Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01962/13
Data do Acordão:03/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INSOLVÊNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - As nulidades previstas no art. 125.º do CPPT referem-se a todas as decisões judiciais, designadamente aos despachos, na parte em que lhe sejam aplicáveis (cfr. n.º 3 do art. 613.º do CPC) e não apenas às sentenças, como a sua epígrafe pode fazer supor.
II - Nos termos do art. 88.º, n.º 1, CIRE e do art. 180.º, n.º 2, do CPPT devem ser remetidos ao processo de insolvência os processos de execução fiscal e, bem assim, todos os processos que corram por apenso, mas estes apenas desde que neles se discutam questões cuja resolução possa relevar naquele processo.
III - É sustentável a tese de que da decisão da reclamação deduzida, nos termos dos arts. 276.º e 278.º do CPPT, pelo apresentante da segunda melhor proposta contra a decisão do órgão da execução fiscal que aceitou a sua proposta e ordenou a sua notificação para efectuar o depósito, dependerá a manutenção ou anulação da venda e, consequentemente, saber se a massa insolvente será integrada pelos prédios penhorados ou pelo produto da respectiva venda, e que, por isso, tal decisão competirá ao juiz da insolvência, motivo por que a referida reclamação lhe deve ser remetida sem mais.
IV - Mas essa questão só poderá ser conhecida pelo juiz da 1.ª instância, em reforma da sentença, e já não por este Supremo Tribunal Administrativo, cujos poderes de cognição nos recursos judiciais interpostos per saltum das decisões da 1.ª instância não incluem o de conhecer em substituição das questões relativamente às quais tenha havido omissão de pronúncia (art. 12.º, n.º 5, do ETAF e arts. 679.º e 684.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Nº Convencional:JSTA00068624
Nº do Documento:SA22014031201962
Data de Entrada:12/30/2013
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC13 ART617 N1 ART615 ART613 N3 ART608 N2 ART195 ART839 N1 ART665 N1 ART679 ART684.
CPPTRIB99 ART125 ART180 N2 ART276 ART278.
CIRE04 ART88 N1 ART149.
ETAF02 ART12 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01257/09 DE 2010/02/10.; AC STA PROC0238/12 DE 2014/02/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLII PAG363, VOLIII PAG324-325, VOLIV PAG171-174.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de despacho proferido no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 949/13.0BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A “A…….., S.A.”(a seguir Reclamante ou Recorrente) vem recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ordenou que fosse remetido ao processo de insolvência da sociedade executada o processo de reclamação por ela deduzido, ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 que, com referência à venda dos bens imóveis penhorados na execução fiscal (e alegadamente na sequência da falta de pagamento pelo apresentante da proposta de valor mais elevado), aceitou a proposta da Reclamante, a segunda de valor mais elevado, e ordenou-lhe que efectuasse o depósito do preço oferecido.
Sustenta a Recorrente, em síntese, que essa remessa não deveria ter sido ordenada sem que previamente fossem apreciados os pedidos que a Reclamante, do mesmo passo que veio aos autos dar notícia da declaração de insolvência da Executada, formulou; pedidos de que a reclamação fosse suspensa ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) ou extinta por inutilidade superveniente da lide e, em qualquer dos casos, que lhe fosse devolvido o preço por ela depositado à cautela e exclusivamente para prevenir a eventualidade de indeferimento da reclamação.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, apresentou a Recorrente as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. No dia 06 de Março de 2013 realizaram-se no Serviço de Finanças de Guimarães 1 as vendas melhor identificadas pelos n.ºs 04162012.249, 0418.2012.250 e 0418,2012.251, as quais tiveram lugar no processo de execução fiscal n.º 0418201101047539 e respectivos apensos.

2. Em cada uma dessas vendas, os três imóveis a alienar foram adjudicados ao proponente B……… .

3. O proponente em causa não procedeu ao depósito do preço das propostas por si apresentadas.

4. O órgão de execução fiscal proferiu, sem mais, decisão no sentido de serem aceites as propostas de valor imediatamente inferior, apresentadas pela A……., S.A.

5. Por não concordar com o teor da decisão proferida pelo Serviço da Guimarães 1 a A……, mediante reclamação que no prazo e forma legalmente previstos dirigiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pugnou pela anulação da mesma por violação do disposto no art. 898.º/n.º 1 do CPC, do disposto no art. 8.º da Portaria n.º 219/2011 de 01 de Junho e, bem assim, por violação do disposto no art. 255.º n.º 1/ al. e) do CPPT.

6. Peticionou, ainda, a aí Reclamante, ora Recorrente, a subida imediata da reclamação ao tribunal tributário, com efeito suspensivo (designadamente da eficácia do acto de aceitação das propostas e da notificação para depósito do respectivo preço), alegando, para tanto, a ocorrência de prejuízo irreparável.

7. Certo é que, atenta a previsão estatuída no n.º 4 do art 256.º do CPPT para a hipótese de a Reclamante vir a ser considerada proponente remissa e por mera cautela de patrocínio, a A……. procedeu ao depósito do preço das propostas por si apresentadas, no valor de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros) cada, no prazo legalmente estipulado.

8. Fê-lo, contudo, e conforme deixou dito, sob reserva e para a hipótese de a reclamação em causa não obter provimento.

9. Em momento anterior ao da prolação de qualquer decisão pelo tribunal tributário quanto ao libelo vindo a aludir foi a sociedade aqui Executada, “C………, S.A.”, declarada insolvente.

10. Tendo tomado conhecimento de tal circunstância, a Reclamante, ora Recorrente, expediu requerimento aos presentes autos por via do qual peticionou fossem os mesmos declarados suspensos ao abrigo do disposto no art. 88.º/n.º1 do CIRE, ou, caso assim se entendesse, extintos por inutilidade superveniente da lide, peticionando, ainda, em quaisquer dos casos, se ordenasse ao órgão de execução fiscal a devolução do preço pago pela A……… (€ 36.000,00 x 3) por cautela e a título de reserva.

11. Certo é que, o Tribunal a quo limita-se a ordenar a remessa dos presentes autos ao processo de insolvência da sociedade executada, escusando-se de emitir qualquer parecer quanto à peticionada suspensão e/ou extinção da instância e, bem assim, quanto à requerida devolução do valor depositado pela A……… a título de reserva.

12. Padece, portanto, de omissão de pronúncia devida – causa de nulidade da sentença nos termos do n.º 1 do art. 125.º do CPPT – o despacho aqui em crise que, de modo nenhum, se pronuncia sobre os pedidos formulados pela A……..,

13. Pelo que, deve o mesmo ser substituído por outro que aprecie as questões suscitadas pela ora Recorrente.

TERMOS EM QUE, não pode manter-se a douta decisão recorrida que deve ser revogada, ordenando-se a sua substituição por outro texto decisório em que se conheça o petitório submetido a decisão jurisdicional».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra alegações.

1.5 Instruído o recurso com as peças indicadas pela Recorrente, foi remetido a este Supremo Tribunal Administrativo.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, ordenou-se a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de que o Juiz do Tribunal a quo se pronunciasse sobre a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia arguida pela Recorrente.

1.7 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu despacho considerando que a decisão recorrida não enferma dessa nulidade. Isto, se bem interpretamos esse despacho, porque o despacho recorrido é um mero despacho interlocutório e não uma decisão final (parecendo concluir que relativamente a tal despacho não pode ser arguida a nulidade por omissão de pronúncia) e, por outro lado (e considerando tratar-se de «questão distinta»), que não lhe era exigível que conhecesse das questões formuladas (suspensão da instância e devolução do preço depositado), atenta a decisão de remessa aos autos de insolvência.

1.8 Regressados os autos a este Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

«1. Coloca a recorrente em causa ter existido omissão de pronúncia em despacho que foi proferido já no TAF de Braga a mandar remeter os autos, “em conformidade com fls. 152”, a processo de insolvência.

2. A alegada omissão de pronúncia é relativa a questões que a então reclamante A…….. tinha suscitado em requerimento apresentado após a reclamação e em [que] pedira que os autos fossem declarados suspensos ao abrigo do art. 88.º/1 do CIRE, ou ordenada a inutilidade superveniente da lide, bem como, ainda, em qualquer dos casos, que ao órgão de execução fiscal fosse ordenada a devolução do preço que tinha pago, por cautela e a título de reserva.

3. Existem elementos nos autos no sentido de que tinha sido declarada a insolvência da executada, bem como que tal tinha já ocorrido na data em que tinha sido efectuada a notificação para depósito do preço pela A…..., o que esta invoca apenas conhecido posteriormente.

4. Conforme decidido pelo acórdão do S.T.A. de 10-2-2010 proferido no processo n.º 01257/09, acessível em www.dgsi.pt, “I- Nos termos do artigo 180.º do CPPT a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, incluindo os tramitados por apenso. II - Tal não significa, porém, a atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação (...)”.

5. Opinião diferente parece ter Jorge Lopes de Sousa em C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. III, p. 325, para quem a remessa ao processo de execução e outros ao mesmo referente de insolvência obtém justificação em “terem de ser centralizadas todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que integram a massa falida ou insolvente” e que, nos casos em que tal pareça discutível, deve “optar-se pela interpretação que mais linearmente decorre do texto legal” – assim, ainda a p. 326.

6. Ora, se a remessa é susceptível de se fundar no disposto no art. 180.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P.T., tais disposições são de interpretar conjugadamente com as actuais disposições do C.I.R.E., sendo que nenhum fundamento se colhe no despacho proferida quanta às razões pelas quais se determinou a dita remessa.

7. Quer parecer, pois, que melhor será julgar o recurso interposto procedente, sendo de revogar o decidido, a substituir por decisão que conheça ainda da matéria suscitada no dito requerimento, e com base na aplicação que resulta do dito art. 88.º/1 do C.I.R.E.».

1.9 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.10 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida, que ordenou a remessa da execução fiscal ao processo de insolvência da Executada enferma de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que ordenou a remessa dos autos ao processo de insolvência sem previamente se ter pronunciado sobre as questões que lhe foram suscitadas pela Reclamante, ora Recorrente, quando veio dar conhecimento ao Tribunal a quo da declaração de insolvência da Executada.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão os autos revelam o seguinte circunstancialismo processual:

a) No processo de execução fiscal com o n.º 0418201101047639, instaurado contra a sociedade denominada “C……….., S.A.”, o Serviço de Finanças de Guimarães 1 promoveu a venda de três bens imóveis penhorados (cfr. fls. 29 a 34);

b) Em 6 de Março de 2013, abertas as propostas de aquisição aceites pelo órgão da execução fiscal, verificou-se que as duas propostas de valor mais alto, por ordem decrescente, foram apresentadas, por B……… e pela “A………, S.A.” (cfr. fls. 29 a 34);

c) Por ofício registado em 25 de Março de 2013, o Serviço de Finanças de Guimarães 1 notificou a “A………., S.A.”, ora Recorrente, na pessoa da sua Mandatária judicial, nos seguintes termos:

«Assunto: VENDA JUDICIAL – ACEITAÇÃO DE PROPOSTA

Ex.mo(a) Senhor(a)

Por despacho do Chefe de Finanças de 25 de Março de 2013, no processo de execução fiscal 0418201101047639 e outros, no âmbito das vendas judiciais n.ºs 0418.2012.249, 0418.2012.250 e 0418.2012.251, promovida pela Autoridade Tributária Aduaneira contra a executada C…….. S.A. (NIPC ……..), fica por este meio notificado que, nos termos do disposto na alínea a) n.º 1 do artigo 898.º do Código de Processo Civil, foram aceites as suas propostas, por serem as de maior valor (€ 36.000,00 cada).
Mais fica notificado para, até ao dia 09 de Abril de 2013, efectuar o pagamento da totalidade do preço oferecido, nos termos do artigo 256.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como dos impostos que se mostrem devidos, nomeadamente o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e o Imposto de Selo, mediante guias a solicitar neste Serviço de Finanças, sob pena, se não o fizer, de aplicação das sanções previstas na lei do processo civil, nomeadamente as previstas no artigo 898.º do CPC»
(cfr. fls. 36)

d) Em 9 de Abril de 2013, a “A………, S.A.” fez dar entrada no processo de execução fiscal uma petição na qual, dizendo vir reclamar judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 respeitante à adjudicação dos imóveis acima referidos, pediu ao Juiz daquele Tribunal a anulação do acto de aceitação das propostas por ela apresentadas em ordem à aquisição desses imóveis e de notificação para depósito do respectivo preço (cfr. fls. 39 a 49);

e) Na mesma data, a Reclamante pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 que, para a eventualidade de se entender que aquela reclamação não suspendia a eficácia do acto reclamado, fosse notificada na pessoa da sua Mandatária judicial com vista ao depósito do preço (cfr. fls. 37/38);

f) Em 11 de Abril de 2013, a Reclamante fez dar entrada no Serviço de Finanças de Guimarães 1 um requerimento dirigido ao processo de execução fiscal, apresentando os comprovativos dos depósitos do preço das propostas por ela apresentadas, «por mera cautela e para o caso da reclamação em causa não obter provimento» (cfr. fls. 50 a 59);

g) Em 21 de Junho de 2013, a ora Recorrente fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga um requerimento dirigido à reclamação dita em d), no qual, em síntese, alegando que as vendas em causa não tinham ainda sido concretizadas, uma vez que os imóveis ainda não foram adjudicados e que o depósito por ela efectuado do preço oferecido foi feito «por mera cautela e sob reserva de indeferimento da presente reclamação», informou que a Executada foi declarada insolvente em 28 de Maio de 2013 e formulou o seguinte pedido: «[…] devem os presentes autos ser suspensos, ao abrigo do disposto no art. 88º/1 do CIRE, ou, caso assim se entenda, ser extintos por inutilidade superveniente da lide, ordenando-se ao órgão da execução fiscal a devolução do preço pago pela A…….., por cautela e a título de reserva» (cfr. fls. 60/61 e 64/65);

h) Em 9 de Agosto de 2013, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu despacho do seguinte teor na reclamação dita em c): «Fls. 152: Remetam-se os autos em conformidade» (cfr. fls. 3).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal foram postos à venda três bens imóveis. O órgão da execução fiscal (ao que parece, porque o apresentante da melhor proposta não terá efectuado o depósito do preço oferecido) entendeu (segundo alegado, sem mais) notificar a “A……..”, que apresentou a segunda proposta de valor mais elevado, de que foi aceite a sua proposta e para efectuar o depósito do preço oferecido, sob pena de incorrer nas «sanções previstas na lei do processo civil, nomeadamente as previstas no artigo 898.º do CPC».
A “A………” reclamou judicialmente, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a anulação da decisão que aceitou a sua proposta e lhe ordenou que depositasse o preço oferecido, mas efectuou o depósito do preço oferecido «por mera cautela e para o caso da reclamação em causa não obter provimento».
Entretanto, porque a Executada foi declarada insolvente, a Reclamante veio a juízo dar notícia da declaração de insolvência e, do mesmo passo, pedir que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga suspendesse a reclamação judicial, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 88.º do CIRE, ou declarasse a reclamação extinta por inutilidade superveniente da lide e, em qualquer caso, ordenando-se ao órgão da execução fiscal a devolução do preço pago pela A…….. por cautela e para a eventualidade de improcedência da reclamação.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ordenou a remessa dos autos ao processo de insolvência sem se pronunciar sobre estes pedidos formulados pela Reclamante.
A Reclamante discordou desse despacho e dele veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo, recurso que foi admitido para subir imediatamente e em separado.
Começa por invocar que aquele despacho enferma de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que ordenou a remessa do processo à insolvência sem antes se pronunciar sobre as questões que lhe foram suscitadas pela Reclamante, quais sejam as da suspensão do processo ou da declaração da inutilidade superveniente e, em qualquer dos casos, da devolução à Reclamante do montante depositado, sendo que o Tribunal estava obrigado a delas conhecer.
Daí termos enunciado a questão a apreciar e decidir nos termos que deixámos expressos em 1.10.

2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

2.2.2.1 Sustenta a Recorrente que o despacho reclamado enferma de nulidade por omissão de pronúncia,
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no despacho proferido para dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), parece ter considerado que não é possível a invocação da nulidade por omissão de pronúncia relativamente a despachos interlocutórios, mas apenas relativamente a decisões finais.
Salvo o devido respeito, e pese embora o teor da epígrafe do art. 125.º do CPPT e do art. 615.º do CPC – que ambos se referem exclusivamente à sentença –, não concordamos. Desde logo, porque o n.º 3 do art. 613.º do CPC, o primeiro do capítulo denominado «Vícios e reforma da sentença», determina que «[o] disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as devidas adaptações, aos despachos».
Ou seja, é a própria lei a impor a sujeição dos despachos judiciais, com as necessárias adaptações, às mesmas nulidades que prevê relativamente à sentença e, entre elas, necessariamente, a omissão de pronúncia, que é o vício formal decorrente da falta de conhecimento pelo tribunal de questão que deva apreciar. Quanto aos deveres de cognição do tribunal, há que atentar no disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
É certo que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no despacho que proferiu ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do art. 617.º do CPC em ordem a apreciar a arguida nulidade por omissão de pronúncia – e pese embora pareça ter considerado que não é possível que um despacho interlocutório enferme de vício por omissão de pronúncia – afirmou, embora dizendo que se tratava de «questão distinta», que «o Tribunal não estava obrigado a decidir das questões formuladas, atenta a decisão de remessa aos autos de falência».
No entanto, cumpre notar que, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, nos casos em que o juiz entende que não deve conhecer de uma questão, deve indicar os motivos por que entende assim, ou seja, as razões por que não conhece dela, «pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disse sobre ela» (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 a) ao art. 125.º, pág. 363.).
Regressando ao caso sub judice, verificamos que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ordenou a remessa dos autos ao processo de insolvência sem que se tenha pronunciado sobre as questões que a Reclamante lhe colocou, designadamente as de saber se a reclamação devia ou não ser suspensa ao abrigo do art. 88.º, n.º 1, do CIRE A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes».), ou mesmo se devia ser extinta por inutilidade superveniente da lide e, em qualquer dos casos, se devia ou não restituir-se à Reclamante o montante por ela depositado, equivalente ao preço que ofereceu pela aquisição dos bens imóveis em execução fiscal.
Do mesmo modo, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não disse por que entendia que as referidas questões não deviam ser conhecidas antes da remessa, sendo que (tanto quanto nos é dado saber) apenas ordenou, sem mais, a remessa dos autos à insolvência.
Assim, afigura-se-nos que procede a invocada nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que as referidas questões não foram conhecidas nem foram indicadas quaisquer razões para essa falta de conhecimento, motivo por que o recurso será provido.

2.2.2.2 Poderá questionar-se, como o fez o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no despacho proferido ao disposto nos n.ºs 1 e 5 do art. 617.º do CPC, da necessidade de apreciar essas questões em face da declaração de remessa do processo de reclamação judicial ao processo de insolvência.
Como é sabido, declarada a insolvência da executada, deve ser suspensa a execução fiscal contra ela pendente e a mesma deve ser remetida à insolvência. A esse propósito, não há qualquer divergência de posições assumidas nos autos e é o que resulta do disposto no art. 88.º, n.º 1 O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente».), do CIRE e do art. 180.º, n.º 2 O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial».), do CPPT (É certo que no CPPT está prevista a apensação de todos os processos de execução fiscal pendentes e não só dos processos em que tenha havido apreensão de bens da massa insolvente (art. 85.º, n.º 2, do CIRE), mas isso apenas sucede porque, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação ao 8 art. 180.º, págs. 324/325, o CPPT, para além da principal finalidade visada com essa apensação – a de «assegurar que nestes processos não sejam tomadas decisões que possam ter interferência no processo […] de recuperação de empresa» –, visa também assegurar a reclamação dos créditos que nele se pretendem cobrar.).
No entanto, no caso não está em causa um processo de execução fiscal, mas antes uma reclamação judicial de um acto praticado naquele processo pelo órgão da execução fiscal, processo que, hoje, no caso de subida imediata (cfr. art. 278.º, n.º 3, do CPPT), corre separadamente da execução fiscal, se bem que na sua dependência [cfr. alínea d) do art. 101.º da LGT e alínea n) do art. 97.º do CPPT, nas redacções aplicáveis, que são as que lhe foram dadas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013)]. Mais concretamente está em causa a reclamação deduzida nos termos dos arts. 276.º e 278.º do CPPT da decisão subjacente à notificação que o órgão da execução fiscal efectuou à ora Recorrente para efectuar o pagamento do preço por ela oferecido na venda dos bens penhorados por propostas em carta fechada.
Essa reclamação subiu imediatamente e, por isso, em separado.
Será que também ela deve ser remetida ao processo de insolvência e, na afirmativa, sem que previamente se conheça das requeridas suspensão ou extinção da instância e, em qualquer dos casos, da requerida devolução do valor depositado pela ora Recorrente?
Se é certo que a jurisprudência tem vindo a afirmar que os processos que correm por apenso à execução fiscal devem também ser remetidos à insolvência, também tem ressalvado que «[t]al não significa, porém, a atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação» (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 1257/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (https://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 341 a 345, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/643b16d640c61a60802576ce00580646?OpenDocument;
– de 12 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 238/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/738b76fc56108e4380257c89003ff554?OpenDocument.).
Ou seja, a jurisprudência mais recente parece admitir que não devem ser remetidos à falência os processos que, embora sendo dependentes da execução fiscal, não digam respeito aos créditos do insolvente ou à massa insolvente.
No caso sub judice, poderá eventualmente sustentar-se a decisão a proferir na reclamação influenciará o valor da massa insolvente. Vejamos:
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, após aprofundada reflexão sobre a matéria, «deve entender-se que na venda em processo de execução fiscal, a transmissão da propriedade se opera com a aceitação da proposta do comprador, consubstanciada na comunicação de que o órgão da execução fiscal decide vender-lhe o bem penhorado» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 13 ao art. 256.º, págs. 171 a 174.). De acordo com a doutrina exposta por aquele insigne Conselheiro, para que se considere efectuada a venda em processo de execução fiscal é indiferente que tenha havido ou não depósito do preço e, consequentemente, que tenha havido ou não adjudicação dos bens.
Ou seja, a considerar-se que a venda foi já efectuada, não seriam os bens penhorados a ser apreendidos para a massa insolvente, mas sim o produto da venda, como resulta inequivocamente do disposto no art. 149.º do CIRE 1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
[…]
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido».).
No entanto, a nosso ver, saber se a venda pode ou não considerar-se efectuada exige que se decida a reclamação deduzida pela ora Recorrente. Na verdade, se vier a ser anulada a decisão do órgão da execução fiscal que aceitou a proposta da ora Recorrente e lhe ordenou o depósito do preço, com a consequente anulação da venda [cfr. arts. 195.º e 839.º, n.º 1, alínea c) 1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
[…]
c) Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 195.º;
[…]».), do CPC] o que será apreendido para a insolvência serão os imóveis penhorados.
Ou seja, é sustentável que a decisão a proferir na reclamação, porque susceptível de pôr em causa a subsistência da venda, se reflectirá na massa insolvente, que, consoante aquela decisão, poderá vir a ser integrada pelos bens imóveis penhorados na execução fiscal ou pelo produto da respectiva venda.
Significa isto que se poderá também sustentar, de acordo com a doutrina que deixámos exposta, que o processo deverá ser remetido ao processo de insolvência sem conhecimento de qualquer outra questão, pois têm «de ser centralizadas no respectivo juiz todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que se integram na massa […] insolvente» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 10 ao art. 180.º, págs. 325 a 327.) e que, nesta fase, só o Juiz da insolvência poderá conhecer das questões suscitadas pela Recorrente.
Mas, isso é algo que só caberá ao Juiz do Tribunal a quo ponderar e decidir.
É que, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, nos recursos interpostos per saltum dos tribunais tributários para o Supremo Tribunal Administrativo não será de aplicar a regra do conhecimento em substituição prevista no art. 665.º, n.º 1, do CPC (antigo art. 715.º) do CPC. Isto porque «nestes recursos jurisdicionais, o STA tem meros poderes de revista (art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984) (1) [(1)No art. 12.º, n.º 5, do ETAF de 2002 estabelece-se regra idêntica, para os processos a que este diploma se aplica] pelo que as regras aplicáveis subsidiariamente, atenta a natureza do caso omisso (art. 2.º do CPPT), serão as próprias dos recursos de revista» e, nestes, «afasta-se a aplicação daquele n.º 1 do art. 715.º do CPC [hoje, art. 665.º do CPC] (art. 726.º [hoje, art. 679.º do CPC] do mesmo Código) e, no caso de ser nula a decisão recorrida, apenas se prevê o suprimento da nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão, condenação em quantidade superior ou objecto diverso do pedido (art. 731.º, n.º 1., do CPC) [hoje, art. 684.º do CPC]»; já «[n]o caso de proceder alguma das restantes nulidades de sentença, mandar-se-á baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelo mesmo juiz quando possível (art. 731.º [hoje, art. 684.º do CPC], n.º 2, do CPC, adaptado aos recursos de decisões dos tribunais tributários).» (Ob. cit., IV volume, anotação 20 f) ao art. 279.º, pág. 367/368.).
Em consequência, dando provimento ao recurso e anulando o despacho recorrido, ordenaremos que o processo baixe à 1.ª instância, a fim de aí ser reformado.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:


I - As nulidades previstas no art. 125.º do CPPT referem-se a todas as decisões judiciais, designadamente aos despachos, na parte em que lhe sejam aplicáveis (cfr. n.º 3 do art. 613.º do CPC) e não apenas às sentenças, como a sua epígrafe pode fazer supor.
II - Nos termos do art. 88.º, n.º 1, CIRE e do art. 180.º, n.º 2, do CPPT devem ser remetidos ao processo de insolvência os processos de execução fiscal e, bem assim, todos os processos que corram por apenso, mas estes apenas desde que neles se discutam questões cuja resolução possa relevar naquele processo.
III - É sustentável a tese de que da decisão da reclamação deduzida, nos termos dos arts. 276.º e 278.º do CPPT, pelo apresentante da segunda melhor proposta contra a decisão do órgão da execução fiscal que aceitou a sua proposta e ordenou a sua notificação para efectuar o depósito, dependerá a manutenção ou anulação da venda e, consequentemente, saber se a massa insolvente será integrada pelos prédios penhorados ou pelo produto da respectiva venda, e que, por isso, tal decisão competirá ao juiz da insolvência, motivo por que a referida reclamação lhe deve ser remetida sem mais.
IV - Mas essa questão só poderá ser conhecida pelo juiz da 1.ª instância, em reforma da sentença, e já não por este Supremo Tribunal Administrativo, cujos poderes de cognição nos recursos judiciais interpostos per saltum das decisões da 1.ª instância não incluem o de conhecer em substituição das questões relativamente às quais tenha havido omissão de pronúncia (art. 12.º, n.º 5, do ETAF e arts. 679.º e 684.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, anular o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para reforma da decisão recorrida (conhecimento das referidas questões), se possível pelo mesmo juiz.

Sem custas.


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Lisboa, 12 de Março de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.