Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01962/13 |
Data do Acordão: | 03/12/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | INSOLVÊNCIA OMISSÃO DE PRONÚNCIA PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO |
Sumário: | I - As nulidades previstas no art. 125.º do CPPT referem-se a todas as decisões judiciais, designadamente aos despachos, na parte em que lhe sejam aplicáveis (cfr. n.º 3 do art. 613.º do CPC) e não apenas às sentenças, como a sua epígrafe pode fazer supor. II - Nos termos do art. 88.º, n.º 1, CIRE e do art. 180.º, n.º 2, do CPPT devem ser remetidos ao processo de insolvência os processos de execução fiscal e, bem assim, todos os processos que corram por apenso, mas estes apenas desde que neles se discutam questões cuja resolução possa relevar naquele processo. III - É sustentável a tese de que da decisão da reclamação deduzida, nos termos dos arts. 276.º e 278.º do CPPT, pelo apresentante da segunda melhor proposta contra a decisão do órgão da execução fiscal que aceitou a sua proposta e ordenou a sua notificação para efectuar o depósito, dependerá a manutenção ou anulação da venda e, consequentemente, saber se a massa insolvente será integrada pelos prédios penhorados ou pelo produto da respectiva venda, e que, por isso, tal decisão competirá ao juiz da insolvência, motivo por que a referida reclamação lhe deve ser remetida sem mais. IV - Mas essa questão só poderá ser conhecida pelo juiz da 1.ª instância, em reforma da sentença, e já não por este Supremo Tribunal Administrativo, cujos poderes de cognição nos recursos judiciais interpostos per saltum das decisões da 1.ª instância não incluem o de conhecer em substituição das questões relativamente às quais tenha havido omissão de pronúncia (art. 12.º, n.º 5, do ETAF e arts. 679.º e 684.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). |
Nº Convencional: | JSTA00068624 |
Nº do Documento: | SA22014031201962 |
Data de Entrada: | 12/30/2013 |
Recorrente: | A...., S.A. |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | DESP TAF BRAGA |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL |
Legislação Nacional: | CPC13 ART617 N1 ART615 ART613 N3 ART608 N2 ART195 ART839 N1 ART665 N1 ART679 ART684. CPPTRIB99 ART125 ART180 N2 ART276 ART278. CIRE04 ART88 N1 ART149. ETAF02 ART12 N5. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01257/09 DE 2010/02/10.; AC STA PROC0238/12 DE 2014/02/12. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLII PAG363, VOLIII PAG324-325, VOLIV PAG171-174. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional de despacho proferido no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 949/13.0BEBRG
1. RELATÓRIO 1.1 A “A…….., S.A.”(a seguir Reclamante ou Recorrente) vem recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ordenou que fosse remetido ao processo de insolvência da sociedade executada o processo de reclamação por ela deduzido, ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 que, com referência à venda dos bens imóveis penhorados na execução fiscal (e alegadamente na sequência da falta de pagamento pelo apresentante da proposta de valor mais elevado), aceitou a proposta da Reclamante, a segunda de valor mais elevado, e ordenou-lhe que efectuasse o depósito do preço oferecido. 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, apresentou a Recorrente as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1. No dia 06 de Março de 2013 realizaram-se no Serviço de Finanças de Guimarães 1 as vendas melhor identificadas pelos n.ºs 04162012.249, 0418.2012.250 e 0418,2012.251, as quais tiveram lugar no processo de execução fiscal n.º 0418201101047539 e respectivos apensos. 2. Em cada uma dessas vendas, os três imóveis a alienar foram adjudicados ao proponente B……… . 3. O proponente em causa não procedeu ao depósito do preço das propostas por si apresentadas. 4. O órgão de execução fiscal proferiu, sem mais, decisão no sentido de serem aceites as propostas de valor imediatamente inferior, apresentadas pela A……., S.A. 5. Por não concordar com o teor da decisão proferida pelo Serviço da Guimarães 1 a A……, mediante reclamação que no prazo e forma legalmente previstos dirigiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pugnou pela anulação da mesma por violação do disposto no art. 898.º/n.º 1 do CPC, do disposto no art. 8.º da Portaria n.º 219/2011 de 01 de Junho e, bem assim, por violação do disposto no art. 255.º n.º 1/ al. e) do CPPT. 6. Peticionou, ainda, a aí Reclamante, ora Recorrente, a subida imediata da reclamação ao tribunal tributário, com efeito suspensivo (designadamente da eficácia do acto de aceitação das propostas e da notificação para depósito do respectivo preço), alegando, para tanto, a ocorrência de prejuízo irreparável. 7. Certo é que, atenta a previsão estatuída no n.º 4 do art 256.º do CPPT para a hipótese de a Reclamante vir a ser considerada proponente remissa e por mera cautela de patrocínio, a A……. procedeu ao depósito do preço das propostas por si apresentadas, no valor de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros) cada, no prazo legalmente estipulado. 8. Fê-lo, contudo, e conforme deixou dito, sob reserva e para a hipótese de a reclamação em causa não obter provimento. 9. Em momento anterior ao da prolação de qualquer decisão pelo tribunal tributário quanto ao libelo vindo a aludir foi a sociedade aqui Executada, “C………, S.A.”, declarada insolvente. 10. Tendo tomado conhecimento de tal circunstância, a Reclamante, ora Recorrente, expediu requerimento aos presentes autos por via do qual peticionou fossem os mesmos declarados suspensos ao abrigo do disposto no art. 88.º/n.º1 do CIRE, ou, caso assim se entendesse, extintos por inutilidade superveniente da lide, peticionando, ainda, em quaisquer dos casos, se ordenasse ao órgão de execução fiscal a devolução do preço pago pela A……… (€ 36.000,00 x 3) por cautela e a título de reserva. 11. Certo é que, o Tribunal a quo limita-se a ordenar a remessa dos presentes autos ao processo de insolvência da sociedade executada, escusando-se de emitir qualquer parecer quanto à peticionada suspensão e/ou extinção da instância e, bem assim, quanto à requerida devolução do valor depositado pela A……… a título de reserva. 12. Padece, portanto, de omissão de pronúncia devida – causa de nulidade da sentença nos termos do n.º 1 do art. 125.º do CPPT – o despacho aqui em crise que, de modo nenhum, se pronuncia sobre os pedidos formulados pela A…….., 13. Pelo que, deve o mesmo ser substituído por outro que aprecie as questões suscitadas pela ora Recorrente. TERMOS EM QUE, não pode manter-se a douta decisão recorrida que deve ser revogada, ordenando-se a sua substituição por outro texto decisório em que se conheça o petitório submetido a decisão jurisdicional». 1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo. 1.4 Não foram apresentadas contra alegações. 1.5 Instruído o recurso com as peças indicadas pela Recorrente, foi remetido a este Supremo Tribunal Administrativo. 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, ordenou-se a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de que o Juiz do Tribunal a quo se pronunciasse sobre a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia arguida pela Recorrente. 1.7 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu despacho considerando que a decisão recorrida não enferma dessa nulidade. Isto, se bem interpretamos esse despacho, porque o despacho recorrido é um mero despacho interlocutório e não uma decisão final (parecendo concluir que relativamente a tal despacho não pode ser arguida a nulidade por omissão de pronúncia) e, por outro lado (e considerando tratar-se de «questão distinta»), que não lhe era exigível que conhecesse das questões formuladas (suspensão da instância e devolução do preço depositado), atenta a decisão de remessa aos autos de insolvência. 1.8 Regressados os autos a este Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos: «1. Coloca a recorrente em causa ter existido omissão de pronúncia em despacho que foi proferido já no TAF de Braga a mandar remeter os autos, “em conformidade com fls. 152”, a processo de insolvência. 2. A alegada omissão de pronúncia é relativa a questões que a então reclamante A…….. tinha suscitado em requerimento apresentado após a reclamação e em [que] pedira que os autos fossem declarados suspensos ao abrigo do art. 88.º/1 do CIRE, ou ordenada a inutilidade superveniente da lide, bem como, ainda, em qualquer dos casos, que ao órgão de execução fiscal fosse ordenada a devolução do preço que tinha pago, por cautela e a título de reserva. 3. Existem elementos nos autos no sentido de que tinha sido declarada a insolvência da executada, bem como que tal tinha já ocorrido na data em que tinha sido efectuada a notificação para depósito do preço pela A…..., o que esta invoca apenas conhecido posteriormente. 4. Conforme decidido pelo acórdão do S.T.A. de 10-2-2010 proferido no processo n.º 01257/09, acessível em www.dgsi.pt, “I- Nos termos do artigo 180.º do CPPT a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, incluindo os tramitados por apenso. II - Tal não significa, porém, a atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação (...)”. 5. Opinião diferente parece ter Jorge Lopes de Sousa em C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. III, p. 325, para quem a remessa ao processo de execução e outros ao mesmo referente de insolvência obtém justificação em “terem de ser centralizadas todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que integram a massa falida ou insolvente” e que, nos casos em que tal pareça discutível, deve “optar-se pela interpretação que mais linearmente decorre do texto legal” – assim, ainda a p. 326. 6. Ora, se a remessa é susceptível de se fundar no disposto no art. 180.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P.T., tais disposições são de interpretar conjugadamente com as actuais disposições do C.I.R.E., sendo que nenhum fundamento se colhe no despacho proferida quanta às razões pelas quais se determinou a dita remessa. 7. Quer parecer, pois, que melhor será julgar o recurso interposto procedente, sendo de revogar o decidido, a substituir por decisão que conheça ainda da matéria suscitada no dito requerimento, e com base na aplicação que resulta do dito art. 88.º/1 do C.I.R.E.». 1.9 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo. 1.10 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida, que ordenou a remessa da execução fiscal ao processo de insolvência da Executada enferma de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que ordenou a remessa dos autos ao processo de insolvência sem previamente se ter pronunciado sobre as questões que lhe foram suscitadas pela Reclamante, ora Recorrente, quando veio dar conhecimento ao Tribunal a quo da declaração de insolvência da Executada. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Com interesse para a decisão os autos revelam o seguinte circunstancialismo processual: a) No processo de execução fiscal com o n.º 0418201101047639, instaurado contra a sociedade denominada “C……….., S.A.”, o Serviço de Finanças de Guimarães 1 promoveu a venda de três bens imóveis penhorados (cfr. fls. 29 a 34); b) Em 6 de Março de 2013, abertas as propostas de aquisição aceites pelo órgão da execução fiscal, verificou-se que as duas propostas de valor mais alto, por ordem decrescente, foram apresentadas, por B……… e pela “A………, S.A.” (cfr. fls. 29 a 34); c) Por ofício registado em 25 de Março de 2013, o Serviço de Finanças de Guimarães 1 notificou a “A………., S.A.”, ora Recorrente, na pessoa da sua Mandatária judicial, nos seguintes termos: «Assunto: VENDA JUDICIAL – ACEITAÇÃO DE PROPOSTA Ex.mo(a) Senhor(a) Por despacho do Chefe de Finanças de 25 de Março de 2013, no processo de execução fiscal 0418201101047639 e outros, no âmbito das vendas judiciais n.ºs 0418.2012.249, 0418.2012.250 e 0418.2012.251, promovida pela Autoridade Tributária Aduaneira contra a executada C…….. S.A. (NIPC ……..), fica por este meio notificado que, nos termos do disposto na alínea a) n.º 1 do artigo 898.º do Código de Processo Civil, foram aceites as suas propostas, por serem as de maior valor (€ 36.000,00 cada). d) Em 9 de Abril de 2013, a “A………, S.A.” fez dar entrada no processo de execução fiscal uma petição na qual, dizendo vir reclamar judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 respeitante à adjudicação dos imóveis acima referidos, pediu ao Juiz daquele Tribunal a anulação do acto de aceitação das propostas por ela apresentadas em ordem à aquisição desses imóveis e de notificação para depósito do respectivo preço (cfr. fls. 39 a 49); e) Na mesma data, a Reclamante pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 que, para a eventualidade de se entender que aquela reclamação não suspendia a eficácia do acto reclamado, fosse notificada na pessoa da sua Mandatária judicial com vista ao depósito do preço (cfr. fls. 37/38); f) Em 11 de Abril de 2013, a Reclamante fez dar entrada no Serviço de Finanças de Guimarães 1 um requerimento dirigido ao processo de execução fiscal, apresentando os comprovativos dos depósitos do preço das propostas por ela apresentadas, «por mera cautela e para o caso da reclamação em causa não obter provimento» (cfr. fls. 50 a 59); g) Em 21 de Junho de 2013, a ora Recorrente fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga um requerimento dirigido à reclamação dita em d), no qual, em síntese, alegando que as vendas em causa não tinham ainda sido concretizadas, uma vez que os imóveis ainda não foram adjudicados e que o depósito por ela efectuado do preço oferecido foi feito «por mera cautela e sob reserva de indeferimento da presente reclamação», informou que a Executada foi declarada insolvente em 28 de Maio de 2013 e formulou o seguinte pedido: «[…] devem os presentes autos ser suspensos, ao abrigo do disposto no art. 88º/1 do CIRE, ou, caso assim se entenda, ser extintos por inutilidade superveniente da lide, ordenando-se ao órgão da execução fiscal a devolução do preço pago pela A…….., por cautela e a título de reserva» (cfr. fls. 60/61 e 64/65); h) Em 9 de Agosto de 2013, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu despacho do seguinte teor na reclamação dita em c): «Fls. 152: Remetam-se os autos em conformidade» (cfr. fls. 3). * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Numa execução fiscal foram postos à venda três bens imóveis. O órgão da execução fiscal (ao que parece, porque o apresentante da melhor proposta não terá efectuado o depósito do preço oferecido) entendeu (segundo alegado, sem mais) notificar a “A……..”, que apresentou a segunda proposta de valor mais elevado, de que foi aceite a sua proposta e para efectuar o depósito do preço oferecido, sob pena de incorrer nas «sanções previstas na lei do processo civil, nomeadamente as previstas no artigo 898.º do CPC». 2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA 2.2.2.1 Sustenta a Recorrente que o despacho reclamado enferma de nulidade por omissão de pronúncia, 2.2.2.2 Poderá questionar-se, como o fez o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no despacho proferido ao disposto nos n.ºs 1 e 5 do art. 617.º do CPC, da necessidade de apreciar essas questões em face da declaração de remessa do processo de reclamação judicial ao processo de insolvência. * 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
* * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, anular o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para reforma da decisão recorrida (conhecimento das referidas questões), se possível pelo mesmo juiz. Sem custas. * |