Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02004/19.0BEPRT-R1 |
Data do Acordão: | 11/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL PRESSUPOSTOS ADMISSÃO |
Sumário: | I - Justifica-se a admissão da revista sobre a questão de saber qual o prazo de recurso de decisão sobre providência cautelar para que o STA, órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, tome expressamente posição sobre questão que, por razões de certeza e segurança jurídica, não pode ser objecto de dúvida, pois que os prazos de que dispõem as partes para fazer valer o seu direito ao recurso deve ser inequívoco e, in casu, não parece sê-lo, mormente por efeito da entrada em vigor da Lei n.º .º 118/2019, de 17 de setembro. II - Se em regra as questões que se prendem com a tempestividade não justificam a intervenção do STA, em razão da clareza da lei ou da existência de jurisprudência consolidada e pacífica sobre os prazos aplicáveis e respetivo cômputo, assim não é no presente caso, pois em causa estão meios processuais comuns ao CPPT e ao CPTA, de normação híbrida e que foram entretanto objeto de disposições legais novas por força da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019. |
Nº Convencional: | JSTA000P28513 |
Nº do Documento: | SA22021111002004/19 |
Data de Entrada: | 07/30/2021 |
Recorrente: | A....... SGPS, S.A. E OUTROS |
Recorrido 1: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório – 1 – A……..SGPS, SA, B…….. SGPS, SA, e C…….. SGPS, SA, todas com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal Administrativo recurso excecional de revista do acórdão do TCA Norte de 23 de abril de 2021, que negou provimento à reclamação apresentada em 23 de abril de 2020 do Despacho do Relator de 25 de novembro de 2019, de não admissão do recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF do Porto de 24.10.2019, que indeferiu Providência Cautelar. As recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1. O douto Acórdão recorrido, de não admissão do recurso jurisdicional, considerou que, atento o disposto nos artigos 147º nº 6 e 279º nº 1 a) do CPPT (lei antiga), o prazo de interposição do recurso jurisdicional seria de apenas 10 dias.
3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA não emitiu parecer sobre a admissibilidade da revista.
4 – No acórdão sindicado fixaram-se os seguintes factos: A – As Reclamantes interpuseram um processo cautelar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com um pedido de decretamento provisório da providência cautelar requerida, sendo esta a da intimação da Autoridade Tributária a rececionar e a liquidar as declarações de rendimentos que aquelas apresentaram para os anos de 2016, 2017 e 2018 (cf. fls. 128 e segs. dos autos– paginação do SITAF). B – A demanda processual referida na alínea anterior, deu origem ao proc. n.º 2004/19.0BEPRT, tendo no mesmo sido indeferido o decretamento provisório por despacho datado de 03.08.2019 (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF). C – Por sentença datada de 24.10.2019, proferida pelo TAF do Porto, foi indeferida a providência cautelar requerida (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF). D – Da sentença referida na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado das Requerentes (ora Reclamantes), por notificação eletrónica datada de 29.10.2019 (cf. doc. a fls. 8 dos autos – paginação do SITAF). E – Em 20.11.2019, as Reclamantes, através do seu Advogado, apresentaram via SITAF um requerimento e respetivas alegações de recurso, dirigidos contra a sentença referida na alínea «C», solicitando o provimento do respetivo recurso e o decretamento da providência requerida (cf. fls. 20 e segs. dos autos – paginação do SITAF). F – Por despacho datado de 25.11.2019, foi determinada a não admissão do recurso referido na alínea anterior por extemporaneidade (cf. fls. 122 e segs. dos autos – paginação do SITAF). G – Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado dos Reclamantes por notificação eletrónica datada de 27.11.2019 (cf. fls. 122 e segs. dos autos – paginação do SITAF). H – O meio processual de reclamação dirigido contra o despacho referido na alínea «F» deu entrada via SITAF em 12.12.2019 (cf. fls. 1 e segs. dos autos – paginação do SITAF). I – Por decisão proferida por este Tribunal em 23.01.2019, foi indeferida a reclamação então apresentada pelas Reclamantes (cf. fls. 126 a 134 …. ) J – Notificadas as Reclamantes da decisão referida na alínea anterior, por nota de notificação datada de 24.01.2020, vieram aquelas a apresentar a presente reclamação para a conferência em 06.02.2020. - Fundamentação – 5 – Apreciando. 5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista. O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário. Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». Vejamos, pois. O acórdão do TCA Sul sob escrutínio confirmou a decisão do Relator no TCA Norte, proferida em reclamação de despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso por intempestividade. Em causa está o prazo de recurso de uma decisão de indeferimento de providência cautelar tributária, que as instâncias consideraram ser o de 10 dias previsto no CPPT e as recorrentes, secundadas pelo Ministério Público no TCA, o de 15 dias previsto no CPTA, designadamente em razão da circunstância de em 16 de novembro de 2019 ter entrado em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, de aplicação imediata aos processos em curso e que determinou que “as providências cautelares a favor dos contribuintes e demais obrigados tributários sejam reguladas pelas normas do CPTA”, alteração da qual as recorrentes pretendem extrair consequência jurídica no que à tempestividade do recurso respeita (e que o TCA considerou não relevar, porquanto o prazo de 10 dias estava já esgotado à data da entrada em vigor desta lei, embora admitisse que o recurso pudesse ser ainda admitido havendo pagamento de multa processual). Alegam as recorrentes ser necessária a admissão da revista porquanto está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, designadamente por razões de segurança jurídica, atenta a necessidade de definir sem margem para dúvidas se a nova lei se aplica de imediato em bloco, como um todo, ou se se aplica de imediato apenas em determinados segmentos da mesma, precavendo a necessidade de uniformizar a Jurisprudência sobre as dúvidas interpretativas que a sucessão das leis em apreço suscitam, (cfr. Conclusões 38 a 40 das alegações de recurso). Entendemos que, efetivamente, se justifica a admissão da revista para que o STA, órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, tome expressamente posição sobre questão que, por razões de certeza e segurança jurídica, não pode ser objecto de dúvida, pois que os prazos de que dispõem as partes para fazer valer o seu direito ao recurso deve ser inequívoco e, in casu, não parece sê-lo, mormente por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro. Se em regra as questões que se prendem com a tempestividade não justificam a intervenção do STA, em razão da clareza da lei ou da existência de jurisprudência consolidada e pacífica sobre os prazos aplicáveis e respetivo cômputo, assim não é no presente caso, pois em causa estão meios processuais comuns ao CPPT e ao CPTA, de normação híbrida e que foram entretanto objeto de disposições legais novas por força da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019.
A revista será, pois, admitida, dada a relevância jurídica fundamental da questão a decidir. - Decisão - 6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.
Custas a final. Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia. |