Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0484/21.3BELRA
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONCURSO PÚBLICO
DEVER DE CONHECIMENTO DE TODAS AS CAUSAS DE INVALIDADE
Sumário:Não é de admitir a revista se as questões suscitadas desmerecem tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, elas não terem vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P29638
Nº do Documento:SA1202206230484/21
Data de Entrada:06/14/2022
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:B............, S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…………, S.A. - autora desta «acção do contencioso pré-contratual» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 21.04.2022 - que negando provimento à sua «apelação» confirmou a sentença - de 18.01.2022 - pela qual o TAF de Leiria lhe «julgou improcedente a pretensão de ver anulada a exclusão da sua proposta ao concurso em causa», e «a adjudicação do objecto do mesmo - pela SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL - à proposta da contra-interessada B………… S.A., bem como a sua pretensão de ser indemnizada, com juros, da quantia a pagar, a título de honorários, aos advogados que a patrocinaram nesta acção.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e da «relevância jurídica e social da questão».

A entidade ora recorrida - SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL - e a contra-interessada adjudicatária – B………… S.A. – apresentaram contra-alegações nas quais defendem, além do mais, a não admissão da «revista» por falta dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Está em causa um concurso público, lançado pela SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, para aquisição e implementação do software da 2ª fase do Sistema Integrado de Gestão Documental da Defesa Nacional [SIGDocDN].

O tribunal de 1ª instância - TAF de Leiria - julgou totalmente improcedente a acção e, em conformidade, absolveu a entidade demandada dos pedidos formulados pela autora. E para tal, apreciou e julgou improcedentes os vários vícios que ela imputou aos actos de exclusão e adjudicação impugnados, consubstanciados em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que - no seu entender - a proposta da adjudicatária deveria ter sido excluída ao abrigo dos artigos 70º nº2 alíneas a) e b), e 146º nº2 alínea o), do CCP, por desrespeito a requisitos funcionais - rFun-08, rFun-09.01, rFun-10, rFun-13.02, rFun-13.03, rFun-14.01, rFun-14.02 e rFun-16 - e a requisitos de arquitectura - rArq-02.01 e rArq-03 -, por omissão de termos e condições que deviam constar da proposta - requisitos rArq-06, rArq-07 e rArq-12 -, por apresentação de termos e condições violadores - alegadamente - de requisitos de arquitectura - rArq-08, rArq-14.02 e rArq-18.03 - e, finalmente, por violação da 4ª cláusula do caderno de encargos.

No afã apreciativo da invocada violação dos ditos requisitos, escreve-se na sentença de 1ª instância [sua página 47] que … ainda que se considerasse existir alguma insuficiência na justificação apresentada na referida matriz, certo é que a mesma apenas poderia traduzir-se na eventual violação do requisito rGov-05 e não dos requisitos apontados pela autora, sublinhando-se que tal violação não foi invocada por esta.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à apelação deduzida pela autora, tendo, para tanto, julgado improcedente a nulidade - por omissão de pronúncia [artigos 615º, nº1 alínea d) do CPC, ex vi 1º do CPTA] - e o alegado erro de julgamento de direito relativamente ao juízo feito sobre as invocadas violações dos requisitos funcionais e dos requisitos de arquitectura, e cláusula 4ª do caderno de encargos, por banda da proposta da contra-interessada adjudicatária.

A alegada omissão de pronúncia tinha a ver, sobretudo, com aquela parte da sentença que deixamos citada no penúltimo parágrafo, ou seja, a apelante, interpretando aquela passagem como uma efectiva identificação de «nova causa de invalidade», por ela não invocada, defendia que, por imposição da «2ª parte do nº3 do artigo 95º do CPTA» o tribunal de 1ª instância tinha o «dever» de sobre ela se pronunciar, e, ao não o fazer, incorreu em nulidade. A isto o tribunal de apelação respondeu, essencialmente, que no referido trecho, o tribunal a quo não está a reconhecer, ou a identificar, qualquer outra causa de invalidade, para os efeitos que a apelante pretende retirar desse inciso, mas apenas a colocar uma hipótese na linha do discurso - fundamentador - que vinha expondo.

De novo a autora, e apelante, discorda do decidido, e pede «revista» do acórdão que confirmou a sentença de 1ª instância, apontando-lhe «erro de julgamento de direito» no tocante a tudo o que nele foi decidido, mas com um especial ênfase na «questão da interpretação do artigo 95º, 2ª parte do nº3, do CPTA». Ou seja, intenta ver apreciado, e decidido, por este tribunal de revista, se essa norma consagra um «dever» ou uma «faculdade» e qual a consequência jurídica do seu incumprimento. Defendendo tratar-se de um verdadeiro «dever», e que, uma vez identificada a nova causa de invalidade, a omissão de pronúncia sobre a mesma acarreta nulidade substantiva, conclui que, no caso, é isso mesmo que acontece, tendo o tribunal de apelação errado ao decidir como decidiu.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

A respeito deste último pressuposto substantivo importará salientar, desde logo, que a decisão das instâncias se mostra unânime, e que os argumentos da ora recorrente, em favor da sua tese, nela foram devidamente escrutinados e desconstruídos, um por um, de tal modo que não só o decidido aparenta ser correcto como se apresenta alicerçado num discurso fáctico-jurídico perfeitamente lógico, e aceitável. E constata-se que nesta sua pretensão de revista a recorrente se limita, fundamentalmente, a insistir nos vícios que desde início imputa à exclusão da sua proposta e à adjudicação feita à proposta da B………….

Relativamente àquela questão que parece ser o principal leitmotiv da revista - saber se na 2ª parte do nº3 do artigo 95º do CPTA se estatui um «dever» ou uma «faculdade» e quais as «consequências jurídicas do respectivo incumprimento» - importa salientar que ela surge como essencialmente teórica e académica, uma vez que - como bem salientou o acórdão recorrido - na sentença da 1ª instância não foi identificada - para efeito de ser impor, na perspectiva da recorrente, um «dever» de pronúncia - uma «nova causa de invalidade» mas antes se aventou a hipótese: ainda que se considerasse…

Admitir a recurso com base na importância desta «questão» seria, pois, levar o tribunal de revista a um exercício académico, sem interesse prático na resolução efectiva deste concreto litígio.

Impõe-se-nos concluir, pois, que numa apreciação «preliminar sumária» o acórdão ora recorrido decidiu bem, fazendo uma subsunção dos factos provados às normas legais e princípios jurídicos chamados a intervir que - e ao que tudo indica - não merecerá censura. E, assim, a revista não é «claramente necessária para uma melhor solução de direito».

Por fim, não obstante as questões atinentes ao contencioso pré-contratual contenham um potencial repetitivo que justifica, normalmente, o seu esclarecimento «em ordem a uma aplicação segura do direito», o certo é que os erros de julgamento de direito que são invocados nas alegações da «revista» surgem contextualizados e limitados ao caso concreto, pouco propícios a emitir uma decisão com vocação universalista. E perdendo, por isso mesmo, «importância fundamental».

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela A………….

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Junho de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.