Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/11
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:SISA
ISENÇÃO
CONTRATO PROMESSA
REVENDA
Sumário:I - A celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel no período de três anos subsequente à aquisição, ainda que acompanhado da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção da Sisa, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda.
II - A interpretação do artigo 2.º, §1.º 2.º do CIMSISD no sentido da sujeição a imposto do contrato promessa com tradição, conjugada com a sua irrelevância para efeitos de caducidade da isenção de sisa (art. 16.º 1.º do CIMSISD), não viola os artigos 3º, 16º, 103º e 104º da Constituição de República Portuguesa.
Nº Convencional:JSTA00067944
Nº do Documento:SA2201211210957
Data de Entrada:10/27/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - SISA.
Legislação Nacional:CIMSISD91 ART11 N3 ART13-A ART16 ART2 N2 §1.
CONST76 ART3 ART16 ART103 ART104.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0234/09 DE 2009/05/13; AC STA PROC0924/09 DE 2010/04/21; AC STA PROC016201 DE 1970/01/04; AC STA PROC01981 DE 1972/06/16; AC STA PROC01462 DE 1981/03/11; AC STAPLENO PROC01462 DE 1982/11/10; AC STA PROC02732 DE 1985/03/06; AC STA PROC015334 DE 1993/10/13; AC STA PROC0642/06 DE 2006/11/08; AC STA PROC0234/09 DE 2009/05/13; AC STA PROC0303/11 DE 2011/11/16; AC STA PROC02059/03 DE 2004/03/31
Referência a Doutrina:SILVÉRIO MATEUS CORVELO DE FREITAS - OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMONIO O IMPOSTO DO SELO ANOTADOS E COMENTADOS 2005 PAG385.
PINTO FERNANDES E CARDOSO DOS SANTOS - CÓDIGO DA SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES VOLI PAG23 ANOT ART1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…… S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 21 de Março de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a liquidação de SISA, no montante de € 27.932,68.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«- Discordando da liquidação de Sisa que foi efectuada, impugnou a recorrente tal liquidação, pois que, em síntese, entendeu que inexistia qualquer fundamento legal para que, no caso sub-judice, se tivesse considerado ter ocorrido caducidade da isenção de Sisa de que beneficiava em virtude de ter adquirido quinhão de prédio urbano com destino a revenda.
- Suportando a sua tese, invocou então a impugnante que no prazo legal de três anos havia transmitido o dito quinhão, pois que havia ajustado contrato promessa de compra e venda, por força do qual transmitiu a posse do prédio urbano em questão.
- Tal argumento não foi porém acolhido pelo Tribunal de Primeira Instância, que considerou improcedente a impugnação judicial em causa, já que entendeu, em suma, que o contrato promessa de compra e venda em causa, não configura transmissão para efeitos de manutenção de isenção de sisa em causa.
- Posto que a matéria de facto em apreço nos autos é incontrovertida, importa pois unicamente saber se o invocado contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição da coisa, equivale ou não, a uma verdadeira transmissão.
- Ora, a resposta não poderá deixar de ser positiva.
- Na verdade, ao tempo, quer da outorga da escritura de compra e venda, quer do ajuste do contrato promessa de compra e venda aludido, encontrava-se em vigor o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n°41969 de 24 de Novembro de 1958.
- De acordo com o estipulado no nº 3 do artº 11, do referido diploma legal, ficariam isentas de Sisa, entre outras, as aquisições de prédios destinados a revenda no âmbito do exercício da actividade comercial dos adquirentes.
- Sendo que, a referida isenção caducaria, no entanto, caso o adquirente desse destino diferente ao prédio assim adquirido, ou caso tal prédio adquirido para revenda não fosse transmitido no prazo de três anos.
- Por seu turno, definindo a incidência do imposto em apreço, estipulava-se, no artº 1 do diploma legal em causa, que “são sujeitas a sisa e a imposto de sucessões e doações nos termos dos artigos seguintes, as transmissões perpétuas ou temporárias dos bens, qualquer que seja o título porque operou”, sendo que,
- de acordo com o artº 2 do CIMSISS, “a sisa incide sobre as transmissões a título oneroso, do direito de propriedade, ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis”, adiantando-se, também, no primeiro parágrafo desse normativo que “consideram-se, para estes efeitos, transmissões de propriedade imobiliária, as promessa de compra e venda ou troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes, estejam usufruindo dos bens”.
- Conforme decorre dos normativos em referencia, e conforme é, aliás, plenamente reconhecido pela Doutrina e Jurisprudência, o conceito de transmissão para efeitos de lei fiscal, é diversos daquele que decorre do ordenamento jurídico ínsito à Lei Civil, sendo certo que, para efeitos fiscais, tal conceito é mais amplo e abrangente do que aquele que está enraizado no Direito Privado.
- Concretamente, é sabido que, em tese geral, e em concreto, em tese de Sisa, a figura da transmissão compreende não só a transmissão civil, como também a mera transmissão económica ou transmissão de facto, mesmo que despidas das formalidades exigíveis por lei.
- A diversidade de conceitos, entre a Lei Privada e a Lei Fiscal, alcança o seu expoente máximo, na consagração de determinados actos como transmitivos de propriedade, que como tal, não são considerados pela lei civil.
- É o caso paradigmático do contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição do bem, que não sendo um acto transmitivo de propriedade para a lei civil, já o é, para a lei fiscal, tal como se alcança, aliás, pelo disposto no ponto segundo do parágrafo primeiro do artigo segundo do CIMSISS.
- Ora, por força dessa circunstância, é que se deverá concluir que, se entende a lei fiscal que tal tradição da coisa se equipara a uma verdadeira transmissão de propriedade, para efeitos de incidência do Imposto de Sisa, também se deverá entender tal acto ou facto tributário como acto transmitivo da propriedade para efeitos de manutenção da isenção de Sisa que préviamente havia sido concedida.
- Com efeito, não poderá a lei fiscal para efeitos de tributar o promitente adquirente, ficcionar que, nos casos em que existe contrato promessa de compra e venda, com tradição da coisa, ocorre uma verdadeira transmissão, e ao mesmo tempo, para efeitos de determinar a caducidade do beneficio da isenção do imposto de sisa, entender que tal transmissão afinal não se verifica, ignorando os efeitos que a própria lei fiscal confere ao dito contrato promessa de compra e venda, já que, o facto tributário ou real, em si, qual seja, a tradição da coisa, não perde a sua relevância, consoante se estiver a tratar de tributação ou isenção de tributação.
- Na verdade, sendo certo que a lei fiscal se reveste de especialidade própria, é também inquestionável que em sede de interpretação e integração das normais fiscais, se não pode esquecer os comandos informadores da lei geral, no que tange à aplicação das normas, e dentro de tais princípios, não se pode olvidar o princípio da unidade do sistema jurídico, e da necessidade da sua coerência e objectividade.
- Ora, é precisamente, tendo em conta tais regras sociais e princípios orientadores que se não pode concordar com a Douta Decisão assumido pelo Tribunal recorrido.
- Com efeito, sendo certo que se aceita a diversidade de conceitos entre a lei civil e a lei fiscal, já não se poderá aceitar que dentro dessa mesma lei fiscal, os conceitos divirjam, em termos de qualificação, de determinadas realidades, unicamente por razões de se pretender obter um, ou outro efeito, pois que, admitir-se tal, seria admitir, a total destruição dos princípios da objectividade, clareza e segurança jurídicas.
- Quer isto dizer que, a nossa lei fiscal ao deformar o conceito de transmissão tal qual ele é definido no direito privado, e ao considerar equiparado à transmissão no direito de propriedade, a outorga do contrato promessa de compra e venda, acompanhado da tradição do bem, e da transmissão da pose, tem de o fazer de forma plena e coerente, e consequentemente, tem de recepcionar tal deformação conceitual quer para efeitos de incidência de Sisa, quer para efeitos de apuramento das circunstâncias que conduzem ou não à caducidade da isenção de sisa anteriormente concedida,
- devendo então, concluir-se que, se a lei fiscal considera, na perspectiva do promitente comprador, que a outorga do contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição da coisa se equipara a uma verdadeira transmissão, obrigando o promitente comprador a liquidar o imposto sobre tal transmissão, também terá de considerar esse mesmo acto como transmissão, desta feita, para reconhecer, já na perspectiva do promitente vendedor, que este revendeu ou retransmitiu o prédio dentro de três anos, podendo assim beneficiar da isenção de sisa anteriormente concedida.
- Aliás, para efeitos de incidência doutros impostos, reconhece a lei fiscal a tal transmissão por via do ajuste de contrato promessa com tradição da coisa, o valor e o significado de uma verdadeira transmissão.
- De facto, a própria lei fiscal a partir do momento da outorga do contrato promessa em análise considera o promitente adquirente como o titular dos rendimentos do prédio objecto de tal contrato, razão pela qual, para além de o obrigar a liquidar Sisa, ou actualmente, IMT, o obriga, também, a partir de tal momento, a liquidar, a anterior Contribuição Autárquica, e o actual IMI, sendo que, por seu turno, a nossa lei fiscal, a partir do ajuste de tal contrato, deixa de considerar o promitente vendedor, como titular dos rendimentos do prédio prometido vender, deixando assim de sobre ele incidir a obrigação de liquidar o correspondente IMI.
- Assim, também por esta ordem de razões, e sob pena de notória violação do principio da unidade do sistema jurídico, não se poderá aceitar que um acto ou realidade, seja considerado transmissão para efeitos de IMI, e já não o seja unicamente para efeitos de facto impeditivo da caducidade da isenção de sisa.
- Acresce que, a isenção da liquidação de sisa, consagrada na lei fiscal para as situações de aquisição para futura revenda, tem por fundamento a circunstância de se reconhecer que o sujeito adquirente não pretende incluir o bem no seu património imobilizado, mas sim, pô-lo em circulação comercial.
- Ora, é indubitável que a outorga de contrato promessa de compra e venda, com pagamento integral do preço, e com transmissão da posse do bem em causa, é um sinal evidente de que o bem se não destina à incorporação no património do adquirente, mas sim, à sua inclusão no circuito comercial, daí decorrendo a não exigência do pagamento de sisa.
- Por todas estas ordens de razões entende pois a recorrente que a Douta Sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação, e deste modo, ao considerar que para efeitos de revenda, dentro do prazo legal, de três anos, só releva a existência de uma compra e venda devidamente formalizada, e já não, a outorga de contrato promessa de com tradição da coisa, incorreu em errónea interpretação da lei, deste modo, violando o disposto no artº 9° do Código Civil, bem como o preceituado nos artº 40, 8° e 110 da Lei Geral Tributária, bem como e ainda o consignado nos art°s 1°, 2°, 110, nº 3, 13°-A e 16°, no 1, todos do CIMSISSD.
- Acresce que, salvo melhor opinião, a interpretação do artº 2 do CIMSISSD que está subjacente à posição consagrada na Douta Decisão de que ora se recorre, sempre seria inconstitucional por violadora dos princípios vazados nos art°s 3º, 16°, 103° e 104° da CRP.
- De facto, os preceitos constitucionais em análise, consagram os princípios da legalidade e da igualdade, que deverão impregnar a legislação ordinária, e dentro desta, da legislação fiscal.
- Impõem tais princípios que os impostos são criados por lei, e que a sua incidência deverá respeitar o princípio da legalidade e da igualdade.
- Ora, tratar situações fácticas idênticas, de forma desigual, e considerar realidades de natureza semelhante, como realidades diferentes unicamente tendo em conta os seus efeitos, e não a unidade do sistema jurídico, será pois violar o principio da legalidade e o principio da igualdade, e mesmo até do principio da justiça fiscal, violando-se directamente o principio da legalidade, no que concerne à liquidação dos tributos expressamente consagrado no nº 3 do artº 103° da nossa lei fundamental.
- Consequentemente, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que, julgando procedente a impugnação judicial interposta pela ora recorrente determine a ilegalidade da liquidação do Imposto Municipal de Sisa, considerando-se, para tal, que o ajuste do contrato promessa de compra e venda acompanhado de tradição do bem, e da transmissão da posse, celebrado pela recorrente como promitente vendedora, configura transmissão, e, assim revenda, para efeitos de manutenção da isenção de liquidação do tributo em questão, pois que assim se fará inteira, cabal e já costumada JUSTIÇA!»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3-O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«Isenção de sisa (art. 11º n.º 3 e 16º n°1 do CIMSISD); requisitos de que depende e conceito de revenda, caducidade da isenção.
Dispõe o art. 11º, n.º 3 do C. do Imposto Municipal de Sisa e Imposto Sobre Sucessões e Doações (CIMSISD):
Artigo 11º Isenções
Ficam isentas de imposto municipal de sisa:
(…)
3° - As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13. ° A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda”.
E o art. 16º n.º 1 do CIMSISD:
“Às transmissões de que tratam os n.° 3°, 8°, 9° e 12.º, alínea a), e 21°, 26° 30° e 31.° do artigo 11º e n.º 7.° do artigo 12° deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente:
1° - Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 91/89, de 27/3.
Com a alteração introduzida no acima transcrito art. 16º n.º 1, indubitável é ter-se querido operar a caducidade da dita isenção prevista no art. 11º n.º 3, ao fim de 3 anos, pois tal prazo era tido a partir de então como improrrogável, conforme consta do preâmbulo do referido Dec.-Lei.
Mais ficou ali estabelecido que, no caso do prédio não ser “revendido” ou ser sujeito a “revenda”, deixava de funcionar ainda a referida regra da isenção.
Esta tinha sido concebida, segundo o que resulta do também transcrito art. 11º n.º 3, como vindo a ocorrer quanto ao imposto de sisa com base em ter havido contrato-promessa de compra e venda com tradição, mesmo no caso de dizer respeito a pessoas, singulares ou colectivas, que exercessem a actividade de revenda de imóveis, e de acordo com o declarado em sede de impostos sobre o rendimento.
Não repugna admitir que quanto à dita “revenda” se tenham de verificar já todos os requisitos legais do contrato de compra e venda, e não mero contrato-promessa com tradição conforme previsto no art. 2° § 1º 2 do CIMSISD para que funcione a isenção.
Com efeito, parece não ocorrer violação dos princípios da legalidade e da igualdade, incluindo quanto à incidência e cobrança dos impostos, visto as ditas realidades serem distintas, sendo uma relativa à incidência de imposto e outra aos termos em que funciona a caducidade de isenção que, a propósito, tinha sido prevista segundo o que resulta do dito art. 16° nº1.
Esta é a posição consolidada da jurisprudência do S.T.A., o qual em casos semelhantes se pronunciou já no sentido de não ser de reconhecer tal isenção, bem como no sentido de não existir a inconstitucionalidade que se defende, em face do disposto no art. 2° § 1º 2 do CIMSISD - assim, entre outros, o acórdão do S.T.A de 13-5-09 que se cita na sentença recorrida, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt.
Concluindo, parece que o recurso interposto não é de proceder, pelo que é de manter o decidido que manteve a liquidação efectuada com base nas transcritas normas.»

5 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

6- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
a) A impugnante adquiriu em 20/10/2000, 14/30 indivisos do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Póvoa de Varzim sob o art. 5201, tendo declarado, no acto da compra, que o imóvel se destinava a revenda (cf. doc. de fls. 7 a 11 dos autos).
b) Em 10/09/2003, a impugnante celebrou com a sociedade “B……, Lda.” um contrato de promessa de compra e venda, que incidiu sobre o imóvel referido em a), ali declarando que a escritura de compra e venda realizar-se-ia no prazo máximo de 3 anos a contar da data da outorga do contrato promessa (cf. doc. de fls. 12 a 13 dos autos).
c) Na cláusula 5ª do contrato referido em b) era ainda dito “Não obstante o estipulado na anterior cláusula, dá a primeira à segunda outorgante, autorização para que esta ocupe de imediato o referido prédio, tomando posse do mesmo”, tendo para o efeito a impugnante entregue as chaves do imóvel, tal como resulta da cláusula 6ª do contrato promessa (cf. doc. de fls. 12v dos autos).
d) Considerando que o imóvel não foi revendido no prazo de 3 anos (art. 11º, nº3 do CIMSISSD), foi liquidado à impugnante o imposto municipal de sisa no montante de € 27.932,68, notificado através do ofício nº 993, de 26/01/2004 (cf. doc. de fls. 28 a 30 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA).
e) A presente impugnação foi intentada em 26/05/2004 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).

7- Do mérito do recurso

São duas as questões trazidas pela recorrente à apreciação deste Supremo Tribunal:
a) A primeira é a de saber se a celebração de um contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição do bem realizado dentro do prazo de três anos, constitui “revenda” para o efeito de obstar à caducidade da isenção de sisa de um imóvel adquirido para revenda nos termos dos artigos 11.º, n.º 3, 13.º-A e 16.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD).

b) A outra questão prende-se com a interpretação dada ao artº 2º do CIMSISSD pela decisão recorrida e consiste em saber se tal interpretação viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 3º, 16º, 103º e 104º da nossa lei fundamental.

A sentença recorrida louvando-se no Acórdão do STA de 13.05.2009 proferido no processo nº 0234/09, do qual transcreveu uma parte, decidiu que o contrato promessa de compra e venda com tradição da coisa não configura uma verdadeira transmissão de propriedade para efeitos de manutenção de isenção de sisa de que a ora recorrente havia beneficiado.
Opinião diferente tem a recorrente que considera, a tradição da coisa (no contrato promessa de compra e venda) como uma verdadeira transmissão de propriedade, sendo evidente que o bem em causa não se destina a ser incorporado no património da recorrente, mas de o fazer circular na actividade comercial, sendo irrelevante a posterior celebração da escritura formal, pelo que deve ser mantida a referida isenção que lhe foi previamente concedida.

Esta argumentação da recorrente não pode, no entanto, obter provimento, como abaixo se demonstrará.

7.1 Da questão de saber se a celebração de um contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição do bem realizado dentro do prazo de três anos, constitui “revenda” para o efeito de obstar à caducidade da isenção de sisa nos termos dos artigos 11.º, n.º 3, 13.º-A e 16.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD).
Para um melhor apreensão da questão em debate convirá referir que o o artº 2º do antigo Código do Imposto Municipal de Sisa (CIMSISSD) dispunha o seguinte:
Artigo 2.º (Incidência real)

«A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis.

§ 1.º Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária: 1.º (... )2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;

(...) § 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.

Importará por outro lado apontar que o artº 11º, nº 3 do mesmo diploma legal isentava de sisa as aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A (Dispunha aquele artº 13º A o seguinte: «A isenção prevista no n.º 3.º do artigo 11.º não prejudica a liquidação e pagamento da sisa, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda. 1.º Para efeitos do disposto na parte final do corpo deste artigo, considera-se que o contribuinte exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício do ano anterior mediante certidão passada pela repartição de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim. 2.º Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido paga a sisa, esta será anulada pela repartição de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.»), desde que se verificasse ter sido apresentada, antes da aquisição, a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda.

E finalmente, quanto à cessação do benefício da isenção estabelecia o artigo 16.º que: « As transmissões de que tratam os n.ºs 3.º, 8.º, 9.º e 12.º, alínea a), e 21.º, 26.º 30.º e 31.º do artigo 11.º e n.º 7.º do artigo 12.º deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente: 1.º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda;”.

Ora a questão que nos ocupa é precisamente a de saber se o contrato promessa de venda acompanhado da tradição do bem realizado dentro do prazo de três anos constitui “revenda” para o efeito de obstar à caducidade da isenção de sisa prevista nesta norma.
O recorrente alega que não poderá a lei fiscal para efeitos de tributar o promitente adquirente, ficcionar que, nos casos em que existe contrato promessa de compra e venda, com tradição da coisa, ocorre uma verdadeira transmissão, e ao mesmo tempo, para efeitos de determinar a caducidade do beneficio da isenção do imposto de sisa, entender que tal transmissão afinal não se verifica, ignorando os efeitos que a própria lei fiscal confere ao dito contrato promessa de compra e venda, já que, o facto tributário ou real, em si, qual seja, a tradição da coisa, não perde a sua relevância, consoante se estiver a tratar de tributação ou isenção de tributação.


Por sua vez a sentença recorrida louvando-se na fundamentação do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009 proferido no processo nº 0234/09, concluiu que, ainda que a lei ficcione que se consideram as transmissões de propriedade imobiliária “as promessas de compra e venda.., logo que verificada a transmissão para o promitente-comprador...” este conceito de transmissão não se reconduz ao conceito de revenda utilizado no art. 16°, n° 1 do CIMSISSD, pois este pressupõe a efectivação do contrato de compra e venda.

A nosso ver esta decisão não merece censura, sendo de confirmar o entendimento acolhido, que, aliás, tem o apoio da doutrina e da jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal Administrativo .
Com efeito é a diversidade de fins visados pelo legislador que justifica a diversidade de conceitos utilizados e de soluções encontradas, nomeadamente no que respeita às exigências formais para concessão e manutenção da isenção, e nos permite concluir que não se verifica, no caso, qualquer violação do princípio da unidade do sistema jurídico.

Vejamos.

O antigo Código do Imposto Municipal de Sisa apenas tipificava a celebração do contrato-promessa de compra e venda de imóveis como facto sujeito a imposto, nos casos em que houvesse, ou tivesse havido, tradição do bem (n.° 2.° do § 1.° do artigo 2.° do CIMSISSD). Esta tributação em sede de CIMSISSD tinha a sua razão de ser no facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos. (Ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.04.2010, recurso 924/09, in www.dgsi.pt. )

Normalmente, nestas situações, o promitente adquirente não quer comprar o imóvel, mas pretende, algum tempo depois, ceder a sua posição contratual a terceiro e obter com isso uma mais-valia.

O legislador conhecedor desta realidade e tendo por objectivo de prevenir a fuga ao imposto, não deixou de o reflectir no texto legislativo, pretendendo assim tributar imediatamente a aquisição de uma posição jurídica negociável sobre imóveis.

Porém, foi só para este caso especial que o legislador considerou como transmissão de bens um negócio jurídico que, nos termos da lei civil, não tem aptidão para transmitir o direito de propriedade.

No caso da cessação do benefício da isenção estabelecida no artigo 16.º, nº 1, é bem em diversa é a ratio que preside ao preceito.
Na verdade a isenção pela aquisição de prédios para revenda fundamenta-se na circunstância de tais prédios, destinados a integrar o activo permutável da empresa adquirente, constituírem “mercadorias” da respectiva actividade. Assim a isenção tem como fim último afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis (Cfr. J. Silvério Mateus /L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 385)»
Ora o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações equipara as promessas de compra e venda ou troca de bens imobiliários, com tradição para os promitente comprador ou para o promitente permutante, a transmissões sujeitas a imposto, mas não as equipara a revendas.
E isto porque o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações enuncia um conceito próprio de transmissão, para efeitos de sisa, mais amplo que o da lei civil (Vide, sobre o conceito de transmissão para efeitos de SISA, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos. Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doacções, edição da Imprensa Nacional, volume I, pag. 23, anotação 2.2 ao artº 1º.), mas não o faz em relação ao conceito de revenda. A este respeito esclarece José Maria Fernandes Pires, nas suas Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pags. 422-423, em análise dos pressupostos de isenção do IMT, cujo regime é, neste aspecto, semelhante ao do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, que « a utilização pelo legislador do conceito de revenda e não do de transmissão tem este efeito de tornar indispensável que ocorra a venda do prédio, ou seja, a transmissão do título de propriedade. Só assim se consuma o pressuposto da revenda e isso é assim porque o CIMT tendo um conceito próprio de transmissão, não tem um conceito próprio de revenda, pelo que, relativamente a este temos que utilizar o do direito civil. Desta forma, não basta que estas empresas pratiquem outros negócios sobre esses imóveis, nomeadamente que celebrem contratos de promessa de alienação, para que se considere consumada a revenda. Mesmo nos casos em que a celebração de contrato-promessa para alienação desses prédios seja sucedida da tradição material da posse do prédio, não se pode considerar verificada a revenda. Embora a celebração deste tipo de contratos com tradição da posse seja considerada pelo CIMT como um facto sujeito a imposto, o certo é que no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a Lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de acto ou contrato».
Assim conceito de transmissão acolhido no n.° 2.° do § 1.° do artigo 2.° do CIMSISSD é por natureza restrito e nunca poderá aplicar-se a um caso de isenção que não o tome em consideração.
Até porque a isenção de imposto, na medida em que contraria os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insusceptível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido.

Este tem sido, também, o entendimento maioritário da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo – cf. Acórdãos de 4/11/1970, rec. n.º 16201, de 16/6/1972, rec. n.º 1981, de 11/3/1981, rec. n.º 1462, de 10/11/1982, Pleno, rec. n.º 1462, de 6/3/1985, rec. n.º 2732, de 13.10.1993, rec. º nº 15334, de 8/11/2006, rec. n.º 642/06 e de 13.05.2009, rec.º 234/09 e de 16.11.2011, recurso 303/11.
Como se exarou no Ac. de 13.10.1993, acima citado (publicado no Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282) «perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de «revenda» do prédio em causa».
E neste sentido se vem pronunciando, de igual modo, a doutrina.
Assim Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doacções, edição da Imprensa Nacional, volume I, pag. 371, J. Silvério Mateus /L. Corvelo de Freitas, ob. citada pag. 386, e José Maria Fernandes Pires, ob. citada, pags. 422-423.

Não vemos, nem o recorrente as alega, razões válidas para divergir deste entendimento.

Em suma há-de concluir-se que a celebração de contratos promessa de compra e venda de imóvel no período de três anos subsequente à aquisição, ainda que acompanhado da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção da Sisa, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda.

A sentença recorrida que decidiu neste pendor não merece censura

7.2 Da alegada inconstitucionalidade da interpretação dada ao artº 2º do CIMSISSD pela decisão recorrida por violação os princípios constitucionais consagrados nos artigos 3º, 16º, 103º e 104º da nossa lei fundamental

Alega o recorrente os aludidos preceitos constitucionais consagram os princípios da legalidade e da igualdade, que deverão impregnar a legislação ordinária, e dentro desta, da legislação fiscal.
E que impõem tais princípios que os impostos são criados por lei, e que a sua incidência deverá respeitar o princípio da legalidade e da igualdade.

O recorrente invoca assim nas conclusões, como normas constitucionais que considera violadas pela sentença recorrida, os arts. 3º, 16º, 103º e 104º da Constituição da República, que tratam, respectivamente, da soberania e da legalidade (artº 3º), do âmbito dos direitos fundamentais (artº 16º), do princípio da reserva de lei em matéria fiscal (artº 103º, nº 3) e dos objectivos fixados aos diversos tipos de impostos (artº 104º).
Não se vislumbra, porém, nem o recorrente demonstra, de que forma a interpretação acolhida na sentença recorrida redunda na violação de qualquer uma daquelas normas constitucionais.
Há, no entanto ( e apenas), uma referência expressa aos princípios da legalidade e da igualdade, alegando o recorrente que tratar situações fácticas diferentes de forma desigual, e considerar realidades de natureza semelhante como realidades diferentes, unicamente tendo em conta os seus efeitos, e não a unidade do sistema jurídico, será violar o principio da legalidade e o principio da igualdade.
Esta argumentação não pode, no entanto, proceder.
Na verdade o principio constitucional da legalidade em matéria fiscal pode ser entendido, em termos gerais, em duas vertentes diferentes: o subprincípio da procedência de lei e o subpríncipio da reserva de lei (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II , pag. 217).
No caso subjudice, como é manifesto, não está em causa a violação do princípio em qualquer uma daquelas vertentes (procedência de lei e reserva de lei) ou mesmo no sentido, mais lato, de exigência de lei em sentido formal.
Do mesmo modo improcederá a alegação de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição de arbítrio.
Como é sabido e vem sendo repetido pela jurisprudência e doutrina, apenas uma diferença de tratamento arbitrária e carecida de fundamento material bastante consubstancia violação do princípio da igualdade.
O princípio da igualdade implica que se dê tratamento desigual àquilo que não é igual. A desigualdade de tratamento deve, porém, ter um fundamento material, não podendo surgir sem razão, ou arbitrariamente; e devem ser tratados de igual modo todos aqueles relativamente a quem valha esse fundamento.
Em matéria fiscal o princípio da igualdade concretiza-se na generalidade do imposto, ou seja, no seu carácter universal, e na uniformidade do critério legal (Ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Março de 2004, recurso 2059/03, in www.dgsi.pt.).
Ora, como se viu o facto de o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações equiparar as promessas de compra e venda ou troca de bens imobiliários, com tradição para os promitente comprador, a transmissões sujeitas a imposto, mas não as equiparar a revendas para efeitos da caducidade da isenção de sisa prevista no seu artº 16º, justifica-se pela diversidade de fins visados pelo legislador, quer para a tributação, quer para a isenção, sendo que é essa diversidade que justifica o diferente tratamento fiscal, em consonância com o princípio constitucional da igualdade, na vertente do tratamento diferente de situações de natureza diferente.
Não se verifica, pois a invocada inconstitucionalidade do sentido decisório da sentença recorrida, pelo que improcederá, também, nesta parte, a argumentação da recorrente.

8. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.