Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01339/18.4BELSB
Data do Acordão:06/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
IMPEDIMENTO
Sumário:I – As entidades ou operadores que colaborem, direta ou indiretamente, com a Entidade Adjudicante na elaboração dos documentos do concurso não estão, “ipso facto”, impedidos de participar, como concorrentes, no procedimento concursal em causa; só o estarão se resultar comprovado que tal facto lhes concede uma vantagem real relativamente aos demais concorrentes que distorça a normal concorrência.
II - Tal é o que resulta, e foi o objetivo declarado, do aditamento à alínea i) – então, alínea j) - do nº 1 do art. 55º do CCP do inciso final “que lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência” operada pelo DL 149/2012, de 12/7.
III – Assim, só perante as circunstâncias concretas do caso se deverá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo fundar-se o juízo neste sentido em mera presunção decorrente daquela colaboração.
IV - Compete ao(s) impugnante(s) de tal participação a prova de que, por via daquela colaboração, está constituída, no caso concreto, uma situação de vantagem que falseia as condições normais da concorrência (como este STA já expressou no seu Acórdão de 12/3/2015, 01469/14).
Nº Convencional:JSTA000P26038
Nº do Documento:SA12020060401339/18
Data de Entrada:05/04/2020
Recorrente:A……, SA E OUTROS.
Recorrido 1:B…….., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. “B………, SA” intentou contra “TURISMO DE PORTUGAL, IP” e a Contrainteressada “A………., SA” ação de contencioso pré-contratual onde peticionou: «A) Ser determinada a exclusão do concorrente “A……….”; e, B) Ser anulado o Relatório Final, no que respeita à decisão de exclusão da ora A. do procedimento concursal, bem como todos os actos subsequentes do concurso, designadamente, a decisão de adjudicação a favor da Concorrente ora Contra-interessada; ou caso assim não se entenda, C) Ser o Relatório Final anulado, por ilegalidade, e declarada a insanável nulidade do presente procedimento concursal».

2. Por sentença do TAC de Lisboa de 4/5/2019 (cfr. fls. 1050 e segs. SITAF) foi a ação julgada improcedente. E considerou, em consequência, prejudicado o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido, a título incidental, pela Entidade Demandada “Turismo de Portugal”.

3. Inconformada com esta sentença, a Autora “B………” interpôs recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Sul na parte em que aquela sentença manteve a admissão da proposta da Contrainteressada “A……….” e decidiu sobre a legalidade do procedimento pré-contratual.

4. A Entidade Demandada “Turismo de Portugal” interpôs recurso subordinado da sentença relativamente à parte em que esta julgou prejudicado o seu pedido de levantamento do efeito suspensivo automático.

5. Por Acórdão de 7/11/2019 (cfr. fls. 1257 e segs. SITAF), o TCAS concedeu provimento ao recurso interposto pela Autora “B………”, revogou a sentença recorrida e julgou a ação procedente, anulando o ato impugnado por ilegalidade na admissão da proposta apresentada pela Contrainteressada “A………”, por se encontrar impedida de participar no concurso e por violação dos princípios da imparcialidade, da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança, da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação; e negou provimento ao recurso subordinado interposto pela Entidade Demandada, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo o efeito suspensivo automático decorrente da interposição da ação de contencioso pré-contratual.

6. Agora inconformadas com este julgamento do TCAS, vieram a Entidade Demandada “Turismo de Portugal” e a Contrainteressada “A………” interpor os presentes recursos de revista para este Supremo Tribunal Administrativo.

7. A Entidade Demandada “Turismo de Portugal” terminou as alegações do recurso de revista que interpôs com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1324 e segs. SITAF):

«1º- Previamente, e porquanto os presentes autos não apresentam especial complexidade, não tendo, por isso, importado um acréscimo excecional de trabalho para o tribunal, uma vez que os autos apresentam uma tramitação simples, além de que, as questões de direito colocadas neste processo são de relativa simplicidade e, bem assim, se verifica que a conduta das partes se desenrolou na mais completa normalidade, deve ser determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.

2º - Depois, e cuidando o interesse público em presença nestes autos, alicerçado na participação do Turismo de Portugal, ora Recorrente, nas feiras nacionais e internacionais de turismo, para representação não apenas do país, como das empresas portuguesas, o qual se encontra sem qualquer proteção jurídica desde que foi proposta a ação, impõe-se, preliminarmente, a este Supremo Tribunal determinar o levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado, incidente que ainda não pôde ser conhecido por via dos erros de julgamento que sobre ele já recaíram.

3º - Posto isto, importará agora referir que a primeira questão submetida a este órgão de cúpula reconduz-se a saber se a existência da referência à firma da Contrainteressada, inserida por lapso, no rodapé dos Anexos VI e VIII do Programa do Concurso, permite concluir pela sua participação na elaboração dos mesmos e pela violação dos princípios da imparcialidade, da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança e da transparência.

4º - A segunda questão submetida a juízo através da presente revista prende-se, por sua vez, em saber se o mero perigo ou a ameaça de violação dos princípios da imparcialidade e da transparência, sem qualquer demonstração em concreto, quer da participação, quer da vantagem, são suficientes para determinar a invalidação do ato de adjudicação no procedimento concursal.

5º - E, em terceiro lugar, cumprirá ainda a este Supremo Tribunal apreciar se a presunção judicial laborada pelo Tribunal a quo de que a Contrainteressada participou na elaboração daqueles anexos, sem que seja demonstrada a situação de vantagem que para aquela resulta dessa suposta participação, constitui impedimento de participação no concurso como concorrente por aplicação do impedimento previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea i) do Código dos Contratos Públicos.

6º - Tais questões assumem importância fundamental dada a sua relevância jurídica uma vez que são questões em relação às quais existe alguma divergência jurisprudencial, desde logo, patente no aresto recorrido, onde se sufraga a tese da tutela da aparência de violação dos princípios da imparcialidade e transparência, que, porém, contraria a mais recente jurisprudência emanada nesta matéria; e onde ainda se desconsidera a existência de uma situação de vantagem para a exclusão da Contrainteressada do concurso público, dada a sua suposta participação nas peças do concurso, isto ao completo arrepio das diretrizes e jurisprudência comunitária.

7º - Sendo ainda certo que, em matéria de impedimentos de concorrentes no âmbito da contratação pública e de violação dos princípios da transparência e da imparcialidade, matéria que aqui também estão em apreço, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já conferir-lhe dignidade e relevância suficientes para que por ele pudesse ser dirimida (vide Acórdão de 11 de setembro de 2010, proferido no Processo n.º 0851/10, e Relatado pelo Conselheiro Rosendo José)

8º - Por outro lado, trata-se de questões que assumem relevância social, dado o impacto negativo na comunidade social que importam, uma vez que os termos do decidido pelo Tribunal a quo tem vindo a ser veiculado através dos órgãos de comunicação social, gerando-se um clima de alarme social e de desconfiança perante as entidades públicas que é completamente injustificado e infundado, pois que estamos a falar de premissas que não correspondem, em nada, à verdade, urgindo a apreciação destas questões e solução diversa determinada por este Supremo Tribunal.

9º - Depois, torna-se manifesto, atentas as desconformidades patentes no aresto recorrido face à jurisprudência comunitária e à própria jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e também dos Tribunais Centrais Administrativos, e ainda à divergência jurisprudencial nesta matéria, a imprescindibilidade da admissão da presente revista para a melhor aplicação do direito ao caso concreto.

10º - Estando, assim, reunidos todos os pressupostos de admissibilidade de qualquer revista previstos no artigo 150º, nº 1 do CPTA, impõe-se, neste caso, que seja admitida a presente revista, com a apreciação das questões levadas a juízo.

11º - Posto isto, importa afirmar que o Tribunal a quo incorreu em múltiplos e notórios erros de julgamento quanto à suposta participação da Contrainteressada na elaboração das peças do concurso, e assim quanto à violação dos princípios da transparência e da imparcialidade; na consideração de que, por isso, a Contrainteressada se encontrava impedida de participar no concurso; e ainda pelo facto de o Tribunal a quo não ter entendido como válido o ato impugnado, não concedendo provimento ao recurso do Recorrente quanto ao levantamento do efeito suspensivo automático.

12º - Assim sendo, é patente no, aliás, douto aresto recorrido, o erro de julgamento ao não se ter considerado a existência de mero e manifesto lapso ocorrido quanto à referência da firma da Contrainteressada no rodapé dos anexos VI e VII do Programa do Concurso, mas, ao invés, sem qualquer fundamentação razoável, entender o Tribunal a quo ter existido participação daquela Contrainteressada na elaboração dos anexos, bem sabendo que o seu entendimento contrariava não apenas a justificação oferecida pela entidade pública como o entendimento já manifestado pelo Tribunal de 1.ª instância, exigindo-se-lhe por isso um maior esforço de sustentação, o que não se verificou, perfilhando-se, assim, uma ideia que não corresponde à verdade.

13º - Cumpre, aliás, ressaltar que, o ora Recorrente pauta a sua conduta pelo mais amplo e fiel cumprimento dos princípios e ditames que lhe subjazem por assumir a veste de uma entidade pública, conformando sempre a sua atuação pela prossecução do interesse público em presença em cada situação.

14º - Por outro lado, e contrariamente ao sugestionado pelo Tribunal a quo, o Recorrente não podia nem devia ter anulado o concurso público perante a verificação da existência daquele lapso, uma vez que, o mesmo não comprometia os princípios da concorrência, transparência e da imparcialidade, nem a regularidade do procedimento concursal, para além de que tal solução acarretaria um irremediável prejuízo para o interesse público atendendo ao calendário de feiras prevista naquele concurso público e no contrato celebrado.

15º - Depois, será de notar que para concluir pela ilegalidade do ato de adjudicação impugnado, o Tribunal a quo acaba por sufragar uma tese que está completamente obsoleta (socorrendo-se, para tal, do Acórdão do Supremo de 20-01-1998), perante as mais recentes orientações jurisprudenciais postuladas pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelos Tribunais Centrais Administrativos, no sentido de que bastará a observância do mero perigo ou ameaça de violação do princípio da imparcialidade administrativa para a invalidação do ato de adjudicação.

16º - Pois que, atualmente, a exigência é inegavelmente maior, alvitrando-se o entendimento de que a violação dos princípios da imparcialidade e transparência não deve aferir-se em abstrato, mas, antes, ser devidamente demonstrados e provados em face do caso concreto para que se conclua pela invalidade do ato (vide, designadamente, os Acórdãos do STA, de 25-03-2009, proc. n.º 055/09, do TCAN de 24-02-2012, no proc. n.º 1957/10 e do TCAS, de 8-11-2018, proc. n.º 331/14.2BECTB).

17º - Assim sendo, considerando o Tribunal a quo que “fica a séria e fundada dúvida sobre se os termos do procedimento não foram construídos com base nas específicas ou particulares características detidas pela candidata ao concurso cujo timbre consta dos documentos que integram o Programa do Concurso, vencedora do concurso e a sua adjudicatária”, acaba por concluir, à luz da aludida orientação, que o ato de adjudicação é inválido, o que contraria notoriamente a jurisprudência citada.

18º - Mas o erro de julgamento mais gritante assacado do aresto recorrido é aquele em que o Tribunal a quo entende que da mera presunção judicial de que a Contrainteressada participou na elaboração de dois anexos do concurso, emerge o impedimento de aquela participar naquele concurso, sem que, contudo, logre demonstrar se essa suposta participação lhe conferiu alguma situação de vantagem

19º - Certo é que, a atual redação do artigo 55.º, n.º 1, alínea i) do CCP é clara e inequívoca em exigir que o impedimento a que se refere só se verifica quando essa participação conferir à concorrente uma situação de vantagem (“não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que (…) Tenham, a qualquer título, prestado, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento que lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência”).

20º - De qualquer modo, sempre aquele entendimento contrariava a jurisprudência comunitária emanada nesta matéria, no âmbito da qual se apela ao princípio da proporcionalidade, considerando-se que a exclusão de um determinado concorrente de um concurso só será possível quando, efetivamente, se demonstre que para aquele resulta uma vantagem, capaz de desvirtuar as normais regras da concorrência, não bastando, deste modo, a simples presunção da sua participação em peças concursais (vide, p.e., Acórdãos do TJUE Fabricom de 03-3-2005 e Assitur de 19-05-2009).

21º - Na verdade, apela a União Europeia não apenas à salvaguarda dos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento, mas também à promoção do direito de livre iniciativa económica privada e assim o direito a aceder aos concursos públicos, que não poderá ser constrangido de forma desproporcionada.

22º - Ora, importa deixar claro que, os Anexos VI e VII do Programa do Concurso em apreço, foram integralmente preparados e elaborados pelo Recorrente, que apenas aproveitou o template de documentos que haviam sido fornecidos pela Contrainteressada no âmbito de anteriores procedimentos, concretamente discriminados na sua Contestação, daí tendo resultado o lapso quanto à inclusão da referência a essa entidade no rodapé desses anexos, o qual só foi verificado mais tarde.

23º - Mas ainda que se colocasse a hipótese de ter sido a Contrainteressada a elaborar aqueles anexos, apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se concluiria que a mesma não estaria impedida de participar no concurso, uma vez que, da elaboração daqueles concretos anexos, não lhe adviria qualquer espécie de vantagem, já que ambos os anexos respeitam a indicações meramente quantitativas dos módulos do stand e, por isso, suscetíveis de serem acatadas por qualquer empresa do mercado.

24º - Ora, inexistindo qualquer situação de vantagem para a Contrainteressada, na hipótese de ser considerado que a mesma elaborou aqueles anexos em apreço, apenas se pode concluir pela inobservância do impedimento previsto no artigo 55º, nº 1, alínea i) do CCP, e pelo manifesto erro de julgamento do Tribunal a quo, que nem sequer logrou apreciar a eventual existência dessa vantagem.

25º - Por último, refira-se que o Tribunal a quo incorreu ainda em manifesto erro de julgamento ao não ter considerado o ato de adjudicação impugnado válido, atentos os motivos que acima se expôs e assim, e em consequência, não ter dado provimento ao recurso subordinado do Recorrente, que tinha por objeto o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, cujo conhecimento foi considerado prejudicado pelo Tribunal de 1.ª instância, uma vez que a ação de contencioso pré-contratual movida pela Recorrida foi julgada improcedente.

26º - É que, na verdade, por força das disposições conjugadas dos artigos 103.º-A, n.º 1 e artigo 143.º ambos do CPTA, mantém-se o efeito suspensivo automático do ato impugnado e a suspensão da execução do contrato celebrado, enquanto se mantiver pendente a ação de contencioso pré-contratual, até que seja proferida a título definitivo, uma decisão de mérito sobre a mesma, o que ainda não sucede, com irremediáveis prejuízos para o interesse público em presença, e justificando-se, por isso, a apreciação daquele incidente, contrariamente ao que se considerou.

27º - Face a tudo quanto exposto e, deste modo, aos erros de julgamento patentes no, aliás, douto Acórdão recorrido, que, para tanto, violou disposto no artigo 55º, nº 1, alínea i) do CCP, bem como ainda os artigos 6.º, 9.º e 10.º do Código de Procedimento Administrativo, assume-se imperiosa a admissão da presente revista e a consequente análise dos seus fundamentos, os quais importam a determinação de uma solução diversa para o caso concreto por este Supremo Tribunal».

Termina considerando que a revista deve:

«a) Ser admitida, nos termos do artigo 150.º, nº 1 do CPTA, uma vez que as questões levadas a juízo revestem relevância jurídica e social, além de a sua apreciação se revelar necessária para a boa aplicação do Direito ao caso concreto;
b) Ser julgada procedente, por provada, revogando-se, deste modo, o Acórdão recorrido;
Ademais, deverá ainda, em respeito pelo interesse público:
c) Ser fixado o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado nos autos;
E, por fim,
d) Ser determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, nº 7 do RCP em todas as instâncias».

8. A Contrainteressada “A………” terminou as alegações do recurso de revista que interpôs com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1415 e segs. SITAF):

«1ª O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do TCA Sul de 07.11.2019 que, no âmbito de ação de contencioso pré-contratual, concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autora, ora Recorrida, da douta sentença do TAC de Lisboa, de 04.05.2019, a qual tinha considerado improcedente a ação.

2ª O litígio refere-se a um concurso público, regido pelo CCP, em que foi adjudicada a proposta da ora Recorrente, tendo por objeto o facto de dois anexos ao programa de concurso terem apostas a referência à A……….

3ª O Acórdão recorrido baseia-se numa violação ostensiva das regras substantivas de direito probatório em matéria de presunções e numa violação das regras de direito processual relativamente à (impossibilidade) de aditamento de factos por presunção quando não foi impugnada a matéria de facto.

4ª Na verdade, o acórdão recorrido considera como provado que os documentos em causa foram elaborados em papel timbrado da A……… para retirar as ilações de que a entidade adjudicante utilizou «documentos que não foram por si elaborados ou produzidos, antes elaborados por uma das contraentes que apresentou proposta ao concurso» (cf. Acórdão recorrido, p. 26) e que «essa concorrente interveio ativamente na preparação dos exatos termos do concurso» (cf. Acórdão recorrido, p.32).

5ª No entanto, na matéria de facto fixada na Sentença da 1ª instância não ficou provado que os documentos em questão tenham sido elaborados em papel timbrado da ora recorrente, pelo que aquilo que o Tribunal fez foi presumir factos - para os considerar provados – a partir de factos não provados, violando, assim, de forma clara o disposto no artigo 349º do Código Civil.

6ª Acresce que, sem prejuízo do exposto, mesmo que as presunções em causa tivessem respeitado o disposto no artigo 349º do Código Civil, as regras processuais não permitiam que o Acórdão recorrido aditasse factos por presunção, tendo o Acórdão recorrido violado o disposto no artigo 662º do CPC e o disposto no artigo 635º, nº 5, do CPC «os efeitos do julgado, na parte não recorrida não podem ser prejudicados pela decisão do recurso».

7ª Nestes termos, submetem-se a Revista as seguintes questões: a) Pode o Tribunal de recurso considerar provados factos por presunção a partir de um facto que não consta da matéria de facto dado como provada na primeira instância? Pode o Tribunal Central Administrativo num recurso em que não foi impugnada a matéria de facto aditar matéria de facto por presunção?
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8ª Note-se que a Recorrente bem sabe que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista» mas que não é isso que está em causa nas questões colocadas: não se pede uma reapreciação da prova nem a sindicância de algum erro nessa apreciação.

9ª O que está em causa é saber se houve violação de normas de direito substantivo e adjetivo pelo Tribunal a quo, ao aditar um facto presumido à causa - o que é matéria de direito, sendo esses fundamentos - a violação da lei substantiva e da lei processual – fundamentos possíveis do Recurso de Revista, conforme o artigo 150º do CPTA.

10ª Relativamente aos pressupostos de admissibilidade da revista, neste trata-se desde logo de questões de Direito de relevância jurídica e social fundamental.

11ª Como enunciado, o que está aqui em causa é, em primeiro lugar, o facto de o Acórdão Recorrido ter aditado factos por presunção em manifesta violação do direito substantivo probatório aplicável, tendo a causa sido decidida com base em factos que não poderiam ter sido dados como assentes.

12ª Ora, as regras em matéria de direito probatório têm obviamente uma enorme relevância jurídica, uma vez que delas depende, a decisão final dos processos. Delas depende que seja ou não feita justiça. E o seu errado uso pode levar a que o Tribunal em vez de fazer Justiça, como lhe compete, tome decisões absolutamente injustas (como foi o caso).

13ª Estas ostensivas violações do Direito levam a que o Tribunal decida com base em factos que não ficaram provados (e que de facto não ocorreram), com consequências gravíssimas para a ora Recorrente e para o Turismo de Portugal.

14ª Estão assim em causa normas fundamentais do nosso ordenamento jurídico que contendem com os mais básicos direitos das partes. Ao recorrer desta forma ilegal a presunções judiciais, o Tribunal a quo a põe em causa os princípios mais básicos do nosso direito substantivo em matéria de prova.

15ª Mas também têm relevância jurídica fundamental, saber se o Tribunal de segunda instância tem o poder de aditar factos por presunção quando a matéria de facto não foi impugnada. Estamos aqui no cerne das regras processuais em matéria de recurso.

16ª Para além disso, o recurso é também necessário para uma melhor aplicação de direito, considerando os clamorosos erros de direito probatório e processual em que incorre.

17ª O Tribunal decide com base numa presunção ignorando o disposto no artigo 439º [deve querer referir-se o art. 349º] do Código Civil e viola também de forma ostensiva o disposto no artigo 662º do CPC e o disposto no artigo 635º, nº 5, do CPC, estando assim em causa violações manifestas da lei substantiva e processual, com consequências graves no desfecho do processo.

18ª Essas violações levam a que se adote uma decisão totalmente ao arrepio da verdade, e do que ficou provado no processo, com consequências muito graves para a ora Recorrente e para o Turismo de Portugal.

19ª A Recorrente coloca ainda a Revista uma segunda questão, ou segundo conjunto de questões, relativos ao erro de julgamento em que o Tribunal incorre ao anular o ato impugnado: é que ainda que o Tribunal não tivesse incorrido em erro de julgamento ao aditar os referidos factos por presunção, teria sempre de concluir que de tais factos não resulta qualquer ilegalidade nem para as peças do procedimento, nem qualquer impedimento à participação da ora Recorrente no mesmo.

20ª No primeiro fundamento da decisão em crise, o Tribunal a quo considera estar em causa uma anomalia que contamina a legalidade de todo o procedimento pré contratual, por pôr em causa a legalidade das peças do procedimento e, consequentemente, a imparcialidade, a isenção e a independência da entidade pública contratante, assim como a igualdade entre concorrentes do mesmo concurso, a confiança, a boa-fé, a sã e leal concorrência, a transparência e a não discriminação. Segundo o Tribunal a quo, o perigo de violação do princípio da imparcialidade administrativa seria suficiente para a invalidação do procedimento.

21ª No segundo fundamento da decisão, o Tribunal recorrido considera que a ora Recorrente estaria impedida de participar no concurso, nos termos do disposto no artigo 55º nº 1, alínea i), do CCP, uma vez que, estando demonstrada a utilização do papel timbrado de um dos concorrentes nas peças do procedimento, ficariam, sem mais, preenchidos os pressupostos da referida causa de impedimento.

22ª Nesta conformidade, a segunda questão submetida a apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo nesta Revista consiste em saber se a participação de um terceiro, interessado em participar no procedimento, na elaboração das peças de um procedimento sujeito ao CCP tem como consequência a ilegalidade das peças em questão e o impedimento desse terceiro de participar no procedimento em causa.

23ª Embora o Tribunal a quo tenha utilizado dois fundamentos de Direito, a questão é essencialmente uma: por um lado, porque a decisão dada às duas vertentes se baseia na proteção do mesmo bem jurídico, isto é, na proteção do princípio da imparcialidade (e dos demais princípios conexos al referidos) na vertente da tutela do mero perigo de atuação parcial; por outro lado, porque a resposta que é dada, nos dois casos, pelo ordenamento jurídico, encontra-se contida no referido artigo 55º, nº 1, alínea i), do CCP.

24ª No entanto, caso o Tribunal entenda que são duas as questões envolvidas, então solicita-se que responda às seguintes questões assim reformuladas: a) É ilegal um programa de procedimento que inclua documentos elaborados por um terceiro interessado em participar no procedimento, desde logo documentos em papel timbrado deste terceiro interessado? b) O autor desses documentos - admitindo-se que participou direta ou indiretamente na elaboração das peças do procedimento - fica impedido de participar no mesmo sem que seja necessário que mais nada fique provado?

25ª A questão (ou questões) colocada preenche os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 150º do CPTA, já que está em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, atenta a sua elevada utilidade jurídica e a elevada capacidade de expansão da controvérsia (critérios utilizados neste contexto pelo STA).

26ª Existindo frequentemente a necessidade de as entidades públicas utilizarem documentos elaborados por terceiros (seja porque a eles tem de recorrer para preparar os procedimentos, seja porque beneficiou dessa contribuição de outras formas indiretas), facilmente se compreende a enorme relevância que teria a impossibilidade de utilizar esses documentos.

27ª Da perspetiva dos possíveis cocontratantes, é o seu direito a participar no procedimento que está em causa, colocando-se, pois, além de um problema de concorrência muito relevante, a questão da delimitação dos direitos dos interessados a participarem no procedimento e acederem a um benefício público. Estamos no cerne das preocupações da contratação pública.

28ª Além disso, a capacidade de expansão do problema reside ainda na circunstância de o problema se poder facilmente colocar sempre que, na fase preparatória do procedimento, a entidade adjudicante auscultar informalmente o mercado ao abrigo da denominada consulta preliminar (artigo 35º-A do CCP), circunstância que a lei reconhece ao permitir esta diligência «sem prejuízo do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 55º».

29ª Por outro lado, a admissão da Revista também se justifica por ser claramente necessária para garantir uma melhor aplicação do direito, já que o Acórdão recorrido incorre num erro evidente, manifesto ou grosseiro ao decidir a questão (ou as questões) atrás enunciada ao arrepio de norma expressa do CCP, mostrando simultaneamente desconhecer toda a jurisprudência do TJUE sobre esta matéria e a evolução do próprio direito português provocada por essa jurisprudência europeia.

30ª A citada norma estabelece que quem tenha participado na preparação e elaboração das peças do procedimento apenas fica impedido se essa participação «[lhe] confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência», segmento da norma que o Tribunal recorrido pura e simplesmente desconsiderou.

31ª Este erro manifesto do Tribunal a quo inquina os dois fundamentos da decisão: por um lado, se a norma consente a participação no procedimento por quem tenha colaborado na preparação das peças do procedimento, é evidente que nenhum dos princípios da contratação pública determina a invalidade das peças; por outro lado, o Tribunal considerou que a Recorrente estava impedida sem que nada tenha ficado provado quanto a uma possível vantagem (que, aliás, nem vinha alegada).

32ª Entrando agora na análise da segunda questão (ou questões) colocada à apreciação deste STA, refira-se, primeiro, que o Tribunal recorrido presume que (i) as peças usadas no procedimento não foram elaboradas ou produzidas pela entidade adjudicante; e que (ii) as peças usadas no procedimento foram elaboradas e produzidas por uma das contraentes que apresentou proposta ao concurso.

33ª Estes factos judicialmente presumidos são ilações que o Tribunal diz extrair do facto de nas peças do procedimento terem sido utilizados documentos com o papel timbrado de uma empresa concorrente ao concurso (cf. Acórdão recorrido, p. 32).

34ª Só que tal facto, de onde o Tribunal a quo diz ter extraído os factos presumidos, não foi provado, nem consta do elenco dos factos provados nos autos, pois sobre o «papel utilizado» nada se provou; só o que a Autora e o Júri do concurso disseram sobre o mesmo (cfr. Factos provados E e F).

35ª O Tribunal a quo ao assentar as suas conclusões de direito em factos presumidos a partir de factos não provados e desconhecidos, viola a lei substantiva, nomeadamente, o disposto no artigo 349.o do Código Civil, que determina que só há possibilidade de «provar» algum facto por presunção quando se parta de um facto conhecido.

36ª Ademais, viola também a lei processual, na medida em que a matéria de facto fixada pelo Tribunal de Primeira Instância não foi impugnada em recurso, e, portanto, não lhe podia ter sido aditado um facto «provado por presunção judicial», sob pena de violação do disposto no artigo 635º, nº 5, do CPC, sobre os efeitos do caso julgado na parte não recorrida da decisão judicial e sob pena de violação do disposto nos artigos 640° e 662º do CPC sobre a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, que determina que a decisão sobre a matéria de facto não pode ser alterada, nem mesmo oficiosamente pelo Tribunal de recurso.

37ª Devendo, assim, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, com base (exclusivamente) nos factos fixados definitivamente pelo tribunal de primeira instância, extraindo as ilações jurídicas que os mesmos suscitem, conclua, como concluiu a primeira instância, que o relatório final do procedimento concursal não é nulo.

38ª Relativamente à segunda questão (ou questões) colocada à apreciação deste STA, o Tribunal a quo considera erradamente que o nosso ordenamento jurídico proíbe procedimentos pré-contratuais que tenham peças de procedimento em papel timbrado, ou elaborados por entidades que se apresentem a concurso, e que proíbe ainda estas entidades de participar no concurso.

39ª O artigo 55º, nº 1, alínea i) esclarece justamente o contrário, ou seja, que é válido um procedimento que contenha documentos elaborados por terceiros interessados e que esses terceiros interessados podem participar no procedimento, desde que isso não represente uma distorção da concorrência.

40ª Inicialmente, a lei não regulava a questão e entendia-se que a participação no procedimento de quem tivesse participado na elaboração das peças violava o princípio da imparcialidade.

41ª No entanto, no Acórdão Fabricom, de 03.05.2005, procs. C-21/03 e C-34/03 (e posteriormente em outros casos paralelos, decididos no mesmo sentido), o TJUE considerou que o Direito europeu se opõe a uma exclusão automática do procedimento adjudicatório nestes termos.

42ª Esta jurisprudência conduziu à alteração do CCP pelo Decreto-lei n° 149/2012, de 12 de julho, que conferiu à norma em causa [então alínea j) do artigo 55º do CCP) a sua atual redação, limitando o impedimento dos interessados aos casos em que a participação prévia «lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência».

43ª O preâmbulo do citado diploma de alteração sublinha o sentido desta intervenção legislativa, que «em linha com a posição do [TJUE]» consistiu em «[admitir] como candidatos ou concorrentes as entidades que tenham prestado, a qualquer título, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento, desde que isso não lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência».

44ª Atualmente, a Diretiva 2014/24/UE (transposta pelo Decreto-lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto) configura este motivo de exclusão nestes termos, exigindo expressamente «uma distorção da concorrência decorrente da participação [...] na preparação do procedimento [...]» [artigo 57°, nº 4, alínea f)].

45ª O artigo 35º-A do CCP consente a interação, na fase preparatória do procedimento, entre a entidade adjudicante e os agentes do mercado e incumbe aquela com a tarefa, no caso de esses agentes virem a participar no procedimento, tomar as medidas adequadas para evitar qualquer distorção da concorrência, confirmando a lei assim, novamente, que essa interação não torna ilegais as pelas do procedimento, não gera automaticamente um impedimento e que o afastamento constitui uma medida de ultima ratio.

46ª Nesta conformidade, é manifesto o erro em que incorre o Tribunal a quo ao considerar que as peças do procedimento são ilegais pelo facto de terem documentos elaborados ou produzidos por terceiros que participam no procedimento, sem que tenha sido feita qualquer averiguação ou prova sobre se aqueles documentos distorcem a concorrência a favor da ora Recorrente, e prescindindo de qualquer averiguação ou consideração em concreto sobre a influência daqueles documentos na igualdade entre os concorrentes.

47ª Ao permitir a participação no procedimento por parte de quem tenha colaborado na preparação das peças (salvo em caso de vantagem falseadora da concorrência), o CCP considera válidas as peças procedimentais elaboradas nestas condições, participe ou não no procedimento adjudicatório o terceiro colaborador.

48ª O Direito não admite hoje que, em nome do mero risco de atuação parcial, a entidade adjudicante seja impedida de recorrer a assessoria de um terceiro interessado (e que este seja impedido de concorrer), sendo antes reconhecida a legitimidade dessa assessoria e da participação no concurso, devendo a entidade adjudicante criar condições para que não haja distorção da concorrência.

49ª Ademais, sempre seria descabido desconsiderar uma regra (artigo 55º, nº 1, alínea a)], que é uma norma que dirige a Administração para um resultado definido, em nome de princípios, que são comandos de intensidade normativa mais branda.

50ª Também quanto ao segundo fundamento considerado pelo Tribunal a quo, é absolutamente manifesto o erro de julgamento em que este incorre ao considerar que a simples participação da ora Recorrente na elaboração das peças do procedimento preenche, «sem mais», os pressupostos do impedimento previsto na alínea i) do nº 1 do artigo 55º do CCP.

51ª O Tribunal a quo pura e simplesmente desconsidera o segmento final da alínea i) do nº 1 do artigo 55°, que limita o impedimento aos casos em que ocorra efetivamente uma vantagem falseadora da concorrência.

52ª Conforme já reconheceu este STA, «[s]ó é possível considerar impedido um candidato ou concorrente se a situação suspeita permitir um juízo positivo de que, por via dela, está constituído numa situação de vantagem relativamente ao universo de concorrentes potenciais que falseie as condições normais da concorrência» (Ac. de 12.03.2015, proc. n.° 1469/14).

53ª O Tribunal a quo incorre assim em manifesto erro de julgamento violando o disposto no artigo 55º, nº 1, alínea i), do CCP devendo por isso o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que conclua que os factos provados não determinam qualquer invalidade do ato impugnado.

54ª A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias de recurso, é devida uma vez que o presente processo é simples e reveste menor complexidade, atendendo à tramitação normal e sem incidentes que se verificou, em todas as instâncias.

55ª A Contrainteressada e as demais partes intervenientes no processo agiram sempre de boa-fé, pautando o seu comportamento pela lisura e colaboração com o tribunal em prol do bom andamento do processo, não tendo sido praticados quaisquer atos inúteis ou dilatórios.

56ª Ademais, a Contrainteressada pagou € 2.652 a título de taxas de justiça, que, no seu entendimento, remuneram adequadamente o serviço de justiça prestado no presente litígio.

57ª Sem dispensa do remanescente em ambas as instâncias de recurso, o valor total a receber pelo Estado por esta ação seria de € 103.697,28, valor que é manifestamente desproporcionado com o serviço de justiça inerente a esta ação que correu sem incidentes, relativamente a uma questão decidenda de dificuldade perfeitamente normal num processo judicial, e que foi decidida apenas com base em prova documental.

58ª A interpretação do artigo 6º nºs 1, 2 e 7, e 7º, nº 2 do RCP, conjugada com o parágrafo seguinte à Tabela I, no sentido de que o montante das taxas de justiça devidas num processo é determinado principalmente em função do valor da ação e não pelo serviço prestado, padece de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos Tribunais consagrado no artigo 20º da CRP, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade.

59ª Também a norma prevista no nº 7, do artigo 6º, do RCP, e da Tabela I a ele anexa, seria inconstitucional, por violação do direito de acesso aos Tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição e do dever de fundamentação previsto no nº 1, do artigo 205°, da Constituição, quando interpretada e aplicada no sentido de a decisão de não dispensa do pagamento da taxa de justiça não carecer de fundamentação nos mesmos termos em que seria devida em caso de dispensa do pagamento da taxa de justiça em causa.

60ª Inconstitucionalidades que se deixam expressamente alegadas».

Termina considerando que «deve o presente recurso ser admitido, e ao mesmo ser concedido provimento com as demais consequências legais; deve ainda ser dispensado o pagamento do montante remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias de recurso ou, subsidiariamente, ser concedida a redução do seu montante».

9. Relativamente a ambos estes recursos, a Autora “B……..”, como Recorrida, apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1502 e segs. SITAF):

«a) Cfr. a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem repetidamente sublinhado, o recurso de Revista constitui um recurso excepcional, uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

b) A relevância social da questão, constitui um pressuposto que tem ínsita a aplicação de preceito ou instituto a que os factos sejam subsumidos e que possa interferir com a tranquilidade, a segurança, ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito; ao passo que a relevância jurídica da questão, afere-se pelo debate doutrinal e jurisprudencial acerca da mesma, que aconselha a prolação reiterada de decisões judiciais em ordem a uma melhor aplicação da justiça.

c) No caso concreto, os Recorrentes não enunciam, objectivando, qual seja a relevância – social ou jurídica – da “questão” que justifica a recorribilidade excepcional do Douto Acórdão recorrido, sendo que, ainda que se tenha em conta que a A……… reconduz a verificação de tais pressupostos à pretensa violação das «regras de direito probatório» das quais extrai a excelsa conclusão segundo a qual «delas depende (…) a decisão final dos processos», a verdade é que o omite o mínimo esforço por demonstrar a existência de debate doutrinal e jurisprudencial sobre a questão.

d) Sendo de resto de esperar que o que ocorreu neste concurso público, em que há a “suspeita” de um dos concorrentes ter elaborado peças concursais, que ostentam o seu timbre, não seja «de se repetir no futuro», torna-se evidente que a “questão”, objectivamente colocada, não ultrapassa os limites do caso concreto.

e) Em suma, o que as Recorrentes (verdadeiramente) invocam, é o prejuízo que o caso concreto lhes causa (perpassando pois uma imagem de hegemonia dos seus interesses aos da ora Recorrida, o que não deixa de siderar qualquer pessoa juridicamente esclarecida…), o que, passe a redundância, não ultrapassa os limites do caso concreto, não legitimando, nem justificando, a recorribilidade excepcional.

f) Por outro lado, a questão sub judicio no douto Acórdão recorrido, não é “complexa atentas as operações que importa para a sua resolução”, ou sequer “uma questão nova, sem antecedentes jurisprudenciais”, antes se reportando ao princípio da transparência da administração no âmbito dos concursos públicos por esta encetados, transparência que, como vem sendo reafirmado por toda a doutrina e jurisprudência conhecida, tem carácter preventivo, resultando enlameado face à existência de documentos concursais com o timbre de um dos (e foram apenas dois…) concorrentes admitidos!

g) O ponto chave dos recursos, quer do Réu, quer da Contra-interessada, é a pretensa falta de demonstração de efectiva violação dos princípios da imparcialidade, da legalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da concorrência, da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação, numa declarada tentativa de olvidar que o princípio da transparência foi erigidos pelo legislador como ferramenta de salvaguarda da legalidade da actuação da administração em sede de direito concursal.

h) As Recorrentes confundem os factos com a subsunção: aquilo de que se impunha prova, não era da violação dos princípios; Era, sim, da existência de circunstâncias, provadas, que ponham em causa esses princípios.

i) A transparência administrativa é “uma forma de garantir, preventivamente, a imparcialidade da actuação da Administração”, não bastando que a esta seja efectivamente imparcial na prossecução do interesse público, sendo antes de mais “necessário que os cidadãos acreditem na efectividade dessa imparcialidade (…).»: Não basta que seja séria; Importa que o pareça!

j) Ou seja, para que exista ilicitude, por violação do princípio da transparência, basta que existam factos que permitam, segundo um juízo de razoabilidade, inferir da suscetibilidade ou perigo de favorecimento, independentemente da verificação efectiva de uma violação ao princípio da imparcialidade.

k) E factos, sobram: não apenas o facto de dois dos anexos ao programa de concurso – anexos VI e VIII – estarem elaborados em papel timbrado da concorrente A…….. (Doc. 2 e 3 juntos com a Petição Inicial), deles constando, em rodapé, o timbre da firma da contra-interessada, a data de elaboração do documento e o número de páginas.

l) A isto, acresce a “justificação” dada pelo Júri do Concurso no Relatório Final de 24/06/2018, (Doc. 4 junto com a P.I.), o qual justificou a situação, declarando que «a circunstância de o documento em causa estar consubstanciado ou fixado num ficheiro Excel faz com que tal inserção em rodapé apenas fica visível na impressão do documento ou gravação em PDF, o formato de submissão de documentos na plataforma electrónica».

m) Tal justificação, manifestamente, não colhe e nem sequer o Tribunal de primeira instância a considerou plausível, decorrendo da sentença que «A este propósito não nos parece que se possa aceitar como razoável o facto de alegadamente a referência à Contra-interessada não estar visível na altura em que os documentos foram elaborados, mas apenas com a impressão do documento ou gravação em “pdf”, pois que tal justificação cai por terra a partir do momento em que os documentos foram submetidos na plataforma electrónica sem que o lapso, agora visível para todos os interessados no procedimento concursal, tivesse sido corrigido por iniciativa da entidade adjudicante, como, aliás, se impunha».

n) Arrazoou ainda o Júri tratar-se «uma inserção automática e não utilizada voluntariamente, no rodapé do documento Excel, nos anexos VI e VIII do programa de concurso” que alegadamente “trata-se de um lapso manifesto que decorre de ter sido utilizado um ficheiro electrónico na posse da entidade adjudicante que foi na sua origem, um ficheiro entregue pela A…….., num contexto de execução de contratos anteriores, e ora utilizado, por economia de meios, transpondo para o presente procedimento os termos e as condições que a entidade adjudicante pretendia ver observados pelos concorrentes interessados”.

o) Tal explicação não permite compreender a razão da utilização desses documentos, notando-se aliás que o documento correspondente ao anexo VI, é um mero quadro, de grande simplicidade, cuja necessidade de aproveitamento “por economia de meios” não constitui explicação verosímil.

p) Acresce que, tratando-se de «Indicações Técnicas para elaboração de Maqueta», não se vislumbra sequer como tal documento, que será sempre um documento integrante da proposta, pode aparecer num «contexto de execução de contratos anteriores»!

q) Mas há, aqui, uma nuance que efectivamente não consta dos factos provados, tendo-se porém tornado entretanto facto público e notório, amplamente divulgado pela comunicação social: há 18 anos (DEZOITO ANOS!) que a A………. “vence” os concursos do Réu Turismo de Portugal:
https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/turismo---lazer/detalhe/turismo-de-portugal-fez-concurso-ilegal-e-viciado-para-dar-negocio-a-mesma-de-sempre

r) De resto, o mínimo que se exigia à Ré era demonstrar cabalmente que tal documento fora apresentado pela Contra-interessada «num contexto de execução de contratos anteriores», exibindo o original, ou ao menos – e nem isso fez – identificar concretamente o concurso em que tal entrega, de um documento relativo a indicações técnicas de apresentação de maquetas que são apresentadas em sede de apresentação de proposta (!), ocorreu!

s) Em suma, se o “aparecimento” do timbre da contrainteressada em documentos que integram o programa do concurso é por si mesma uma circunstância inusitada, a explicação do júri do concurso para o sucedido é esconsa, materialmente esquisita, formalmente inepta ao esclarecimento das dúvidas (fiquemo-nos pelas dúvidas…) que este percalço procedimental suscita a qualquer pessoa judiciosa…

t) Bem andou então o Tribunal a quo em considerar, face a tais inusitados percalços do concurso, a violação, grosseira, do princípio da imparcialidade, da legalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da concorrência, da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação».

Termina considerando que «deverão os recursos ser rejeitados, por inadmissíveis, ou em alternativa, que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, ser o Acórdão recorrido integralmente confirmado».

10. Relativamente ao recurso de revista interposto pela Entidade Demandada “Turismo de Portugal” veio a Contrainteressada “A……….” declarar a sua concordância (cfr. fls. 1526 e segs. SITAF), concluindo que: «A A……… dá assim por reproduzido o teor integral das alegações que apresentou no recurso de revista por si apresentado, e, como decorre dessas alegações, concorda com o teor das alegações apresentadas aqui pelo ora Recorrente Turismo de Portugal, IP».

11. Por acórdão de 16/1/2020 (cfr. fls. 1537 e segs. SITAF), o TCAS apreciou os requerimentos da Entidade Demandada “Turismo de Portugal” e da Contrainteressada "A………" (ambas condenadas em custas) no sentido de serem dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP, ou de, pelo menos, verem reduzido o montante de tal remanescente.

O TCAS deliberou, a este propósito, indeferir o pedido de dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça, por falta dos seus legais pressupostos, mas entendeu deferir o pedido, subsidiariamente formulado, de redução do pagamento do aludido remanescente em 75%, permitindo o pagamento, unicamente, pelas Requerentes, de 25% do valor em questão.

12. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 2/4/2020 (cfr. fls. 1556 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) o TAC/L julgou totalmente improcedente a pretensão deduzida pela A. para, nomeadamente, anular a deliberação do Conselho Diretivo do R., de 25.06.2018, que, no âmbito do concurso público internacional publicitado no DR, IIª Série, nº 69, de 09.04.2018, e no JOUE, de 11.04.2018, procedeu à adjudicação à aqui Contrainteressada do contrato de «aquisição de serviços de concepção, construção, decoração, transporte, montagem, desmontagem, armazenamento, e manutenção de stand, assistência técnica, serviços técnicos e outros serviços indispensáveis à presença em feiras de promoção e formação do Turismo de Portugal, IP», porquanto considerou inverificados os fundamentos de ilegalidade que haviam sido acometidos pela A. ao ato de adjudicação impugnado [mormente, infração ao art. 55°, n° 1, al. i), do CCP, e das cláusulas 17ª, al. c), 21º, al. d) e 22º, nº 2, al. b), do caderno de encargos (CE), do princípio da imparcialidade da Administração (arts. 266º, nº 2, da CRP e 06° do CPA) e do princípio da igualdade, bem como falta de fundamentação (cláusulas 15ª, n° 5, e 17ª, al. e), do CE)] [cfr. fis. 1050/1085].

7. O TCA/S, ao invés, anulou o ato impugnado, já que vista a factualidade e presente o teor dos anexos VI e VII do programa do concurso que considerou como elaborados em papel timbrado da empresa Contrainteressada, entendeu ocorrer infração ao art. 55º, n° 1, al. i), do CCP, e aos princípios da imparcialidade, da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança, da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação entre candidatos/concorrentes, visto a Contrainteressada encontrar-se impedida de participar no concurso.

8. Mostra-se inequívoco que as questões decidendas gozam de relevância jurídica fundamental, assumindo a matéria dos impedimentos no quadro da contratação pública de elevado interesse para a comunidade jurídica e, por repetível, está dotada de capacidade de expansão da controvérsia.

9. Temos, por outro lado, que as questões colocadas revelam-se ser dotadas de complexidade, já que envolvem o cotejo e articulação de variado quadro normativo e principiológico e foi dissonante a solução dada às mesmas pelas instâncias, pelo que tudo conflui para a necessidade de se receberem os recursos de revista interpostos, tanto mais que tais questões colocadas em face da redação que foi dada ao art. 55.° do CCP pelo DL nº 111-B/2017, de 31.08, não mereceram ainda apreciação por parte deste Supremo Tribunal».

13. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer (cfr. fls. 1566 e segs. SITAF), no sentido de ser concedido provimento às revistas, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se a sentença proferida na 1ª instância.

Para tanto ponderou:

«A questão a decidir na presente revista é, pois, a de saber se se encontra preenchido o circunstancialismo exigido no artº 55º nº 1 al. i) do CCP.

Salvo melhor entendimento, cremos que a resposta terá de ser negativa, como defendem os recorrentes.
- 4 – Na verdade, o impedimento previsto no artº 55º nº 1 al. i) do CCP, na sua actual redacção, introduzida pelo DL nº 149/2012, de 12/7, deixou de ter o carácter “automático” que anteriormente resultava de apenas se encontrar prevista a ocorrência que hoje constitui a sua 1ª parte - a mera existência de assessoria ou apoio técnico determinava o impedimento do concorrente.

No seguimento da jurisprudência do TJUE, nomeadamente do acórdão Fabricom, citado pelos recorrentes, o DL nº 149/2012, de 12/7, introduziu a segunda parte da referida norma, referindo-se no preâmbulo deste diploma:
“Destaca-se, por último e em linha com a posição do Tribunal de Justiça da União Europeia, a revisão dos casos de impedimentos, admitindo como candidatos ou concorrentes as entidades que tenham prestado, a qualquer título, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento, desde que isso não lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência” (negrito aditado)

Assim, o referido impedimento só pode considerar-se preenchido se o apoio ou assessoria aí previstos tiverem efectivamente atribuído ao concorrente uma vantagem que falseie as condições normais de concorrência.

Ora, o douto acórdão recorrido concluiu que, provando-se a participação do concorrente na elaboração das peças do procedimento, teria de “consequentemente, dar por demonstrado o âmbito normativo do disposto no artigo 55°, n° 1, i) do CCP (…)”.

- 5 - A nosso ver, e salvo melhor entendimento, a norma em causa não permite uma tal interpretação, antes exigindo que seja feita prova do condicionalismo previsto na sua 2ª parte, que não constitui uma consequência automática do facto previsto na sua 1ª parte.

No caso dos autos a prova produzida permite considerar que ocorreu efectivamente um apoio técnico indirecto por parte da contra-interessada; mas, salvo melhor opinião, tal prova não permite demonstrar que tenha ocorrido uma vantagem violadora do princípio da concorrência.

- 6 – A jurisprudência do STA já se pronunciou sobre situação algo semelhante no acórdão proferido em 12/3/2015, na revista nº 01469/14, referindo-se no respectivo sumário que:
“III - Só perante as circunstâncias concretas do caso se deverá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo fundar-se o juízo neste sentido em mera presunção decorrente daquele melhor conhecimento da obra cujas anomalias e defeitos se pretende corrigir.”

Na fundamentação deste acórdão refere-se ainda que:
“O legislador nacional, porventura sensível a essas críticas doutrinais e a uma certa orientação jurisprudencial que se estava a firmar, veio, através do DL nº 149/2012, de 12 de Julho, aditar o inciso final que actualmente consta da alínea j) do artigo 55º: “que lhes confira vantagem que falseie as condições normais da concorrência”. Este acrescento, que aponta no sentido da quebra do automatismo da aplicação desta alínea. Só é possível considerar impedido um candidato ou concorrente se a situação suspeita permitir um juízo positivo de que, por via dela, está constituído numa situação de vantagem relativamente ao universo de concorrentes potenciais que falseie as condições normais da concorrência. Exigência que, colocando-se para a situação típica expressamente prevista, obriga a um escrutínio ainda mais severo quando no impedimento se pretender fazer caber situações de informação privilegiada lícita não expressamente contempladas. O que justifica a analogia é a necessidade de prevenir, na situação não prevista, os mesmos resultados lesivos para os princípios fundamentais do acesso aos mercados públicos que ditou a previsão legislativa. O ónus da argumentação e prova da ocorrência da lesão ou perigo de lesão para esses bens protegidos é aqui particularmente intenso. (…) Na verdade, o recorrente, além da circunstância de a recorrida ter executado a obra defeituosa e de conhecer as anomalias e defeitos, não descreveu quaisquer outros factos materiais concretos reveladores do dito falseamento, não logrando por isso mesmo fazer a prova do mesmo. Perante isto, não se pode dar como provada a verificação de uma situação de falseamento da concorrência, em virtude da insuficiente alegação, por parte do recorrente, de factos aptos a uma tal prova. Se em tese era possível convocar o artigo 55º, al. j), do CCP, e aplicá-lo ao caso dos autos, ainda que o mesmo não esteja nele expressamente contemplado, a verdade é que não conseguiu demonstrar-se a existência de uma situação de falseamento da concorrência, e só essa demonstração poderia justificar aquela solução. Na verdade, o recorrente, além da circunstância de a recorrida ter executado a obra defeituosa e de conhecer as anomalias e defeitos, não descreveu quaisquer outros factos materiais concretos reveladores do dito falseamento, não logrando por isso mesmo fazer a prova do mesmo. Perante isto, não se pode dar como provada a verificação de uma situação de falseamento da concorrência, em virtude da insuficiente alegação, por parte do recorrente, de factos aptos a uma tal prova. Se em tese era possível convocar o artigo 55.º, al. j), do CCP, e aplicá-lo ao caso dos autos, ainda que o mesmo não esteja nele expressamente contemplado, a verdade é que não conseguiu demonstrar-se a existência de uma situação de falseamento da concorrência, e só essa demonstração poderia justificar aquela solução.”

- 7 – Igual entendimento resulta do recente acórdão do TCA Norte proferido em 28/2/2020, no processo nº 00222/19.0BEVIS, em cujo sumário se consignou o seguinte:
“ I - A alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP não poderá ser percebida tendo em consideração apenas a sua literalidade, ou seja, para se verificar uma situação de impedimento não basta que exista uma qualquer situação de assessoria ou apoio técnico da qual resulte um mero risco de uma atuação desigual, pois é necessário, antes, que seja objeto da devida determinação do seu significado e do modo da sua aplicação, no sentido de se demonstrar a existência de uma concreta situação de desigualdade e posição de melhor valia da proposta do concorrente que assessorou ou prestou apoio na elaboração das peças do procedimento que compõem esse mesmo procedimento ao qual concorreu ou pretende concorrer;
I.1 - a perceção da alínea i), nº 1 do art.º 55º como uma proibição absoluta sem possibilidade de ponderação casuística restringiria o campo de obtenção de colaboração para as entidades adjudicantes dela necessitadas;”

- 8 – Assim, salvo melhor opinião, cremos que a questão decidenda deverá ser resolvida nos termos que foram adoptados pela sentença proferida em 1ª instância e pelos fundamentos aí expostos, uma vez que não se mostram preenchidos os pressupostos legais do impedimento previsto no artº 55º nº 1 al. i) do CCP».

14. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, mas com prévia divulgação do projeto do acórdão pelos Srs. Juízes Adjuntos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*
II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

15. Constitui objeto dos presentes recursos de revista, saber se o Ac.TCAS recorrido procedeu a um correto julgamento dos recursos de apelação interpostos, em face dos erros de julgamento que lhe são apontados, nos presentes recursos de revista, pelos ora Recorrentes. Assim,

1) Relativamente ao recurso de revista interposto pela Entidade Demandada “Turismo de Portugal”:

a) saber se a existência da referência à firma da Contrainteressada, inserida no rodapé dos Anexos VI e VIII do Programa do Concurso, permite concluir pela sua participação na elaboração dos mesmos e pela violação dos princípios da imparcialidade, da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança e da transparência.

b) saber se o mero perigo ou a ameaça de violação dos princípios da imparcialidade e da transparência são suficientes para determinar a invalidação do ato de adjudicação no procedimento concursal.

c) apreciar se a presunção judicial laborada pelo Tribunal a quo de que a Contrainteressada participou na elaboração daqueles anexos, sem que seja demonstrada a situação de vantagem que para aquela resulta dessa suposta participação, constitui impedimento de participação no concurso como concorrente por aplicação do impedimento previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea i) do Código dos Contratos Públicos.

Este Recorrente requer, também, que seja deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.

Requer, ainda, que este Supremo Tribunal determine o levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado.

2) Relativamente ao recurso de revista interposto pela Contrainteressada “A………”:

a) saber se pode o Tribunal de recurso (de apelação) considerar provados factos por presunção a partir de um facto que não consta da matéria de facto dado como provada na primeira instância; e saber se pode o TCA num recurso em que não foi impugnada a matéria de facto aditar matéria de facto por presunção.

b) saber se a participação de um terceiro, interessado em participar no procedimento, na elaboração das peças de um procedimento sujeito ao CCP tem como consequência a ilegalidade das peças em questão e o impedimento desse terceiro de participar no procedimento em causa.

c) saber se é ilegal um programa de procedimento que inclua documentos elaborados por um terceiro interessado em participar no procedimento, desde logo documentos em papel timbrado deste terceiro interessado;

d) saber se o autor desses documentos - admitindo-se que participou direta ou indiretamente na elaboração das peças do procedimento - fica impedido de participar no mesmo sem que seja necessário que mais nada fique provado.

Esta Recorrente requer, também, que seja deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, nas duas instâncias de recurso, ou, subsidiariamente, que seja deferida a sua redução.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

16. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

"A.
O anúncio de abertura do concurso público internacional para celebração de um contrato de aquisição de serviços de concepção, construção, decoração, transporte, montagem, desmontagem, armazenamento, e manutenção de stand, assistência técnica, serviços técnicos e outros serviços indispensáveis à presença em feiras de promoção e formação do Turismo de Portugal, IP foi publicado no Diário da República, 2ª Série, n° 69, de 9 de Abril de 2018 e no Jornal Oficial da União Europeia de S070-155139 de 11.04.2018 - cfr. Partes V e VI do PA.
B.
O preço base é de 3.233.175,00 Euros (três milhões duzentos e trinta e três mil cento e setenta e cinco euros) valor a que acresce o IVA à taxa legal em vigor - cfr. cláusula 40ª do Caderno de Encargos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
C.
O critério de adjudicação fixado foi o da proposta economicamente mais vantajosa - cfr. art. 24° do Programa de Concurso.
D.
Apresentaram-se a concurso duas concorrentes, a "B……….., LDA" (ora Autora) e a "A……………., SA" (ora Contra-interessada), tendo apenas sido admitida a proposta desta última - cfr. Partes VIII e IX (propostas) e Parte X (relatório preliminar) do PA, cujo teor se considera integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
E.
Em 30.05.2018, a ora Autora pronunciou-se, em sede de audiência prévia, arguindo, entre o mais, que dois dos anexos ao programa de concurso (anexos VI e VIII) foram elaborados em papel timbrado da concorrente " A………" e requerendo que o relatório preliminar seja desconsiderado e a exclusão dessa concorrente - cfr. Parte XII do PA.
F.
Em 25.06.2018 foi elaborado o relatório final onde, na ponderação sobre a pronúncia apresentada pela ora Autora, se pode ler o seguinte:
"1. Na sua pronúncia, o concorrente B………., Lda., alega que pelo menos dois dos anexos ao Programa do Concurso (anexos VI e VIII) foram elaborados pelo concorrente A……….., S.A., e mesmo elaboradas em papel timbrado da A……….
Efectivamente não se trata de papel timbrado, mas de uma inserção automática e não utilizada voluntariamente, no rodapé do documento excel nos anexos VI e VIII ao Programa do Concurso identificados. Tal referência trata-se de um lapso manifesto, que decorre da circunstância de ter sido utilizado um ficheiro eletrónico na posse da entidade adjudicante que foi na sua origem, um ficheiro entregue pela A…….., num contexto de execução de contratos anteriores, e ora utilizado, por economia de meios, transpondo para o presente procedimento os termos e as condições que a entidade adjudicante pretendia ver observados pelos concorrentes interessados em apresentar propostas ao mesmo, e no qual, por lapso não foi retirada aquela referência.
Acresce que, a circunstância de o documento em causa estar consubstanciado ou fixado num ficheiro Excel faz com que tal inserção em rodapé apenas fica visível na impressão do documento ou gravação em pdf, o formato de submissão dos documentos na plataforma electrónica.
Tal lapso não tem assim qualquer relevância, nem representa qualquer implicação ao nível dos vícios que o concorrente pretende assacar ao relatório preliminar, nem significa que tais anexos tenham sido elaborados pelo concorrente A…… no âmbito do procedimento concursal em apreço.
Com efeito, o concorrente A………, S.A., não prestou qualquer assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças concursais e anexos, não se encontrando por isso, sequer em abstracto, em situação de impedimento ao abrigo do CCP.
Deste modo, no caso em apreço não se verificou qualquer situação de desvio de poder, nem violação dos princípios da concorrência, da igualdade, da não descriminação, da transparência e da boa-fé.
De qualquer modo, há que salientar que o próprio legislador no âmbito do CCP não proíbe sem mais a prestação de assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento ou dos seus anexos - o que se reitera, não sucedeu no caso em apreço - só proíbe, configurando tal situação como o impedimento previsto no artigo 55.°, n.°1, alínea i) do CCP, quando se demonstre que tal participação resulta numa vantagem para o concorrente que seja suscetível de viciar as condições normais de concorrência. Só nestas situações é que existe uma violação dos princípios da concorrência, da igualdade, da não discriminação, da transparência e da boa fé; já não existirá sempre que da participação, em termos de assessoria ou apoio técnico, na elaboração das peças do procedimento não resulte tal vantagem para o concorrente.
No caso em apreço, também nada impede que a entidade adjudicante, aquando da elaboração das peças do procedimento e dos seus anexos, tenha recorrido, por economia de meios, a documentos já existentes, resultantes da execução de contratos anteriores, ainda que formulados originariamente, por entidade ora concorrente, e que foram adaptados às condições que a mesma entidade adjudicante está disposta a contratar os serviços objeto do presente procedimento, que foi o que efetivamente se verificou.
Tratou-se assim de um lapso, que se afigura seria facilmente percetível por qualquer interveniente medianamente conhecedor do conteúdo dos serviços a prestar, dado o carácter avulso e isolado desses documentos no conjunto das exigências estabelecidas. Neste sentido e conforme fica demonstrado não se verifica nenhum dos alegados vícios, nem nenhuma situação de vantagem para o concorrente A……….
Improcede, portanto, o alegado pelo concorrente nos pontos 1 a 5 da sua pronúncia.
Acresce que, no que respeita à intenção demonstrada da concorrente de dar conhecimento das circunstâncias referidas às autoridades que entende competentes, cumpre apenas informar, que não se verifica nenhum dos alegados vícios nem "circunstâncias estranhas", mas apenas um lapso já claramente explicado, pelo que naturalmente tal intenção ficará sujeita às consequências legais que resultam da apresentação de uma denúncia que se demonstre não ter fundamento.
2. Na sua pronúncia, o concorrente B………, Lda., alega falta de fundamentação e enumeração dos pressupostos da conclusão expressa no ponto VII alínea 7 do relatório preliminar, que resulta na proposta de exclusão do concorrente pelo incumprimento do requisito mínimo "Grau tecnológico do stand".
Verifica-se de facto, o não cumprimento, em ambas as maquetes apresentadas pelo concorrente, do requisito mínimo fixado no n° 5 da Cláusula 15ª do Caderno de Encargos que determina como requisito mínimo do grau tecnológico do stand a ocupação de 10% da superfície visível ao público (piso e paredes) com elementos que recorram a meios tecnológicos para informação.
A este propósito, sublinhe-se que apesar de não estar evidenciado na proposta do concorrente os valores referentes à avaliação dos parâmetros base, o júri aferiu das maquetes e memória descritiva apresentadas que a superfície visível ao público com meios que recorram a meios tecnológicos para informação, comunicação, apresentação e difusão de conteúdos consistem dos seguintes suportes:
- Touchscreen modulo ativação "2 em 1" fotos+quizz= 42" = 0,85x0,60=0,5 m2
- Led Wall 3000x2000 embutido na parede para os 7 modulos destino regional- 6m2
- Led Wall 3000x2000 embutido modulo destino portugal- 6m2
- Led Wall 3000x2000 embutido modulo destino escolas - 6m2
- LCD sobre os painéis Modulo prove Portugal - não é indicada medida do equipamento nas peças.
De tais equipamentos resultam 12,50 m2 na maquete de promoção e de 6,50m2 na maquete de formação de superfície com "meios que recorram a meios tecnológicos", ou seja 2,11% e 2,50%, respectivamente, de percentagem de superfície visível ao público, logo inferior ao mínimo de 10% exigido no n. ° 5 da Cláusula 15ª do Caderno de Encargos, que determina como requisito mínimo do grau tecnológico do stand a ocupação de 10% da superfície visível ao público (piso e paredes) com elementos que recorram a meios tecnológicos para informação.
Acresce esclarecer que o júri não considerou como recurso a meios tecnológicos caixas de luz/imagens retroiluminadas; sendo que no que respeita às fitas led 18 referidas na proposta "em todo o perímetro do stand.../luz verde e vermelho meramente ilustrativa" e projecção laser "a incidir sobre as suspensões recreando o conceito gráfico", não são mensuráveis nem conclusivas para efeitos de avaliação deste parâmetro base que contabiliza a percentagem de superfície visível ao público.
Quanto à alegada falta de fundamentação do relatório preliminar sobre esta matéria, não pode deixar de se referir que os fundamentos que determinaram a proposta de exclusão da proposta do concorrente já constavam do mesmo documento, de tal forma que o concorrente ficou habilitado a pronunciar-se sobre tal ponto, o que efetivamente fez em sede de pronúncia, pelo que se afigura improcedente a falta de fundamentação alegada.
Improcede, portanto, o alegado pelo concorrente nos pontos 6 a 12 da sua pronúncia.
3. Na sua pronúncia, o concorrente B………., Lda., alega a falta de fundamentação relativamente ao ponto VII alínea 3 do relatório preliminar, onde se refere o incumprimento do requisito identificado na alínea e) da Cláusula 17ª do Caderno de Encargos i.e. "Equipamento multimédia para apresentação de conteúdos sobre a oferta turística".
Ora, a referida Cláusula do Caderno de Encargos especifica os requisitos do Módulo regional em sete alíneas; Por outro lado, no anexo VI ao Programa do Concurso "Indicações técnicas para a elaboração da maquete e respetivos alçados e plantas" - feiras de promoção" é, indicado o número de 7 módulos regionais para composição da maquete que consubstancia a " I proposta do concorrente.
Verifica-se, pois na "maquete promoção" da proposta apresentada pelo concorrente, que a alínea e) Equipamento multimédia para apresentação de conteúdos sobre a oferto turística foi entendida como se de um requisito comum se tratasse, ignorando o número total de módulos regionais inscritos na maquete.
Já os requisitos expressos nas alíneas a), b), d), h), i) e j) da Cláusula 17ª, foram aplicados em conformidade aos sete módulos regionais presentes na maquete promoção da proposta apresentada pelo concorrente.
Quanto às alíneas f) "Posto de internet com acesso em banda larga e Wi-Fi" e g) "Ligação elétrica" da mesma clausula 17ª, são objecto no ponto VI.1 alínea 4) do relatório preliminar. Verifica-se que toda a proposta apresentada pela B……….., Lda., é omissa quanto à existência de pontos de internet, wi-fi ou ligações eléctricas.
Relembra-se a ausência de pedidos de esclarecimento durante o período previsto para a apresentação de propostas.
Improcede, portanto, o alegado pelo concorrente nos pontos 13 a 16 da sua pronúncia.
4. Na sua pronúncia, o concorrente B………., Lda., alega que a proposta do concorrente A………. não prevê acesso à internet no previsto nas cláusulas 21ª alínea d) e 22ª alínea b) do Caderno de Encargos, nas quais se definem respectivamente o "Módulo de ativação de Fotos" e o "Módulo de ativação de Quizz".
Ora tal requisito é na verdade referido na página 11 da memória descritiva da proposta do concorrente A………., onde se pode ler: "Acesso à internet em banda larga e wi-fi, e ligações eléctricas necessárias ao correcto funcionamento da ativação". Relativamente aos restantes módulos, estes requisitos surgem inscritos nas maquetes.
Improcede, portanto, o alegado pelo concorrente nos pontos 17 a 19 da sua pronúncia.
5. Na sua pronúncia, o concorrente B………., Lda., alega que a proposta do concorrente A……… apresenta na maquete de promoção "um total de 8 mesas de apoio e 2 BANCOS por cada mesa", supostamente contrariando a alínea c) da cláusula 17ª do Caderno de Encargos que se transcreve "Zona de reuniões com mesa e cadeiras, num mínimo de 3 e máximo no máximo 6".
Repete-se pois a falta de entendimento do conjunto de requisitos do Módulo regional, identificados na referida cláusula e suas sete alíneas; Por outro lado, no "anexo VI ao Programa do Concurso - indicações maquete promoção" é indicado o número de 7 módulos regionais para composição da maquete que consubstancia a proposta do concorrente. Aos 7 módulos regionais que se pedem para configurar na maquete, correspondem efectivamente 7 mesas de reunião. A oitava mesa que o concorrente B………. refere existir na maquete de promoção da proposta do concorrente A………., constitui parte do módulo Destino Portugal localizado ali perto.
Quanto à opção por bancos revestidos de cortiça, foi uma solução aceite pelo júri por corresponder ao conceito de imagem descrito na cláusula 10ª do Caderno de Encargos, nomeadamente na redacção da alínea j) que se passa a transcrever: "O stand deve utilizar materiais e elementos estéticos inequivocamente associados a Portugal, como sejam a cortiça ou a azulejaria".
Acresce que os ditos 2 bancos de cortiça apresentados para cada mesa de reuniões, considerando as dimensões apresentadas à escala, afiguram-se suficientes para sentar 3 a 6 pessoas como objectivamente se pretende.
Improcede, portanto, o alegado pelo concorrente nos pontos 20 a 22 da sua pronúncia.
6. Na sua pronúncia, o concorrente B………, Lda., alega também que a possibilidade de variantes não está vedada pelo caderno de encargos pelo que deveria ser aceite a proposta "2 em 1" que apresenta como alternativa à existência de um "Módulo de Ativação Fotos" e um "Modulo Ativação Quizz" cuja descrição e atributos constam respectivamente nas Cláusulas 21ª e 22ª do Caderno de Encargos.
Sobre tal alegação, o júri recorda desde logo o artigo 20° do Programa do Concurso que indica expressamente: "Não é admissível a apresentação de propostas variantes." Por outro lado, tanto o "Anexo VI ao Programa do Concurso – Indicações técnicas para a elaboração da maquete e respetivos alçados e planta feiras de promoção" como o "Anexo VIII ao Programa do Concurso indicações técnicas para a elaboração da maquete formação e respetivos alçados e planta", são claros nas indicações para elaboração das maquetes e respectivos alçado e planta, indicando 1 módulo ativação quizz + 1 modulo ativação fotos em cada uma das maquetes pedidas para apresentação de proposta.
E por último, em termos de funcionamento do stand, dois pontos/dois módulos de entretenimento e afluência de público visitante, não podem ser considerados o mesmo que apenas um.
Assim, improcede o alegado pelo concorrente quando afirma que os aspetos definidos nas Cláusulas 21ª "Módulo de ativação fotos" e 22ª "Módulo ativação quizz" não impede a apresentação de uma proposta "2 em 1" como a que foi apresentado pelo concorrente, pois tal proposta nos moldes em que foi apresentada não cumpre com os atributos previstos de modo expresso nas peças concursais.
No que respeita à alegada falta de fundamentação, essa desconformidade da proposta apresentada com os atributos constantes das Cláusulas 21ª e 22ª do Caderno de Encargos resulta já amplamente demonstrada e fundamentada no relatório preliminar, pelo que o concorrente está habilitado a pronunciar-se sobre a mesma como veio a fazer na sua pronúncia, improcedendo a alegada falta de fundamentação do relatório preliminar.
Improcede, portanto, também aqui, o alegado pelo concorrente nos pontos 23 a 30 da sua pronúncia.
7. Na sua pronúncia, o concorrente B………., Lda., alega ainda que o incumprimento referido no ponto VI] alínea 1) do relatório preliminar, referente aos "bancos altos" descritos como mobiliário da proposta apresentada (e em ambas as maquetes e memória descritiva também), se tratou apenas de um lapso na redação da proposta e que se trata de facto, de bancos reguláveis em altura conforme alínea b) das Cláusulas 16ª, 17ª e 19ª do Caderno de Encargos.
Assim, o concorrente confirma o entendimento do júri expresso no ponto VI.1 alínea 1) do relatório preliminar, que entre outras causas determinou a exclusão da proposta. Alega ainda o concorrente que se trata de um lapso. Sucede que tal lapso, ainda que pudesse ser considerado isoladamente e pudesse vir a ser relevado pelo júri, não produziria qualquer efeito ou alteração em sede de admissão da proposta apresentado, atento o conjunto de incumprimentos verificados na proposta apresentada que determinam a sua necessária exclusão.
Assim, não pode deixar de improceder, por irrelevante, o alegado pelo concorrente nos pontos 31 e 32 da pronúncia apresentada.
8. Nos pontos 33 a 37 o concorrente retoma as alegações visadas nos pontos 13 a 16 sobre a Cláusula 17ª do Caderno de Encargos, e que se encontram refutados no ponto 3 do presente relatório final.
Reforça portanto o concorrente, a falta de fundamento para o incumprimento assinalado na alínea 2) do ponto VI.1 do relatório preliminar, que diz respeito à insuficiência numérica de conjuntos de mesa de reuniões/cadeiras na maquete de promoção apresentada na proposta, face à representação de 7 módulos regionais definidos no "anexo VI ao Programa do Concurso - indicações maquete promoção".
Ora como se referiu no ponto 3 deste relatório, a Cláusula 17ª do Caderno de Encargos descrimina os requisitos do Módulo regional em sete alíneas, das quais o concorrente, seja de forma intencional ou não intencional, o que para o resultado final se torna irrelevante, subestimou, desvalorizou ou ignorou, dois dos requisitos, a saber:
"c) Zona de reuniões com mesa e cadeiras, num mínimo de 3 e máximo no máximo 6;
e) quanto aos equipamento multimédia para apresentação de conteúdos sobre a oferta turística;"
Já os requisitos expressos nas alíneas a), b), d), h), i) e j) da mesma cláusula foram aplicados em conformidade a cada um dos sete módulos regionais presentes na maquete promoção da proposta apresentada pelo concorrente.
Improcede assim, face ao que antecede, o alegado pelo concorrente nos pontos 33 a 38 da sua pronúncia.
9. Por último, nos pontos 39 a 42, o concorrente alega que "a apresentação de uma proposta que prevê o fornecimento de equipamentos "a mais", relativamente aos previstos no caderno de encargos não legitima nem permite a respectiva exclusão" contrariando o ponto VI.1 alínea 6) do relatório preliminar que visa a integração de um modulo de reuniões na maquete de formação quando tal não consta do anexo VIII do Programa do Concurso e conforme artigo 5° alínea h) "Indicações relativas à elaboração de maquete para Feira de Formação".
Neste contexto, confirma o concorrente que a "Maquete digital para feiras de formação" apresentada não respeita os atributos elencados no anexo VIII ao Programa do Concurso e "Indicações relativas à elaboração de maquete para Feira de Formação", incluindo um "módulo Sala de reuniões" não listado no citado anexo, entendendo tal como uma vantagem.
Sucede que tal entendimento desconsidera que a inclusão de uma sala de reuniões com aprox. 20m2 nas feiras de formação indicadas no anexo I ao Programa do Concurso (Futuralia e Qualifica), por sua própria e livre iniciativa, para além de poder constituir desde logo uma alteração dos termos e condições apresentados, representa uma interferência ou alteração do modus operandi e do modus agendi da entidade adjudicante, que, pela sua natureza, missão e atribuições, possui um vasto e experiente historial de participação em feiras e exposições.
Para mais, a introdução de um "novo equipamento", consubstanciado num "Módulo sala de reuniões", não previsto ou solicitado pela entidade adjudicante nas peças concursais, pode conflituar e/ou não estar em conformidade com o conceito e a estratégia de atuação e de comunicação da entidade adjudicante em feiras, cujas opções só a ela e apenas a ela compete determinar.
Neste sentido, face ao que antecede, também aqui improcede o alegado pelo concorrente nos pontos 39 a 42 da sua pronúncia." - cfr. Parte XIII do PA.
G.
Após analisada a pronúncia apresentada pela ora Autora, o júri do concurso concluiu no relatório final ser de "manter o teor e as conclusões do Relatório Preliminar, designadamente para efeitos de adjudicação sobre a proposta apresentada pelo concorrente A…………. SA única proposta admitida nos termos acima descritos, pelo valor global de 3.229.990,00€ a que acresce IVA à taxa legal" - cfr. Parte XIII do PA.
H.
Em 25.06.2018 o Conselho Directivo do TP, IP deliberou a:
"a) aprovação do Relatório Final do Júri e, consequentemente, todas as propostas nele contidas, nomeadamente a de adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente A…………., SA para aquisição de serviços relativos à presença do Turismo de Portugal em feiras (promoção e formação), aos preços constantes da proposta, não podendo, em caso algum, ultrapassar o montante total de 3.229.990,00 € (três milhões duzentos e vinte e nove mil novecentos e noventa euros), a que acresce o IVA à taxa legal em vigor.
b) aprovação da respetiva minuta do contrato." - cfr. Parte XIII do PA.
I.
Em 10.07.2018 foi celebrado entre o TP, IP e a empresa "A…………" o contrato referente aos serviços de concepção, construção, decoração, transporte, montagem, assistência técnica, serviços técnicos e outros indispensáveis à utilização em cada feira, desmontagem, armazenamento e manutenção de stand para participação do TP, IP em feiras de turismo e de formação a vigorar até 31.12.2020 após notificação à empresa da concessão do visto do Tribunal de Contas em sede de fiscalização prévia - cfr. Parte XIV do PA, cujo teor se considera integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
J.
Em 16.07.2018 foi publicado no portal "base contratos públicos online" a celebração daquele contrato - cfr. Parte XVI do PA, cujo teor se considera integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

*

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

17. Uma vez que as questões suscitadas nos respetivos recursos de revista pelas ora Recorrentes “Turismo de Portugal” e “A………” são praticamente coincidentes e sobreponíveis, trataremos das mesmas em conjunto.

1) A questão da estabilização da matéria de facto e do, alegadamente, errado julgamento a este propósito efetuado pelo Ac.TCAS recorrido.

18. Como vimos, as Recorrentes alegam que o Ac.TCAS recorrido julgou mal ao ter modificado a matéria de facto dada como provada pela sentença da 1ª instância, uma vez que não houve impugnação daquela sentença no que toca à matéria de facto.

A Recorrente/Entidade Demandada “Turismo de Portugal” defende que o Ac.TCAS incorreu em manifesto erro de julgamento ao não ter considerado a existência de mero lapso ocorrido quanto à referência da firma da Contrainteressada no rodapé dos anexos VI e VII do Programa do Concurso e, ao invés, sem qualquer fundamentação razoável, entender ter existido participação daquela Contrainteressada na elaboração dos anexos, assim contrariando não apenas a justificação por si oferecida como o entendimento já manifestado pelo tribunal de 1ª instância.

Por seu lado, a Recorrente/Contrainteressada “A……..” alega que o Ac.TCAS recorrido violou ostensivamente regras substantivas de direito probatório em matéria de presunções e regras de direito processual relativamente ao aditamento de factos por presunção quando não foi impugnada a matéria de facto. É que, por um lado, segundo refere, considerou provado que os documentos em causa forma elaborados em papel timbrado da “A………” para retirar as ilações de que a entidade adjudicante utilizou “documentos que não foram por si elaborados ou produzidos, antes elaborados por uma das contraentes que apresentou proposta ao concurso” e que “essa concorrente interveio ativamente na preparação dos exatos termos do concurso” – sendo certo que na matéria de facto fixada na 1ª instância não ficou provado que “os documentos em questão tenham sido elaborados em papel timbrado da ora recorrente”, pois que “sobre o papel utilizado nada se provou, só o que a Autora e o Júri do concurso disseram sobre o mesmo (cfr. factos provados E e F)”, pelo que o TCAS presumiu factos – para os considerar provados – a partir de factos não provados, violando, assim, de forma clara o disposto no art. 349º do Código Civil; por outro lado, segundo também refere, mesmo que as presunções em causa tivessem respeitado o disposto no art. 349º do Código Civil, as regras processuais não permitiam ao TCAS aditar factos por presunção, pelo que violou, assim, o disposto nos arts. 640º, 662º e 635º nº 5 do CPC («os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso»).

19. Consta dos referidos pontos E e F do probatório, como provado, respetivamente, que a Autora “B………”, na sua pronúncia sobre o relatório preliminar, em sede de audiência prévia, arguiu, “entre o mais, que dois dos anexos ao programa do concurso (anexos VI e VIII) foram elaborados em papel timbrado da concorrente A……..”; e que, no relatório final, o Júri do Concurso referiu, a este propósito, que “Efetivamente não se trata de papel timbrado, mas de uma inserção automática e não utilizada voluntariamente, no rodapé do documento excel nos anexos VI e VIII ao Programa do Concurso identificados”.

O Ac.TCAS recorrido expressou: “Conforme se extrai do probatório e as partes estão de acordo, os anexos VI e VII [deve querer dizer “VI e VIII”] do Programa do concurso em causa nos autos foram elaborados em papel timbrado da empresa A………., concorrente ao concurso. Embora a Entidade Demandada e ora Recorrida se esforce por justificar essa circunstância, invocando que “não se trata de papel timbrado, mas de uma inserção automática e não utilizada voluntariamente, no rodapé do documento excel nos anexos VI e VIII ao Programa do Concurso identificados (…) tais explicações não colhem, por não servirem a justificar a atuação ocorrida, nem permitirem afastar a fundada dúvida sobre a atuação imparcial, reta e isenta da Administração (…)”.

Ora, na verdade, no sentido alegado pela Recorrente “A……….”, já a sentença da 1ª instância tinha referido que “tal circunstância, embora, em rigor, não se traduza – ao contrário do que entende a Autora – na utilização do timbre da concorrente “A………” mas antes na utilização de um “template” de um ficheiro electrónico fornecido pela ora Contrainteressada no âmbito da execução de contratos anteriores (…)” (sublinhado nosso).

Daqui que a Recorrente terá alguma razão quando sustenta a sua primeira crítica ao Ac.TCAS recorrido no sentido de que o mesmo fundamentou presunção judicial (sobre a autoria da “A………”) num facto que não resulta, em absoluto rigor, comprovado nos autos: o facto de que os aludidos Anexos VI e VIII “foram elaborados em papel timbrado da A………”.

E é certo que um facto novo desconhecido (presumido) extraído de um facto supostamente conhecido (facto base) mas que não ficou comprovado, viola, como é óbvio, o disposto no art. 349º do Código Civil.

Isto dito, entendemos, no entanto, que, no caso, esta crítica apontada ao Ac.TCAS recorrido não deve ter a consequência que as Recorrentes lhe querem emprestar.

É que, se bem se reparar, ainda que, em rigor, não tenha ficado comprovado que os ditos Anexos tenham sido elaborados em papel timbrado da “A……….”, o certo é que se o não foi – e parece não ter sido, como resulta dos factos provados “E” e “F”, e como expressado pela Entidade Demandada, pela Contrainteressada e pela sentença da 1ª instância –, terão sido elaborados com a utilização de um “template” de um ficheiro eletrónico fornecido pela Contrainteressada.

Ora, segundo nos parece, as ilações de que “a Entidade Pública contratante utilizou como peças do procedimento documentos que não foram por si elaborados ou produzidos, antes elaborados por uma das concorrentes que apresentou proposta ao concurso” e que “essa concorrente interveio ativamente na preparação dos exatos termos do concurso” tanto poderiam ser retiradas pelo Ac.TCAS recorrido do facto base de que os Anexos foram elaborados em papel timbrado da “A…….” como do facto base de que os mesmos foram elaborados com a utilização de um “template” de um ficheiro eletrónico fornecido pela Contrainteressada.

E isto mesmo resulta do próprio Ac.TCAS recorrido quando, após referir que a Entidade Demanda invoca não se tratar de papel timbrado mas de uma inserção de um “template”, admite que “tais explicações não colhem, por não servirem a justificar a atuação ocorrida, nem permitirem afastar a fundada dúvida sobre a atuação imparcial, reta e isenta da Administração”. Mais acrescentando adiante que “Assim, o que se impunha é que constatada a utilização ou elaboração indevida de documentos com recurso a elementos fornecidos por terceiros, neste caso por uma das candidatas que apresentou proposta ao concurso (…), a Administração reconhecesse o seu erro e anulasse o concurso (…)”. (sublinhado nosso)

Assim, o que se extrai é que o Ac.TCAS entendeu que, de uma maneira ou de outra (isto é, partindo de facto base de papel timbrado da Contrainteressada ou de facto base da inserção de um “template” fornecido pela mesma), se estaria, sempre, perante a “utilização ou elaboração (indevida) de documentos com recurso a elementos fornecidos (…) por uma das candidatas que apresentou proposta ao concurso”.

Entendemos, pois, que não ocorreu, no caso, por parte do Ac.TCAS recorrido, a apontada violação ao disposto no art. 349º do Código Civil.

20. Questão diferente, também colocada pelas Recorrentes, é a de saber se, mesmo que as presunções em causa tivessem respeitado o disposto no artigo 349º do Código Civil, poderia o TCAS, num recurso em que não foi impugnada a matéria de facto, aditar matéria de facto por presunção, atento o disposto nos arts. 640º, 662º e 635º nº 5 do CPC («os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso»).

Na verdade, não houve impugnação da matéria de facto fixada pela sentença de 1ª instância, como o próprio Ac.TCAS recorrido expressamente referiu: “Com base nos factos demonstrados em juízo, em relação aos quais não existe qualquer controvérsia entre as partes, assim como não existir a impugnação do julgamento da matéria de facto em qualquer dos recursos jurisdicionais apresentados (…)”.

Não obstante – e contrariamente ao alegado pela Recorrentes – o tribunal de apelação não está impedido, dentro de certos limites, de extrair factos novos, a partir dos factos dados como provados, por recurso a presunção judicial, mesmo oficiosamente, ainda que inexistindo impugnação da matéria de facto – tal como lhe permite (diríamos, impõe) o disposto no art. 607º nº 4, parte final, por remissão do art. 663º nº 2 do CPC.

E as limitações são as seguintes: não havendo impugnação da matéria de facto, com o cumprimento dos inerentes ónus por parte do impugnante, o tribunal de apelação não pode, designadamente através de presunções judiciais, alterar os factos dados como provados ou dar como provados factos novos que entrem em contradição com os factos fixados. Tal só lhe é permitido na sequência de impulso recursório das partes relativamente à matéria de facto em causa.

Mas pode, independentemente deste impulso ou iniciativa recursória das partes, extrair factos novos, por presunção judicial, que, não contrariando ou entrando em contradição com os factos dados como provados, consistam em desenvolvimento dos factos provados, tendo em vista a resolução das pertinentes questões de direito a resolver.

Como este STA já julgou, em Acórdão de 20/2/2014 (0979/13), em recurso em que não se impugnara a matéria de facto (e em que se invoca jurisprudência do STJ):
«A nosso ver, e de acordo com o entendimento exposto, em recurso de apelação o TCA Norte podia, efectivamente, fazer uso de presunções naturais para desenvolver os factos concretos dados como provados. Podia usar presunções naturais para melhor resolver questões de direito que devesse apreciar. Mas não podia, fora dos casos em que o [então vigente] art. 712º, 1 do CPC permite a modificação da matéria de facto, alterar as respostas aos quesitos ou admitir (presumir) factos em contradição com tais respostas. Poderia, é certo, modificar a resposta ao quesito 4º ouvindo a gravação dos depoimentos, que o Colectivo desvalorizou, tendo em conta nessa avaliação da prova as presunções naturais que julgasse pertinentes, se o recorrente tivesse recorrido dessa parte da sentença e cumprido os respectivos ónus – mas não foi isso que fez».

Ou no Acórdão, também deste STA, de 14/7/2015 (01955/13), também em recurso em que não se impugnara a matéria de facto:
«IV – Ao TCA, como tribunal de 2.ª instância, cabe fazer a interpretação da matéria de facto e extrair ilações conclusivas, as quais, não constituindo fatos materiais simples mas conclusões de facto, não têm de ser articuladas pelas partes, motivo por que não viola o princípio do dispositivo a conclusão do acórdão recorrido de que os trabalhos realizados pela A. eram imprescindíveis para o seu empreendimento, sob pena de o centro comercial e o supermercado não ficarem com as infraestruturas apelativas ao público que pretendia cativar.
V – A extracção desses juízos de valor ou conclusões de facto também não infringe os limites impostos às presunções judiciais nem os princípios da igualdade das partes, da estabilidade da instância e da repartição do ónus da prova».

Cfr., também, a propósito o Ac.STJ de 29/5/2014 (3566/06):
«As ilações – presunções judiciais ou naturais - baseadas nas regras da experiência e formuladas pelas instâncias no desenvolvimento e integração da matéria de facto atomisticamente apurada em julgamento não pode colidir ou contrariar os factos apurados em consequência da livre apreciação das provas efectivamente produzidas em audiência - não podendo, com base em meras considerações de normalidade, plausibilidade ou probabilidade alcançar-se um resultado probatório incompatível com a realidade factual emergente dos meios probatórios produzidos em audiência contraditória e concretamente valorados pelo juiz no momento em que fixou a matéria de facto decorrente da livre apreciação das provas».

Ora, o Ac.TCAS recorrido, ao ter extrapolado, com base na matéria de facto provada, que “a entidade adjudicante utilizou documentos que não foram por si elaborados ou produzidos, antes elaborados por uma das contraentes que apresentou proposta ao concurso” e que “essa concorrente interveio ativamente na preparação dos exatos termos do concurso”, não contradisse os factos dados como provados – de A a J. Contradisse, efetivamente, as conclusões retiradas pela 1ª instância dessa mesma matéria de facto provada, mas não esta; ou seja, há contradição entre as interpretações das instâncias sobre a matéria de facto provada, mas a interpretação do TCAS não contradiz os factos provados, antes labora sobre eles.

Improcede, assim, a alegação das Recorrentes no sentido de que o Ac.TCAS recorrido teria, ilegalmente, modificado a matéria de facto dada como provada sem que esta tivesse sido impugnada.

21. Questão ainda diferente é a de saber se este STA, no presente recurso de revista, pode sindicar a interpretação dos factos provados realizada pelo TCAS, designadamente, através das extrapolações ou inferências por este efetuadas com recurso a presunções judiciais.

Como é sabido, tradicionalmente, a jurisprudência entendia que, em recurso de revista, não era possível sindicar a utilização de presunções judiciais pelo tribunal de apelação fora dos casos previstos nos arts. 722º nº 2 e 729º nº 2 do CPC/95 (atuais arts. 674º nº 3 e 682º nº 2).

Como se explicava no Ac.STJ de 1/3/2007 (06S4192):
«É entendimento pacífico que a Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (...). Por analogia de situação, a Relação pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. Em qualquer dos casos, a Relação intervém aí na fixação da matéria de facto, actividade que não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, a menos que ocorra algum dos erros de direito a que se refere o artigo 722º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e que, no caso, não vêm sequer invocados.
O Supremo, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e só excepcionalmente pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação, o que sucede se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A fixação dos factos materiais da causa baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador excede, pois, o âmbito do recurso de revista. As presunções judiciais são um dos meios de que as instâncias se podem servir para estabelecer os factos da causa. Ao Supremo apenas cabe indagar, por ser uma questão de direito, se é ou não admissível a utilização das referidas presunções, face ao disposto no artigo 351º do Código Civil. Isto é, ao tribunal de revista apenas cabe determinar se um determinado facto poderá ser tido como provado com base em mera ilação ou se, no caso, se exige um grau superior de segurança na prova».

E no Ac.STJ de 20/9/2007 (07B1963):
«Só nos casos previstos no nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil é que o Supremo Tribunal de Justiça pode alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Não cabe, pois, nos seus poderes apreciar conclusões que a Relação tenha retirado da prova testemunhal ou a que tenha chegado por presunções judiciais, mas compete-lhe determinar se eram admissíveis tais meios de prova, bem como analisar a força probatória plena de documentos particulares assinados».

Porém, esta jurisprudência tradicional, que apenas permitia a sindicância, em recurso de revista, da utilização de presunções judiciais pelo tribunal de apelação nos casos previstos no art. 722º nº 2 do CPC/95 (atual art. 674º nº 3), evoluiu no sentido de admitir essa mesma sindicância nos casos: de ofensa de norma legal (como antes), de manifesta ilogicidade na extrapolação efetuada, e, ainda, de inferência realizada a partir de factos não provados ou que venha a contradizer os factos tidos por provados.

Veja-se, neste sentido, os Acs.STJ de 2/12/2013 (306/10):
«A decisão sobre a admissibilidade do uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação depende do respeito, ou não, pelos pressupostos legalmente estabelecidos quanto ao exercício dos seus poderes: a utilização de presunções não pode ofender normal legal, ser ilógica ou partir de factos não provados». E citando Amâncio Ferreira (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 228): «o acatamento pelo STJ das ilações extraídas dos factos provados, pressupõe a verificação de duas condições: que a conclusão ou ilação não altere os factos apurados e que ela seja a consequência lógica desses factos; daí, e por serem inadmissíveis as ilações ou conclusões que não correspondam ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada, competir ao Supremo, como tribunal de revista, censurar a decisão das instâncias que, no que respeita a conclusões ou ilações de factos, infrinja o apontado limite».

Veja-se, também, o Ac.STJ de 25/11/2014 (6629/04) o qual faz expressa referência a esta alteração jurisprudencial:
«Ao Supremo está vedado o uso de presunções judiciais e, conhecendo, por regra, tão só de matéria de direito, apenas pode sindicar o juízo presuntivo feito pela Relação se ele "ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados"».

E veja-se, ainda, a clara fundamentação do Ac.STJ de 24/11/2016 (96/14), também nele se referindo a aludida alteração jurisprudencial:
«as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base da presunção) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), nos termos do artigo 349.º do CC. A presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência. Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código. (…) em sede de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita. Com efeito, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, ao STJ incumbe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixado pelas instâncias, não podendo alterar a decisão de facto, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º ou de ampliação dessa decisão de facto ao abrigo do n.º 3 do indicado artigo 682.º.
Por sua vez, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o preceituado no n.º 3 do artigo 674.º, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de provas”. E, como já foi anteriormente dito, no que respeita, às presunções judiciais tem-se admitido, ainda que com alguma controvérsia, que o STJ só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.
Poderá assim ser sindicável em sede de revista o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita, por violação, por exemplo, do artigo 351.º do CC, ou, quando admitindo-o, tal uso (ou não uso) ocorra fora do condicionalismo legal traçado no artigo 349.º do mesmo Código, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido.
Relativamente ao erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, o mesmo só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade. Para tanto, importa que da decisão de facto ou porventura da respetiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, de forma a se poder, desse modo, aferir a ocorrência da sobredita ilogicidade».

22. Nestes termos, afastada que está, pelo que vimos supra, alegada violação pelo Ac.TCAS do disposto no art. 349º do C.Civil ou nos arts. 640º, 662º e 635º nº 5 do CPC, as inferências extraídas pelo Ac.TCAS com recurso a presunção judicial, criticadas pela Recorrentes, só poderão ser sindicadas por sua eventual “manifesta ilogicidade”.

Trata-se, afinal, de responder à 1ª questão colocada, designadamente, pela Recorrente “Turismo de Portugal”: saber se a existência da referência à firma da Contrainteressada, inserida no rodapé dos Anexos VI e VIII do Programa do Concurso, permite concluir pela sua participação na elaboração dos mesmos.

Relembre-se que as inferências ou ilações extraídas pelo Ac.TCAS recorrido foram:
- de que “a Entidade Pública contratante utilizou como peças do procedimento documentos que não foram por si elaborados ou produzidos, antes elaborados por uma das concorrentes que apresentou proposta ao concurso”, e
- de que “essa concorrente interveio ativamente na preparação dos exatos termos do concurso”.

Ora, se é verdade que, em termos rigorosos, os factos provados apenas permitem a inferência lógica de que os ditos Anexos foram elaborados com recurso a materiais cedidos ou fornecidos pela concorrente “A………”, já parece algo temerário concluir que a concorrente em causa “participou ativamente na preparação do concurso”. Na verdade, tudo aponta, no conjunto dos factos provados, para que tais materiais utilizados tenham sido cedidos à Entidade Demandada “Turismo de Portugal” pela Contrainteressada concorrente “A……..” em tempo anterior, no âmbito de antecedentes contratos, e, portanto, fora do âmbito da preparação deste concurso ora em causa.

Mas, seja como for, a verdade é que já não se apresenta como ilógica, e, por isso, como criticável, a inferência, extraída dos factos dados como provados, de que “a Entidade Pública contratante utilizou como peças do procedimento documentos elaborados ou produzidos (ao menos, em parte) por uma das concorrentes que apresentou proposta ao concurso”. Aliás, como a Sra. Magistrada do MºPº junto deste STA bem sintetiza no seu parecer: “No caso dos autos a prova produzida permite considerar que ocorreu efetivamente um apoio técnico indireto por parte da contrainteressada”.

Claro que inferir, como nos parece correto, um apoio indireto por parte da Contrainteressada não é o mesmo que inferir que esta “participou ativamente na preparação do concurso”. Contudo, de um modo ou doutro, as questões de direito suscitadas pelas Recorrentes nestes seus recursos de revista, colocam-se da mesma forma. É o que veremos de seguida.

2) A questão da julgada violação, pelo ato impugnado, do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea i) do Código dos Contratos Públicos, e dos princípios da imparcialidade, da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança e da transparência.

23. O Ac.TCAS recorrido concluiu, no seguimento do entendimento avançado nesse sentido pela então Recorrente/Autora “B……..”, que bastava a conclusão de que “a Contrainteressada prestou, a qualquer título, direta ou indiretamente apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento, que lhe confere vantagem em termos de falsear as condições normais de concorrência, segundo o disposto no artigo 55º, nº 1, i) do CCP”, para esta “não se poder sequer apresentar a concurso”.

E, em termos mais genéricos, para além do enquadramento legal previsto no aludido art. 55º nº 1 i) do CCP, o Ac.TCAS recorrido concluiu que o ato impugnado violou o princípio da imparcialidade (além dos da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança e da transparência), uma vez que entendeu que “a lei sanciona aqui, diretamente, situações de mero perigo de atuação imparcial da Administração”; e que “se assim não for, isto é, se a Administração não proceder desta maneira, corre o risco de a sua atuação e, consequentemente, os atos administrativos e operações materiais que pratica, serem considerados parciais”.

24. Sucede, porém, que a norma contida na aludida alínea i) – então alínea j) - do nº 1 do art. 55º do CCP foi alterada pelo DL 149/2012, de 12/7, na senda da legislação e da jurisprudência europeia, no sentido de passar de prever um impedimento de participação por parte de concorrentes que tivessem prestado, a qualquer título, apoio técnico na preparação e elaboração das peças do concurso, para uma exigência de que esta circunstância lhes tenha conferido vantagem que falseie as condições normais de concorrência.

Para tanto, à redação inicial «1. Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: (…) i) tenham, a qualquer título, prestado, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento», foi então aditado o inciso final: «que lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência».

O próprio relatório do DL 149/2012, de 12/7, justificou a alteração nestes termos: “Destaca-se, por último e em linha com a posição do Tribunal de Justiça da União Europeia, a revisão dos casos de impedimentos, admitindo como candidatos ou concorrentes as entidades que tenham prestado, a qualquer título, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento, desde que isso não lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência”.

Desta forma, contrariamente ao entendido pelo Ac.TCAS recorrido, na sequência da interpretação defendida pela Recorrente/Autora “B……..”, não basta que uma entidade tenha prestado apoio, direto ou indireto, à preparação das peças do concurso – como se admite que sucedeu, no presente caso, com a Contrainteressada “A………” - para se concluir que a mesma não se podia, sequer, apresentar ao concurso, sem que resultasse preenchido o requisito ou a exigência de que tal circunstância lhe conferiu vantagem que tenha falseado as condições normais da concorrência.

Ora, o Ac.TCAS recorrido reconhece expressamente que este requisito ou exigência contida na atual redação da aludida norma do CCP não se encontra preenchido, pois que refere que tal fica em dúvida. Na verdade, nele se afirma que as explicações dadas pela Entidade Demandada Turismo de Portugal não permitem “afastar a fundada dúvida sobre a atuação imparcial, reta e isenta da Administração”, que “o perigo ou ameaça de violação do princípio da imparcialidade administrativa, embora perigo ou ameaça sérios e suficientemente caracterizados no plano do facto, são suficientes para a invalidação do procedimento”, que “se assim não for, isto é, se a Administração não proceder desta maneira, corre o risco de a sua atuação e, consequentemente, os atos administrativos e operações materiais que pratica, serem considerados parciais”, e ainda que “além de que, no caso, fica a séria e fundada dúvida sobre se os termos do procedimento não foram construídos com base nas específicas ou particulares características detidas pela candidata ao concurso cujo timbre consta dos documentos que integram o Programa do Concurso, vencedora do concurso e sua adjudicatária”.

Porém, como vimos, nos termos legais, para ser excluído um candidato ou concorrente nestas circunstâncias não basta que “fique a dúvida”, tornando-se necessário a conclusão de que, para aquele, resultou vantagem que tenha falseado as condições normais de concorrência. Ficando-se pela dúvida, o Ac.TCAS não poderia ter concluído que a Contrainteressada “A……….” estava impedida de, sequer, se apresentar ao concurso, por esta conclusão violar a atual redação da aludida alínea i) do nº 1 do art. 55º do CCP. Aliás, foi precisamente por esta razão – para não se poder excluir concorrentes em situações semelhantes em que não se possa concluir que tenham obtido vantagem falseadora da concorrência – que a alteração legislativa foi empreendida.

25. Nem se diga, como parece decorrer do Ac.TCAS – na sequência, mais uma vez do entendimento alegado pela então Recorrente/Autora “B………” – que, para além do disposto no art. 55º do CCP, a participação da Contrainteressada “A………” no concurso sempre estaria impedida, em termos genéricos, pelo princípio da imparcialidade (e dos da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança e da transparência).

É que a referida alteração legal introduzida pelo DL 149/2012, por imposição do direito europeu, tem especificamente em vista conciliar o princípio da imparcialidade com o princípio da concorrência, em apelo claro e expresso ao sentido da proporcionalidade: por um lado, é defendida a imparcialidade, sem sacrificar, de modo desproporcionado, a concorrência - trave do figurino europeu da contratação pública (excluindo-se a participação concursal de entidades que obtiveram vantagem na preparação do procedimento); por outro lado, defende-se a concorrência sem desproporcionado sacrifício da imparcialidade – “favor partitipationis” (afastando-se o impedimento de participação sempre que uma efetiva vantagem não se demonstre).

Como explica Gonçalo Guerra Tavares (“Comentários ao CCP”, Almedina, 2019, pág. 260): “a norma foi alterada pelo Decreto-Lei nº149/2012, tendo-se acrescentado na parte final que o impedimento só se verifica se essa intervenção anterior conferir ao candidato ou concorrente em causa “…vantagem que falseie as condições normais de mercado”. É necessário, portanto, que se demonstre que a participação anterior na elaboração das peças do procedimento confere ao concorrente em causa uma vantagem susceptível de distorcer a concorrência”. Mais acrescenta que “a norma aqui em causa encontra hoje paralelo na alínea f) do nº 4 do artigo 57º da Diretiva 2014/24/UE”.

O mesmo Autor, referindo-se à redação anterior da norma, cita o Acórdão do TJUE de 3/3/2005, “Fabricom”, C-21/03 e C-34/03, “onde se concluiu, a este propósito, que “a aplicação da referida norma [de idêntico teor à disposição nacional] pode ter por consequência que as pessoas que efectuaram determinados trabalhos preparatórios fiquem excluídas do processo de adjudicação, sem que a sua participação neste último constitua um risco para a concorrência entre os concorrentes”.

Também Pedro Costa Gonçalves disserta sobre esta matéria (“Direito dos Contratos Públicos, vol. I, 3ª edição, Almedina, 2018, págs. 682 e segs.): «Atualmente, a Diretiva 2014/24/UE contempla um (longo) artigo dedicado aos designados “motivos de exclusão” (artigo 57º): no plano semântico, os “motivos de exclusão” correspondem, no CCP, aos motivos, causas ou fundamentos de impedimento assinalados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 55º. (…) Embora com uma formulação diferente, por ser mais genérica, o impedimento aqui previsto pelo CCP corresponde ao motivo de exclusão que a Diretiva 2014/24/UE prevê no artigo 57º, nº 4, alínea f): quando “houver uma distorção da concorrência decorrente da participação dos operadores económicos na preparação do procedimento de contratação (…) que não possa ser corrigida por outras medidas menos invasivas”. Por via desta referência final, que concretiza a ideia de proporcionalidade, a Diretiva deixa claro que a exclusão neste caso apenas pode ser determinada como “ultima ratio”».

26. Repare-se, ainda, que, como também referido por Pedro Costa Gonçalves (ob. cit., pág. 707), o TJUE, no seu Acórdão de 13/10/2015, “Intrasoft International, SA” c/ “Comissão Europeia” (proc. T-403/12, pontos 84/88) teve oportunidade de esclarecer: «quando o Tribunal de Justiça utiliza, no nº 29 do Acórdão “Fabricom” (…) a expressão “trabalhos preparatórios”, refere-se aos trabalhos efetuados no âmbito de um único e mesmo processo de concurso. (…) a Comissão não tinha fundamento para assimilar a redação de documentos elaborados no âmbito de outro processo de concurso a “trabalhos preparatórios” ao abrigo do processo de concurso em causa na aceção da jurisprudência acima referida (…), salvo se demonstrasse objetiva e concretamente, por um lado, que os referidos documentos tinham sido preparados para o processo de concurso em causa e, por outro, que tinham proporcionado uma vantagem real para a recorrente».

Daqui resulta, retornando ao nosso caso, que, em rigor, a não admissibilidade da “A………” como concorrente ao procedimento concursal em causa, por impedimento previsto no art. 55º nº 1 i) do CCP, exigiria a verificação cumulativa dos dois requisitos aludidos: por um lado, que a sua participação nos documentos utilizados pela Entidade Demandada no Programa do Concurso se tivesse verificado no âmbito do presente procedimento concursal, e não no âmbito de outro procedimento concursal anterior; e, ainda, que tal lhe tivesse proporcionado uma vantagem real.

27. Seja como for, uma vez que, como já acima vimos, o Ac.TCAS recorrido não concluiu pela verificação desta exigida “vantagem real”, tendo apenas constatado uma (para o caso) insuficiente “fundada dúvida”, temos por não preenchida a previsão da norma do aludido art. 55º nº 1 i) do CCP que impediria a Contrainteressada “A………” de concorrer ao presente concurso de adjudicação.

E, uma vez que, como também já supra referido, esta norma legal já contém, ela própria, um compromisso “proporcional” entre os princípios da concorrência e da imparcialidade, não tem sentido, invocar, acima dela, o princípio da imparcialidade (ou outros, como os da isenção, da concorrência, da boa-fé, da tutela da confiança ou da transparência) para afastar a sua aplicabilidade. Como, a este respeito, argumenta com razão a Contrainteressada “A……….”: «se a norma consente a participação no procedimento por quem tenha colaborado na preparação das peças do procedimento, é evidente que nenhum dos princípios da contratação pública determina a invalidade das peças» (conclusão 31ª das suas alegações de recurso); e «ademais, sempre seria descabido desconsiderar uma regra (artigo 55º, nº 1, alínea i), que é uma norma que dirige a Administração para um resultado definido, em nome de “princípios”, que são comandos de intensidade normativa mais branda» (conclusão 49ª).

28. Note-se que, como pertinentemente lembrado, no seu parecer, pela Sra. Magistrada do MºPº junto deste STA (cfr. ponto 13 supra), “a jurisprudência do STA já se pronunciou sobre situação algo semelhante no acórdão proferido em 12/3/2015, na revista nº 01469/14”.

Estava ali em causa «saber se, no âmbito de um procedimento pré-contratual conducente à celebração de um contrato unicamente destinado à correcção de defeitos e anomalias resultantes da execução de uma obra anterior, pode ou não ser excluída a proposta apresentada pelo empreiteiro que executou a obra inicial, com fundamento no disposto no artigo 146.º, n.º 2, alínea c), e por força do artigo 55.º, alínea j) [atual alínea i)], aplicado por analogia quanto à sua primeira parte e em articulação com o princípio da concorrência consagrado no artigo 1.º, n.º 4, todos do CCP»

Efetivamente, nesse Acórdão expressou-se, entre o mais, que:
«Este acrescento [inciso final da então alínea j) do nº 1 do art. 55º do CCP introduzido pelo DL 149/2012] aponta no sentido da quebra do automatismo da aplicação desta alínea. Só é possível considerar impedido um candidato ou concorrente se a situação suspeita permitir um juízo positivo de que, por via dela, está constituído numa situação de vantagem relativamente ao universo de concorrentes potenciais que falseie as condições normais da concorrência. Exigência que, colocando-se para a situação típica expressamente prevista, obriga a um escrutínio ainda mais severo quando no impedimento se pretender fazer caber situações de informação privilegiada lícita não expressamente contempladas. O que justifica a analogia é a necessidade de prevenir, na situação não prevista, os mesmos resultados lesivos para os princípios fundamentais do acesso aos mercados públicos que ditou a previsão legislativa. O ónus da argumentação e prova da ocorrência da lesão ou perigo de lesão para esses bens protegidos é aqui particularmente intenso».

E mais adiante:
«Apenas é configurável como informação privilegiada falseadora da concorrência em situações deste género aquela que afecte de modo sensível a preparação da proposta ou a execução do contrato relativamente a elementos sujeitos à concorrência do mercado, e que não possa ser neutralizada através dos deveres de preparação e completude das peças do procedimento e de informação complementar, a cargo da entidade adjudicante, e das exigências de devida diligência dos concorrentes.
E competia ao recorrente provar o contrário, ou seja, que, de facto, havia uma situação susceptível de fomentar o falseamento da concorrência. Era imprescindível, tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso dos autos, saber se, cumprindo a Administração todos os seus deveres no procedimento concursal, apesar disso, os outros proponentes estavam impedidos de colocar-se na mesma situação de conhecimento da recorrida. De igual modo, era imprescindível avaliar se os esforços logísticos, materiais, económicos e outros a despender para se tentar chegar a essa igualdade de facto eram desproporcionais ou, em todo o caso, insuficientes ou de resultado incerto».

29. Por tudo o exposto, entendemos não ser de manter o Ac.TCAS recorrido ao ter julgado que a Contrainteressada “A……….” se encontrava impedida de participar no procedimento concursal em causa.

O Ac.TCAS recorrido após ter concluído que a Contrainteressada se encontrava impedida de se apresentar ao concurso, em face da interpretação que fez da norma contida no art. 55º nº 1 i) do CCP, refere que, ainda que assim não fosse, e se tornasse necessário apurar do erro de julgamento, alegado pela então Recorrente/Autora “B……….”, quanto à análise e avaliação da proposta da “A……..”, haveria que, oficiosamente, nos termos do art. 662º do CPC, determinar a ampliação da matéria de facto «por os factos provados na sentença recorrida não permitirem o conhecimento do fundamento do recurso, por omitirem por completo os termos constantes quer das peças do procedimento, que prevêem tais requisitos, quer o conteúdo da proposta apresentada pela Contrainteressada».

O objetivo aqui visado só pode ser o de apurar uma eventual “vantagem real” – como requisito exigido pela norma do art. 55º nº 1 i) do CCP - que tenha sido proporcionada à Contrainteressada “A……….”, uma vez que a então Recorrente/Autora “B………” havia expressamente limitado o recurso de apelação que interpôs da sentença de 1ª instância à questão da «violação do princípio da transparência», afastando especificamente de tal recurso a questão da «apreciação da proposta da contra-interessada A……….» (cfr. artigo 2º e conclusão e), “in fine”, das suas alegações de recurso de apelação para o TCAS).

A Autora “B………” assentou então os indícios de uma “vantagem real” proporcionada à “A………” em alegados erros de julgamento (da sentença de 1ª instância, no seguimento de decisões do júri do concurso) quanto à análise e avaliação da proposta da Contrainteressada “A………..”, a saber:
- «a proposta da concorrente “A………” não prevê o acesso à internet por banda larga wifi, previsto no art. 21º, al. D), e 22º, nº 2, al. B) do caderno de encargos»;
- «na cláusula 17ª, al. c), do caderno de encargos, prevê a existência de “zona de reuniões com mesa e cadeiras, num mínimo de 3 e no máximo 6”, neste ponto a proposta da concorrente “A……….”, a mesma apresenta um total de 8 mesas de apoio e 2 bancos por cada mesa, ou seja: além de exceder o número de mesas previsto no caderno de encargos para a referida zona de reuniões, não tem quaisquer cadeiras, que a “A……..” decidiu substituir por bancos em cortiça».

Desconformidades que a Autora acusa o júri do concurso de as «obnubilar» e de passar por elas «como cão por vinha vindimada», como alegada demonstração de violação do princípio da imparcialidade e de outros princípios (cfr. artigos 44º, 49º e 50º das suas alegações).

Sucede que a intervenção, ainda que indireta, que é apontada à Contrainteressada “A……….” refere-se à elaboração dos Anexos VI e VIII ao Programa do Concurso. Assim, uma “real vantagem” que se pudesse constatar como proporcionada àquela para efeito de se concluir pelo impedimento da sua participação à luz do art. 55º nº 1 i) do CCP teria que estar, como parece lógico, relacionada com essa sua “colaboração” na elaboração dos documentos em causa.

Ora, tais Anexos VI e VIII, como se referiu na sentença de 1ª instância, «ao respeitarem a indicações técnicas dirigidas à elaboração das maquetes e dos respectivos alçado e planta, fornecendo directrizes quanto à área, dimensões e módulos do “stand” sempre permitiriam, convenhamos, a qualquer concorrente adequar e preparar a sua proposta em conformidade com aquelas indicações, na medida em que não constituem atributos monopolizados ou exclusivos suscetíveis de serem cumpridos por uma só empresa, designadamente a ora Contra-interessada».

Não se vê, pois, a que título um eventual erro de julgamento, pelo júri do concurso, ou depois pelo tribunal, relativamente às duas desconformidades apontadas entre o caderno de encargos e os termos da proposta da “A………” possam considerar-se comprovação de “vantagem real” diretamente proporcionada pela sua co-autoria indireta na elaboração dos dois Anexos citados. Se tais desconformidades, apontadas pela Autora, eram reais, configurariam eventuais vícios “a se” da proposta, a serem apreciados como quaisquer outros. E se o júri e o tribunal de 1ª instância não deram razão à Autora quanto a essa sua invocação, o certo é que esta prescindiu expressamente de incluir a respetiva apreciação no recurso de apelação que interpôs.

Em todo o caso, sempre se dirá que não se constata que a Autora “B………” tenha razão na sua alegação de que o júri do concurso tenha obnubilado ou omitido pronúncia e decisão sobre as invocadas desconformidades da proposta da “A………”: como resulta do ponto F) da matéria de facto dada como provada (que transcreve o relatório final do júri), o júri do concurso respondeu àquelas duas objeções da Autora, respetivamente nos pontos 4. e 5. do relatório final. E a sentença de 1ª instância refutou expressamente estes dois vícios da proposta da Contrainteressada invocados pela Autora (a págs. 30 a 32).

Em face do exposto, não se divisa qualquer razão para determinar uma ampliação da matéria de facto, nos termos subsidiariamente sugeridos pelo Ac.TCAS recorrido.


30. A Entidade Demandada/Recorrente “Turismo de Portugal” requer, ainda, que este Supremo Tribunal determine o levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado.

Este pedido foi julgado improcedente pelo Ac.TCAS, na sequência e em coerência com a deliberação de provimento do recurso de apelação intentado pela Autora “B……….”.

Em consequência, e como a Entidade Demandada/Recorrente bem refere «(…) mantém-se o efeito suspensivo automático do ato impugnado e a suspensão da execução do contrato celebrado, enquanto se mantiver pendente a ação de contencioso pré-contratual, até que seja proferida a título definitivo, uma decisão de mérito sobre a causa» (sublinhado nosso).

Ora, constituindo o presente Acórdão, em recursos de revista, a decisão de mérito proferida a título definitivo, tem-se por prejudicados, nesta altura, o conhecimento e decisão do aludido pedido.

31. Nos seus recursos, as Recorrentes requerem que seja dispensado o pagamento do montante remanescente da taxa de justiça, ou, subsidiariamente, que seja concedida a redução do seu montante. Como já vimos, o TCAS, por seu posterior Acórdão de 16/1/2020, veio a deferir a redução do seu montante em 75%, mantendo, pois, a obrigação de pagamento de tal remanescente em 25%.

Em face da decisão do presente Acórdão, e atento o disposto no art. 14º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei 27/2019, de 28/3, que passou a dispensar as partes não condenadas a final do pagamento do remanescente em causa, fica prejudicada a apreciação da referida questão.



*

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Conceder provimento aos recursos de revista deduzidos pela Entidade Demandada/Recorrente “Turismo de Portugal, IP” e pela Contrainteressada “A………”, com exceção dos pedidos referentes ao levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado e à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, por se considerarem prejudicados,
Revogar o Acórdão do TCAS recorrido, e assim fazendo subsistir a decisão de 1ª instância, que julgara improcedente a presente ação de contencioso pré-contratual.

Custas a cargo da Autora/Recorrida “B………, SA”.

D.N.

Lisboa, 4 de junho de 2020. – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Francisco Fonseca da Paz.