Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02004/19.0BEPRT-R1
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:I - Justifica-se a admissão da revista sobre a questão de saber qual o prazo de recurso de decisão sobre providência cautelar para que o STA, órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, tome expressamente posição sobre questão que, por razões de certeza e segurança jurídica, não pode ser objecto de dúvida, pois que os prazos de que dispõem as partes para fazer valer o seu direito ao recurso deve ser inequívoco e, in casu, não parece sê-lo, mormente por efeito da entrada em vigor da Lei n.º .º 118/2019, de 17 de setembro.
II - Se em regra as questões que se prendem com a tempestividade não justificam a intervenção do STA, em razão da clareza da lei ou da existência de jurisprudência consolidada e pacífica sobre os prazos aplicáveis e respetivo cômputo, assim não é no presente caso, pois em causa estão meios processuais comuns ao CPPT e ao CPTA, de normação híbrida e que foram entretanto objeto de disposições legais novas por força da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019.
Nº Convencional:JSTA000P28513
Nº do Documento:SA22021111002004/19
Data de Entrada:07/30/2021
Recorrente:A....... SGPS, S.A. E OUTROS
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório –

1 – A……..SGPS, SA, B…….. SGPS, SA, e C…….. SGPS, SA, todas com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal Administrativo recurso excecional de revista do acórdão do TCA Norte de 23 de abril de 2021, que negou provimento à reclamação apresentada em 23 de abril de 2020 do Despacho do Relator de 25 de novembro de 2019, de não admissão do recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF do Porto de 24.10.2019, que indeferiu Providência Cautelar.

As recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. O douto Acórdão recorrido, de não admissão do recurso jurisdicional, considerou que, atento o disposto nos artigos 147º nº 6 e 279º nº 1 a) do CPPT (lei antiga), o prazo de interposição do recurso jurisdicional seria de apenas 10 dias.
2. E não de 15 dias, como consideraram as Recorrentes.
3. O douto Acórdão recorrido baseou-se também no artigo 297º nº 2 do CC, que conjugou com o artigo 139º nº 5 do CPC.
4. Ou seja, o douto Acórdão recorrido pressupôs que a questão a dirimir residia APENAS na aplicação no tempo da lei sobre prazos,
5. extraindo, da conjugação das sobreditas disposições legais (artigos 297º nº 2 do CC e 139º nº 5 do CPC) que, à data da apresentação do recurso jurisdicional, já havia decorrido o prazo (normal) de recurso segundo a lei antiga (que a douta Sentença da 1ª Instância considerou ser de 10 dias), pelo que era inaplicável o prazo da lei nova (que considerou ser de 15 dias).
6. Ora, as questões a apreciar não se cingiam à aplicação no tempo de lei sobre prazos
– ou seja, à aplicação do disposto no artigo 297º do CC -, como foi decidido no douto Acórdão ora em apreço.
7. COM EFEITO, EM 16.11.2019, ENTROU EM VIGOR A LEI Nº 118/2019, DE 17/9 (lei nova), conforme artigo 14º desta Lei.
8. Naquela data, segundo aquele douto Acórdão, as Recorrentes ainda podiam interpor o recurso jurisdicional em questão – podiam fazê-lo até 19.11.2019, segundo se afirma nesse Acórdão.
9. Nos termos do artigo 13º nº 1 daquela Lei nº 118/2019, de 17/9, AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NELA PRECONIZADAS SÃO IMEDIATAMENTE APLICÁVEIS AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM CURSO à data da sua entrada em vigor.
10. Por sua vez, o artigo 11º b) daquela Lei REVOGOU O ARTIGO 147º Nº 6 DO CPPT COM EFEITOS IMEDIATOS NOS PROCESSOS EM CURSO.
11. E alterou/aditou um novo artigo 97º nº 3 a) do CPPT, segundo o qual “3 - SÃO TAMBÉM REGULADOS PELAS NORMAS SOBRE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS A) AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES DE NATUREZA JUDICIAL A FAVOR DO CONTRIBUINTE ou demais obrigados tributários, sem prejuízo do efeito suspensivo de atos de liquidação só poder ser obtido mediante prestação de garantia ou concessão da sua dispensa nos termos previstos nas normas tributárias;” – também COM EFEITOS IMEDIATOS NOS PROCESSOS EM CURSO (cfr. artigo 3º da Lei nº 118/2019, de 17/9).

12. Nos termos do artigo 147º nº 1 do CPTA, o prazo de recurso jurisdicional nos casos das providências cautelares era E SEMPRE FOI de 15 dias.
13. Por conseguinte, o douto Acórdão recorrido não podia ter desconsiderado aquelas alterações legislativas oriundas da Lei nº 118/2019, de 17/9, entradas em vigor em 16.11.2019 e imediatamente aplicáveis aos processos judiciais pendentes – num momento em que, segundo o próprio Acórdão, as Recorrentes ainda estavam em tempo para apresentar recurso.
14. Com efeito, as alterações legislativas, EM BLOCO, NO SEU TODO, preconizadas naquela Lei nº 118/2019, de 17/9 (lei nova), são IMEDIATAMENTE APLICÁVEIS AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM CURSO À DATA DE 16.11.2019.
15. É inquestionável que em 16.11.2019 a presente providência cautelar ainda estava em curso.
16. Aliás, ainda está em curso na presente data, não tendo ainda transitado em julgado.
17. Com efeito, A LEI NOVA NÃO VEIO (MERAMENTE) ALARGAR O PRAZO DE RECURSO, como pressupôs o douto Acórdão recorrido.
18. O QUE A LEI NOVA VEIO FAZER FOI ESTABELECER QUE AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES JUDICIAIS A FAVOR DO CONTRIBUINTE SÃO REGULADAS PELO CPTA, E NÃO PELO CPPT, COM EFEITOS IMEDIATOS NOS PROCESSOS JUDICIAIS PENDENTES.
19. Daí que a questão não possa ser decidida tendo por base o disposto no artigo 297º nº 2 do CC.
20. Com efeito, não está em causa a entrada em vigor de uma lei nova que veio alegadamente alargar o prazo de recurso em relação à lei antiga.
21. Está em causa uma lei nova, imediatamente aplicável às providências cautelares pendentes, QUE MANDA APLICAR O REGIME LEGAL DO CPTA, COMO UM TODO, AO INSTITUTO DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES JUDICIAIS A FAVOR DO CONTRIBUINTE.
22. Por conseguinte, o DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERIDO DEPOIS DA ENTRADA EM VIGOR DAQUELAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS, não podia ter desconsiderado essas mesmas alterações legislativas.
23. O douto Acórdão recorrido violou, pois, as sobreditas disposições legais.
Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,
24. Se, por mera hipótese, assim não se entender, importa atentar no seguinte:
25. Conforme decorre do respectivo requerimento inicial a presente providência foi apresentada ao abrigo do regime do CPPT E DO CPTA.
26. Designadamente, FOI SOLICITADO O DECRETAMENTO PROVISÓRIO DA PROVIDÊNCIA NO DESPACHO LIMINAR, NOS TERMOS DO ARTIGO 131º Nº 1 DO CPTA – faculdade legal NÃO PREVISTA NO CPPT, muito menos no artigo 147º (do CPPT).
27. Mais: foi ainda solicitado, NOS TERMOS DO ARTIGO 127º Nº 2 DO CPTA, a aplicação de uma SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA por cada dia de atraso no cumprimento da providência, sem prejuízo da RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR, CIVIL E CRIMINAL DA AT, CONSIGNADA NO ARTIGO 159º DO CPTA, POR REMISSÃO DO ARTIGO 127º Nº 3 DO MESMO DIPLOMA LEGAL (CPTA).

28. Tudo faculdades legais NÃO PREVISTAS NO CPPT, muito menos no artigo 147º (do CPPT) – mas APENAS NO CPTA.
29. Ou seja, NÃO ESTAMOS PERANTE UM PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO (providência cautelar a favor do contribuinte) REGULADO APENAS PELO CPPT (rectius, pelo seu artigo 147º).
30. Outrossim, fazendo apelo a vários MEIOS E FACULDADES PROCESSUAIS PREVISTAS NO CPTA, conforme resulta desde logo do requerimento inicial.
31. Nos termos do artigo 279º nº 2 do CPPT, “Os recursos dos actos jurisdicionais sobre MEIOS PROCESSUAIS ACESSÓRIOS COMUNS À JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E TRIBUTÁRIA SÃO REGULADOS PELAS NORMAS SOBRE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.”.
32. O artigo 147º nº 1 do CPTA estipulava e estipula que o prazo de recurso é de 15 dias
– e não de apenas 10 dias.
33. Pelo que o recurso jurisdicional em apreço teria sempre sido apresentado em tempo.
Acresce que,
34. Os artigos 297º nº 2 do CC, 139º nº 5 do CPC, 147º nº 6 (extinto) e 97º nº 3 a) (novo) do CPPT, 279º nº 1 a) e nº 2 do CPPT, 3º e 11º b) e 13º nº 1 da Lei nº 118/2019, de 17/9, na interpretação segundo a qual é aplicável à providência cautelar o regime dos recursos jurisdicionais da lei antiga e não da lei nova, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio constitucional da legalidade, consignado, entre outros, no artigo 103º nº 2 da CRP.
35. Com efeito, a aplicação, à presente providência cautelar tributária (a favor do contribuinte), do regime legal antigo dos recursos jurisdicionais em matéria de providências cautelares tributárias (a favor do contribuinte),
36. VIOLA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DADA A ENTRADA EM VIGOR, NA PENDÊNCIA DA PRESENTE PROVIDÊNCIA, COM EFEITOS JURÍDICOS IMEDIATOS, DE UMA NOVA LEGISLAÇÃO REGULADORA DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES TRIBUTÁRIAS A FAVOR DO CONTRIBUINTE (designadamente em matéria de recursos jurisdicionais).
Mais,
37. Conforme douto Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto do TCAN, datado de 02.04.2020, cujo teor se dá por reproduzido, “(…) na nova versão do CPPT o prazo é de 15 dias, por efeito da nova redacção do artigo 97, nº 3, do CPPT. “(…)Também é certo que a L. 118/2019 não visa exclusivamente alterar prazos, tem, sim, um objecto mais vasto, como da sua própria epígrafe/sumário resulta, modificar regimes processuais. Pese embora, se tratar de mera epígrafe, despiciendo se torna referir que, ainda que reduzido, e para remover dúvidas, algum efeito interpretativo se lhe poderá atribuir. E, se se visa modificar regimes processuais, querer-se-á em coerência a aplicação do processo no todo. Por isso, no artigo 13 da L. 116/2019 se manda que “ 1 — As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, (…)” Ora, se as alterações são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes, e não há dúvida de que este processo estava e está pendente será de concluir que o prazo de recurso que era de 10 dias transmutou-se em 15 dias. Transmutação operada, em 16/11/2019, por via da entrada em vigor da L. 118/2019. E transmutação que era possível. É que, mesmo sendo de dez dias o prazo normal, a própria decisão reclamada reconhece que podia ir até 19/11/2019, estando na disponibilidade do recorrente prevalecer-se dos três dias úteis que, com pagamento de multa, o CPC lhe oferecia (art. 144, nºs 5 e 6). Com o que forçoso é concluir que o prazo para recorrer, de 10 dias adicionado de mais 3, com multa, ainda estava a decorrer aquando da entrada em vigor da L. 118/2019. Temos, pois, duas interpretações defensáveis. Diga-se desde já que nos parece mais correcta a segunda. Porque a tal opção obriga o artigo 7 do CPTA. “ Artigo 7. º Promoção do acesso à justiça Para efetivação do direito de acesso à justiça, AS NORMAS PROCESSUAIS DEVEM SER INTERPRETADAS NO SENTIDO DE PROMOVER A EMISSÃO DE PRONÚNCIAS SOBRE O MÉRITO DAS PRETENSÕES FORMULADAS.” Este dispositivo rege “ IN DUBIO PRO HABILITATE INSTANTIA”. Decorre do PRINCÍPIO DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA, TAMBÉM CHAMADO DE ANTIFORMALISTA OU PRO ACTIONE, QUE, “EM CASO DE DÚVIDA, OS TRIBUNAIS TÊM O DEVER DE INTERPRETAR AS NORMAS PROCESSUAIS NUM SENTIDO QUE FAVOREÇA A EMISSÃO DE UMA PRONÚNCIA SOBRE O MÉRITO DAS PRETENSÕES FORMULADAS .” ID EST, SEM CAIR NA ALTERAÇÃO OU REVOGAÇÃO DA LEI PELO APLICADOR, MISTER É, EM CASO DE DÚVIDA, E SÓ NESSE, FAZER UMA INTERPRETAÇÃO “PRO ACTIONE” NÃO PROCESSUAL. (CPTA Anotado, Aroso de Almeida) (…) Assim, FACE A DÚVIDA INTERPRETATIVA DE NORMAS PROCESSUAIS, EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO PRO ACTIONE, NÃO PODE MANTER-SE A DECISÃO RECLAMADA.
Conclusão A reclamação deve ser julgada procedente.”
Finalmente,
38. Está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, designadamente por razões de segurança jurídica,
39. atenta a necessidade de definir sem margem para dúvidas se a nova lei se aplica de imediato em bloco, como um todo, ou se se aplica de imediato apenas em determinados segmentos da mesma,
40. precavendo a necessidade de uniformizar a Jurisprudência sobre as dúvidas interpretativas que a sucessão das leis em apreço suscitam,
41. pelo que a admissão do presente recurso é manifestamente necessária para uma melhor aplicação do Direito (cfr. artigo 285 nº 1 do CPPT).
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., admitindo e concedendo provimento ao presente Recurso de Revista, revogando o douto Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que admita o recurso jurisdicional para o TCAN em questão, com a respectiva tramitação processual legal ulterior, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA não emitiu parecer sobre a admissibilidade da revista.

4 – No acórdão sindicado fixaram-se os seguintes factos:

A – As Reclamantes interpuseram um processo cautelar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com um pedido de decretamento provisório da providência cautelar requerida, sendo esta a da intimação da Autoridade Tributária a rececionar e a liquidar as declarações de rendimentos que aquelas apresentaram para os anos de 2016, 2017 e 2018 (cf. fls. 128 e segs. dos autos– paginação do SITAF).

B – A demanda processual referida na alínea anterior, deu origem ao proc. n.º 2004/19.0BEPRT, tendo no mesmo sido indeferido o decretamento provisório por despacho datado de 03.08.2019 (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

C – Por sentença datada de 24.10.2019, proferida pelo TAF do Porto, foi indeferida a providência cautelar requerida (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

D – Da sentença referida na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado das Requerentes (ora Reclamantes), por notificação eletrónica datada de 29.10.2019 (cf. doc. a fls. 8 dos autos – paginação do SITAF).

E – Em 20.11.2019, as Reclamantes, através do seu Advogado, apresentaram via SITAF um requerimento e respetivas alegações de recurso, dirigidos contra a sentença referida na alínea «C», solicitando o provimento do respetivo recurso e o decretamento da providência requerida (cf. fls. 20 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

F – Por despacho datado de 25.11.2019, foi determinada a não admissão do recurso referido na alínea anterior por extemporaneidade (cf. fls. 122 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

G – Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado dos Reclamantes por notificação eletrónica datada de 27.11.2019 (cf. fls. 122 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

H – O meio processual de reclamação dirigido contra o despacho referido na alínea «F» deu entrada via SITAF em 12.12.2019 (cf. fls. 1 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

I – Por decisão proferida por este Tribunal em 23.01.2019, foi indeferida a reclamação então apresentada pelas Reclamantes (cf. fls. 126 a 134 …. )

J – Notificadas as Reclamantes da decisão referida na alínea anterior, por nota de notificação datada de 24.01.2020, vieram aquelas a apresentar a presente reclamação para a conferência em 06.02.2020.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Sul sob escrutínio confirmou a decisão do Relator no TCA Norte, proferida em reclamação de despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso por intempestividade.

Em causa está o prazo de recurso de uma decisão de indeferimento de providência cautelar tributária, que as instâncias consideraram ser o de 10 dias previsto no CPPT e as recorrentes, secundadas pelo Ministério Público no TCA, o de 15 dias previsto no CPTA, designadamente em razão da circunstância de em 16 de novembro de 2019 ter entrado em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, de aplicação imediata aos processos em curso e que determinou que “as providências cautelares a favor dos contribuintes e demais obrigados tributários sejam reguladas pelas normas do CPTA”, alteração da qual as recorrentes pretendem extrair consequência jurídica no que à tempestividade do recurso respeita (e que o TCA considerou não relevar, porquanto o prazo de 10 dias estava já esgotado à data da entrada em vigor desta lei, embora admitisse que o recurso pudesse ser ainda admitido havendo pagamento de multa processual).

Alegam as recorrentes ser necessária a admissão da revista porquanto está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, designadamente por razões de segurança jurídica, atenta a necessidade de definir sem margem para dúvidas se a nova lei se aplica de imediato em bloco, como um todo, ou se se aplica de imediato apenas em determinados segmentos da mesma, precavendo a necessidade de uniformizar a Jurisprudência sobre as dúvidas interpretativas que a sucessão das leis em apreço suscitam, (cfr. Conclusões 38 a 40 das alegações de recurso).

Entendemos que, efetivamente, se justifica a admissão da revista para que o STA, órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, tome expressamente posição sobre questão que, por razões de certeza e segurança jurídica, não pode ser objecto de dúvida, pois que os prazos de que dispõem as partes para fazer valer o seu direito ao recurso deve ser inequívoco e, in casu, não parece sê-lo, mormente por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.

Se em regra as questões que se prendem com a tempestividade não justificam a intervenção do STA, em razão da clareza da lei ou da existência de jurisprudência consolidada e pacífica sobre os prazos aplicáveis e respetivo cômputo, assim não é no presente caso, pois em causa estão meios processuais comuns ao CPPT e ao CPTA, de normação híbrida e que foram entretanto objeto de disposições legais novas por força da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019.

A revista será, pois, admitida, dada a relevância jurídica fundamental da questão a decidir.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.

Custas a final.

Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.