julgamento na aplicação do direito e violação o disposto no artigo 60°, nº 3 da LGT, na redacção que lhe foi dada pela já referida lei 16-A/2002, de 31 de Maio.
23. Em momento algum se extrai da norma que a dispensa de audição dos interessados se aplica unicamente aos “procedimento tributário anterior à liquidação.”, como defende a Douta Sentença.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douto sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, quanto ao invocado fundamento de violação do direito de audição prévia, com a consequente remessa dos autos ao tribunal de 1ª Instância, a fim de aí, após a pertinente fixação da matéria de facto, se conheça do mérito dos demais fundamentos invocados na petição inicial.

3. Os então recorrentes, ora recorridos vieram contra-alegar, concluindo nos termos que se seguem:

a) Não assiste razão à Recorrente quando afirma, a propósito da letra do número 3 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária, que do mesmo resulta a dispensa de audição prévia no caso de procedimentos de segundo grau, como é o caso do procedimento de recurso hierárquico subjacente aos presentes autos, já que a norma referida é linear na sua previsão: a dispensa de nova audição aí estatuída limita-se ao procedimento de liquidação.
b) A posição assumida pela Recorrente não encontra assim o apoio na letra da lei que esta afirma, já que a decisão imediatamente impugnada foi proferida num procedimento posterior ao procedimento de liquidação.
c) E tal posição não encontra apoio na letra da lei também porque no caso sub judice o contribuinte que exerceu o direito de audição prévia em sede do procedimento de inspecção tributária (a sociedade C…………, SGPS, S.A.) não é o contribuinte que não foi notificado para exercício do direito de audição prévia antes da decisão final do recurso hierárquico (os ora Recorridos, mediante sucessão determinada pela liquidação e partilha da sociedade C…………, SGPS, S.A.), pelo que não é manifestamente argumentável - à luz dos factos provados em juízo - que o mesmo contribuinte havia sido ouvido em fases anteriores do procedimento.
d) Manifesta é também a falta de apoio no espírito da lei da posição assumida pela Recorrente, já que, por força da sucessão operada, os Recorridos adquiriram direitos e interesses reais a defender no procedimento de recurso hierárquico, pelo que, ainda que não fossem considerados contribuintes no procedimento em causa, não poderia a Administração Tributária em qualquer hipótese ter deixado de os notificar para exercício do direito de audição em momento prévio à decisão final, sob pena de violação dos princípios e da norma constitucional que determinaram a positivação do direito de audição no artigo 60.° da Lei Geral Tributária.
e) Não estamos assim no caso concreto numa situação subsumível à letra e ou ao (alegado) espírito do número 3 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária que foi invocado pela Recorrente para justificar a decisão de não notificação para exercício do direito de audição, nem, aliás em situação equivalente às subjacentes à jurisprudência invocada pela Recorrente (da qual, aliás, os Recorridos discordam).
f) E não se diga que o facto de os Recorridos não terem exercido o direito de audição em sede da reclamação graciosa implicaria que o exercício desse direito pudesse ser dispensado no procedimento subsequente (o de recurso hierárquico), na medida em que o número 3 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária não teve em vista impedir ou limitar a participação dos contribuintes no procedimento tributário mas apenas assegurar a utilidade da sua participação, razão pela qual exige para efeitos de dispensa que o contribuinte tenha sido anteriormente ouvido e não, apenas, que o contribuinte tenha sido chamado a exercer o direito de ser ouvido.
g) A sentença recorrida não merece assim censura, ao aplicar correctamente o direito aos factos dados como provados, adequadamente seleccionados e ponderados na decisão, pelo que deverá ser mantida.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença aqui em discussão proferida pelo tribunal a quo, tudo com as legais consequências.

4. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso merecer provimento, de acordo com o seguinte parecer:

A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 459/479, em 27 de Novembro de 2013.
A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial interposta contra o acto de indeferimento de recurso hierárquico, deduzido do acto de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez intentada contra a Liquidação Adicional de IRC de 2009.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 510/514, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.°/4 e 639.°/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
As recorridas contra-alegaram, tendo concluído nos termos de fls. 526/527 que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos.
O direito consagrado nos artigos. 100° do CPA, 45°/1 do CPPT e 60° da LGT constitui uma concretização do princípio da participação dos particulares na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, dando, assim, satisfação à directriz consagrada no art. 267°/5 da CRP, revestindo a natureza de um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um verdadeiro direito subjectivo procedimental.
Nos termos do estatuído no artigo 60.º da LGT “o direito de audição é exercido finda a instrução e antes da decisão e não em momento anterior.
A decisão pode consistir, nos termos do número 1 do presente artigo, no acto tributário de liquidação, no indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, na revogação do acto constitutivo de benefícios fiscais ou de qualquer acto administrativo em matéria fiscal e na aplicação de métodos indirectos de determinação da matéria colectável. O direito de audição aplica-se igualmente ao processo de fiscalização, nos termos da verdadeira norma especial em que consiste o artigo 60.º do RCIT, que prevalece sobre o disposto no artigo 60.º da presente lei.
O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações dilatórias no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento. Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de audição inicialmente se concretizou. É claro que não se confunde com o direito de audição previsto no presente artigo o dever de audição do contribuinte na instrução do procedimento, que deve fazer-se as vezes necessárias à realização do fim da descoberta da verdade material”. (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, ANOTADA, página 278/279, de ANTÓNIO LIMA GUERREIRO.)
E se dúvida houvesse quanto à interpretação do artigo 60.º da LGT, quanto a esta matéria, ficou a mesma, inteiramente, esclarecida com a Lei 16-A/2002, de 31 de Maio, alterando o número 3 do citado artigo, expressamente veio esclarecer que tendo o contribuinte sido ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
E, esta alteração, por força do estatuído no artigo 13.º/1 do CC a lei interpretativa integra-se na lei interpretada retroagindo os seus efeitos à data da entrada em vigor da antiga lei.
No caso dos autos, a extinta C…………, SGPS, SA, à qual sucederam as recorridas, enquanto sócias daquela, foi ouvida em sede de procedimento de inspecção sobre o projecto de correcções técnicas à matéria colectável.
As recorridas foram, ainda, notificadas em sede de reclamação graciosa para querendo, exercerem o direito de audição prévia, tendo optado por não exercer tal direito.
Ora, assim sendo, e uma vez que, em sede de recurso hierárquico não foram trazidos elementos novos sobre os quais as recorridas não tivessem, ainda, sido ouvidas, atento o estatuído no artigo 60.º/3, parece certo que não havia que as notificar para o exercício do direito de audição prévia, sob pena de se estar a praticar um acto inútil que a lei proíbe (artigo 57.º do CPA). (Neste sentido a jurisprudência reiterada e consolidada do STA — Acórdão do PLENO da SCT, de 2007.09.02-P.0903/06 e da SCT, de 2013.01.16.P-0670/12, disponíveis no sitio da Internet www.dgsi.pt.)
E não se venha argumentar, como faz a sentença recorrida que o normativo do artigo 60.º/3 da LGT apenas tem aplicação na fase do procedimento anterior à liquidação e já não posterior, pois, tal interpretação, salvo melhor juízo não tem apoio na letra e espírito da lei.
E, também, não se venha dizer, como fazem as recorridas, que não foram ouvidas em fases anteriores do procedimento.
De facto, foram notificadas para exercerem o direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa e se não o exerceram de facto, é questão que apenas a elas diz respeito, sem a menor relevância jurídica.
Também, em sede de procedimento inspectivo, exerceu o direito de audição prévia a extinta C…………, à qual sucederam as recorridas, e como tal as consequências jurídicas do exercício de tal direito não podem deixar de se reflectir nas recorridas!
Portanto, a decisão, recorrida não se pode manter na ordem jurídica.
Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, baixando os autos à 1.ª instância para conhecimento das restantes questões, cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao pleito.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto

A) A sociedade “C…………, SGPS, SA”, no exercício de 1999, encontrava-se abrangida pelo regime de tributação pelo lucro consolidado (cfr. relatório de inspecção de fls. 39 e ss dos autos).
B) A sociedade “C…………, SGPS, SA” foi liquidada em 31/03/2010 (cfr. documentos de fls. 377 e ss dos autos).
C) Em 31/03/2010 a sociedade “C…………, SGPS, SA” tinha por únicos sócios as ora Impugnantes (cfr. documentos de fls. 377 e ss dos autos).
D) A sociedade “C…………, SGPS, SA” foi objecto de uma acção de inspecção, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria tributável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 1999, no montante de 101.314.640,88€ e 10.883.815,69€ e apurado imposto em falta no montante de 119.783,60€ (cfr. relatório de inspecção de fls. 39 e ss dos autos).
E) As correcções impugnadas e respectiva fundamentação, em síntese, foram as seguintes (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 38 a 63 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais);
a. - Correcções às realizações de utilidade social que foram consideradas não dedutíveis por não poderem fazer parte do cálculo uma vez que tais valores não se consideram remuneração de trabalho dependente nos termos do art. 2.º do CIRS;
b. - Prejuízos fiscais gerados no âmbito do regime de tributação pelo lucro consolidado e considerados não dedutíveis uma vez que “o valor da matéria colectável de todas as sociedades que apresentam lucro tributável corrigido é coincidente com o respectivo lucro, visto que nenhuma delas, tinha saldo de prejuízos dedutíveis para efeitos da aplicação do art. 59.º-A do CIRC”;
c. - Prejuízos fiscais gerados no âmbito do Grupo D………….
F) Na sequência das correcções efectuadas, em 11/11/2003, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2003 8310019196, constante da demonstração de compensação n.º 2003 8310019196 de 11/11/2003, no valor total de 33.583.080,43€, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 02/01/2004 (cfr. fls. 296 dos autos).
G) Em 30/03/2004 os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior (cfr. requerimento a fls. 5 e ss do Processo de Reclamação Graciosa).
H) Os Impugnantes, foram notificados para exercerem o direito de audição prévia sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 218 e ss do Processo de Reclamação Graciosa, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
I) Os Impugnantes não exerceram o direito de audição prévia mencionado na alínea anterior (cfr. Processo de Reclamação Graciosa).
J) Em 29/11/2010 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. decisão de fls. 226 e ss do Processo de Reclamação Graciosa, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
K) Em 07/01/2011 os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. articulado de fls. 4 do Processo de Recurso Hierárquico, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
L) Foi dispensada a audição dos Impugnantes com fundamento na al. c) do n.º 3 da circular n.º 13 de 08/07/1999, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, e de que os Impugnantes já foram notificados para exercer o direito de audição prévia sobre a situação, em fase anterior do processo, e uma vez que não trouxeram factos ou elementos novos susceptíveis de alterar a decisão da reclamação graciosa (cfr. despacho antes a fls. 92 do Processo de Recurso Hierárquico, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
M) A Impugnação foi apresentada junto do tribunal tributário de Lisboa em 16/04/2012 (cfr. fls. 2 dos autos).

De direito:

Perante a factualidade dada como provada e agora não questionada pelas partes o mº juiz “a quo” passou a conhecer da invocada preterição do direito de audição dos impugnantes antes da decisão sobre o recurso hierárquico.
Considerou o Tribunal “a quo” que essa preterição ocorreu, apesar de ter ponderado embora a doutrina dos vários arestos deste STA que se pronunciaram sobre a dispensa de audição do contribuinte, por, no caso em apreço, não dever sequer levar-se em conta a dispensa que o nº 3 do artigo 60 da LGT impõe, já que tratando-se de recurso hierárquico a lei impunha tal audição prévia, independentemente de o mesmo ter sido ouvido no procedimento anterior à liquidação, objecto da reclamação graciosa.
A Fazenda Pública não se conforma com tal decisão.
Entende que a sentença considerou que “da redacção do nº 3 do art. 60º da LGT resulta que o legislador pretendeu restringir a dispensa de audição prévia do contribuinte não em todo o procedimento tributário, mas apenas e somente no procedimento tributário anterior à liquidação.
Todavia, diz a recorrente, tal facto contende não só com a letra da lei como do seu espírito.
E porque a decisão do recurso hierárquico se baseia nos mesmos factos sobre os quais foi dada possibilidade ao contribuinte de se pronunciar tendo até alguns dos seus argumentos sido atendidos no acto da liquidação, sendo que a reclamação graciosa tem por objecto esse acto e tendo também sido dada oportunidade ao contribuinte de nesta sede de ser ouvido antes da decisão que motivou o recurso hierárquico, dado que a decisão se baseou apenas nos elementos que o contribuinte já conhecia, não havendo assim factos novos atendíveis a Fazenda Pública considera que a dispensa de audição nesta fase não só está justificada com a própria a lei a determina.
A recorrida pugna pela manutenção do decido e no caso diz também que a audição prévia se impunha havendo por isso preterição de formalidade legal porquanto o contribuinte que exerceu o direito de audição não é o mesmo do recurso hierárquico.

Vejamos.
Relativamente ao argumento que as recorridas afirmam de não ser o contribuinte do recurso hierárquico o mesmo que foi ouvido previamente ao acto da liquidação importa desde já dizer que tal facto não tem relevância jurídica alguma no que concerne à preterição de formalidade que se analisa pois tendo tal direito sido exercido pela extinta C…………, à qual sucederam as recorridas, as consequências jurídicas do exercício de tal direito não podem deixar de se reflectir na esfera jurídica das recorridas.
Pelo que a única questão que importa analisar é se a não audição das recorridas antes da decisão do recurso hierárquico era ou não dispensável face ao preceituado no artigo 60 da LGT.

Dispõe o artigo 60 da LGT:
A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d)(*) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2* - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. (Lei n.º 16-A/2002 de 31 de Maio - De acordo com o n.º 2 do art.º 13º, o disposto no n.º 1 do presente artigo tem carácter interpretativo)

(*) (A nova redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da lei geral tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, tem natureza interpretativa, de acordo com o nº 2 do artº 40º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

O artigo 60 da LGT concretiza o princípio constitucional do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito consagrado no nº 5 do artigo 267 da CRP.

No caso dos autos resulta do probatório que a AT não procedeu à audição prévia dos Recorrentes nos termos em que essa audição se mostra regulada no artigo 60.º da LGT, sustentando a legalidade de tal actuação ao abrigo do nº 3 do artigo citado, defendendo que a participação dos Recorrentes foi assegurada através da sua intervenção ao longo do procedimento inspectivo e também no procedimento da reclamação graciosa já que notificadas para previamente a decisão da reclamação graciosa o não fizeram.

E sendo o recurso hierárquico interposto desta decisão, não tendo tido por base elemento algum que não fosse já do conhecimento do contribuinte e sobre os quais não tivessem tido já oportunidade de se pronunciarem a audição prévia do contribuinte era dispensada não só por se tratar de acto repetitivo e portanto inútil mas porque tal dispensa era decorrência da lei cfr nº 3 do artigo 60 da LGT.

Terá razão a recorrente?

O direito de audição não é um direito absoluto no sentido de que sempre e em qualquer circunstância o interessado, in casu, o contribuinte, tenha que ser ouvido no âmbito do procedimento, por não assumir a audiência prévia, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, natureza de direito fundamental.

De facto o direito de participação não decorre directamente do artigo 267 nº 4 da CRP. O que decorre deste preceito constitucional é a obrigação de o legislador disciplinar todo o procedimento administrativo de modo a que esta exigência de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes respeitem seja sempre assegurada.

Mas o modo e a forma de tal exercício foi cometida também ao legislador ordinário.

E o mesmo preceito não estipula que a não realização da audição prévia determine sempre a invalidade do acto ou decisão tomada com omissão de tal formalidade.

O artigo 60 da LGT ao consagrar o princípio da participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito é também uma manifestação do princípio do contraditório.

De facto no direito Tributário o direito de participação, face à natureza ablativa do mesmo e à litigiosidade potencial de tal direito que o princípio do inquisitório pode incrementar, assume um função garantística de defesa do contribuinte onde o principio do contraditório assume maior relevância.

No caso dos autos no processo inspectivo deu-se cumprimento a tal princípio e disposição tendo sido assegurado ao contribuinte o exercício do direito de audição previamente à liquidação e tendo até na decisão sido levados em conta alguns dos factos e razões por ele apresentadas.

Também na reclamação graciosa interposta pelo contribuinte, procedimento que se seguiu à liquidação, foi o contribuinte novamente notificado para exercer o direito de audição prévia mas não o fez.

Diz a recorrente que o recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa apenas apreciou toda a factualidade já conhecida do contribuinte e não se baseou em factos diferentes como resulta aliás do probatório da sentença recorrida.

E porque para a decisão deste recurso não foram carreados factos novos sobre os quais as recorridas tivessem que ser ouvidas a dispensa de audição prévia decorria da lei.

Importa ter presente que o nº 1 do artigo 60 da LGT prescreve a audição prévia do contribuinte antes do indeferimento quer na reclamação graciosa quer no recurso.

O nº 3 do artigo 60 da LGT prescreve a dispensa de audição prévia do contribuinte antes da liquidação nos casos aí discriminados pelo que a dispensa efectuada na situação dos autos não decorre directamente desse nº 3.

Mas tal não significa que essa dispensa se não imponha do mesmo modo nos procedimentos posteriores à liquidação desde que tal se justifique por se considerar que do procedimento em análise se pode concluir que foi dado por outra forma cumprimento ao princípio constitucional da participação do contribuinte.

A interpretação restritiva que a sentença recorrida sustenta de tal dispensa só respeitar a procedimentos anteriores à liquidação tem apoio na letra da lei mas a interpretação da lei não pode em caso algum deixar de ter em consideração os princípios interpretativos decorrentes do artigo 9º do Código Civil e 11/1 da LGT, designadamente tem de atender também ao espírito da lei.

Efectivamente podemos considerar que se mesmo quanto à liquidação que é o acto administrativo tributário que culmina todo o procedimento complexo da liquidação e que contém uma manifestação unilateral da Administração Tributária sobre o “an” e o “quantum” da obrigação tributária a lei determina a sua dispensa desde que observado o condicionalismo prescrito no nº 3 do artigo 60 da LGT poder-se-ia afirmar por maioria de razão que tal dispensa se imporá quando os procedimentos posteriores ao acto da liquidação estão com ele umbilicalmente conexionados e não há elemento algum novo que deva ser objecto de pronúncia do contribuinte.

No caso que analisamos a dispensa de audição do contribuinte face à sua natureza garantística primordial só se mostraria justificada sendo mesmo imposta por lei que proíbe a prática de actos inúteis caso fosse oportunamente assegurado ao contribuinte toda a possibilidade de intervir e apresentar as suas razões bem como a possibilidade de exercer o contraditório, finalidades visadas pelo principio constitucional da participação e reguladas no artigo 60 da LGT e 267/5 da CRP.

Mas no caso em apreço se é certo que foi dada oportunidade ao contribuinte para exercer o seu direito de audição no processo inspectivo anterior à liquidação o certo é que deste acto foi interposto reclamação graciosa onde, como ficou provado nos autos, não exerceu tal direito.

A reclamação graciosa visa a anulação parcial ou total do acto tributário cfr artigo 68 do CPPT podendo ter como fundamentos os mesmos da impugnação judicial.

Tratando-se de procedimento autónomo a lei impõe a audição prévia do contribuinte antes de proferida decisão.

Por sua vez o recurso hierárquico interposto desta reclamação visa como todo o recurso revogar, anular ou eventualmente modificar a decisão da reclamação.

A consequência do não exercício do direito de audição, quando o contribuinte foi notificado para exercer tal direito, é a de apenas serem levadas em conta na decisão a tomar os elementos constantes do procedimento.

Se o contribuinte não exerce o direito de audição e porque não concorda com a decisão tomada na reclamação graciosa dela recorre hierarquicamente abre-se um novo patamar de decisão pelo que não tendo exercido o direito de audição na reclamação de cuja decisão foi interposto recurso desse não exercício não se pode retirar outra conclusão que não seja a de que não exerceu o direito que lhe assistia.

Por isso se a lei determina a sua audição prévia antes da decisão do recurso hierárquico a dispensa da sua audição não decorrendo directamente da letra da lei só poderia ocorrer se se mostrasse justificada por tal formalidade traduzir meramente um acto dilatório já que a decisão seria sempre a mesma.

No caso dos autos a fundamentação da dispensa pela AT assenta directamente no disposto no nº 3 do artigo 60 da LGT que como dissemos já não contempla tal situação mas também no facto de o contribuinte não ter anteriormente exercido esse direito antes da prolação da decisão recorrida, apesar de ter sido notificado para o exercer argumentando-se que não tendo sido carreados factos novos essa audição se mostra desnecessária.

Efectivamente está em causa a dispensa da audição do contribuinte previamente à decisão a tomar no recurso hierárquico interposto da decisão da AT na reclamação graciosa interposta do acto da liquidação
O recurso hierárquico vem regulado no artigo 66 do CPPT e tem como objectivo a revogação parcial ou total do acto recorrido cfr nº 4 do citado artigo.
Visa tal procedimento apreciar tal como a reclamação graciosa a legalidade do acto da liquidação pelo que neste procedimento ao decisor fica cometido o reexame de todo o acto recorrido incluindo todo o procedimento de liquidação que o acto administrativo da liquidação encerra e é o objecto da reclamação graciosa.
O recurso hierárquico é assim um procedimento consequente da reclamação graciosa interposta e esta por sua vez da liquidação.
Reitera-se por isso que tendo o recorrente exercido o direito de audição no procedimento de liquidação previamente ao acto da liquidação onde foram até acolhidos alguns dos argumentos por apresentados nessa audição mesmo assim o contribuinte foi novamente notificado para exercer o direito de audição antes da prolação da decisão a tomar quanto à reclamação graciosa interposta visando a anulação daquele acto.
Todavia está provado nos autos que apesar de tal notificação o reclamante não exerceu o direito de audição.
Pelo que a decisão da reclamação atendeu apenas aos elementos de facto que constavam já do procedimento de liquidação.
Ora é dessa decisão que coube o recurso hierárquico que agora se aprecia e que teve como campo de apreciação apenas e só como ficou igualmente provado todos os factos que eram já do conhecimento do recorrente, sobre os quais tivera já oportunidade de sobre eles se pronunciar.
Esta fundamentação é em nosso entender manifestamente suficiente para justificar neste caso a dispensa de tal imposição legal pois não tendo sido levados em conta na decisão recorrida outros elementos que não fossem já do conhecimento do recorrente e sobre os quais lhe foi dada oportunamente oportunidade de sobre eles se pronunciar a função de garantia e de defesa função primordial de tal imposição em direito fiscal e expressão da exigência do principio constitucional da participação imposto pelo artigo 267/5 da CRP encontra-se plenamente assegurada.


Concorda-se assim com Lima Guerreiro quando resume no mesmo sentido a sua posição que mais tarde estaria subjacente à alteração legal do artigo 60 da LGT “O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão.
Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento…
Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de audição inicialmente se concretizou”.
Pelo que se julga não verificada a invocada preterição legal de audição prévia da recorrida razão pela qual se concede provimento ao recurso, e se determina a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que conheça dos restantes fundamentos de impugnação.

Decisão

Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para conhecer dos restantes fundamentos de impugnação.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 6 de Maio de 2015. – Fonseca Carvalho (relator) – Casimiro GonçalvesPedro Delgado.