Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:031/20.4BALSB
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ACTO EXECUTADO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:I - A providência cautelar de suspensão da eficácia opera ex-tunc, pelo que não se limita a interromper a concreta produção de efeitos do ato.
II – A deliberação que aprova o movimento dos magistrados do Ministério Público é integralmente reversível, pelo que não é suscetível de causar prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Nº Convencional:JSTA000P26175
Nº do Documento:SA120200702031/20
Data de Entrada:03/11/2020
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. A………….. - identificado nos autos – requereu a este Supremo Tribunal Administrativo uma providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CSMP), de 17 de dezembro de 2019, que indeferiu a reclamação, apresentada pelo Requerente, do projeto do movimento ordinário dos magistrados do Ministério Público.
No seu Requerimento Inicial invoca, em síntese, que a deliberação suspendenda não está fundamentada, e foi tomada com preterição das regras estabelecidas no Regulamento de Movimento dos Magistrados do Ministério Público (RMMMP), negando-lhe o direito, que alega ter, de ser promovido a Procurador da República com uma vaga efetiva. Invoca ainda que, aquela deliberação, além de ilegal, lhe causa um dano irreparável, na medida em que o impede de aceder imediatamente ao nível remuneratório correspondente à referida categoria, prejudicando-o também na antiguidade na carreira e, em consequência, comprometendo a sua promoção em movimentos futuros, dado que não é previsível que a ação principal seja decidida antes de ocorrer o próximo.

2. O CSMP opôs-se ao decretamento da providência requerida, considerando, antes de mais, que a mesma não pode ser decretada por falta de utilidade, na medida em que o movimento ordinário dos magistrados do Ministério Público consumou-se com a aceitação, pelos magistrados por ela abrangidos, das respetivas nomeações, o que ocorreu, o mais tardar, a 15 de janeiro de 2020, portanto antes da entrada em juízo do presente processo cautelar.
Quanto ao mérito do pedido, o Requerido fundamenta a sua oposição, essencialmente, no entendimento de que a deliberação suspendenda está devidamente fundamentada, e que, gozando o CSMP de uma ampla margem de liberdade na gestão dos seus recursos humanos, o Requerente não tem um direito à promoção, nos termos em que alega.

3. O Requerente respondeu à exceção invocada, no sentido da sua total improcedência, argumentando que, nos termos do artigo 129.º do CPTA, a suspensão do ato é necessária para evitar que se consume inteiramente a lesão do seu direito.

4. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos da alínea f) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 36.º do CPTA.



II. Matéria de facto

5. Consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos relevantes para a decisão, tendo em atenção a prova documental produzida e as alegações das partes:

1. O Requerente é Magistrado do Ministério Público com a categoria de Procurador-Adjunto, com lugar efetivo no DIAP de ……., desde 2010;

2. Em 4 de janeiro de 2019, o Requerente foi nomeado, em comissão de serviço, por um ano, como Procurador-Adjunto no Quadro Complementar de ………, tendo sido colocado na Comarca de ……..;

3. Em 4 de dezembro de 2019, o Requerente foi nomeado, em comissão de serviço, por um ano, como Procurador-Adjunto no Quadro Complementar de …….., tendo sido colocado na Comarca de ………;

4. Em 22 de outubro de 2019, o CSMP deliberou «proceder, até ao final do ano de 2019, ao movimento ordinário de magistrados do Ministério Público, abrangendo transferências e eventuais promoções a procurador-geral adjunto, transferências, colocações e eventuais promoções a procurador da República e, ainda, transferências e colocações de procuradores-adjuntos»;

5. Em 13.11.2019, foi publicado o Aviso n.º 18022-A/2019, publicado no Diário da República, II Série, n.º 218, pelo qual «(...) torna-se público que se encontra aberto o movimento de magistrados do Ministério Público, o qual abrange transferências, promoções e primeiras colocações, cujo prazo termina no dia 18 de novembro de 2019, encontrando-se as regras do movimento e, bem assim, os lugares a concurso e a extinguir patentes no Sistema de Informação do Ministério Público (SIMP) e no Portal do Ministério Público»;

6. À data da abertura do movimento, o Requerente tinha 22 anos e 3 meses de serviço, e estava no lugar 85 da Lista de Antiguidade da categoria de Procurador-Adjunto;

7. À data da abertura do movimento, o Requerente tinha a notação de mérito (Bom com distinção);

8. Em 19 de novembro de 2019, o Requerente requereu, a sua colocação, por promoção, numa vaga de Procurador da República, com lugar efetivo, de acordo com uma lista de trinta preferências que indicou;

9. Em 4 de dezembro de 2019, o “Projeto de Movimento Ordinário de Magistrados” foi publicitado no SIMP;

10. De acordo com o referido projeto, o Requerente não foi colocado em nenhuma das vagas a que concorreu, permanecendo colocado como Procurador-Adjunto efetivo no DIAP de …….., em comissão de serviço no Quadro Complementar de Magistrados de ………;

11. Não se conformando com aquele projeto, em 4 de dezembro de 2019 o Requerente apresentou uma reclamação do mesmo, requerendo, entre outros, a sua promoção e colocação nas vagas que não foram preenchidas;

12. Por deliberação de 17 de dezembro de 2019, o CSMP indeferiu a reclamação apresentada pelo Requerente, «uma vez que, no que concerne ao preenchimento dos lugares e à qualidade em que o são, o Conselho atendeu não só à concreta situação do tribunal/departamento, mas também às necessidades sentidas em todo o país. Da ponderação que o grupo de trabalho fez, entendeu-se pela desnecessidade de colocação de mais magistrados nos lugares indicados pelo Reclamante (……. – DIAP; e …… – Trabalho)»;

13. Na mesma data, o CSMP aprovou definitivamente o movimento anual de magistrados do Ministério Público, a vigorar a partir de 1 de janeiro de 2020;

14. O movimento anual de magistrados do Ministério Público foi publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 249, de 27 de dezembro de 2019;

15. O presente processo cautelar deu entrada neste Supremo Tribunal Administrativo em 10 de março de 2020;

16. Em 30 de janeiro de 2020, foi proferida pela Senhora Procuradora-Geral da República, na qualidade de Presidente do CSMP, uma resolução fundamentada, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, considerando que o diferimento da realização do movimento de magistrados do Ministério Público seria «gravemente prejudicial para o interesse público».



III. Matéria de direito


A – Quanto à exceção

6. O Requerido alega que «o Requerente não irá obter quaisquer efeitos práticos com a suspensão da eficácia dos atos em causa, nem existe perigo na demora, pois que, sem prescindir, a execução dos atos e a sua consolidação cederam já o lugar à lesão propriamente dita».
Na base desta alegação está a ideia de que não é «possível suspender a eficácia do ato em apreço, assim como dos subsequentes, já inteiramente executados, não restando quaisquer efeitos neste momento suscetíveis de serem atingidos pela requerida suspensão, nos termos previstos no artigo 129º do CPTA.»
O Requerido parte, assim, do pressuposto de que a providência de suspensão da eficácia tem efeitos ex-nunc, limitando-se a interromper a produção de efeitos do ato, sem atingir os seus efeitos que, entretanto, já se produziram.
O requerido não tem, contudo, razão.
A suspensão incide sobre a eficácia jurídica globalmente considerada, i.e., sobre as próprias regras de produção dos efeitos do ato administrativo, e não sobre a mera adequação do mesmo à realidade. Por outras palavras, a pronúncia de suspensão não se limita a interromper a concreta produção de efeitos do ato; incide sobre todas as alterações que, entretanto, se tenham verificado na situação jurídica e factual preexistente à data da sua prática. Uma vez decretada, os efeitos já concretizados do ato tem de se considerar como não produzidos.
Questão diversa é a da consumação de situações materiais irreversíveis, e apenas destas parece tratar o artigo 129.º, pois do seu enunciado resulta manifesto que se dispõe apenas para aqueles casos em que tenha havido execução, i.e., em que tenham sido efetuadas operações materiais de concretização do efeito jurídico previsto.
Admitir que a suspensão incide apenas sobre os efeitos concretos que o ato ainda não produziu, equivaleria a permitir que, entre a data da sua emissão e a data do requerimento de suspensão, se consolidassem situações das quais poderiam resultar prejuízos irreparáveis. O que, na prática, inviabilizaria a suspensão de todos os efeitos jurídicos do ato que se produzem instantaneamente com a sua emissão e não carecem de operações materiais de execução, como é, no essencial, o caso dos autos.
Neste caso, os efeitos típicos da deliberação do CSMP, de 17 de dezembro de 2019, que aprovou definitivamente o movimento anual de magistrados do Ministério Público para o ano subsequente, produziram-se, quase que na integra, no plano jurídico, independentemente de quaisquer operações materiais de execução que tenham sido necessárias, na medida em que aquele ato visou, antes de mais, definir a situação funcional dos magistrados por ela abrangidos, através da sua afetação aos quadros dos tribunais ou departamentos em que o Ministério Público atua.
Os efeitos daquela deliberação são, por isso mesmo, plenamente reversíveis no caso de a providência requerida ser concedida, uma vez que, sem prejuízo das operações materiais de execução do Movimento que, entretanto, já foram realizadas, nomeadamente naqueles casos em que o mesmo implicou transferências ou novas colocações de magistrados, não foram criadas até à data – nem foram alegadas - situações materiais irreversíveis que retirem utilidade ao pedido, nos termos do artigo 129.º do CPTA.


B – Quanto ao Mérito

7. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 artigo 120º do CPTA, a procedência dos pedidos formulados no presente processo cautelar depende da verificação de três requisitos:
- Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ela visa assegurar no processo principal - periculum in mora;
- Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular nesse processo principal, venha a ser julgada procedente - fumus boni juris;
- Não serem os danos que resultariam para os interesses públicos da sua concessão superiores àqueles que podem resultar da sua recusa para os interesses particulares, sem que aqueles danos possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências».
Estes três requisitos - 2 positivos e 1 negativo - são cumulativos e, portanto, indispensáveis para a concessão da providência ou providências cautelares requeridas. O que significa que a não verificação de um dos requisitos positivos impõe desde logo o indeferimento da providência, e que a abordagem do requisito negativo apenas se exigirá no caso de se verificarem os outros dois - «periculum in mora» e «fumus boni juris».

8. No caso dos autos, a mesma linha de argumentação que conduziu à improcedência da exceção invocada pelo Requerido parece conduzir, também, à improcedência do pedido de suspensão da deliberação do CSMP, de 17 de dezembro de 2019, por não haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Na verdade, a situação criada pelo movimento dos magistrados do Ministério Público é integralmente reversível. Se a ação principal for procedente, o Requerente poderá ser integrado na categoria - e numa das vagas - a que se candidatou, com efeitos reportados à data da prática do ato anulado, recebendo, em consequência, as diferenças remuneratórias que teria, entretanto, recebido se a sua promoção não tivesse sido ilegalmente recusada.
É certo que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem reconhecido, em outras providências cautelares relativas a magistrados do Ministério Público, que a perda da sua remuneração, por um período prolongado, é suscetível de causar prejuízos de difícil reparação, o que, contudo, só reconhece quando essa perda é total, privando o requerente e a sua família de meios de subsistência – v., entre outros, os Acórdãos 23 de junho de 2016, proferido no Processo n.º 0629/16, e de 4 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 0163/17.
Neste caso, o Requerente limita-se a alegar que, por força da deliberação suspendenda, continuaria a vencer pelo índice 175, ao invés do índice 220 a que se arroga no direito, sem especificar quaisquer factos integradores de uma lesão irreparável ou de difícil reparação decorrentes da privação dessa diferença remuneratória durante a pendência da ação principal.
Ora, incumbe ao Requerente alegar e provar os factos que levem o Tribunal a concluir pela existência de prejuízos irreparáveis advindos da execução do ato administrativo que o privou da promoção. O Requerente não satisfez este ónus, pelo que não pode ser dado como provado o por si alegado, nesta parte, para a verificação do requisito em análise.

9. Pelas razões já apontadas, também não são irreparáveis, ou de difícil reparação, os prejuízos que o Requerente alega que a deliberação suspendenda causará à sua carreira profissional, nomeadamente no seu posicionamento na lista de antiguidade, que poderia comprometer a sua promoção em movimentos futuros.
Tais prejuízos, além de meramente hipotéticos, conjeturais ou eventuais, são passíveis de plena reintegração no caso de ação principal vir a ser julgada procedente, tanto mais que, a promoção do Requerente que se discute no caso dos autos, e a progressão na carreira que lhe é inerente, embora possa implicar para ele um acréscimo de responsabilidades, tem sobretudo consequências no plano remuneratório, mas não se traduz numa alteração substancial do conteúdo funcional da sua atividade, de cuja privação resultará uma perda irreparável de experiência profissional. Prova disso, aliás, é que o novo Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto unificou as antigas categorias de Procurador da República e Procurador-Adjunto numa única, correspondente a Procurador da República, e a que o Requerente agora pertence por efeito automático da lei.
Pelo que, também neste âmbito, não existe um periculum in mora que justifique a concessão da providência requerida.

10. Assim, e sem necessidade de mais considerações, podemos concluir que não se encontram verificados os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA para que a providência requerida seja decretada.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em indeferir o pedido de suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 17 de dezembro de 2019.


Custas do processo pelo Requerente. Notifique-se


Lisboa, 2 de julho de 2020. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – Carlos Carvalho – Maria Benedita Urbano.