Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0251/14
Data do Acordão:05/21/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DESPACHO LIMINAR
CASO JULGADO FORMAL
RECTIFICAÇÃO DE ERRO MATERIAL
Sumário:I – Quando o juiz conhece do mérito, no despacho liminar, de uma das questões a que alude o art. 209º, n.º 1 do CPPT, julgando-a improcedente, fica impedido de a reapreciar oficiosamente em momento posterior;
II – É de conhecimento oficioso, pelo tribunal de recurso, a excepção dilatória da violação do caso julgado formal;
III – Logo que o despacho ou decisão que recaia unicamente sobre a relação processual não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, forma-se o caso julgado formal.
IV – A rectificação de erros materiais de uma decisão proferida sobre o conhecimento de uma excepção dilatória, não pode implicar a sua anulação, se no momento em que se rectifica, a mesma já se encontra consolidada por via da força do caso julgado formal.
Nº Convencional:JSTA00068717
Nº do Documento:SA2201405210251
Data de Entrada:02/27/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL / OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 ART209 N1 ART285 N1.
CPC13 ART577 ART578 ART613 ART614 ART620 N1 ART628.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, com sinais nos autos, inconformado recorre do despacho proferido em 20/11/2013, pelo TAF de Braga, que determinou a nulidade do despacho liminar de admissão desta oposição bem como todo o processado subsequente.

Discorda do sentido de tal despacho, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

a) - Nos termos do artigo 288°, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil, quando julgue procedente alguma excepção dilatória, o juiz deve absolver o réu da instância.
b) - Resulta expressamente do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo junto com a petição inicial que, no caso concreto, o juiz devia abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância.
c) - Face a este acórdão, a Oponente teria necessariamente de beneficiar do prazo previsto no artigo 289°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
d) - No processo primitivo, o Tribunal não poderia ter proferido despacho de indeferimento liminar, nos termos do artigo 234°-A, n.° 1 do Código de Processo Civil, por não se verificar nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a e) do artigo 234° do mesmo diploma.
e) - A decisão do Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 234°-A, n.º 1 e 289°, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
TERMOS em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença recorrida, no sentido proposto e defendido nas presentes alegações.

Não foram produzidas contra-alegações.

No competente visto, diz o Ministério Público:

Questão a apreciar
- se ocorre nulidade no despacho proferido a fls. 78, bem como em todo o processado subsequente.
Enquanto no despacho recorrido se decidiu tal, referindo-se que no anterior acórdão proferido pelo S.T.A. se decidiu aplicar indeferimento liminar à anterior oposição apresentada, no recurso interposto defende-se o contrário, invocando-se, nomeadamente, o que consta também a dado passo desse acórdão de ser de proceder à absolvição da instância.
2. Posição que se defende.
Já foi emitido parecer pelo M.º P.º em 1.ª instância no sentido de ser de julgar oportuna a nova oposição que foi apresentada com base em anterior decisão de absolvição da instância, segundo o que ficou expresso no dito acórdão do S.T.A. quanto à absolvição da instância (fls. 66).
É certo que nesse acórdão se acaba ainda por confirmar a decisão proferida em 1.ª instância, a qual tinha sido de indeferimento liminar.
No entanto, resulta do que ficou expresso no dito acórdão, pelo menos, uma aparente contradição quanto à consequência jurídica aplicada, ainda que a mesma possa ter sido a de indeferimento liminar, conforme ora decidido foi.
Com efeito, conforme defende Jorge Lopes de Sousa em C.P.P.T. Anotado e Comentado, tomo I, 6.ª ed, p. 270, "há que procurar evitar que as partes deixem de fazer valer os seus direitos por deficiências ou irregularidades formais ou processuais".
Ora, o entendimento tido no despacho recorrido, que considerou ter sido praticada nulidade em anterior despacho que foi proferido a admitir a oposição, é conducente a afastar a consequência da absolvição da instância de poder ser apresentada nova oposição no prazo de 30 dias, conforme ao tempo previsto no art. 289.º n.º 2 do C.P.C. e ora se encontra previsto no atual 279.º n.º 2.
Tal poderá ainda impor-se, segundo o princípio da cooperação previsto no anterior art. 266.º do C.P.C. e ora no art. 7.º do C.P.C., o qual é aplicável subsidiariamente em processo tributário por força do art. 2.º al. e) do C.P.P.T ..
Assim, não é de considerar ter ocorrido a nulidade que se aponta ao anterior despacho proferido que julgou admitir a nova oposição com base em se ter decidido anteriormente pela absolvição da instância.
3. Concluindo, parece ser de julgar o recurso procedente e revogar o decidido”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Com interesse, julga-se assente a seguinte matéria de facto:

i - Com data de 11/06/2013, a Sra. Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:

Questão prévia:
Por acórdão do STA devidamente transitado em julgado em 04.03.2013, foi confirmada a decisão de absolvição de instância por verificada a excepção dilatória de coligação legal de oponentes.
Por carta registada de 22.03.2013 foi enviada a presente oposição;
Atento o disposto no art° 289°, n° 1 e 2 do CPC o oponente tem a faculdade de propor nova acção no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão. Assim sendo, a oposição é tempestiva.
Notifique.
Recebo a oposição.
Notifique o representante da Fazenda Pública para contestar no prazo de 10 dias (cfr. disposto no art° 210º do CPPT).
Comunique ao Serviço de Finanças competente o recebimento desta oposição - art° 212° e 169°, nº 5 ambos do CPPT”;

ii – Notificada a AT deste despacho, com a respectiva cópia, pela mesma foi deduzida contestação em 21/10/2013, sem pôr em crise este mesmo despacho;

iii – Posteriormente, com a data de 20/11/2013, foi proferido o seguinte despacho:

Compulsados os autos, e atento o que resulta do despacho proferido a fls 78, nomeadamente quando se refere que "Por acórdão proferido pelo STA devidamente transitado em julgado em 04.03.2013, foi confirmada a decisão de absolvição de instância por verificada a excepção dilatória de coligação ilegal de oponente" - verifica-se que tal despacho contém um lapso manifesto, porque inexacto face aos documentos constantes dos autos, o que influencia a decisão sobre a questão suscitada.
Tal como resulta do Acórdão que consta dos autos, a fls 19 e seguintes e a sentença proferida a fls 14 e ss, o que foi confirmado foi a decisão de rejeição liminar da petição inicial.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos art°s 613 ° e 614° do CPC determina-se a nulidade do despacho proferido a fls 78 bem como todo o processado subsequente.
Notifique”. (é deste despacho que vem interposto o presente recurso).
Esta é a matéria de facto relevante.

Há agora que apreciar o recurso que vem dirigido a este Supremo Tribunal.

Se bem se percebe da argumentação aduzida pelo recorrente e, bem assim, pelo Ministério Público, o que terá determinado a prolação do despacho recorrido -trata-se de um despacho com fundamentação vaga e genérica-, datado de 20/11/2013, terá sido o facto de a Sra. Juíza se ter apercebido que o seu despacho liminar de admissão da presente oposição, datado de 11/06/2013, errou, por no seu entender a petição de oposição ser extemporânea.

O fundamento invocado para o despacho recorrido foi a necessidade de correção de “um lapso manifesto”, no dizer da Sra. Juíza, invocando para tanto o disposto nos arts. 613º e 614º do CPC.

Como questão prévia há que saber se o despacho recorrido violou ou não as regras do caso julgado formal, uma vez que, tratando-se de excepção dilatória, incumbe ao tribunal o conhecimento oficioso da mesma, cfr. art. 578º CPC (novo).

Dispõe o art. 620º, n.º 1 do CPC (novo) que, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

Sendo que o caso julgado, bem como a litispendência, são legalmente classificados como excepções dilatórias, cfr. al. i) do art. 577º do CPC (novo).

E, o caso julgado, forma-se logo que o despacho ou decisão não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, cfr. art. 628º do CPC.

Também com interesse, dispõe o art. 285º, n.º 1 do CPPT que, os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respectivas alegações e conclusões, o qual subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final.

Como já vimos, o despacho liminar de admissão da petição de oposição à execução fiscal foi proferido em 11/06/2013, não constando dos autos que contra o mesmo tenha sido apresentado qualquer recurso ou reclamação até à data da prolação do despacho recorrido, ou seja, 20/11/2013.

Notificada a AT para contestar, com cópia desse despacho liminar, nada disse sobre o mesmo despacho, nem interpôs recurso do mesmo, nos termos do disposto no art. 285º, n.º 1 do CPPT, no referido prazo de 10 dias.

E não o tendo feito, deixou aquele despacho liminar de ser impugnável por via do recurso e, naturalmente, formou-se caso julgado formal sobre o mesmo, uma vez que se trata de despacho que recaiu sobre a relação processual.

Nem se pode argumentar que este despacho se tratou de um despacho tabelar, pré-formatado, no que toca à tempestividade da apresentação da petição de oposição, podendo, se assim fosse, no desenvolvimento do processo, o juiz conhecer dos obstáculos ao conhecimento de mérito da oposição a que se refere o art. 209º, nº 1 do CPPT, ou seja, a) ter sido deduzida fora do prazo; b) não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º; c) ser manifesta a improcedência.

A questão da (in)tempestividade da petição inicial foi especificamente tratada naquele despacho liminar, uma vez que se tratava de questão sobre a qual se pronunciou em sentido contrário a informação de fls. 35 e ss emitida pela AT, pelo que, em momento prévio ao da prolação do referido despacho liminar, se pronunciou o recorrente (fls.61) e o Ministério Público (fls.66), ambos no sentido da respectiva tempestividade, e nesse sentido se veio a decidir no despacho liminar agora anulado.

Ou seja, não há qualquer dúvida que o despacho liminar resolveu definitivamente a questão da tempestividade da petição de oposição uma vez que conheceu do mérito da excepção, ou seja, ponderou os argumentos esgrimidos pelos intervenientes processuais, de facto e de direito, para poder concluir pela tempestividade. E nesta medida, ao não ter sido convenientemente atacado tal despacho pelas partes, consolidou-se no processo, não podendo, agora, ser reapreciada tal questão (o mesmo já não se passará com as restantes questões a que se refere o dito art. 209º, n.º 1 do CPPT).

Portanto, sobre tal despacho, apenas era permitido à Sra. Juíza fazer as rectificações a que aludem os arts. 613º e 614º do CPC (novo), uma vez que, qualquer outra alteração contenderia com o efeito do caso julgado formal, art. 614º, n.º 3.

Lido atentamente o texto destes preceitos legais, e se bem se depreende dos mesmos, as rectificações permitidas à sentença ou despacho, serão apenas as respeitantes a erros materiais, tais como omissão do nome das partes, omissão de pronúncia quanto a custas, erros de escrita ou de cálculo, ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, mas que, naturalmente, não colidam com o sentido da decisão anteriormente proferida, uma vez que a mesma se encontrava consolidada no âmbito do processo.

Acontece, porém, que a Sra. Juíza a quo não se limitou a rectificar o despacho liminar, ao invés, eliminou-o da ordem jurídica, por via do despacho recorrido, o que não lhe era permitido fazer, isto é, não lhe era permitido alterar o sentido da decisão que anteriormente havia tomado, pelo facto de a mesma já se mostrar consolidada.

Podemos, assim, concluir que o despacho recorrido viola frontalmente o caso julgado formal e, por isso, não se pode manter, pelo que, terá que ser revogado.


Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta secção do contencioso tributário do Supremo tribunal administrativo em:

- conceder provimento ao recurso, nos termos atrás apontados, ainda que com diferentes fundamentos;

- revogar o despacho recorrido;

- ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para prosseguimento dos mesmos, se não houver qualquer outra causa que obste a esse mesmo prosseguimento.

Sem custas.
D.N.

Lisboa, 21 de Maio de 2014. – Aragão Seia (relator) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.