Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01074/09
Data do Acordão:12/16/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
COIMA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:I - O erro na forma de processo, contemplado no artigo 199.º do Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção.
II - Constituindo o objecto das reclamações, apresentadas ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, os actos proferidos pelo órgão da execução fiscal, não existe qualquer desarmonia ou discrepância entre o meio processual utilizado e a pretensão formulada de invalidação desses actos, pelo que não pode falar-se em erro na forma de processo.
III - O facto de terem sido suscitadas, nessas reclamações, questões que não haviam sido colocadas ao órgão decisor, que por ele não foram apreciadas e que não constituem questões de conhecimento oficioso, leva ao não conhecimento dessas questões.
IV - É materialmente inconstitucional o artigo 8º do RGIT quando interpretado no sentido de que consagra ou autoriza uma responsabilização subsidiária que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra as pessoas nele indicadas, na medida em que a reversão implica e provoca, forçosamente, a transmissão da obrigação de cumprimento da sanção que constitui a dívida exequenda para os revertidos e tal envolve a violação do princípio constitucional da intransmissibilidade das penas e a violação dos direitos de audiência e de defesa consagrados no nº 10 do art. 32º da Constituição.
Nº Convencional:JSTA00066191
Nº do Documento:SA22009121601074
Data de Entrada:10/30/2009
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR CONST.
Legislação Nacional:CPC96 ART199 ART45 ART802 ART46.
RGIT01 ART8.
LGT98 ART103 N2 ART18 N3 ART22 ART23 N5 ART24.
CONST76 ART30 ART32 N2 N10.
CPPTRIB99 ART148 ART153 ART160 ART276.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC3981/02 DE 2002/12/12.; AC RE DE 1998/11/12 IN CJ ANO XXIII T5 PAG256.; AC RC DE 2000/03/14 IN BMJ N495 PAG 371.; AC RL DE 1995/01/19 IN CJ ANO XX T1 PAG95.; AC RP DE 1990/07/05 IN CJ ANO XV T4 PAG201.; AC STA PROC31/08 DE 2008/05/28.; AC STA PROC829/08 DE 2009/02/04.; AC TC PROC649/08 DE 2009/03/12.
Referência a Doutrina:RODRIGUES BASTOS NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 3ED PAG262.
SOARES MARTINEZ DIREITO FISCAL 7ED PAG226.
MANUEL PIRES DIREITO FISCAL 1980 PAG325-327.
CARDOSO DA COSTA CURSO DE DIREITO FISCAL 1972 PAG272.
SÁ GOMES OS SUJEITOS PASSIVOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA IN CTF 196-198 PAG46.
ANA PAULA DOURADO SUBSTITUIÇÃO E RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA IN CTF 391 PAG31.
BRAZ TEIXEIRA PRINCÍPIOS DE DIREITO FISCAL 3ED.
MENEZES LEITÃO A SUBSTITUIÇÃO E A RESPONSABILIDADE FISCAL NO DIREITO PORTUGUÊS IN CTF 388.
LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG139.
RUY DE ALBUQUERQUE E OUTRO RESPONSABILIDADE FISCAL TRIBUTÁRIA A IMPUTAÇÃO AOS GERENTES DOS DÉBITOS DAS EMPRESAS À PREVIDÊNCIA IN CTF 334-336.
ANTUNES VARELA IN RLJ 115 PAG245.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, B… e C…, com os demais sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da decisão do T.A.F. de Loulé que julgou improcedentes as reclamações que deduziram contra os despachos do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, proferidos em 25/03/2009 e 27/05/2009 na execução fiscal n.º 1155 2006 01000063 e apensos, de indeferimento dos pedidos que cada um deles aí formulou, na qualidade de executados por reversão, no sentido de que fosse declarado que não eram responsáveis pelo pagamento das dívidas exequendas provenientes de coimas e despesas aplicadas à sociedade originária devedora.
Terminaram as respectivas alegações de recurso enunciando as seguintes conclusões:
A) Sobre a adequação do meio processual utilizado:
a. O meio processual utilizado (reclamação de despacho da Fazenda Pública que recaiu sobre requerimentos dos ora Recorrentes e que afectou direitos e interesses legítimos destes) é adequado, não tendo ocorrido erro na forma de processo.
b. O requerimento sobre o qual recaiu o despacho desfavorável de que se reclamou, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, impetrava que a Administração Tributária declarasse que os executados por reversão não eram responsáveis pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade “D…” e que, em consequência, se ordenasse o não prosseguimento, contra eles, das execuções atinentes a tais coimas e despesas.
c. Os ora Recorrentes alegavam, em síntese, a inconstitucionalidade do art.º 8.° do R.G.I.T., quanto à responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham exercido a administração de pessoas colectivas originariamente devedoras (questão de conhecimento oficioso e que poderia ser invocada em qualquer altura e não somente no prazo da Oposição e através desta (mesmo depois de transcorrido o prazo da Oposição).
d. Face ao despacho desfavorável do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, sobre questão de conhecimento oficioso (desde logo pela Administração Pública), que afectava direitos e interesses legítimos dos ora Recorrentes, podiam estes reclamar, como fizeram, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, nos termos do art.º 276.° do C.P.P.T.
e. Nada obsta, por exemplo, a que essa questão seja suscitada em acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no art.º 145.° do C.P.P.T., uma vez que esta acção será sempre um meio processual mais adequado para assegurar, de forma plena, eficaz e efectiva, a tutela dos direitos e interesses dos contribuintes, do que a oposição prevista no art.º 203° e segs. do C.P.P.T. (em que os direitos dos oponentes são sempre inferiores aos que lhes são assegurados em quaisquer processos de natural penal ou contra-ordenacional).
f. Ora, se a acção do art.° 145.º poderá ser usada para o fim acima indicado, nada obsta a que a Administração Fiscal, oficiosamente reveja a sua posição em qualquer fase do processo executivo, ou por sua iniciativa ou a requerimento do(s) interessado(s).
g. No segundo caso, se o despacho for desfavorável ao(s) interessado(s), pode(m) este(s) reclamar nos termos e no prazo dos arts 276° e segs. do C.P.P.T.
B) Sobre a inconstitucionalidade das normas do art.º 8.°, n.° 1, alíneas a) e b) do R.G.I.T.
h. O Acórdão n° 129/2009, de 12 de Março, do Tribunal Constitucional rompe com o entendimento que, sobre a matéria, vinha sendo seguida por esse Tribunal.
i. O mesmo Acórdão vem também contrariar jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que os gerentes e administradores de empresas não poderiam ser responsabilizadas pelo pagamento de coimas em cujo pagamento haviam sido condenadas as empresas.
j. Apesar da posição veiculada no citado Acórdão n.° 129/2009, do TC, não estamos ainda no âmbito de uniformização de jurisprudência.
k. Mesmo tendo em consideração a posição manifestada no citado Acórdão do TC - e da qual discordamos, acompanhados de muita e sábia jurisprudência e doutrina - ainda assim, para ser ressarcida dos danos fiscais causados pela sociedade, teria a Administração Fiscal de desencadear um processo autónomo destinado a provar a ilicitude e a culpa dos gerentes ou administradores (o que, no caso “sub judice”, manifestamente não fez).
l. As normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8° do R.G.l.T., no sentido de que o n.º 1 do art.º 8° do R.G.I.T., aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, são inconstitucionais.
m. A questão da inconstitucionalidade dessas normas do art.º 8° do R.G.l.T. é de conhecimento oficioso, podendo ser apreciada pela Administração Tributária, por sua iniciativa ou a requerimento do(s) interessado(s), e podendo estes, em caso de despacho desfavorável sobre a sua impetração nesse sentido, reclamar para o Tribunal Fiscal da 1ª Instância.
n. O n.º 3 do art.º 30° da C.R.P. enuncia o princípio da intransmissibilidade das penas que, embora previsto apenas para estas, deverá aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, uma vez que estas têm como fim a prevenção (especial e geral) e a repressão, e não a obtenção de receitas.
o. A aplicação de sanção a pessoa a quem não deve ser imputada responsabilidade pela sua prática não é necessária para satisfação dos fins que a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é constitucionalmente proibida a sua aplicação, por força do art.º 18°, n.º 2, da C.R.P.
p. A presunção legal de que a falta de pagamento consubstanciadora da infracção fiscal é imputável aos gerentes é inconstitucional por inconciliável com a presunção de inocência vigente em matéria sancionatória (art.º 32°, n.º 2, da C.P.).
q. O n.º 10 do art.º 32.° da C.P. assegura ao arguido, em processos sancionatórios (incluindo contra-ordenações) os direitos de audiência e de defesa, que não são assegurados ao revertido.
r. Conclui-se que, no domínio do Ilícito contra-ordenacional, se deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, nos termos do art.° 8° do R.G.l.T.
s. Face à inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do n° 1 do art.° 8° do R.G.l.T., não pode a Administração Fiscal cobrar dos ora Recorrentes os montantes relativos a quaisquer coimas atinentes à Sociedade “D…”, por reversão.
C) Sobre as normas Violadas:
Com o devido respeito, consideramos que, no douto aresto recorrido, o Meritíssimo Juiz “a quo” violou o art.º 276.° do C.P.P.T., e os arts 18.º, n.° 2, 30.°, n.° 3, e 32.°, n°s 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa (segundo os quais deverão ser julgados inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8.° do R.G.l.T.).
Termos em que
Deve ser revogada douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que acolha a posição defendida pelos Recorrentes, julgando adequado o meio processual por estes utilizado (reclamação de despacho da Administração Fiscal) e declarando a inconstitucionalidade das normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8.° do R.G.I.T.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«Os recorrentes defendem ser a reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, o meio processual adequado para o revertido impugnar, contenciosamente, o despacho da Administração Fiscal que indeferiu a pretensão de declarar que os executados por reversão não eram responsáveis pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade.
No que a este fundamento do recurso respeita entendemos que a decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei. Com efeito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem há muito defendendo que a oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão. Ver, entre outros, os acórdãos de 29/06/2005, recurso n.º 501/05; de 07/06/2007, recurso n.° 313/06; de 07/02/2007, recurso n.° 436/06; de 16/05/2007, recurso n.° 47/07; de 04/06/2008, recurso n.° 76/08; de 25/06/2008, recurso 123/08; de 27/05/2009, recurso n.° 448/09 e de 28/10/2009, recurso n.° 578/09.
Sufragamos o entendimento perfilhado naqueles doutos arestos, bem como a sua fundamentação e discurso jurídico.
Alegam também os recorrentes a inconstitucionalidade da norma do artigo 8.°, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT, aprovado pela lei 15/2001, de 4 de Junho.
Também, no que a esta matéria respeita, entendemos que a decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, em conformidade, aliás, com a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, que decidiu não julgar inconstitucional aquela norma, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação (acórdão n.º 129/2009, de 12 de Março de 2009, proferido no processo n.° 649/08)».
1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A- A Administração Fiscal instaurou os presentes autos de execução fiscal e apensos conta a executada D…, NIPC …, para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2004, IVA de 2004 e Coimas Fiscais de 2006 - cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos.
B- Por despachos de 18/09/2007, a execução a que se refere a alínea anterior reverteu contra os ora Reclamantes - cfr. fls. 20 a 25 destes autos.
C- Os Reclamantes B… e C… foram citados em 08/10/2007 - cfr. fls. 31 a 34 e 52 a 55 dos presentes autos
- C1- Em 15/03/2009, os Reclamantes a que se refere a alínea anterior, requereram ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António que declarasse que não eram responsáveis pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade “D…”, e que, em consequência ordenasse o não prosseguimento contra eles das execuções atinentes e tais coimas e despesas - cfr. fls. 105 a 111 destes autos.
- C2- requerimento a que se refere a alínea anterior foi indeferido por despacho de 27/05/2009 - cfr. fls. 116 e 117 dos presentes autos.
- C3- Os Reclamantes foram notificados do despacho a que se refere a alínea anterior em 29/05/2009 - cfr. fls. 118 e 119 dos presentes autos.
- C4- A reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças em 05/06/2009 - cfr. fls. 71 destes autos.
D- A Reclamante A… foi citada em 14/10/2008 - cfr. fls. 58 dos autos.
- D1- Em 20/03/2009, a Reclamante a que se refere a alínea anterior, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António que declarasse que não era responsável subsidiária pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade “D...”, e que, em consequência, ordenasse o não prosseguimento contra ela das execuções atinentes a tais coimas e despesas - cfr. fls. 59 a 63 destes autos.
- D2- Por despacho de 25/03/2009, foi indeferido o requerimento a que se refere a alínea anterior - cfr. fls. 67 e 68 dos presentes autos.
- D3- A Reclamante foi notificada do despacho a que se refere a alínea anterior em 27/03/2009 - cfr. fls. 69 e 70 dos presentes autos.
- D4- A reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças em 15/04/2009 - cfr. fls. 71 destes autos.
3. Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmº Juiz do TAF de Loulé que julgou totalmente improcedentes as reclamações que A…, B… e C… deduziram contra os despachos do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, proferidos em 25/03/2009 e 27/05/2009 na execução fiscal que contra eles reverteu, de indeferimento dos pedidos que aí formularam no sentido de que fosse reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 8° do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que alicerça o seu chamamento como responsáveis subsidiários pelo pagamento das dívidas provenientes de coimas e despesas aplicadas à sociedade devedora e que, nessa sequência, fosse determinado que a execução não prosseguisse contra eles para cobrança dessas dívidas.
A decisão de improcedência das reclamações radicou no entendimento de que ocorria erro na forma de processo, dado que «Os ora Reclamantes, nas duas reclamações apresentadas reagem, na qualidade de responsáveis subsidiários, contra o despacho de reversão da execução fiscal instaurada contra a executada D…, NIPC …, para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2004, IVA de 2004 e Coimas Fiscais de 2006», e que «o meio de reacção adequado para reagir contra o despacho de reversão é, não a reclamação a que se refere o artigo 276.° do CPPT, mas a oposição à execução fiscal regulada nos artigos 203.° e segs. do mesmo Código. Do exposto se conclui que foi deduzida reclamação da decisão do órgão da execução fiscal quando deveria ter sido deduzida oposição à execução.». E porque «o prazo de 30 dias para deduzir oposição há muito que se mostra ultrapassado (...) não há que considerar a hipótese de convolação nos termos dos artigos 97º, n.º 3, da LGT e 98.°, n.º 4, do CPPT, sob pena da prática de acto inútil, como tal proibido nos termos do artigo 137.° do CPC.».
Não obstante, o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” entrou, de seguida, no conhecimento da invocada questão da inconstitucionalidade das normas contidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8° do RGIT, na parte relativa à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, acolhendo o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 129/2009, no sentido de que não se verificava essa inconstitucionalidade.
Posto isto, e sabido que é pelas conclusões extraídas da motivação que se recorta o thema decidendum de cada recurso jurisdicional, a primeira questão que reclama solução consiste em saber se ocorreu erro no julgamento efectuado pelo Tribunal “a quo” ao considerar que os Reclamantes reagem contra o despacho de reversão e que, por isso, ocorre erro na forma de processo em virtude de o meio de reacção adequado ser a oposição à execução fiscal.
Os actos que, clara e expressamente, foram identificados pelos Reclamantes como objecto das reclamações que deduziram ao abrigo do art.º 276º do CPPT são os seguintes despachos que o Chefe do Serviço de Finanças proferiu na execução n.º 1155200601000063 e apensos, instaurada contra a sociedade D…, para cobrança de dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2004, IVA de 2004 e Coimas Fiscais de 2006:
despacho de 25/03/2009, que indeferiu o pedido que A… apresentou, na qualidade de executada por reversão, no sentido de que fosse declarada a inconstitucionalidade da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 8.º do RGIT e que alicerçou o seu chamamento à execução para pagamento de dívidas provenientes de coimas e despesas aplicadas à sociedade devedora originária;
despacho de 27/05/2009, que indeferiu idêntico pedido formulado por B… e esposa C….
Esses dois despachos contêm a seguinte e idêntica fundamentação:
«O processo de execução fiscal n° 1155200601000063 e apensos, instaurado contra D…, NIPC …, respeita a dívidas de IRC, IVA e de coimas fiscais e encargos, conforme descriminação efectuada na informação que antecede.
Por despacho de 18/09/2007 foi efectivada a reversão contra os sócios gerentes, na qualidade de responsáveis subsidiários A…, C…, B… e ….
Vem (...) requerer o não prosseguimento da reversão das coimas e encargos contra os responsáveis subsidiários invocando para o efeito a inconstitucionalidade bem como a intransmissibilidade das mesmas.
Nos termos do artigo 8° n° 1 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento.
Estabelece o n° 1 do artigo 23° da Lei Geral Tributária (LGT) que a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão no processo de execução fiscal.
Sobre a matéria objecto do presente requerimento foi proferido o acórdão n° 129/2009, de 12 de Março, pelo Tribunal Constitucional do qual se pode subtrair o seguinte:
“No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco de transmissão de responsabilidade contra-ordenacional”
“O que o artigo 8°, n° 1 alíneas a) e b) do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.”
“O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.”
“A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional”
“Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. Artigo 160° do Código de Procedimento e de Processo Tributário).”
“Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.”
“É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.”
“Tudo leva, por conseguinte a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8° n° 1 alíneas a) e b) do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30º, n°3 da Constituição, mesmo que se pudesse entender - o que não é liquido - que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações.»
“Não há, por isso, razões para manter o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido quanto à questão de constitucionalidade.»
“Termos em que se decide:
a)- não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 8° do Regime das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação;
b)- Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de Constitucionalidade formulado.”
Face ao exposto INDEFIRO o pedido com todas as consequências legais.
Prossiga a execução a sua tramitação legal.»
Através das petições juntas a fls. 87/100 e 122/130, os executados reclamaram desses despachos, que identificaram devidamente com vista à sua invalidação, invocando o erro na apreciação jurídica da questão da inconstitucionalidade do artigo 8.° do RGIT e esgrimindo, ainda, com a falta de verificação dos pressupostos para a reversão da execução, na medida em que a Reclamante A… nunca exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora nem teve culpa na falta de pagamento ou na insuficiência do património dessa sociedade, e na medida em que, relativamente aos outros Reclamantes, a Fazenda Pública não provou, como lhe competia, a culpa na falta de pagamento da dívida e na insuficiência do património social.
Donde resulta que embora os Reclamante tenham, clara e expressamente, identificado os despachos de indeferimento como objecto das reclamações, não se limitaram a atacar a sua fundamentação, indo mais longe e aduzindo factos e argumentos com vista à demonstração da sua ilegitimidade para a execução fiscal por falta de verificação dos pressupostos necessários para a reversão da execução contra si.
Tal não significa, porém, que tenha ocorrido erro na forma de processo.
O erro na forma de processo, contemplado no art. 199º do Código de Processo Civil (CPC), consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção.
Com efeito, constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico (Cfr., entre outros, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; Antunes Varela, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col.Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col.Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col.Jur. Ano XV, T4, pág. 201.) que é pelo pedido, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito. Quer isto dizer, que a correcção ou incorrecção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de acção por si escolhido para atingir o fim por si visado) mede-se ou afere-se em função da pretensão da tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir. Pelo que a chamada inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste numa discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visa atingir.
Ora, no presente caso, as reclamações têm claramente por objecto os despachos de indeferimento proferidos pelo órgão da execução fiscal, visando, logicamente, a sua anulação, pelo que é por essa pretensão que se tem de aferir do acerto ou erro do meio processual utilizado para atingir tal desiderato. E não existindo qualquer desarmonia ou discrepância entre esse meio processual utilizado – a reclamação deduzida ao abrigo do art.º 276.º do CPPT – e a pretensão implicitamente formulada de invalidação dos actos reclamados, não pode falar-se em erro na forma de processo.
Não constituindo o despacho de reversão objecto dessas reclamações, não pode manter-se a decisão recorrida na parte em que julgou o contrário, isto é, na parte em que julgou que esse despacho constituía objecto da reclamação e que o meio adequado para reagir contra ele era a oposição à execução fiscal.
A questão que se colocava era, antes, a de saber se nessas reclamações podiam ter sido suscitadas, como foram, questões que não haviam sido colocadas ao órgão decisor (relativas aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos executados por reversão) e que, por isso, não fazem parte da motivação do acto que constitui objecto das reclamações.
Na verdade, tendo em conta que a reclamação, prevista no art.º 103.º, n.º 2 da LGT e no art.º 276.º do CPPT, se destina a controlar a legalidade dos actos praticados pelo órgão da administração tributária no processo judicial de execução fiscal, e que tal meio de reacção constitui um misto de recurso contencioso (por se tratar do controlo de um acto de um órgão administrativo por parte do tribunal) e de recurso jurisdicional (na medida em que o acto controlado pelo tribunal é um acto praticado num processo judicial), visando, necessariamente, a apreciação da legalidade do concreto acto sindicado tal como ele ocorreu, com vista à declaração da sua invalidade ou anulação, os Reclamantes só podiam ter atacado a legalidade dos despachos reclamados em função dos concretos fundamentos em que eles se alicerçaram.
Isto é, nas reclamações apresentadas contra os referidos despachos de havia que atender, exclusivamente, ao respectivo teor e fundamentação para aferir da sua validade, não podendo ser suscitadas questões que não foram colocadas ao órgão decisor e que, por isso, não fazem parte da motivação dos actos impugnados, nem constituem, sequer, questões de conhecimento oficioso.
O que leva, forçosamente, ao não conhecimento das questões respeitante aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos executados por reversão.
Desta forma, embora com base em raciocínio totalmente diverso do trilhado pelo Senhor Juiz, entende-se que existia fundamento para o não conhecimento das aludidas questões e que se impunha, somente, conhecer do erro na apreciação e decisão da questão da inconstitucionalidade do artigo 8.° do RGIT.
E dado que na sentença recorrida se conheceu dessa questão, importa, então, passar à análise do erro de julgamento que os Recorrentes lhe imputam neste recurso jurisdicional.
Na sentença, o Mmº Juiz sufragou o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 129/2009, de 12 de Março de 2009, no sentido de «não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação», reproduzindo a fundamentação aí aduzida.
Tal acórdão do Tribunal Constitucional, que não tem força obrigatória geral, foi proferida na sequência de um recurso obrigatório apresentado pelo Ministério Público após a prolação, pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão de 28 de Maio de 2008 no Processo n.º 31/08, no qual se reafirmava a posição jurisprudencial dominante neste Tribunal (No sentido da referida inconstitucionalidade, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 27 de Fevereiro de 2008, no Processo n.º 1057/07; 12 de Março de 2008, no Processo n.º 1053/07; de 28 de Maio de 2008, no Processo n.º 31/08; de 4 de Fevereiro de 2009, no Processo n.º 829/08;), no sentido de que o art.º 8.º do RGIT é inconstitucional por consubstanciar uma violação do princípio da intransmissibilidade das penas previsto no n.º 3 do art.º 30.º da CRP, por não assegurar ao revertido o direito de audiência e defesa no processo de contra-ordenação previsto no n.º 10 do art.º 32º e não lhe conferir, sequer, a garantia da presunção de inocência prevista no n.º 2 do art.º 32º.
Com efeito, segundo essa corrente jurisprudencial, o princípio da intransmissibilidade das penas, embora previsto no n.º 3 do art. 30.º da CRP para as penas, deve aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, designadamente às coimas, por ser essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção. Por outro lado, porque os revertidos não intervêm no processo contra-ordenacional e não têm possibilidade de contraditar os elementos trazidos pela acusação ou de impugnar ou recorrer do acto de aplicação da coima, estariam a ser violados os direitos de audiência e de defesa que a Constituição estabelece no n.º 10 do art.º 32.º para todos os arguidos de processos sancionatórios. E, finalmente, seria inconstitucional a presunção legal constante do art.º 8.º do RGIT, de que a falta de pagamento da coima é imputável aos gerentes, por inconciliável com o princípio da presunção de inocência do arguido consagrado no n.º 2 do art.º 32.º da CRP.
É, pois, neste enquadramento que a jurisprudência dominante no STA tem vindo a sufragar o entendimento de que a responsabilização subsidiária dos administradores e gerentes pelo pagamento de coimas aplicadas à sociedade, prevista no art.º 8.º do RGIT e que a Administração Fiscal tem vindo a concretizar através do mecanismo da reversão da execução fiscal, se reconduz a uma transmissão para outrem do dever de cumprimento da sanção imposta à sociedade infractora, o que acarretaria as apontadas inconstitucionalidades, inviabilizadoras da aplicação do preceito.
Todavia, no citado acórdão n.º 129/2009 (Bem como nos acórdãos que se lhe seguiram, com o n.º 150/2009 e 234/2009) proferidos em 25/03/2009 e 12/05/2009, respectivamente, embora estes reportados a norma equivalente do RJIFNA (art. 7.º-A).), o Tribunal Constitucional veio a entender que o referido preceito não consagra uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou contra-ordenacional imputável à sociedade, estabelecendo, antes, a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.
Tratar-se-ia de uma responsabilidade de natureza civil extracontratual dos gerentes e administradores, resultante do facto culposo que lhes é imputável por terem causado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, determinante do não pagamento da coima, ou por não terem procedido ao pagamento da coima quando a sociedade foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
Ou seja, a responsabilidade subsidiária prevista no art.º 8.º do RGIT assentaria, não no facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso deste, traduzido num comportamento pessoal causador de um dano para a Administração Fiscal, sendo que a «circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.».
É, pois neste contexto, que urge tomar, de novo, posição sobre a constitucionalidade do citado normativo, tendo em consideração que embora o acórdão do Tribunal Constitucional tenha um peso próprio, que cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior reflexão e ponderação, ele não tem força obrigatória geral, impondo-se somente no processo em que foi proferido, e que este Supremo Tribunal não está, por isso, vinculado à sua aplicação nestes autos, sendo livre de seguir a jurisprudência que julgue mais adequada.
Na ponderação desta problemática, afigura-se-nos útil recordar que os títulos executivos que suportam a presente execução fiscal foram extraídos contra a sociedade “D…”, mencionando a natureza e proveniência das dívidas cuja cobrança se pretende alcançar (tal como o impõe artigo 148.º do CPPT), entre as quais estão se encontram dívidas que têm a natureza de coimas e que provém de actos de aplicação desse tipo de sanção à sociedade em processos de contra-ordenação fiscal por virtude da prática de infracções tributárias. E que a Administração Fiscal fez reverter a execução contra os ora Reclamantes, gerentes da sociedade, ao abrigo do preceituado artigo 160.º do CCPT, por os ter considerado como responsáveis subsidiários por essas dívidas de coimas face ao disposto no artigo 8.º do RGIT.
De harmonia com o preceituado no artigo 45.º do Código de Processo Civil, toda a execução tem de ter por base um título executivo, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva. É também pelo título que se determina a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (art.º 802.º do CPC). Os títulos executivos cumprem uma função constitutiva, na medida em que atribuem exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal, e são, sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, apenas aqueles que a lei indica (art.º 46.º do CPC), estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade.
Isto é, não pode haver acção executiva sem título que, processualmente, constitua a sua base formal e que lhe define, nos termos daquele artigo 45.º n.º 1, o seu fim e limites.
É neste contexto que o artigo 153.º do CPPT dispõe, relativamente ao processo de execução fiscal, que só podem ser executados nesse tipo de processo os devedores originários e seus sucessores das dívidas tipificadas no artigo 148.º do CPPT (tributos, coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em processo de contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns, outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo, reembolsos ou restituições), bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada (n.º 1).
Por conseguinte, o processo de execução fiscal pressupõe a existência de uma dívida com a natureza prevista no artigo 148.º e que tem de estar titulada, só podendo servir de base à execução os seguintes títulos executivos: certidão extraída do título de cobrança relativa a tributos e outras receitas do Estado; certidão de decisão exequível proferida em processo de aplicação das coimas; certidão de acto administrativo que determine a dívida a ser paga; qualquer outro título a que, por lei especial, seja atribuída força executiva.
Todavia, no âmbito da execução fiscal está previsto o posterior chamamento à execução de outras pessoas que não constam do título executivo, designadamente dos responsáveis subsidiários (previstos legalmente) pelo pagamento da dívida, e que são chamadas a pagar a totalidade da dívida do devedor originário, os juros e demais encargos legais (Note-se que o art. 23.º n.º 5 da LGT só isenta o responsável subsidiário do pagamento de juros e custas no caso de ele efectuar o pagamento da dívida principal no prazo de oposição), assim se operando uma alteração subjectiva da instância executiva.
O que se compreende no que concerne às dívidas de natureza tributária, na medida em que a noção de sujeito passivo da relação tributária desenhada na LGT (E que já anteriormente o Código de Processo Tributário previa no art.º 10º.), mais propriamente no n.º 3 do art.º 18.º, compreende todas as pessoas singulares ou colectivas, patrimónios ou organizações de facto ou de direito que, nos termos da lei, estão vinculados ao cumprimento da obrigação tributária, seja como contribuintes directos, seja como substitutos, seja como responsáveis.
Ou seja, por força de inequívoca opção do legislador, os responsáveis tributários subsidiários são também sujeitos passivos da relação tributária, são também devedores, embora de uma dívida de outrem (na medida em que os pressupostos do facto tributário não ocorrem relativamente a si, mas a lei lhes impõe o cumprimento da dívida do imposto), razão por que lhes compete, igualmente, satisfazer a obrigação tributária, podendo ser chamados ao processo de execução fiscal para pagamento da dívida exequenda (Sobre o significado e alcance dos conceitos de sujeito passivo e responsável, pode consultar-se SOARES MARTINEZ, in “ Direito Fiscal”, Livraria Almedina, 7ª Edição, págs. 226 e segs.; MANUEL PIRES, in “Direito Fiscal”, Lisboa, 1980/81, págs. 325 a 327; CARDOSO DA COSTA, in “Curso de Direito Fiscal”, Coimbra, 1972, págs. 272 e segs.; NUNO SÁ GOMES, “Os Sujeitos Passivos da Obrigação Tributária”, na CTF n.º 196 – 198, págs. 46 e segs.; ANA PAULA DOURADO, in “Substituição e Responsabilidade Tributária”, na CTF n.º 391, págs. 31 e segs.).
Como clarifica ANA PAULA DOURADO, em artigo publicado no domínio do idêntico regime contido no Código de Processo Tributário, intitulado “Substituição e Responsabilidade Tributária”, publicado na CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL n.º 391, pág. 51, «... o responsável é um sujeito passivo que é chamado a pagar uma dívida de outrem (art.º 11º, n.º 1 do CPT), no sentido em que os pressupostos do facto tributário não ocorrem relativamente a ele, mas sim os pressupostos da responsabilidade, o que significa que as obrigações derivadas da lei para o devedor originário e para o responsável, assentam em pressupostos distintos.
Embora possa ser utilizada pelo legislador em muitos sentidos, a responsabilidade tributária deve ser distinguida das situações que implicam uma obrigação fiscal por dívida própria, de forma que o responsável distingue-se do devedor originário, e a designação deve ser utilizada, no Direito Fiscal, no sentido estrito. (...)
Se quisermos avançar com um conceito de responsável aplicável em qualquer dos ordenamentos estudados, podemos dizer que o responsável é um sujeito passivo obrigado ao pagamento da dívida de imposto, cujos pressupostos tributários se verificam relativamente a um devedor originário, e essa responsabilidade resulta normalmente do incumprimento culposo de deveres fiscais determinados por lei, sendo-lhe atribuído direito de regresso.».
É, pois, por esta razão que o artigo 22.º da LGT estabelece que a responsabilidade tributária pode abranger, solidariamente ou subsidiariamente, outras pessoas, e que essa responsabilidade abrange a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais.
Por conseguinte, a responsabilidade tributária subsidiária reporta-se sempre à dívida que se encontra certificada no título executivo, abrangendo a totalidade dessa dívida, os respectivos juros e demais encargos legais, sendo, assim, uma responsabilidade pelas dívidas que constam do título executivo e que têm de ter, necessariamente, a natureza de tributos, coimas ou demais dívidas ao Estado tipificadas no artigo 148.º do CPPT.
É por essa razão que não é necessário outro título executivo para realizar coactivamente a prestação relativamente ao responsável subsidiário tributário, e é também por isso que a LGT confere a este o direito de impugnar (graciosa e contenciosamente), nos termos e com os fundamentos previstos no CPPT, o acto tributário de onde provém as dívidas exequendas que foi chamado a pagar (art.º 22.º, n.º 4).
Em suma, a responsabilidade subsidiária que o Direito Fiscal prevê e que a Lei Geral Tributária consagra, designadamente quanto aos administradores e gerentes de sociedades de responsabilidade limitada (artigos 22.º, 23.º e 24.º), concretiza-se pela mera mudança de titularidade da dívida exequenda, efectivada através do mecanismo da reversão e citação desses responsáveis, o que consubstancia uma mera alteração subjectiva da instância executiva, sem qualquer modificação do título executivo ou da natureza da dívida nele certificada.
Pelo que, a reversão do processo de execução fiscal constitui um mecanismo destinado a redireccionar a cobrança da dívida, fundado no princípio da economia processual na medida em que visa evitar a instauração de uma nova execução contra outro responsável pela mesma dívida, permitindo que aquela que já foi instaurada contra o sujeito passivo originário passe a correr contra outro responsável pela mesma dívida.
O acto de reversão contra o responsável subsidiário, na medida em que constitui um mero acto administrativo, praticado em sede de execução, de determinação dos pressupostos legais para a responsabilização de outras pessoas pelo pagamento das dívidas em cobrança, não representa um novo título executivo. Nem é necessária a existência de outro título para chamar à execução o responsável subsidiário por dívidas de natureza tributária uma vez que a dívida exequenda permanece a mesma, só mudando o responsável pelo seu pagamento, sofrendo a instância executiva uma mera alteração subjectiva.
Se assim não fosse, isto é, se houvesse uma alteração da natureza e proveniência da dívida que esse responsável é chamado a pagar na execução, então estaríamos perante uma situação de falta de título executivo, posto que mais nenhum outro existe para além daquele que suporta a instauração da execução contra o sujeito passivo originário.
Tudo isto para dizer, em síntese, que a reversão da execução provoca, inevitavelmente, a transmissão da responsabilidade pelas dívidas que constam do título executivo para aquele que a lei aponta como responsável subsidiário, dívidas que têm, obrigatoriamente, a natureza de tributos, coimas e dívidas ao Estado tipificadas no artigo 148.º do CPPT.
Questão totalmente diversa é a de saber qual a natureza jurídica dessa responsabilidade tributária subsidiária, designadamente da responsabilidade dos gerentes e administradores das sociedades pelo pagamento das dívidas tributárias da sociedade, qual é, enfim, a causa ou justificação para essa responsabilização.
Tal questão tem provocado, na doutrina e a jurisprudência, uma das mais interessantes e complexas discussões. Numa breve síntese, podemos dizer que enquanto alguns autores defendem que a responsabilidade subsidiária corresponde a uma fiança legal, ou seja, uma garantia criada pela própria lei para que as dívidas da sociedade sejam sempre garantidas pelos seus gestores no caso de haver incumprimento desta (Neste sentido, ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, in “Princípios de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Almedina, e MENEZES LEITÃO, in “A Substituição e a Responsabilidade Fiscal no Direito Português”, in CTF n.º 388.), outros advogam que essa responsabilização corresponde a um meio de reacção da Fazenda Pública contra o abuso da responsabilidade limitada (Neste sentido, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, in “Lei Geral Tributária, Anotada”, Rei dos Livros, pág. 139.)
. Para outros, ainda, a responsabilização tributária do gestor busca a sua justificação na responsabilidade civil (Neste sentido, RUY DE ALBUQUERQUE e MENEZES CORDEIRO, in “Responsabilidade Fiscal Tributária: A Imputação aos Gestores dos Débitos das Empresas à Previdência", in CTF n.º 334-336.), dada a existência de uma actuação culposa por parte deste, que decorre de uma violação por acção ou comissão de dever jurídico prévio: a falta de pagamento dos tributos ou a responsabilidade pela diminuição do património social. E, finalmente, existem outros autores que defendem que a responsabilidade tributária dos administradores por dívidas fiscais é uma figura típica e específica do direito fiscal, um instituto que tem regras autónomas e que, apesar de reunir elementos típicos quer da responsabilidade civil por factos ilícitos quer da fiança, não se confunde com qualquer dessas figuras (Neste sentido, ANA PAULA DOURADO, in “A Responsabilidade Tributária dos Gerentes”, in Fisco, n.º 57, e PEDRO SOARES MARTINEZ, IN “Direito Fiscal”, Almedina.) .
Todavia, qualquer que seja a posição que se acolha para compreender o fundamento jurídico desta responsabilização tributária subsidiária, não se pode confundir esse fundamento com o objecto dessa mesma responsabilidade. E o seu objecto é, como vimos, e indubitavelmente, a totalidade da dívida certificada no título (com a natureza e proveniência aí descritas), os juros de mora e demais encargos legais.
A esta luz, e visto que o mecanismo da reversão está estruturado somente para a responsabilidade pelas dívidas tributárias que constam do título executivo, parece-nos totalmente indefensável sustentar que as dívidas que o responsável subsidiário é chamado a pagar após a reversão podem ter natureza e proveniência diferentes daquelas que constam do título, fundada numa responsabilidade própria e autónoma deste.
Voltando ao caso dos autos, damos conta que a Administração Fiscal imputou a responsabilidade subsidiária pelo pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda aos sócios gerentes da sociedade infractora, utilizando o mecanismo da reversão da execução para efectivar a responsabilização que encontra previsão no artigo 8.º do RGIT, pois que, na perspectiva do órgão da execução fiscal (e reafirmada na fundamentação do acto reclamado), trata-se de uma responsabilidade subsidiária que se efectiva por reversão no processo de execução fiscal nos termos do n.º 1 do artigo 23.º da LGT.
O que tem implícito o entendimento de que essa responsabilidade subsidiária que imputa ao gerente da sociedade em sede de reversão é por dívidas alheias, isto é, pelas dívidas que constam do título, por cujo pagamento responderiam, subsidiariamente, as pessoas indicadas nesse art.º 8.º.
Com efeito, constatando-se que a responsabilização dos ora Reclamantes foi efectivada através de despacho de reversão da execução instaurada contra a sociedade devedora, e que dele resulta que lhes foi imputada uma responsabilidade pelo pagamento das coimas e encargos legais, torna-se inquestionável que a Administração Fiscal interpreta o artigo 8.º do RGIT no sentido de que ele consagra uma responsabilização subsidiária pelas dívidas da sociedade (com a natureza e proveniência descritas no título), permitindo a transmissão da responsabilidade pelo seu pagamento para as pessoas que o preceito indica como responsáveis subsidiários.
Por outras palavras, a Administração Fiscal, ao efectivar a responsabilidade prevista no art.º 8.º do RGIT através do mecanismo da reversão da execução, não está a interpretar e aplicar o preceito no sentido de que a responsabilidade subsidiária nele prevista é por dívida distinta da que consta do título, designadamente de natureza civil e cariz indemnizatório, pois que se assim fosse não estaria, como está, a utilizar o mecanismo da reversão, o qual está estruturado apenas para os casos de responsabilização por dívidas de outrem e implica, necessariamente, a transmissão da obrigação de cumprimento da sanção que constitui a dívida exequenda.
Ora, tal interpretação do preceito, concretizada na presente execução fiscal, consubstancia, necessariamente, uma transmissão da responsabilidade pelas coimas aplicadas à sociedade infractora, proibida pela Constituição da República Portuguesa no n.º 3 do art.º 30º.
Com efeito, e tal como se deixou dito em anteriores acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal, o princípio da intransmissibilidade das penas, embora previsto no n.º 3 do art. 30.º da CRP para as penas, deve aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, designadamente às coimas, por ser essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção. «Os fins das sanções aplicáveis por infracções tributárias são exclusivamente de prevenção especial e geral, pelo efeito ressocializador ou a ameaça da sanção levar o infractor a alterar o seu comportamento futuro e conseguir que outras pessoas, constatando a aplicação àquele da sanção, se abstenham de praticar factos idênticos aos por ele praticados. Por isso, a aplicação de sanção a pessoa a quem não pode ser imputada responsabilidade pela sua prática não é necessária para satisfação dos fins que a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é constitucionalmente proibida a sua aplicação, por força do preceituado no art. 18.º, n.º 2, da CRP que estabelece o princípio nuclear da necessidade de qualquer restrição de direitos fundamentais» - acórdão de 28/05/2008, no Proc. n.º 31/08.
Por outro lado, porque os revertidos não intervêm no processo contra-ordenacional e não têm qualquer possibilidade de contraditar os elementos trazidos pela acusação ou de impugnar ou recorrer do acto de aplicação da coima, a mencionada interpretação é violadora dos direitos de audiência e de defesa que a Constituição estabelece no n.º 10 do art.º 32.º.
Na verdade, o artigo 32.º da CRP impõe a obrigação de assegurar ao arguido, em quaisquer processos sancionatórios (contra-ordenações incluídas), os direitos de audiência e de defesa, garantias que não são assegurados àqueles que são chamados, através do mecanismo da reversão da execução fiscal, a pagar dívidas de coimas aplicadas a outrem, na medida em que não foram chamados a intervir no processo contra-ordenacional nem podem recorrer ou impugnar do respectivo acto sancionatório, ficando-lhes vedada a possibilidade de contraditar eficazmente os elementos trazidos pela acusação e que suportam a aplicação da coima que são chamados a pagar.
É, pois, neste enquadramento que sufragamos o entendimento de que a responsabilização subsidiária dos administradores e gerentes pelo pagamento de coimas prevista no art.º 8.º do RGIT e que a Administração Fiscal tem vindo a concretizar através do mecanismo da reversão da execução fiscal, se reconduz a uma transmissão para outrem do dever de cumprimento da sanção que constitui a dívida exequenda, e que tal acarreta as mencionadas inconstitucionalidades, inviabilizadoras da aplicação do preceito.
Estamos deste modo a concluir que a norma ínsita no artigo 8.º do RGIT, quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora, viola o princípio da intransmissibilidade das penas, por essa reversão implicar, necessariamente, a transmissão da obrigação de cumprimento da sanção que constitui a dívida exequenda.
A sentença recorrida, que assim o não julgou, não pode, pois, manter-se, sendo de conceder provimento ao recurso.
* * *
5. Nestes termos e com os fundamentos supra expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, julgando-se inconstitucional, na procedência da reclamação, a norma do artigo 8.º do RGIT quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária que se efectiva através da reversão da execução fiscal contra as pessoas nele indicadas, julgando-se, em consequência, extinta a execução contra os reclamantes na parte concernente às dívidas de coimas e despesas aplicadas à sociedade executada.
Custas pela Fazenda Pública na instância, com procuradoria de 1/8, não sendo devidas no STA uma vez que ela não contra-alegou.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. – Dulce Manuel Neto (relatora) - Pimenta do Vale - Valente Torrão.