Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01170/05.7BELSB
Data do Acordão:12/04/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
DEDUTIBILIDADE DAS REALIZAÇÕES DE UTILIDADE SOCIAL
CRITÉRIO
BENEFÍCIO
Sumário:Os seguros de vida e os seguros de complemento de reforma efectuados pelo sujeito passivo a favor da generalidade dos seus trabalhadores, ficando excluídos apenas aqueles cujo contrato de trabalho ainda não tenha perfeito um ano ou que não tenham ainda trabalhado durante todo um ano civil, respectivamente, num critério de atribuição do benefício objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, não permitem à AT, ao abrigo do disposto no art. 38.º, n.º 4, alínea a), do CIRC, na versão aplicável à data e com o fundamento de que não é abrangida a totalidade dos trabalhadores, desconsiderar como custos fiscais as despesas suportadas (os prémios de seguro pagos) com essas realizações de utilidade social.
Nº Convencional:JSTA000P25265
Nº do Documento:SA22019120401170/05
Data de Entrada:09/18/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1170/05.7BELSB

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2000, após a AT ter feito correcções à matéria tributável declarada, com recurso a métodos directos.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2004 8610022447, referente ao exercício de 2000, no valor de € 20.460,82.

II. Alega a impugnante que a liquidação de IRC é ilegal porque do teor do acto de liquidação e da compensação a impugnante não logra relacionar o imposto em dívida com o valor daquelas correcções e, mesmo que o conseguisse fazer, a mencionada liquidação seria ilegal porque os custos com os prémios de seguros de vida e prémios de complemento de reforma dos seus trabalhadores, no montante de € 53.876,28, não tem de abranger a totalidade dos empregados (como defende a Administração Tributária) mas apenas a generalidade desses trabalhadores, admitindo até, que sejam incorridos apenas em relação a certas classes profissionais.

III. Por sentença datada de 23-04-2018, ora recorrida, veio o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, conceder provimento à impugnação apresentada e, consequentemente, anular o acto de liquidação impugnado.

IV. Relativamente à falta de fundamentação da liquidação ora posta em crise, diremos:
A) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 88 898 de 07-01-2004 foi realizada inspecção tributária a A…………, relativo ao ano de 2000, do lucro consolidado do grupo, tendo sido elaborado o Relatório de Inspecção, donde se apuraram correcções no valor de € 53.876,28, tendo sido emitida a liquidação n.º 2004 8610022447, onde se apura um reembolso de € 4.902,86.
B) A liquidação em sentido estrito traduz-se na aplicação da taxa à matéria tributável, ou seja o apuramento do imposto ou dos juros compensatórios. É a fase subsequente à notificação do relatório.
C) A fundamentação da alteração aos elementos declarados (apuramento da matéria tributável) foi remetida anteriormente no relatório de inspecção porque assim está determinado na lei.
D) Ou seja, o cálculo do montante do imposto a pagar ou a receber ocorre após a notificação das conclusões do relatório de inspecção.
E) Relativamente a esta questão da fundamentação pronunciou-se de forma esclarecedora o acórdão do TCA de 21-09-2003, proferido no proc. 726/03: “O impugnante fazendo tábua rasa de toda a actividade anterior, olha para a liquidação e não vê a fundamentação completa; olha para o relatório e não vê a liquidação. Mas afinal é tudo muito simples; basta olhar para a liquidação e ter em consideração a actividade anterior, que é do seu conhecimento porque acompanhou a par e passo”.
F) Podemos, assim, concluir que a questão formal da alegada falta de fundamentação não faz qualquer sentido. Com efeito, a liquidação resultante de uma acção de inspecção é o resultado de uma multiplicidade de actos encadeados regulados por lei.
G) A fundamentação da alteração aos elementos declarados (apuramento da matéria tributável) foi remetida anteriormente no relatório de inspecção porque assim está determinado na lei.
H) Ou seja, o sujeito passivo colocado na sua posição de declaratário normal (com todos os conhecimentos que este tem), não podia de modo algum desconhecer (e não desconhece) os fundamentos de facto e de direito que determinaram a emissão das liquidações impugnadas. Como vem determinando o STA “um acto está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familia de que fala o artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram” (acórdão de 28-10-1998, in Acórdãos Doutrinais, pg. 503-512).
I) Ora, como refere a impugnante no ponto 7.º da sua PI, esta não ignora que foi alvo de uma acção de fiscalização relativa ao exercício de 2000, da qual resultaram as correcções técnicas ora em crise, tendo sido notificada para o exercício de direito de audição e tendo optado por não o fazer.
J) Também não desconhece os valores em causa e a sua origem e por isso indica validamente o valor da causa, conforme pontos 2.º e 3.º da sua PI.
K) Pelo que, salvo o devido respeito, não enferma a liquidação sub judice de quaisquer ilegalidades, mormente falta de fundamentação.

V. Já quanto às correcções efectuadas:
L) No exercício de 2000, a ora recorrida, era sociedade dominante do grupo de sociedades que à data constituía com uma outra, denominada A………… - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.
M) Nesse exercício, as duas sociedades incorreram em custos com prémios de seguros de vida e com prémios de complemento de reforma de seus respectivos trabalhadores, no total de € 53.876,28.
N) A AT entende que estas realizações de utilidade social não podem ser consideradas de carácter geral, pois a vontade dos trabalhadores não é tida nem achada para serem, ou não, abrangidos pelas mesmas, antes ficando dependentes, de aplicação imposta e directa, de normas e critérios internos da sociedade, não contribuindo os trabalhadores, de forma alguma, para esses esquemas.
O) Acresce que, tanto a PI ao descriminar os trabalhadores que não tiveram direito aos benefícios retributivos, como o faz o RIT, demonstram que aqueles seguros constituídos pela entidade patronal, não são a favor da generalidade dos trabalhadores (sendo, salvo m. o., por maioria de razão, despicienda a distinção entre generalidade e totalidade dos trabalhadores), para serem aceites como custos nos termos do então art. 38.º do CIRC (redacção à data).
P) Tendo a impugnante, ora recorrida, assumido que os citados seguros de vida e saúde e seguros de complemento de reforma, são susceptíveis de quantificação de forma directa, do benefício ou regalia auferido por cada um dos empregados trabalhadores seguros, não preenche os requisitos impostos pelo art. 38.º do CIRC, não podendo ser aceites como custo fiscal.
Q) Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o art. 38.º do CIRC (na redacção à data).

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor:

«I. Nada na impugnação de que o recurso jurisdicional brota, justifica uma tão acentuada demora da justiça tributária.

II. A duração de uma impugnação judicial, por mais de 13 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos artigos 6.º § 1.º da CEDH e 20.º n.º 4 da CRP.

III. É, portanto, neste contexto, já de si patológico que a IRFP se apresenta a este TCA, não satisfeita, assim contribuindo para que este processo se eternize nos tribunais, através de um recurso cuja falta de fundamento não devia ignorar.

IV. Constitui jurisprudência deste TCA que a circunstância de a Recorrente não pôr em causa a factualidade considerada na decisão recorrida, não invocar factos que aí não tenham sido contemplados, nem tão pouco fazer qualquer juízo de censura sobre questões probatórias, mas apenas suscitar questões susceptíveis de serem resolvidas mediante simples operação de interpretação e aplicação de normas, determina a exclusiva competência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso – cf., por todos, o Acórdão de 15 de Maio de 2014, recurso n.º 06999/13.

V. Ainda que porventura assim não se entendesse, sem prescindir, o certo é que a Fazenda Pública não identifica nas conclusões os pontos de facto impugnados, nem propõe as respostas alternativas, nem sequer enuncia os fundamentos da impugnação da matéria de facto ou indica meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância.

VI. Com efeito, debalde se procurará nas alegações da IRFP a identificação de um só facto concreto que se pudesse considerar mal apreciado pela 1.ª instância, para além de meras afirmações vagas, imprecisas e infundadas.

VII. Por ser assim, deverá o recurso soçobrar, por cominação imposta pelo art. 640.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, e consequentemente ser declarada a imediata rejeição do recurso.

VIII. Sem prescindir, nenhuma censura merece a M.ma Juiz [do Tribunal] a quo na parte em que decidiu julgar procedente o vício de insuficiente fundamentação da liquidação impugnada, uma vez que a ora recorrida usou da faculdade prevista no art. 37.º do CPPT e até à data não obteve resposta.

IX. Tanto bastaria, pois, para que se considerasse manifestamente incumprido o dever de fundamentação integral, clara, congruente, suficiente.

X. Não basta notificar o contribuinte do relatório de inspecção tributária, para depois o notificar de uma liquidação cujo valor não se consegue relacionar com o das correcções fixadas nesse relatório, e com isso achar que foi cumprido o dever de integral de fundamentação clara, congruente, suficiente.

XI. De igual modo, nenhuma censura merece a M.ma Juiz [do Tribunal] a quo na parte em que julgou procedente o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito na interpretação e aplicação pela AT do artigo 38.º do CIRC, na redacção aplicável à data.

XII. A norma em causa não estabelece como condição da dedutibilidade daqueles custos que estes sejam incorridos em relação à totalidade dos trabalhadores da empresa, mas apenas para a generalidade desses trabalhadores, admitindo até que sejam incorridos apenas em relação a certas classes profissionais.

XIII. O artigo 38.º do CIRC, na redacção aplicável à data, determinava no seu n.º 4 que são considerados custos ou perdas do exercício os benefícios aí estabelecidos desde que sejam estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores e de acordo com um critério objectivo e idêntico para todos eles, o que no caso dos autos se verificou.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado inteiramente improcedente e mantida a douta sentença ora recorrida que declarou ilegal e anulou a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2000 […]».

1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul julgou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando que a competência para apreciar o recurso pertence a este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos. Aqui, dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença, com a seguinte fundamentação: «[…]

2.1. DA ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
De acordo com o n.º 2 de tal artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Por força do art. 125.º/1 do anterior CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Uma fundamentação constitucionalmente adequada deve obedecer aos seguintes princípios
- Princípio da suficiência, segundo o qual a fundamentação se deve estender a todos os elementos em relação aos quais a AT dispõe do poder discricionário de escolher e o exerce, de modo a poder reconstituir o iter lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final;
- Princípio da clareza, segundo o qual a fundamentação deve ser inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura de um destinatário normal ou razoável que, na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão;
- Princípio da congruência, segundo o qual deve existir uma relação de adequação e consonância entre os pressupostos normativos do acto, de facto e de direito, e os motivos do mesmo, pelo que se deve considerar que inexiste fundamentação quando são adoptados fundamentos que, por contradição, não esclareçam concretamente a motivação do acto. 1 [1 CRP anotada, 4.ª edição revista, 2.º volume, página 826, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira]
A fundamentação deve, ainda ser contextual ou contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori. 2 [2 Acórdãos do STA, de 2014.03.26 – P. 01674/13 e de 2014.04.23 – P. 01690/13, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt]
Ora, a recorrida não põe em causa que foi notificada do RIT que esteve na génese da liquidação sindicada, mas sim que não consegue relacionar o valor a pagar, de € 20.460,82, constante da nota de liquidação/demonstração de liquidação com as correcções fixadas no RIT, pelo que, em seu entender não foi cumprido o dever de uma fundamentação clara, congruente e suficiente.
A nosso ver e ressalvado melhor juízo, a recorrida/impugnante tem razão.
Na verdade, a recorrida alega nunca ter sido notificada da liquidação 20042510041916, não provando a AT o contrário, sendo certo que requereu, ao abrigo do estatuído no artigo 37.º do CPPT, a notificação da fundamentação de tal acto, o que não obteve deferimento.
Como deflui do probatório e dos autos, do teor da nota de liquidação, e bem assim, da nota de demonstração de compensação e tendo em conta que não lhe foi fornecida a fundamentação da liquidação atrás mencionada não é possível escrutinar o valor em dívida, resultante da liquidação sindicada e parece certo que uma fundamentação suficiente tem, necessariamente de permitir esse controlo.
Ocorre, pois, vício de falta/insuficiência de fundamentação.

2.2.DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI.

Mas se assim não se entendesse, então parece-nos que a liquidação sofre de vício substancial de violação de lei, como bem realça o MP junto da 1.ª instância, no seu parecer de fls. 72 (processo físico).
Efectivamente, como resulta do probatório e dos autos (nomeadamente, documento 5 junto com a PI), a recorrida impugnante suportou custos com prémios de seguros de vida e de complementos de reforma.
No que concerne aos prémios de seguros de vida são beneficiários todos os trabalhadores da recorrida/impugnante que desempenhem funções há mais de um ano, sendo que no que diz respeito aos complementos de reforma são beneficiários os trabalhadores que tenham estado empregados um ano civil completo.
Constata-se, assim, que tais benefícios foram implementados segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores da recorrida, abrangendo a generalidade dos seus trabalhadores, como impunha, então, o artigo 38.º/4/ a) do CIRC.
O facto de os trabalhadores da recorrida que tinham menos de uma ano da casa não terem usufruído dos benefícios em causa não põe em causa a conclusão anterior, pois o que a lei exigia era que os referidos benefícios abrangessem a generalidade dos trabalhadores e não a sua totalidade.
Também, sob este ângulo, salvo melhor juízo, a liquidação não se poderá manter na ordem jurídica».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.2.1 O Tribunal Tributário de Lisboa deu como assentes os seguintes factos:

«A) A…………, Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. (ou impugnante) dedica-se à actividade de Administração de Imóveis por conta de outrem, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e no regime normal mensal em sede de IVA;

B) A impugnante foi autorizada pelo Ministério das Finanças a ser tributada pelo lucro consolidado num período de cinco anos (1999 a 2003), desde que se verificasse a observância de todos os requisitos do art. 59.º do CIRC;

C) O grupo é constituído:
- pela A…………, Lda. e
- pela A………… Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. (a ora impugnante);

D) Na sequência da entrega da declaração do ano de 2000 foi emitida a liquidação n.º 2510081255, onde constava valor a reembolsar: € 25.363,69 (fls. 34, do p.a.);

E) Posteriormente foi efectuada a liquidação n.º 2510041916, onde foi verificado a omissão do pagamento especial por conta no valor de € 1.496,39, apurando-se um reembolso de € 24.173,98 (fls. 35, do p.a.);

F) Foi elaborada a demonstração da compensação n.º 2004 1138336, no montante de € 1.189,70, com data limite de pagamento de 31-01-2005;

G) Através da escritura de fusão com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2001 operou-se a fusão por incorporação da A………… Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. na A…………, Lda.;

H) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 88.898, de 07-01-2004, foi realizada inspecção tributária visando a A…………, relativo ao ano de 2000, do lucro consolidado do grupo, tendo sido elaborado o Relatório de Inspecção, junto a fls. 23 a 26 dos autos, que se dá por inteiramente reproduzido, constando, nomeadamente do ponto:
(…).
A – AO NÍVEL CONSOLIDADO
1) Correcções em termos individuais – 53.876,28 euros
O total das correcções proposto ao lucro consolidado do grupo A………… Lda., no exercício de 2000, ascende a 53.876,28 €, assim descriminadas.
1.1 A………… Sociedade de Mediação Imobiliária
Despesas com prémios de seguros de vida no montante de 10.816,89 €, não abrangendo a totalidade dos empregados. Constata-se que não foram englobados no seguro as seguintes pessoas: …………, (…); ………… (…); ………… (…).
Despesas relativas ao seguro complemento de reforma, no montante de 24.798,65 €, não tendo sido englobados a totalidade dos trabalhadores, nomeadamente ………… (…).
1.2 A………… Lda.
Despesas com prémios de seguros de vida no montante de 8.131,60 €, não abrangendo a totalidade dos trabalhadores. Constata-se que não foram englobados no seguro as seguintes pessoas: …………, (…); ………… (…); …………, (…); ………… (…).
Despesas relativas ao seguro complementar de reforma, no montante de 10.129,14 €, não foram englobados os seguintes empregados: …………, (…); ………… (…); ………… (…).

I) A Administração Tributária (AT) emitiu a liquidação n.º 2004 8610022447, onde consta como reembolso o valor de € 4.902,86 (fls. 37, do p.a. e doc. n.º 1, da p.i.);

J) A AT emitiu a nota de compensação, onde consta, junta como doc. n.º 2, da p.i., cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais».

2.2.2 Se bem que fora do local onde se propôs efectuar o julgamento da matéria de facto, o Tribunal Tributário de Lisboa deu ainda como assente o seguinte facto:

K) Os custos referidos em H) «foram suportados pelas duas empresas do grupo e de acordo com a política de retribuição da prestação de trabalho vigente, que consistia em incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério aplicável a todos os seus trabalhadores (cfr. a sentença, maxime a sua pág. 12, §§ 4.º e 7.º).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu proceder a correcções técnicas ao lucro tributável declarado pela ora Recorrente relativamente ao exercício de 2000, na sequência das quais procedeu à liquidação adicional de IRC. Isto, em síntese, porque considerou que as despesas suportadas pelo sujeito passivo com prémios de seguros de vida e prémios de seguros complemento de reforma, seguros a favor dos seus trabalhadores, não podiam ser consideradas como custos dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, uma vez que não abrangiam «a totalidade dos empregados», em violação do disposto na alínea a) do n.º 4 do art. 38.º (Apesar de a AT referir o art. 40.º do CIRC é porque não atentou que, à data dos factos, as realizações de utilidade social estavam previstas no art. 38.º daquele Código e só passaram a está-lo no art 40.º após a revisão do articulado efectuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, 3 de Julho.) do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção em vigor à data (Redacção dada pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro de 1994 (Lei do Orçamento de Estado para 1995), ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/39-b/1994/12/27/p/dre/pt/html.), que dispunha:
«4- Observar-se-á o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:
a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;
b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;
[…]».
A sociedade ora Recorrente deduziu a presente impugnação judicial, invocando que aquele acto tributário enferma de dois vícios: i) a falta de fundamentação, na medida em que, apesar de estar ciente das correcções que a AT efectuou ao seu lucro tributável, «do teor da notificação do acto de liquidação e da compensação não logra a ora impugnante relacionar o imposto em dívida com o valor daquelas correcções» e ii) a violação de lei, uma vez que os custos em causa respeitam a condição de dedutibilidade que a AT considerou desrespeitada, uma vez que aquelas «realizações de utilidade social, não abrangendo embora a totalidade trabalhadores, eram estabelecidas para a generalidade dos trabalhadores que tivessem completado um ano (civil no caso do complemento de reforma) ao serviço da empresa, e não para trabalhadores concretos e individualizados».
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou verificados ambos os vícios invocados e anulou a liquidação impugnada.
Inconformada com essa sentença, a AT dela recorreu. Discorda do julgamento efectuado relativamente às duas questões apreciadas. Em síntese, sustenta que a liquidação está suficientemente fundamentada, como a própria Recorrente admite, quando refere que «não ignora que foi alvo de uma acção de fiscalização relativa ao exercício de 2000, da qual resultaram as correcções técnicas ora em crise». Mais sustenta que os custos em que a Impugnante incorreu com prémios de seguros de vida e de complemento e reforma «não podem ser consideradas de carácter geral, pois a vontade dos trabalhadores não é tida nem achada para serem, ou não, abrangidos pelas mesmas, antes ficando dependentes, de aplicação imposta e directa, de normas e critérios internos da sociedade, não contribuindo os trabalhadores, de forma alguma, para esses esquemas» e que «tanto a PI ao descriminar os trabalhadores que não tiveram direito aos benefícios retributivos, como o faz o RIT, demonstram que aqueles seguros constituídos pela entidade patronal, não são a favor da generalidade dos trabalhadores (sendo, salvo m. o., por maioria de razão, despicienda a distinção entre generalidade e totalidade dos trabalhadores), para serem aceites como custos nos termos do então art. 38.º do CIRC (redacção à data)».
Assim, as questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a liquidação impugnada enferma de falta de fundamentação e de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
Começaremos por apreciar a correcção da sentença no que se refere ao segundo vício, em obediência ao critério plasmado no art. 124.º do CPPT, que deve valer também em sede de recurso, na medida em que tem subjacente a mais eficaz tutela dos direitos do sujeito passivo.

2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DA DEDUÇÃO DOS CUSTOS COM PRÉMIOS DE SEGURO A FAVOR DOS TRABALHADORES

A Recorrente entende que os encargos suportados pela sociedade ora Recorrida com os prémios de seguros de vida e de complemento de reforma de que são beneficiários os seus trabalhadores não podem ser deduzidos para efeitos de apuramento do lucro tributável. Como fundamento para a desconsideração desses custos, de acordo com o relatório da inspecção, a AT invocou que os benefícios em causa (propiciados pelos referidos seguros de vida e complemento reforma) não abrangiam todos os trabalhadores, em violação do disposto no art. 40.º do CIRC (Ver nota 1 supra.). Ou seja, a única condição que a AT entendeu ter sido desrespeitada em ordem a que os encargos suportados pela ora Recorrida com os referidos prémios de seguros pudessem ser considerados como custos para efeitos fiscais, enquanto realizações de utilidade social (Realizações de utilidade social são um conjunto de prestações efectuadas pelas empresas a favor dos seus colaboradores, ex-colaboradores e respectivos familiares, que têm por objectivo a prossecução de finalidades de natureza social, que o Estado entende dever promover, motivo por que lhes concede um regime fiscal atractivo.), foi o de não se referirem à totalidade dos trabalhadores. É à luz dessa fundamentação que sindicaremos a legalidade da liquidação impugnada, ou melhor, o juízo efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa relativamente à legalidade desse acto.
Como resulta da matéria de facto que foi dada como assente, os custos com os referidos seguros «foram suportados pelas duas empresas do grupo e de acordo com a política de retribuição da prestação de trabalho vigente, que consistia em incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério aplicável a todos os seus trabalhadores.
Desde logo, o art. 38.º, n.º 4, do CIRC (na redacção aplicável) não impunha como critério de dedutibilidade dos referidos prémios de seguro, como realizações de utilidade social, que os mesmos seguros abrangessem a totalidade dos empregados, admitindo inclusive que pudessem abranger apenas uma determinada categoria profissional, mas neste caso apenas se os seguros fossem uma exigência decorrente de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. O que a lei exige é que esses benefícios sejam «estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa» e «segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores» [cfr. as alíneas a) e b) do n.º 4 do art. 38.º do CIRC, acima integralmente transcritas].
O motivo por que o legislador impõe que as realizações de utilidade social, para serem aceites como custos dedutíveis no apuramento do lucro tributável, correspondam a benefícios estabelecidos para a generalidade – e não a totalidade, como pretende a AT – dos trabalhadores, é evitar abusos, designadamente que possam ser assim deduzidos montantes que, ao invés de corresponderem a benefícios de carácter geral, constituam um modo de pagar «“remunerações ocultas”, não tributadas em IRS» (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, págs. 103 a 132.). Na verdade, não é fácil a distinção entre os encargos que as empresas voluntariamente suportam em benefício dos seus trabalhadores e verdadeiras remunerações do trabalho.
Assim, a lei erigiu como um dos critérios da utilidade social, ora em discussão, a atribuição do benefício à generalidade dos trabalhadores. Mas não a todos os trabalhadores, como salienta PAULO MARQUES:
«O conceito de generalidade não deverá ser entendido como a «totalidade» dos trabalhadores. Verba cum effectu, sunt accipienda: não se presumem na lei palavras inúteis. Temos pois assente que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete sempre presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, da LGT).
Com efeito, poderia até suceder que, caso fosse exigível que o benefício coubesse a todos os trabalhadores, o empregador já não tivesse interesse em contratar o produto (ex: seguro). A selecção dos trabalhadores a beneficiar não deve ficar exposta ao livre arbítrio da empresa, mas sim da vontade desta em beneficiar, indistintamente, todos os trabalhadores da empresa ou, pelo menos, todos os trabalhadores de uma ou mais categorias de trabalhadores da empresa.
O legislador impõe a condição de que a atribuição tenha carácter geral para evitar uma perniciosa individualização arbitrária dos trabalhadores a beneficiar, desvirtuadora da «utilidade social» tutelada» (Cfr. PAULO MARQUES, As realizações de utilidade social em IRC e IRS, Wolters Kluver.), à data, pelo art. 38.º do CIRC.
No caso, como ficou provado, o critério seguido pela ora Recorrida era o de «incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério este que, como também ficou provado era «aplicável a todos os seus trabalhadores».
Ou seja, é manifesto que esse critério, perfeitamente razoável e em nada arbitrário, é aplicável à generalidade dos trabalhadores e assente em premissas objectivas e idênticas para todos os trabalhadores.
Afigura-se-nos, pois, inexistir o motivo que foi invocado pela AT para a desconsideração dos referidos encargos como custos fiscais.
Foi nesse sentido que decidiu a sentença. Por isso, não enferma do erro de julgamento que a Recorrente lhe imputou relativamente ao vício de violação de lei.
Sendo a liquidação adicional impugnada de anular com fundamento no apontando vício de violação de lei, como bem decidiu a sentença recorrida, fica prejudicado o conhecimento do recurso relativamente ao erro de julgamento do vício de falta de fundamentação.
Em conclusão:
Porque os seguros de vida e os seguros de complemento de reforma foram efectuados pelo sujeito passivo (a sociedade ora Recorrida) a favor da generalidade dos seus trabalhadores, ficando excluídos apenas aqueles cujo contrato de trabalho ainda não tenha perfeito um ano ou que não tenham ainda trabalhado durante todo um ano civil, respectivamente, num critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, não há motivo para, ao abrigo do disposto no art. 38.º, n.º 4, alínea a), do CIRC, na versão aplicável à data, desconsiderar como custos fiscais as despesas suportadas (os prémios de seguro pagos) com essas realizações de utilidade social.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente, que ficou vencida (cf. art. 527.º do CPC).

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Lisboa, 4 de Dezembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Neves Leitão – Nuno Bastos.