Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0617/14.6BEALM
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAXA
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:-Não resultando de forma clara das normas legais nacionais e europeias, nem existindo jurisprudência europeia que tenha esclarecido a questão, importa formular, em sede de reenvio prejudicial, as questões de saber:
(i) - O artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012, de 06/09, se interpretado no sentido de que a taxa nele prevista se destina a financiar exclusivamente a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas, é susceptível de gerar uma discriminação indirecta da prestação de serviços entre Estado-Membros no confronto com a respectiva prestação interna, tornando a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro, e viola, por isso, o disposto no art.º 56.º do TFUE?
(ii) O facto de existirem regimes idênticos ou similares ao previsto na Lei n.º 55/2012 noutros Estados-Membros da União Europeia, é susceptível de alterar a resposta àquela pergunta?
Nº Convencional:JSTA000P27314
Nº do Documento:SA2202103100617/14
Data de Entrada:09/24/2019
Recorrente:INSTITUTO DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL, I.P.
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por INSTITUTO DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL, I.P., sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 29-11-2018, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial intentada pela A…………, S.A., também melhor identificada nos autos, na qual peticionava a anulação do despacho de indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de Taxa de Subscrição devida por operadores de serviços de televisão por subscrição.

Inconformada, nas suas alegações, formulou o recorrente INSTITUTO DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL, I.P. as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso vem interposto contra a Douta Sentença proferida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 617/14.6BEALM, que correu termos no Tribunal' Administrativo e Fiscal de Almada, Unidade Orgânica 2;
B. No âmbito da referida impugnação judicial, veio a Recorrida impugnar a autoliquidação do tributo previsto no n.º 2 do art.º 10.º da lei 55/2012, de 6 de Setembro, o qual, incide sobre os operadores de serviços de televisão por subscrição, referente ao acesso a serviços de programas televisivos, no território nacional, categoria na qual se insere a Recorrida;
C. Em estreita síntese, a Recorrida imputou ao tributo previsto no n.º 2 do art.s 10.º da Lei 55/2012, objecto de autoliquidação, as seguintes ilegalidades:
i. Violação de princípios constitucionais materiais: universalidade, igualdade, tributação do rendimento real e justiça tributária;
ii. Violação de princípios constitucionais formais e orgânicos: reserva de lei na criação de impostos e legalidade fiscal;
iii. Violação de princípios constitucionais da irretroactividade da lei fiscal, da segurança jurídica e da tutela de confiança;
iv. Violação do princípio supralegal da proibição da consignação de receitas fiscais;
v. Violação dos princípios constitucionais relativos à configuração das taxas e contribuições financeiras; princípio da equivalência e princípio da proporcionalidade;
vi. Violação do Direito Europeu: violação da livre prestação de serviços e violação. das normas relativas a auxílios de Estado; e,
vii. Violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
D. A Douta Sentença recorrida limitou a sua análise à alegada desconformidade ao Direito Europeu do tributo previso no art.º 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012, designadamente atenta a finalidade do mesmo, concluindo no sentido de que, uma vez que as receitas geradas com a cobrança do tributo em questão "visam apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas portuguesas", o tributo é "nessa medida, claramente discriminatório, violando de forma clara o disposto no art. 56º do TFUE";
E. Com efeito, entendeu a Douta Sentença recorrida que, alegadamente "a afectação da receita proveniente da Taxa de subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira pelo que gera uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna";
F. Sucede que, não pode a ora Recorrente deixar de expressar a sua veemente discordância relativamente à decisão vertida na Douta Sentença ora recorrida, uma vez que o tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 é conforme ao Direito Europeu, inexistindo uma qualquer violação do disposto no art.º 56.º do TFUE;
G. Como questão prévia, e na medida em que está em causa a alegada desconformidade, do tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 com o Direito da União Europeia, em concreto com o art.s 56.º do TFUE, pelo que a interpretação da legislação nacional face a este art.s 56.º do TFUE condiciona a solução do litígio sub judice, resulta indispensável e obrigatório, caso este Venerando Tribunal tenha dúvidas ou entenda existirem elementos transfronteiriços que justifiquem a aplicação do Direito da União, Europeia, que seja proferido despacho de reenvio para o TJUE com as questões, prejudiciais que importa esclarecer antes de ser proferido o respectivo Acórdão sobre o caso sub judice;
H. A Recorrente sugere que as seguintes questões prejudiciais, nesta ou noutra formulação que venha a ser decidida com base nos princípios da boa-fé e cooperação processual (artigos 7.º e 8.º do Código do Processo Civil), sejam colocadas ao TJUE, nos termos do art.s 267.º do TFUE, suspendendo-se a instância de modo a que este Venerando, Tribunal possa decidir a questão da conformidade do tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 com o art.s 56.º do TFUE:
i. No caso concreto, existem elementos transfronteiriços que legitimem o direito da Recorrida, face às actividades por si desenvolvidas, de invocar as disposições do TFUE em matéria de livre prestação de serviços de forma a sustentar a ilegalidade do tributo previsto no art.º 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012?
ii. Em caso afirmativo, poderá o tributo cuja autoliquidação é impugnada, por si próprio, ser considerado como desconforme ao Direito da União Europeia ou, na verdade, importa analisar a eventual desconformidade ao Direito da União Europeia em virtude da afectação, da receita gerada com o tributo, ao fomento, desenvolvimento e protecção da arte do cinema e das actividades, cinematográficas e audiovisuais, introduzido pela Lei 55/2012?
iii. Em caso afirmativo, pode o tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 ser interpretado, em virtude da sua afectação, no sentido de que tem por efeito favorecer a aquisição de obras cinematográficas e audiovisuais nacionais no confronto com as obras europeias, gerando uma discriminação indirecta da prestação de serviços entre Estado-Membros no confronto com a respectiva prestação interna e tornando a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro, violando o disposto no art.º 56.º do TFUE?
iv. Não deverá ponderar-se, tendo por finalidade o juízo sobre se o tributo em questão embaratece a produção nacional em comparação com a produção europeia, ou sobre a eventual discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna daí decorrente, a existência de regimes idênticos ou similares ao previsto na Lei 55/2012 noutros Estados-Membros da União Europeia?
v. Por fim, o tributo previsto no artº 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 consiste numa medida que integra um auxílio estatal?
vi. Em caso afirmativo, e face às normas da União Europeia em matéria de ajudas de Estado à produção e outras actividades cinematográficas e audiovisuais, nomeadamente ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do TFUE, o tributo em questão viola o disposto no art.s 56.º do TFUE?
I. Não obstante, e sem prejuízo das questões prejudiciais a colocar ao TJUE, entende a Recorrente que a Douta Sentença agora recorrida deve ser objecto de revogação na medida em que o vício de violação do Direito Europeu deveria ter sido julgado improcedente;
J. Desde logo, o tributo cuja autoliquidação vem impugnada nos autos incide exclusivamente sobre o acesso a serviços de programas televisivos, prestados em território nacional, devendo ser suportado por todos os operadores de serviços de televisão por subscrição, que prestem serviços em território nacional, na definição dada pelo art.s 2.º, alínea p) da Lei 55/2012, inexistindo qualquer carácter transfronteiriço subjacente a estas prestações de serviços, pelo que não há, assim, o direito da Recorrida de invocar as disposições do TFUE em matéria de livre prestação de serviços para se opor à legislação em causa;
K. Na medida em que todos elementos da actividade de prestação de serviços de televisão por subscrição se circunscrevem ao território nacional, não é aplicável o disposto no art.º 56.º do TFUE;
L. Note-se que, o direito à livre prestação de serviços pode ser invocado por uma empresa' relativamente ao Estado em que está estabelecida ou ao Estado em que está estabelecido o destinatário, quando os serviços são prestados a destinatários, estabelecidos num outro Estado-Membro (Acórdãos do TJCE de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries, C-18/93, Colect., p. I·1783, n.º 30; de 14 de Julho de 1994, Peralta, C-379/92, Colect., p. I-3453, n.º 40, e de 10 de Maio de 1995, Alpine Investments, C-384/93, Colect., p. I-1141, n.º 30);
M. Ora, a Douta Sentença recorrida não considera, em algum momento, que decorre da afectação do tributo previsto no art.s 10, n.º 2 da Lei 55/2012 uma qualquer discriminação indirecta susceptível de penalizar a Recorrida;
N. Por este motivo, a Douta Sentença recorrida violou o disposto no art.s 10, n.º 2 da Lei 55/2012, bem como o art.s 56.º do TFUE, na medida em que as normas em questão deveriam ter sido interpretadas no sentido de que inexiste qualquer elemento transfronteiriço que legitime a aplicação ao caso sub judice do disposto no art.s 56.º do TFUE;
O. Contudo, considerou a Douta Sentença recorrida que o tributo cuja autoliquidação vem impugnada nos autos consubstancia uma restrição à livre prestação dos serviços, não por parte da Recorrida, mas sim por parte dos prestadores de serviços relacionados com a produção cinematográfica e audiovisual estrangeira, e que, por esse motivo, o tributo em questão viola o disposto no art.º 56.º do TFUE;
P. No entanto, caso se entenda que a Recorrida poderá, legitimamente, invocar a ilegalidade do tributo em questão por violação do disposto no art.s 56.º do TFUE em virtude de uma alegada discriminação indirecta de prestações de serviços realizadas por outras entidades que não são partes no litígio, entende que a Recorrente que, também desta perspectiva, não resulta demonstrada nos autos qualquer restrição à livre prestação destes serviços, real ou potencial, proibida nos termos do art.s 56.º do TFUE;
Q. Desde logo, a Douta Sentença recorrida, para concluir pela violação do disposto no art.º 56.º do TFUE, partiu, com o devido respeito, de uma premissa errada: que o tributo cuja autoliquidação vem impugnada nos autos se destina a financiar exclusivamente a promoção e divulgação de obras cinematográficas portuguesas;
R. Com efeito, face às disposições previstas na Lei 55/2012 e respectiva legislação: regulamentar, nomeadamente, numa fase inicial, o Decreto-Lei n.º 9/2013, de 24 de Janeiro, e o Decreto-Lei n.º 124/2013, de 30 de Agosto, entretanto objecto de revogação na sequência da aprovação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de Abril, o qual, no entanto, mantém as linhas gerais que já resultavam dos diplomas entretanto revogados, vem igualmente previsto o apoio à produção, distribuição, exibição, promoção e divulgação de obras europeias;
S. Face ao exposto, mal andou a Douta Sentença recorrida ao considerar que o regime previsto na Lei 55/2012 tem por finalidade exclusiva o financiamento da promoção e divulgação de obras cinematográficas portuguesas, motivo pelo qual, verificando-se que tal financiamento beneficia igualmente obras europeias, não poderia ter concluído pela verificação de uma violação do disposto no art.s 56.º do TFUE, revelando um manifesto erro de interpretação das disposições legais aplicáveis;
T. Neste sentido, a Douta Sentença recorrida deveria ter interpretado a Lei 55/2012, em concreto os seus artigos 3.º, n.º 4, 8.º, n.º 3 e art.s 18.º, n.ºs 1 e 3, e respectiva legislação regulamentar, nomeadamente, numa fase inicial, os artigos 28.º, 31.º, n.ºs 1 e 3, 32.º, 41.º e 42.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 124/2013, de 30 de Agosto, e, posteriormente, os artigos 10,º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 29.º, alínea b), 30.º, n.º 1 e 39.º do Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de Abril, no sentido de que se prevê o apoio à produção, distribuição, exibição, promoção e divulgação também de obras europeias e não: exclusivamente de obras nacionais;
U. Sem prejuízo, ainda que se entenda que a receita obtida através do tributo em questão nos autos se destina a financiar essencialmente obras nacionais, o que, repita-se, tão-pouco resulta do regime previsto na Lei 55/2012 e respectivas disposições regulamentares, não poderia a Douta Sentença recorrida ter concluído, face à mera análise do referido regime legal, que a afectação da receita obtida através do tributo em questão é susceptível ou tem por efeito tornar mais difícil a prestação de serviços entre Estados-Membros do que a prestação de serviços num único Estado-Membro;
V. Uma tal restrição ao princípio da livre prestação de serviços apenas se verificaria, em abstracto, e ainda que de forma meramente potencial, se fosse possível concluir com segurança que a afectação da receita resultaria num favorecimento à aquisição de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas em detrimento de obras europeias, e ainda que tornaria a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro;
W. Inexiste qualquer evidência, mesmo que mínima, de que os operadores de serviços de televisão tendem a favorecer a aquisição de obras nacionais em detrimento de obras europeias apenas em virtude do financiamento e apoio que é concedido às obras nacionais, sendo que, tal conclusão sempre careceria de uma análise funcional cuidada e exaustiva, que manifestamente não resulta dos autos nem foi demonstrada pela Recorrida; X. Não resulta igualmente demonstrado nos autos que a afectação do tributo em questão afecte o acesso ao mercado das "obras estrangeiras" entravando dessa forma o comércio intracomunitário, sendo que, uma eventual restrição à livre prestação de serviços sempre exigiria que a afectação do tributo em questão pudesse eventualmente prejudicar ou desencorajar de forma substancial a prestação de serviços transfronteiriços relacionados com "obras estrangeiras";
Y. Assim, inexiste qualquer restrição à livre prestação de serviços, relacionados com obras europeias, susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atractivas as actividades destes prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado-Membro, onde prestam, legalmente serviços análogos;
Z. Neste sentido, ao concluir que o tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012, em virtude da sua afectação, é ilegal face ao Direito Europeu, a Douta Sentença recorrida incorreu, novamente, numa errónea interpretação dos artigos 3.º, n.º 4, 8.º, n.º 3 e art.s 18.º, n.ºs 1 e 3 da Lei 55/2012, e respectiva legislação regulamentar, nomeadamente, numa fase inicial, os artigos 28.º, 31.º, n.ºs 1 e 3, 32.º, 41.º e 42.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 124/2013, de 30 de Agosto, e, posteriormente, os artigos 10.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 29.º, alínea b), 30.º, n.º 1 e 39.º do Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de Abril, e, ainda, de uma errónea interpretação e aplicação do disposto no art.s 56.º do TFUE;
AA. Por outro lado, na medida em que o tributo cuja autoliquidação vem impugnada nos autos incide sobre os serviços prestados em território nacional pelos operadores de serviços de televisão por subscrição, logo, não incide, objectivamente, sobre qualquer "produção estrangeira" ou sobre os prestadores de serviços, relacionados com a produção de conteúdos cinematográficos e audiovisuais europeus, a Douta Sentença recorrida acaba por concluir, na prática, pela ilegalidade do apoio concedido pela Recorrente ao cinema e audiovisual nacional, olvidando, por completo, as comparticipações de que beneficiam as actividades cinematográficas e audiovisuais na generalidade dos Estados-Membros;
BB. Ora, resulta demonstrado que um tributo similar ao tributo cuja autoliquidação vem impugnada nos autos, incidente sobre os serviços de televisão por subscrição, existe também noutros Estados-Membros, vejam-se as taxas existentes na Alemanha (Vide Decisão da Comissão Europeia de 10 de Dezembro de 2008, processo N 477/2008 - German Film Support Scheme.), França ("Taxe sur les éditeurs et distributeurs de services de télévision (Vide Decisão da Comissão Europeia de 22 de Março de 2006, processo NN 84/2004 e N9S/2004 - Régimes d'aide ao cinema et à l'audiovisuel.)), Polónia (Vide Decisão da Comissão Europeia de 16 de Maio de 2006, processo N 505/2005 - Polish audiovisual fundo), República Checa (Vide decisão da Comissão Europeia de 2 de Agosto de 2013, State aid SA.36106 (2013/N) - Czech Republic cinematography support scheme.), entre outros Estados-Membros;
CC. Adicionalmente, em 2008, a Comissão Europeia aprovou diversos regimes de apoio ao sector cinematográfico entre os quais se contam o regime de apoio à produção cinematográfica húngara, os incentivos fiscais à produção cinematográfica italiana e os regimes de apoio à produção cinematográfica finlandesa e alemã (Vide Relatório da Comissão Europeia sobre a Política de Concorrência referente a 2008.);
DD. Neste sentido, o que se assiste na União Europeia é um verdadeiro incentivo à produção audiovisual por parte dos Estados-Membros, o qual é entendido como essencial tendo em vista assegurar a expressão da respectiva cultura e capacidade criadora própria, contribuindo assim para a diversidade e a riqueza da cultura europeia, até porque o Tratado de Maastricht consagrou a nível comunitário a importância crucial da promoção da cultura para a União Europeia e para os seus Estados-Membros, integrando a cultura entre as políticas da Comunidade especificamente mencionadas no Tratado CE (artigo 151.º do Tratado CE); EE. Acresce que, a garantia, a nível do ordenamento jurídico europeu, da possibilidade de os Estados-Membros adoptarem medidas de política cultural no domínio cinematográfico e audiovisual, desde que compatíveis com o mercado interno, é uma necessidade lógica para dar sentido à ratificação da Convenção da UNESCO sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 18 de Outubro de 2005;
FF. Neste sentido, a Douta Sentença recorrida violou o disposto no artigo 151.º do Tratado CE, bem como na Convenção da UNESCO sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 18 de Outubro de 2005;
GG. Por fim, a Douta Sentença recorrida não poderia ter concluído pela alegada violação do princípio da livre prestação de serviços, atenta a fundamentação invocada para tal conclusão, sem que cuidasse de analisar se, eventualmente, o apoio à produção cinematográfica e audiovisual configura um auxílio do Estado admissível face ao Direito Europeu, e se, eventualmente, o tributo previsto no n.º 2 do art.s 10.º da Lei 55/2012 constitui parte integrante de uma medida de auxílio na acepção do art.s 87.º, n.º 1, do Tratado CE, actual art.s 107.º do TFUE;
HH. Caso se conclua que estamos perante uma medida de auxílio, importa ter em consideração que a Comissão Europeia e a jurisprudência do TJCE não se opõem a regimes de auxílio à produção cinematográfica e televisiva decorrente de financiamento através de taxas parafiscais;
II. Acresce que, caso se considere que o financiamento em questão poderia consubstanciar um regime de auxílio, resulta do n.º 3, alínea d), do art.s 87.º do Tratado CE (actual art.s 107.º do TFUE) uma possibilidade específica de excepção ao princípio de incompatibilidade geral indicado no n.º 1 do referido art.s 87.º, no que respeita aos auxílios concedidos pelos Estados-Membros para promover a cultura, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na Comunidade num sentido contrário ao interesse comum;
JJ. Em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no art.s 5.º do Tratado da União Europeia (anterior art.º 5.º do Tratado CE), a definição das actividades culturais é, em primeiro lugar, da responsabilidade dos Estados-Membros, motivo pelo qual, no momento de apreciar um regime de apoio ao sector audiovisual, a Comissão Europeia limita-se a verificar se um Estado-Membro dispõe de um mecanismo de verificação pertinente e eficaz através da existência de um processo de selecção cultural para determinar quais as obras que devem beneficiar de auxílios ou de um perfil cultural a respeitar por todas as obras audiovisuais como condição para beneficiar do auxílio;
KK. Por tudo o exposto, caso se considere que estamos perante um "auxílio do Estado", na acepção do TFUE, resulta que o financiamento à arte cinematográfica e produção, audiovisual, através do tributo em questão nos autos, é conforme ao Direito da União Europeia, sendo forçoso concluir que a Douta Sentença recorrida violou o disposto no n.º 3, alínea d), do art.º 87.º do Tratado CE (actual art.º 107.º do TFUE), bem como o princípio da subsidiariedade consagrado no art.s 5.º do Tratado da União Europeia (anterior art.s 5.º do Tratado CE);
LL. Por outro lado, no que se refere a uma eventual obrigação de notificar a Comissão, e de obter a respectiva autorização, referente ao auxílio de Estado, isto caso se conclua que a afectação do tributo cuja autoliquidação vem impugnada consubstancia efectivamente um auxílio de Estado, resulta do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 que, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do TFUE, os auxílios à cultura e conservação do património são compatíveis com o mercado interno, não sendo objecto de notificação prévia obrigatória à Comissão.
MM. Ainda neste sentido, resulta do art.º 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de Abril, que consubstancia novo Decreto-Lei regulamentador da Lei 55/2012, que "O presente decreto-lei e os regulamentos a adotar pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual, I. P. (ICA, I. P.), respeitam as normas da União Europeia em matéria de ajudas de Estado à produção e outras atividades cinematográficas e audiovisuais, nomeadamente ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia" (destaque nosso);
NN. Por tudo o exposto, deve a Douta Sentença recorrida ser objecto de revogação e substituída por outra que considere improcedente o vício de violação do art.º 56.º do TFUE, devendo os autos baixar novamente ao Tribunal a quo para a apreciação dos restantes vícios invocados pela Recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, deve o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, designadamente:
1. Revogando-se a Douta Sentença recorrida por erro de julgamento de Direito, na parte em que decidiu pela procedência do vício de violação do Direito Europeu, e consequente baixa dos autos novamente ao Tribunal a quo para a apreciação dos restantes vícios invocados pela Recorrida; sem prejuízo de,
2. Caso Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, considerem que se verifica a possibilidade de existência no caso sub judice de elementos transfronteiriços que justifiquem a interpretação da legislação nacional à luz do Direito da União Europeia, submeterem-se obrigatoriamente ao TJUE as questões prejudiciais que se justifiquem tendo por finalidade a correcta interpretação e aplicação do TFUE, suspendendo-se a instância de modo a que este Venerando Tribunal possa decidir a questão da conformidade do tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012 com o art. 56.º do TFUE.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”

Houve contra-alegações em que o recorrido B…………, S.A., conclui da seguinte forma:

A. Tendo em conta a matéria de facto provada nos presentes autos, entende a ora Recorrida que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece reparo quanto à conclusão pela violação do Direito da União Europeia, devendo ser mantida;
B. Com efeito, e contrariamente ao avançado pelo ICA na sua motivação, não tem qualquer relevância para o presente dissêndio o regime contido no Decreto-Lei 25/2018, na medida em que os diplomas que se encontravam em vigor na data da autoliquidação do Imposto por Subscrição de 2013 eram, outrossim, a Lei 55/2012 e o DL 124/2013;
C. Ademais, é o artigo 3.º da Lei 55/2012 que permite concluir que, efetivamente, os apoios concedidos pelo ICA aos seus beneficiários têm como fim último a promoção das obras cinematográficas e audiovisuais nacionais, a língua portuguesa e a identidade nacional;
D. E é por isso que o Imposto por Subscrição, ao financiar atividades que apenas aproveitarão aos prestadores de serviços nacionais, constitui uma restrição à livre prestação de serviços no seio da União Europeia, previsto no artigo 56.º, n.º 1, do TFUE, favorecendo a aquisição de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas em detrimento das provenientes de outros Estados-Membros;
E. O Imposto por Subscrição discrimina, desta forma, os operadores de serviços de televisão por subscrição que, na sua oferta, integrem (indiretamente) obras cinematográficas e audiovisuais não nacionais, sem que deixem de ser obrigados a financiar a produção portuguesa, do mesmo modo que discrimina a própria produção cinematográfica e audiovisual dos outros Estados-Membros;
F. E esta conclusão é inequívoca, sendo desnecessária qualquer prova adicional, pois como já há muito declarou o TJUE, para que se demonstre a existência de uma discriminação não é necessário que em todas e cada uma das situações cobertas por uma determinada norma haja prejuízo, sendo suficiente um prejuízo potencial, i. e., a suscetibilidade de um prejuízo ocorrer, mesmo que em certos casos um regime seja até favorável (cf. acórdão C-141/99, AMID);
G. Ao que acresce que a referida restrição não é justificada por quaisquer razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública;
H. E também não é justificada por quaisquer outras razões legítimas relativas à configuração e proteção do sistema tributário nacional, designadamente as relativas à coerência do regime fiscal, à preservação da justa alocação da soberania tributária entre Estados ou o combate à evasão fiscal;
I. Por outro lado, o Imposto por Subscrição falha de forma flagrante o “teste de proporcionalidade”, sendo evidente que não constitui um instrumento adequado e que há outras medidas menos lesivas da liberdade de prestação de serviços e do comércio transfronteiriço de obras cinematográficas e conteúdos audiovisuais;
J. Finalmente, o Imposto por Subscrição é desproporcionado em sentido estrito, pois não só a restrição à livre prestação de serviços é efetiva e relevante, ultrapassando largamente os eventuais benefícios da atividade cinematográfica e audiovisual nacional, como tais benefícios seriam precisamente os mesmos se as verbas fossem angariadas através dos impostos gerais, sem uma oneração seletiva dos operadores de serviços de televisão por subscrição;
K. E não se diga, como faz o ICA, que o Imposto por Subscrição é legítimo porque vai beber aos regimes “semelhantes” existentes da Alemanha, França, Polónia, República Checa e outros Estados-Membros;
L. Isto porque, tal como se demonstrou, tais regimes são absolutamente incomparáveis com o Imposto por Subscrição, quer quanto à sua natureza, quer quanto à base de incidência, quer ainda quanto à forma de apuramento;
M. Aliás, culminando as Alegações de Recurso na discussão do regime do Imposto por Subscrição sob a ótica das normas relativas a auxílios de Estado, crê a Impugnante, ora Recorrida, que o ICA confessa que a legislação nacional pretende, efetivamente, favorecer as atividades cinematográficas e audiovisuais nacionais;
N. Normas essas que, cumpre sublinhá-lo, apenas em sede de Recurso foram suscitadas pelo ICA, consubstanciando uma inadmissível fundamentação a posteriori, que não poderá ser relevada por este Sumo Tribunal;
O. Com efeito, foi o ICA que, nos presentes autos (em concreto, na sua Contestação), defendeu a tese de que “nunca (…) afirmou que a taxa anual prevista no n.º 2 do art.º 10.º da Lei 55/2012 constitui um «auxílio estatal»”, chegando mesmo a opor-se à apreciação dessa matéria;
P. Para vir agora, no âmbito das suas Alegações de Recurso, sustentar que a Douta Sentença Recorrida deve ser revogada porque não cuidou “de analisar se, eventualmente, o apoio à produção cinematográfica e audiovisual configura um auxílio do Estado admissível face ao Direito Europeu.”
Q. E fazendo-o, uma vez mais, com base em diplomas que não se encontravam em vigor na data a que se reportam os factos, a saber, o Decreto-Lei 25/2018 e o Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão.
R. Por tudo quanto se demonstrou nos presentes autos, e em suma, não poderá deixar de se manter a Douta Sentença Recorrida, nos termos em que foi proferida;
S. Declarando-se, a final, o direito da Impugnante, ora Recorrida, ao ressarcimento de todos os custos incorridos para prestar e manter a garantia bancária indevidamente apresentada para suspensão do processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de Palmela, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT e 171.º do CPPT.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo ICA, e a Sentença Recorrida ser mantida, nos seus exatos termos,
Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!”

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido dever ser ordenado o reenvio prejudicial para o TJUE, conforme o parecer que se segue:

“1. Objeto.
Sentença do TAF de Almada, que julgou procedente impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez deduzida contra a autoliquidação de Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º/2 da Lei 55/2012, de 06/09 (LCA) e contra este próprio ato de autoliquidação, no entendimento de que viola o normativo do artigo 56.º do TFUE, uma vez que a afetação da receita proveniente da Taxa de Subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira, pelo que gera uma discriminação indireta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respetiva prestação interna.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
2.1. DO REENVIO PREJUDICIAL.
A questão controvertida consiste em saber se a Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º/2 da Lei 55/2012 viola o artigo 56.º do TFUE, ao visar apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas.
Está, pois, em causa a interpretação de norma do TFUE, sendo certo que da decisão que venha a ser proferida não cabe recurso judicial.
Assim sendo e ressalvado melhor juízo, uma vez que a questão não se afigura clara, nos termos do estatuído no artigo 276.º do TFUE, parece dever ser ordenado o reenvio prejudicial para o TJUE, tendo em vista o esclarecimento das questões elencadas pela recorrente a fls. 441/442 (processo físico).
3. CONCLUSÃO.
Deve ser ordenado o reenvio prejudicial para o TJUE tendo em vista o esclarecimento das questões elencadas pela recorrente, suspendendo-se, entretanto, a instância até à pronúncia daquele Tribunal.”

*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Por ofício de 09/08/2013 foi a Impugnante notificada para efectuar o pagamento da quantia de €886.042,50 referente à taxa anual devida por operadores de televisão por subscrição (cfr. doc. junto a fls. 14 do processo instrutor junto aos autos);
2. Em 27/08/2013 foi emitida pelo Instituto uma certidão de dívida no montante de €886.042,50 referente à taxa liquidada e melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 120 da segunda parte do processo instrutor junto aos autos);
3. A certidão de dívida identificada no ponto anterior foi remetida ao Serviço de Finanças de Palmela (cfr. doc. junto a fls. 119 da segunda parte do processo instrutor junto aos autos);
4. Em 02/10/2013 a Impugnante apresentou uma reclamação graciosa contra o acto de liquidação identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 36 do processo instrutor junto aos autos);
5. Em 02/10/2013, foi emitida pelo Banco Espirito Santo, S.A. uma garantia bancária a pedido da A…………, S.A. no montante de € 1.124.815,56 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal nº 2208201301113895 que corre termos no Serviço de Finanças de Palmela (cfr. doc. junto a fls. 38 do doc. 125 -numeração do SITAF);
6. Por despacho cuja data concreta se desconhece mas notificado à impugnante por ofício de 27/05/2014, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto 2 (cfr. doc. junto a fls. 81 e segs. da segunda parte do processo instrutor junto aos autos);
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente e do entendimento do Ministério Público, cumpre prioritária e prejudicialmente determinar se a apreciação da questão dos autos implica o prévio reenvio prejudicial ao TJUE, tornando-se necessário o esclarecimento sobre se a Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º n.º 2 da Lei n.º 55/2012, de 6 de Setembro, viola o artigo 56.º do TFUE, ao pretender apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas, gerando uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça relativamente à prestação interna.
Constitui jurisprudência consolidada (Cfr., entre outros, os Acórdãos do TJUE de 4/11/1997, Parfums Christian Dior, C-337/95; de 4/06/2002, Lyckeskog, C-99/00; de 15/09/2005, Intermodal Transports, C-495/03. No STA, entre outros, os Acórdãos de 30/11/2011, proc. nº 284/11; de 16/11/2011, proc. nº 636/11; e de 2/11/2011, proc. nº 193/11.) que o reenvio só é obrigatório se a questão for pertinente ou relevante para a decisão da causa, competindo ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a decisão como analisar a pertinência das questões que as partes pretendem submeter ao TJUE.
Significa que o reenvio não é uma faculdade processual das partes e, como tal, o Tribunal examinará, no âmbito da apreciação do objecto do recurso, a questão da necessidade de proceder ao pretendido reenvio.
Como da sua leitura resulta, a sentença julgou procedente impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez deduzida contra a autoliquidação de Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º/2 da Lei 55/2012, de 06/09 (LCA) e contra este próprio ato de autoliquidação, com fundamento em que viola o normativo do artigo 56.º do TFUE, uma vez que a afectação da receita proveniente da Taxa de Subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira, pelo que gera uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna.
Ou seja, tal como argumenta a recorrente, a sentença circunscreveu a sua análise à alegada desconformidade ao Direito Europeu do tributo previsto no art.º 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012, especialmente atenta a finalidade do mesmo, concluindo no sentido de que, uma vez que as receitas geradas com a cobrança do tributo em questão "visam apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas portuguesas", o tributo é "nessa medida, claramente discriminatório, violando de forma clara o disposto no art. 56º do TFUE".
E isso fundamentalmente porque, tal como ipsis verbis consta da sentença, "a afectação da receita proveniente da Taxa de subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira pelo que gera uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna".
Contra o assim fundamentado e decidido se rebela a recorrente pela singela razão de que considera que o tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 é conforme ao Direito Europeu, inexistindo uma qualquer violação do disposto no art.º 56.º do TFUE.
Não obstante, aceita, como questão prévia, e na medida em que está em causa a alegada desconformidade, do tributo previsto no art.s 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 com o Direito da União Europeia, em concreto com o art.s 56.º do TFUE, pelo que a interpretação da legislação nacional face a este art.s 56.º do TFUE condiciona a solução do litígio sub judice, resulta indispensável e obrigatório, caso este Tribunal tenha dúvidas ou entenda existirem elementos transfronteiriços que justifiquem a aplicação do Direito da União, Europeia, que seja proferido despacho de reenvio para o TJUE com as questões, prejudiciais que importa esclarecer antes de ser proferido o respectivo Acórdão sobre o caso sub judice.
A recorrente insurge-se, assim, contra o entendimento da sentença quanto à decisão de mérito considerando que, nos autos, a pronúncia do TJ não é indispensável à decisão, concordando, muito embora, que possa ser pedida ao TJ pronúncia sobre a validade do acto praticado pela instituição nacional.
Quer dizer que para a recorrente, tal como se considera na sentença, a norma a interpretar se apresenta clara e a decisão sobre a sua validade na vertente enfocada não é essencial à decisão.
Aquilatando.
Os Tratados confiam a salvaguarda jurisdicional da ordem jurídica comunitária ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao Tribunal Comunitário de Primeira Instância e aos tribunais nacionais em geral.
As jurisdições nacionais constituem os tribunais comuns da ordem jurídica comunitária na medida em que e desde logo grande parte das normas de origem comunitária é formada por disposições directamente aplicáveis por isso mesmo cabendo aos tribunais internos aplicar nos litígios que ocorram no quadro das relações entre particulares (indivíduos ou empresas) ou entre particulares e os Estados-membros da Comunidade. E, se no exercício da sua competência, os tribunais nacionais tiverem dúvidas sobre a correcta interpretação das normas comunitárias hajam de aplicar, ou sobre a validade dos actos comunitários perante eles invocados, dispõem de um meio privilegiado de resolver as suas dificuldades, que é o do reenvio a título prejudicial ao Tribunal de Justiça, das questões de interpretação ou de apreciação de validade com que são confrontados (cf. o art.º artigo 276.º do TFUE).
Tendo tudo isso presente, o que releva para o caso dos autos é a amplitude da faculdade de reenvio ao TJUE ou, dito de outro modo, saber se os tribunais inferiores podem sempre utilizar o processo que esta disposição previu, ou se tal faculdade está sujeita e, portanto, limitada pelas regras internas relativas ao regime dos recursos e à subordinação hierárquica no quadro da organização judiciária do Estado.
Como já se disse, está consolidada a jurisprudência deste STA no sentido da não obrigatoriedade do reenvio no caso concreto já que estão isentos de reenviar ao TJUE a questão prejudicial de interpretação ou de apreciação de validade nos casos em que o TJUE o haja admitido e são três os casos em que o Tribunal de Justiça admitiu três excepções à obrigação de reenvio: falta de pertinência da questão suscitada no processo; existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJUE e total clareza da norma em causa.
Na primeira excepção (falta de pertinência da questão) cabem os casos em que o tribunal nacional considere que o litígio sub judice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições do direito interno; na verdade, a ser assim, não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação ou apreciação da validade de uma norma desprovida de interesse para o julgamento da causa - e isto ainda que alguma das partes tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação ou validade, como aconteceu no caso concreto.
É que, não resulta ser manifesto neste caso a questão da interpretação ou da apreciação de validade seja totalmente desprovida de pertinência.
Obviamente que não é aplicável a excepção da existência de anterior decisão interpretativa do TJUE uma vez que anteriormente não foi proferida uma decisão de interpretação da norma em causa.
Também é para nós evidente que não opera a 3ª excepção pois se entende inexistir total clareza da norma em causa na distinta conformação que as partes lhe atribuem.
Assim, propende-se ao entendimento de que, no que tange à aplicação da norma em causa e da sua conformidade com o direito comunitário surge necessariamente uma questão para os efeitos do reenvio prejudicial porquanto a dita norma aplicável não é perfeitamente clara, e suscita dificuldade de interpretação, não sendo desrazoável o tribunal nacional reenviar ao Tribunal Comunitário, isso honrando o velho princípio jurídico segundo o qual «in claris nonfit interpretado».
Para eliminar um conflito latente nas suas relações com alguns Tribunais Supremos dos Estados-membros, o então TJCE veio a admitir a chamada teoria do acto claro, ao julgar no seu Acórdão de 6.10.1982, tirado no caso CILFIT, que «O artigo 177°, 3° parágrafo do Tratado, deve ser interpretado no sentido de que uma jurisdição cujas decisões não são susceptíveis de um recurso judicial de direito interno é obrigada, sempre que uma questão de direito comunitário lhe é posta, a observar a sua obrigação de reenvio, a menos que tenha concluído que a aplicação correcta do direito comunitário se impõe com tal evidência que não deixa lugar a qualquer dúvida razoável.
«A existência de tal eventualidade deve ser avaliada em função das características próprias do direito comunitário, das dificuldades particulares que a sua interpretação apresenta e do risco de divergência de jurisprudência no interior da Comunidade».
Assim sendo, cremos ter sido precipitada a sentença ao indeferir o pedido de reenvio.
É que, na senda do douto Parecer do EPGA, a questão controvertida consiste em saber se a Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º/2 da Lei 55/2012 viola o artigo 56.º do TFUE, ao visar apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas.
E a sentença recorrida decretou ter ocorrido tal ofensa julgando a impugnação procedente e anulando o acto de liquidação da taxa em apreço, adoptando o seguinte elocução jurídica:
Vem a impugnante alegar que a taxa em questão enferma de diversos vícios de violação de lei, incluindo a violação de Direito Comunitário.
As taxas em análise encontram-se previstas na Lei nº 55/2012, de 6/09 e que foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9/2013, de 29/01.
Esta Lei do Cinema e Audiovisual – Lei nº 55/2012- estabelece uma política pública do cinema e do audiovisual português, criando um modelo de financiamento capaz de garantir a estabilidade do sector e assegurar meio de promoção, divulgação e produção de obras cinematográficas e audiovisuais em língua portuguesa.
As taxas por ela criadas recaem sobre os operadores e têm como propósito o acima referido, ou seja, financiar o sector e assegurar meios de promoção, produção e divulgação daquelas obras.
Com estas taxas os operadores de televisão custeiam os produtores daquele tipo de obras através duma transferência de recursos privados. Elas possuem como uma das suas características serem devidas independentemente dos lucros auferidos pelos operadores.
Estamos perante uma taxa anual que incide exclusivamente sobre os operadores de serviços de televisão e é calculada por subscrição, sendo o seu montante de € 3,50 por cada subscrição. Lançando mão do art. 2º, al. o) do diploma que temos vindo a referir, são operadores de serviços de televisão por subscrição “a pessoa coletiva que fornece, no território nacional, acesso a serviços de programas televisivos, através de qualquer plataforma, terminal ou tecnologia, mediante uma obrigação contratual condicionada a uma assinatura ou a qualquer outra forma de autorização prévia individual, que implique um pagamento por parte do utilizador final pela prestação do serviço, seja ele prestado numa oferta individual ou numa oferta agregada com outros serviços de comunicações eletrónicas, independentemente do tipo de equipamento usado para usufruir dos serviços, e ainda que a oferta comercial global induza à interpretação de que o serviço de televisão é prestado gratuitamente”.
A autonomização desta taxa de subscrição explica-se pelo modelo de negócio das operadoras, ou seja, sendo os serviços pagos por assinatura, estes canais de televisão dispensam muitas vezes a exibição de publicidade comercial e, deste modo, ser-lhes-ia inaplicável a taxa de exibição prevista no nº 1 do art. 10º da LCA.
A taxa de exibição tem uma base ad valorem incidindo sobre o preço pago pelo comerciante; já a taxa de subscrição tem uma base específica, incidindo apenas sobre o número de subscritores de cada operador (nº 4 do art. 10º - número médio de subscritores do anos civil anterior).
Daqui decorre que a base de incidência é completamente alheia ao aproveitamento efectivo da produção cinematográfica e audiovisual nacional que visa financiar. Não está em causa o aproveitamento efectivo de conteúdos nacionais nem sequer se encontram excluídos do pagamento aqueles operadores que disponibilizem serviços televisivos, predominante ou exclusivamente, estrangeiros. A taxa parte do princípio que os operadores aproveitam, em maior ou menos medida, dos conteúdos nacionais produzidos e que o Estado subvenciona.
Do recorte legal desta taxa retira-se também que ela constitui um encargo próprio destes operadores de serviços, sendo que esta taxa constitui uma receita do ICA (art. 13º da LCA).
Não se encontra previsto, no regime legal instituído, qualquer isenção de pagamento, nem existe qualquer estudo económico a suportar o valor estabelecido.
A totalidade das regras de liquidação, cobrança e pagamento da taxa encontram-se previstas no Decreto-Lei nº 9/2013.
A questão colocada pela Impugnante prende-se com saber se a taxa prevista no art. 10º, nº 2 da LCA se mostra ou não conforme ao Direito Europeu, designadamente atenta a finalidade da mesma.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 69/XII que está na origem da LCA, refere-se que o propósito desta taxa é instituir um sistema de apoio ao sector do cinema e audiovisual português com bases sólidas ao nível da receita e visa assegurar uma ampla divulgação, permitindo ao público fruir da produção nacional e aos criadores e artistas alcançar o reconhecimento e autonomia pela exploração económica do seu trabalho. Daqui se retira que a finalidade última desta taxa é atribuir incentivos financeiros à produção ou co-produção nacional, à exibição e distribuição de obras cinematográficas nacionais, bem como apoiar financeiramente o reforço do tecido empresarial da produção independente e promover a transmissão televisiva.
Todos estes objectivos encontram-se vertidos nos artigos 1º e 5º da LCA. Todas estas finalidades são prosseguidas e alcançadas pela taxa de exibição e pela taxa de subscrição, bem como pelas obrigações de investimento (arts. 14º a 17º da LCA).
A actividade desenvolvida pelos operadores é transfronteiriça e, nessa medida, tem de estar conforme o Direito Europeu, bem como todo o direito que regula a sua actividade e que impõe obrigações, nomeadamente tributárias, a estes operadores.
Compete ao Tribunal aferir se a taxa de subscrição está conforme às amplas liberdades económicas estabelecidas no Direito Europeu, bem como saber se este modelo de financiamento do cinema Português é compatível com aquele mesmo direito.
A primeira questão que se coloca tem a ver com a liberdade de prestação de serviços.
Como já vimos a taxa de subscrição é indiferente aos conteúdos concretos que os operadores disponibilizem aos seus clientes, assentando embora na presunção de que estes operadores aproveitam a produção cinematográfica portuguesa. Assim concluímos que a referida taxa não distingue, formalmente, entre a produção nacional e a produção estrangeira.
Acontece porém que o seu fim é angariar os recursos necessários à defesa e promoção do cinema português apenas.
Assim sendo, cumpre aferir se esta forma de financiamento se deve ou não considerar como indirectamente discriminatória e um entrave objectivo à prestação transfronteiriça de serviço dentro da União Europeia.
O princípio da livre circulação (art. 30º do TFUE) proíbe que na circulação de mercadorias entre Estados-Membros sejam cobrados direito aduaneiros ou quaisquer encargos de efeito equivalente, sendo que o Tribunal de Justiça da União Europeia considera como equivalentes todos os encargos pecuniários impostos unilateral ou coactivamente pelos Estados-Membros. Na interpretação daquele Tribunal são proibidas todas as medidas que ostensivamente revistam a forma dos direitos aduaneiros clássicos mas também todos aqueles que produzam os mesmos resultados discriminatórios e protectores qualquer que seja a sua denominação.
Por outro lado, o art. 11º do TFUE determina que nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre os produtos nacionais similares.
Também aqui o TJUE tem vindo a entender que o efeito discriminatório de uma imposição interna pode resultar não só do modo como ela onera as mercadorias, mas também, como é aplicada a receita. Neste sentido podemos ver os Acórdãos C-266/91, C-347/95 e C-28/96, todos proferidos no âmbito de processos respeitantes a tributos portugueses.
No entanto, toda esta jurisprudência tem a ver com mercadorias e não com serviços.
Contudo, do art. 56º do TFUE também se retira serem proibidas restrições em sede dos serviços.
De facto, estabelece este preceito o seguinte:
“No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação.”
Ou seja, também aqui se encontra consagrado no que tange aos serviços uma proibição da aplicação de medidas discriminatórias ou quaisquer medidas de carácter restritivo.
Mais uma vez o princípio referido tem um alcance muito lato podendo dirigir-se a medidas da mais diversa natureza, legislativa ou administrativa, com carácter financeiro ou sem ele, compreendendo receita ou despesa pública e mesmo imposições directas ou indirectas.
De facto qualquer medida pode gerar, em tese, discriminação ou obstáculo à livre prestação de serviços. Também neste sentido tem vindo a jurisprudência emanada do TJEU, designadamente nos Acórdãos Eurowings (C-294/97) e Vertergaard /c-55/98).
Voltando à taxa que nos ocupa neste autos a questão colocar-se ao nível dos fins a que se destinam as receitas cobradas. Como referimos acima estas visas apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas portuguesas e, nessa medida, é claramente discriminatório, violando de forma clara o disposto no art. 56º do TFUE.
Efectivamente a afectação da receita proveniente da Taxa de subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira pelo que gera uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna.”
Dissentindo, a ora Recorrente sustenta que o tributo previsto no art.º 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 é conforme ao Direito Europeu, inexistindo uma qualquer violação do disposto no art.º 56.º do TFUE, ressalvando, apesar disso, que se a este Tribunal se suscitarem dúvidas ou considerar existirem elementos transfronteiriços que justifiquem a aplicação do Direito da União Europeia, que seja proferido despacho de reenvio para o TJUE com as questões, prejudiciais que importa esclarecer antes de ser proferido o respectivo Acórdão sobre o caso sub judice.
Dito de outro modo: como condição prévia do antedito reenvio, cabe a este tribunal determinar se, in casu, advêm elementos transfronteiriços que legitimem o direito da Recorrida, tendo em conta as actividades por si desenvolvidas, de invocar as disposições do TFUE em matéria de livre prestação de serviços de forma a amparar a ilegalidade do tributo previsto no art.º 10.º, n.º 2 da Lei 55/2012 e, na afirmativa, por um lado, se há a susceptibilidade de o tributo cuja autoliquidação é impugnada nestes autos, por si próprio, ser considerado como desconforme ao Direito da União Europeia e, por outro, se tal acarreta a necessidade de examinar a putativa desconformidade ao Direito da União Europeia derivada da afectação, da receita gerada com o questionado tributo, ao fomento, desenvolvimento e protecção da arte do cinema e das actividades, cinematográficas e audiovisuais, introduzido pela Lei 55/2012.
Resulta cristalino da fundamentação jurídica da sentença retro transcrita, que o julgador perfilhou o entendimento de que a afectação da receita proveniente da Taxa de Subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira, pelo que gera uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna ao visar apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas.
Mas será que, como pugna a recorrente, a Sentença recorrida deveria ter interpretado a Lei 55/2012, em concreto os seus artigos 3.º, n.º 4, 8.º, n.º 3 e art.s 18.º, n.ºs 1 e 3, e respectiva legislação regulamentar, nomeadamente, numa fase inicial, os artigos 28.º, 31.º, n.ºs 1 e 3, 32.º, 41.º e 42.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 124/2013, de 30 de Agosto, e, posteriormente, os artigos 10,º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 29.º, alínea b), 30.º, n.º 1 e 39.º do Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de Abril, no sentido de que se prevê o apoio à produção, distribuição, exibição, promoção e divulgação também de obras europeias e não exclusivamente de obras nacionais?
Para a recorrente, a afectação da receita obtida através do tributo em questão não é susceptível nem tem por efeito tornar mais difícil a prestação de serviços entre Estados-Membros do que a prestação de serviços num único Estado-Membro pois só assim se poderia admitir a hipotisada restrição ao princípio da livre prestação de serviços ainda que de forma meramente potencial.
Todavia, como bem adverte a recorrida, não tem qualquer pertinência para o actual diferendo o regime inserto no Decreto-Lei nº 25/2018, pois, como bem se demonstra na sentença, os diplomas que se encontravam em vigor na data da autoliquidação do Imposto por Subscrição de 2013 eram a Lei nº 55/2012 e o DL nº 124/2013.
E o julgador evocou assertivamente a exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 69/XII que está na origem da LCA, em que se modelou que o propósito da ajuizada taxa é instituir um sistema de apoio ao sector do cinema e audiovisual português com bases sólidas ao nível da receita, propondo-se assegurar uma ampla divulgação, permitindo ao público fruir da produção nacional e aos criadores e artistas alcançar o reconhecimento e autonomia pela exploração económica do seu trabalho.
Assim, teleologicamente, a instituição da taxa de que se fala visou a atribuição de incentivos financeiros à produção ou co-produção nacional, à exibição e distribuição de obras cinematográficas nacionais, bem como apoiar financeiramente o reforço do tecido empresarial da produção independente e promover a transmissão televisiva, propósitos que obtiveram consagração legal nos artigos 1º e 5º da LCA para cuja consecução foram criadas as taxas de exibição e de subscrição e estabelecidas obrigações de investimento (arts. 14º a 17º da LCA).
E o artigo 3.º da Lei 55/2012 inculca que os apoios concedidos pelo ICA aos seus beneficiários têm como fim último a promoção das obras cinematográficas e audiovisuais nacionais, a língua portuguesa e a identidade nacional.
Afirma-se na sentença recorrida que não cabe dúvida de que a actividade desenvolvida pelos operadores é transfronteiriça e, nessa medida, tem de estar conforme o Direito Europeu, bem como todo o direito que regula a sua actividade e que impõe obrigações, nomeadamente tributárias, a estes operadores.
Adversamente, a recorrente advoga que o tributo em causa incide exclusivamente sobre o acesso a serviços de programas televisivos, prestados em território nacional, devendo ser suportado por todos os operadores de serviços de televisão por subscrição, que prestem serviços em território nacional, na definição dada pelo art.s 2.º, alínea p) da Lei 55/2012, inexistindo qualquer carácter transfronteiriço subjacente a estas prestações de serviços, pelo que não há, assim, o direito da Recorrida de invocar as disposições do TFUE em matéria de livre prestação de serviços para se opor à legislação em causa.
Ou seja, na tese da recorrente, porque todos os elementos da actividade de prestação de serviços de televisão por subscrição se circunscrevem ao território nacional e porque a sentença recorrida não considera, em algum momento, que decorre da afectação do tributo previsto no art.º 10, n.º 2 da Lei 55/2012 uma qualquer discriminação indirecta susceptível de a penalizar, aquela decisão fez uma errada interpretação e aplicação do art.º 10, n.º 2 da Lei 55/2012, bem como o art.º 56.º do TFUE, na medida em que as normas em questão deveriam ter sido interpretadas no sentido de que inexiste qualquer elemento transfronteiriço que legitime a aplicação ao caso sub judice do disposto no art.º 56.º do TFUE.
Nesta conjuntura, afigura-se-nos que a senhora juíza a quo analisa o diploma legal e dele retira uma conclusão - que o tributo cuja autoliquidação vem impugnada nos autos se destina a financiar exclusivamente a promoção e divulgação de obras cinematográficas portuguesa. E desta conclusão parte para a violação do Tratado nos sobreditos termos.
Tese sufragada pela recorrida ao considerar que a taxa por Subscrição, ao financiar actividades que apenas aproveitarão aos prestadores de serviços nacionais, constitui uma restrição à livre prestação de serviços no seio da União Europeia, previsto no artigo 56.º, n.º 1, do TFUE, favorecendo a aquisição de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas em detrimento das provenientes de outros Estados-Membros, assim discriminando os operadores de serviços de televisão por subscrição que, na sua oferta, integrem (indirectamente) obras cinematográficas e audiovisuais não nacionais, sem que deixem de ser obrigados a financiar a produção portuguesa, do mesmo modo que discrimina a própria produção cinematográfica e audiovisual dos outros Estados-Membros.
Também para a recorrida esta conclusão é inequívoca, sendo desnecessária qualquer prova adicional, pois conforme declarou o TJUE, para que se demonstre a existência de uma discriminação não é necessário que em todas e cada uma das situações cobertas por uma determinada norma haja prejuízo, sendo suficiente um prejuízo potencial, i. e., a susceptibilidade de um prejuízo ocorrer, mesmo que em certos casos um regime seja até favorável (cf. acórdão C-141/99, AMID).
Ora, como este STA ao interpretar o diploma propende para a mesma conclusão – independentemente de estar certa ou errada – suscita-se a questão do reenvio.
Efectivamente, antolha-se que a autoliquidação de Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º/2 da Lei 55/2012, de 06/09 (LCA) viola o normativo do artigo 56.º do TFUE, uma vez que a afectação da receita proveniente da Taxa de Subscrição embaratece a produção nacional em comparação com a produção estrangeira, pelo que gera uma discriminação indirecta da prestação transfronteiriça destes serviços no confronto com a respectiva prestação interna.
Assim, a questão controvertida consiste em saber se a Taxa de Subscrição prevista no artigo 10.º/2 da Lei 55/2012 viola o artigo 56.º do TFUE, ao visar apenas financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas.
Embora os tribunais dos Estados-membros sejam competentes para aplicar o direito europeu, a competência para a interpretação “dos actos adoptados pelas instituições, órgão ou organismo da União” cabe, segundo o disposto no artigo 267.º, al b) do TFUE, ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Aliás, como se acrescenta no referido artigo 267.º, §3.º do TFUE, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos actos das Instituições da União] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
Está, pois, em causa a interpretação de norma do TFUE, sendo certo que da decisão que venha a ser proferida não cabe recurso judicial.
Deste modo, uma vez que a questão não se afigura clara, nos termos do estatuído no artigo 267.º do TFUE, antes existindo sérias dúvidas sobre se a interpretação do artigo 10.º/2 da Lei 55/2012 viola o artigo 56.º do TFUE, o que o mesmo é dizer, a conformidade da solução ditada pelo direito interno com aquelas normas de direito da União, deve ser ordenado o reenvio prejudicial para o TJUE, tendo em vista o esclarecimento das questões a seguir elencadas de acordo com a sugestão da recorrente a fls. 441/442 (processo físico), suspendendo-se a instância até à pronúncia daquele Tribunal.
Assim, formulam-se as seguintes questões:

(i) - O artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012, de 06/09, se interpretado no sentido de que a taxa nele prevista se destina a financiar exclusivamente a promoção e divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais portuguesas, é susceptível de gerar uma discriminação indirecta da prestação de serviços entre Estado-Membros no confronto com a respectiva prestação interna, tornando a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro, e viola, por isso, o disposto no art.º 56.º do TFUE?
(ii) O facto de existirem regimes idênticos ou similares ao previsto na Lei n.º 55/2012 noutros Estados-Membros da União Europeia, é susceptível de alterar a resposta àquela pergunta?

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3.- Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra enunciadas sob os n.ºs. I e II; e, em consequência,
B) Suspender esta instância de recurso, nos termos do artigo 267.º do TFUE;
C) Ordenar a transmissão do pedido à Secretaria do Tribunal de Justiça, por via electrónica, acompanhado de cópia digital da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente, bem como de todas as peças processuais posteriores, fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão e da indicação dos dados concretos das partes no litígio no processo principal e dos eventuais representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações do TJUE (2019/C 380/01).

Não são devidas custas.
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Lisboa, 10 de Março de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.