Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0973/08
Data do Acordão:12/17/2008
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
DEMORA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
DANO MORAL
DANO INDEMNIZÁVEL
Sumário:I - O art. 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra o princípio da subsidiariedade, segundo o qual compete às autoridades nacionais, em primeiro lugar, reparar as violações da mesma Convenção.
II - Na densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e de danos morais indemnizáveis, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará, seguramente, um papel de relevo.
III - Tendo-se provado, em caso de violação do art. 6º § 1º da Convenção, que os autores sofreram, em termos causalmente adequados, de ansiedade prolongada, insegurança, desespero e sofrimento, tais danos são indemnizatoriamente relevantes para reparação da parte lesada.
Nº Convencional:JSTA00065399
Nº do Documento:SA1200812170973
Data de Entrada:11/03/2008
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A... - B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA DE 2008/06/10 PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR INT PUBL - DIR HOMEM.
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N2.
CCIV66 ART496 ART349.
CONST76 ART20 N4.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART6.
Referências Internacionais:CONV EUR DOS DIREITOS DO HOMEM ART6 PAR1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC308/07 DE 2007/11/28.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTRO MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG501.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A… e mulher B… , já devidamente identificados nos autos, instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção para efectivação de responsabilidade extracontratual, contra o Estado Português, com fundamento em deficiente funcionamento da justiça e falta de decisão em prazo razoável, pedindo a condenação do réu ao pagamento de indemnização, nos seguintes termos:
a) a título de danos emergentes de carácter patrimonial, a quantia líquida de € 27 441,97, acrescida da quantia a apurar em sede de execução de sentença;
b) a título de lucros cessantes com expressão patrimonial, a quantia de € 25 000;
c) a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 17 500 a cada um dos autores.
1.1. A fls. 61-66 foi proferido despacho saneador no qual, além do mais, o juiz a quo julgou parcialmente improcedente o pedido, relativamente aos danos patrimoniais referidos na alínea a) do seu pedido, isto é à parte “que se refere às quantias a título de rendas vencidas e vincendas, líquidas e a liquidar em execução de sentença e dos juros de mora respectivos e custas ou preparos efectuados na acção de despejo”.
1.2. Por sentença de 2008.06.10 o TAF de Lisboa julgou parcialmente procedente a acção e condenou o réu a pagar aos autores a indemnização total de € 16 600, sendo:
- 6 600 € a título de danos patrimoniais por lucros cessantes, correspondentes à diferença entre o valor da renda existente, no montante conhecido de 269,08 € e renda hipotética de 450,00 €, mensais e no período que decorreu de 18.12.2000 e 31.12.2003;
- e a quantia de 10 000 € a título de indemnização por danos não patrimoniais.
1.3. Inconformado com a sentença, o réu – Estado Português – recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões:
a) O Réu Estado português foi condenado, para além do mais, no pagamento de uma indemnização aos Autores no montante de 10 000 €, a título de danos não patrimoniais.
b) Sucede que não foi feita prova nos presentes autos da gravidade dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos Autores, até porque os mesmos não alegaram quaisquer factos nesse sentido.
c) Aliás, a sentença recorrida não refere o que quer que seja a propósito da gravidade ou não dos danos não patrimoniais que decidiu indemnizar.
d) Se o tivesse feito, como devia, só poderia concluir que os danos não patrimoniais consubstanciados em “ansiedade”, “desespero” e “sofrimento” pelos contactos desenvolvidos pelos Autores no sentido de recuperarem os rendimentos do seu investimento, não revestem gravidade que justifique a tutela do direito.
e) Com efeito, tem sido entendido que só serão indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral e que os simples incómodos e mal-estar não são indemnizáveis.
f) Ora, não se pode considerar que a “ansiedade”, o “desespero” e o “sofrimento” vividos pelos Autores, nas circunstâncias em que se verificaram, afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
g) E, ainda que assim não seja entendido, sempre o valor fixado na sentença a título de indemnização por danos não patrimoniais, deverá ser considerado elevado.
h) Na verdade, ao fixar 10 000 € a indemnização por danos não patrimoniais, a sentença não levou em conta as circunstâncias do caso concreto, nem levou igualmente em conta os padrões de indemnização geralmente adoptados.
i) Tendo em conta as circunstâncias do caso e a situação económica do lesante e dos lesados, considera-se equitativa e adequada ao caso presente, a fixação de uma reparação não superior a 2 000 Euros (1 000 Euros por cada Autor).
j) A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 496º, nº 1 e 3 e 494º do Código Civil.
Termos em que, revogando-se a decisão recorrida, nos termos sobreditos, e absolvendo o Estado do pedido referente aos danos não patrimoniais ou reduzindo o montante indemnizatório,
Fará esse ALTO TRIBUNAL
JUSTIÇA
1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
a) Em 13.07.1997, os autores, na qualidade de proprietários, propuseram uma acção de despejo sob a forma sumária, e com fundamento na falta de pagamento de rendas desde Dezembro de 1996, contra a arrendatária, primeira ré, e a fiadora, segunda ré, do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …, concelho de Loures.
b) Tal acção foi distribuída ao 4º Juízo Cível de Loures e coube-lhe o nº 434/97.
c) As rés foram citadas vindo a segunda ré a contestar em, 27.11.1997.
d) Invocou a sua ilegitimidade passiva, foram encetadas diligências no sentido de apurar da identidade do fiador e, citado este, enviou requerimento aos autos em 22.06.1999.
e) Citados os réus e porque o processo não prosseguia termos os autores requereram o prosseguimento deles em 04.11.1999.
f) Em 07.07.2000, e porque não houvesse sido proferida qualquer decisão o autor insistiu pelo prosseguimento da acção.
g) Nesta mesma data e atento o facto de a inquilina se manter no arrendado sem proceder ao pagamento das rendas devidas aos autores desde Dezembro de 1996, os autores requereram o despejo imediato, nos termos do nº 2º do art. 58º do RAU (D. Lei nº 321-B/90 de 15/10).
h) Em 26.09.2000 o autor foi notificado do despacho de mero expediente de fls. 110 dessa acção, onde nada era mencionado quanto ao requerido despejo imediato.
i) Em 18.12.2000 o autor insistiu pela apreciação do pedido de despejo imediato referido em G).
j) Em 15.06.2001 o autor entregou novo requerimento no qual procedeu à súmula do decurso dos autos, invocando as datas de entrada da acção, datas de citação dos réus, do pedido de despejo imediato, montante das rendas em dívida, e data desde quando o processo se encontrava sem despacho.
k) Finalizou-o requerendo a emissão de certidão integral dos autos com vista a demandar o Estado Português.
l) O requerimento referido não recebeu qualquer despacho deferindo ou indeferindo a pretensão do autor e à data de 14.02.2003 continuava a certidão sem ser passada.
m) Em 28.09.2001 o autor apresentou novo requerimento pedindo a apreciação do pedido de despejo imediato.
n) Presencialmente os mandatários do autor deslocaram-se sucessivamente ao Tribunal junto da respectiva secretaria judicial em 08.05.2001, 27.05.2001, 27.02.2002, 18.03.2002, 19.03.2002, 16.04.2002, 10.01.2003 invariavelmente sendo informados que os autos estavam conclusos no gabinete do Meritíssimo Juiz.
o) Não foi paga aos autores qualquer renda desde Dezembro de 1996 até à data da entrada desta acção.
p) Atenta a localização do imóvel arrendado e os valores das rendas praticadas na zona, com referência a data posterior a 1999, a renda mensal do locado seria de valor igual ou algo superior a 450,00 €.
q) Por causa da demora no andamento e decisão na acção de despejo os autores têm vivido numa situação de ansiedade permanente, sobretudo nos últimos anos.
r) Com o passar do tempo essa ansiedade vem aumentando.
s) Os autores têm no locado aplicada parte significativa das poupanças que geraram nos últimos vinte anos.
t) Trabalhando como emigrantes em França, na expectativa de regressarem a Portugal.
u) E beneficiarem dos rendimentos da aplicação dessas poupanças.
v) Quando vêm a Portugal não conseguem descansar e desdobram-se em contactos, expressão do seu intenso sofrimento,
w) da insegurança e do desespero
x) da falta de confiança na aplicação que fizeram
y) e falta de esperança para uma vivência tranquila na terceira idade
2.2. O DIREITO
A sentença recorrida contém duas decisões distintas, ambas igualmente desfavoráveis ao réu Estado, ora recorrente. A primeira, de condenação ao pagamento de indemnização por lucros cessantes. A segunda, de condenação ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais.
Todavia, de acordo com as conclusões da alegação do recorrente e nos termos previstos no art. 684º/2 do CPC, o âmbito do presente recurso jurisdicional está circunscrito à decisão de condenação do réu ao pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, fixada no valor global de € 10 000, sendo € 5 000 por cada um dos autores.
E, posto isto, temos que a censura feita à sentença, repousa em duas razões. Entende o réu, primeiro, que os danos não patrimoniais provados não revestem gravidade que justifique a tutela do direito e, segundo, que, de todo o modo, sempre será demasiado elevado o valor fixado a este título, considerando-se que a indemnização equitativa não deve exceder o montante de € 2000, sendo € 1000 euros para cada um dos autores.
Vejamos.
A sentença recorrida considerou verificados in casu todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado emergente de omissão de administração da justiça em prazo razoável.
O réu não discute a ilicitude, não discute a culpa, não discute o nexo de causalidade, E não discute, igualmente, a existência de danos não patrimoniais. A sua discordância, começa na relevância indemnizatória dos danos provados, à luz do disposto no art. 496º do Código Civil. Argumenta, no essencial, que a sentença recorrida “só poderia concluir que os danos não patrimoniais consubstanciados em “ansiedade”, “desespero” e “sofrimento” pelos contactos em que se desdobravam quando vinham a Portugal, não poderiam revestir gravidade, ou que os mesmos se deviam a uma excessiva sensibilidade dos Autores que, em qualquer caso, sempre afastaria a necessidade de tutela do direito”
Vejamos.
Como se diz na sentença, provou-se [alíneas q) a y) do probatório)] que:
“ Por causa da demora no andamento e decisão da acção de despejo os autores têm vivido numa situação de ansiedade permanente, sobretudo nos últimos anos e, com o passar do tempo essa ansiedade vem aumentando.
Os autores têm no locado aplicada parte significativa das poupanças que geraram nos últimos vinte anos, trabalhando como emigrantes em França, na expectativa de regressarem a Portugal e virem a beneficiar dos rendimentos da aplicação dessas poupanças.
Mais se provou que quando vêm a Portugal não conseguem descansar e desdobram-se em contactos, expressão do seu intenso sofrimento, da insegurança e do desespero, da falta de confiança na aplicação que fizeram e ainda por falta de esperança para uma vivência tranquila da sua terceira idade”.
E, passados estes danos pelo crivo do art. 496º do C. Civil, o tribunal a quo concluiu que não se suscitam dúvidas que os mesmos “são merecedores da tutela do direito, pela sua gravidade”.
Ora, o direito de indemnização por falta de decisão em prazo razoável, tem como fontes normativas os arts. 20º/4 da Constituição da República Portuguesa, 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2º e 6º do DL nº 48051 de 21.11.1967 e 496º do C. Civil.
E, em matéria de danos não patrimoniais por violação do direito à decisão da causa em prazo razoável, entendemos que não há razão para divergir da posição adoptada por este Supremo Tribunal, em caso similar, no acórdão de 2007.11.28 – rec. nº 308/07 e que passamos a citar:
“(…) De acordo com o princípio da recepção automática consagrado no art. 8º/2 da CRP, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78 de 13 de Outubro, vigora na ordem jurídica interna, desde 9 de Novembro de 1978, data em que foi depositado o instrumento de ratificação (DR, I Série nº 89, de 16 de Junho).
E, na hierarquia das fontes de direito, há controvérsia quanto ao lugar que nela ocupam as respectivas normas. Se é indiscutível a subordinação hierárquica à Constituição (vide art. 277º CRP) já é problemático o posicionamento dentro do direito ordinário interno, embora a doutrina mais significativa defenda que a Convenção está numa posição intermédia entre a lei constitucional e as leis ordinárias. Subordinada à Constituição, mas com primazia sobre as leis ordinárias (cf. Moura Ramos, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sua posição no ordenamento jurídico português”, in BDDC, nº 5, págs. 95 e segs., Ireneu Cabral Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, p. 35, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, I, 4ª ed. Revista, p. 260 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, p. 95).
Porém, para a solução do caso em apreço, nem sequer é decisivo tomar posição nesta questão.
A norma do art. 6º/1 da Convenção não padece, seguramente, de inconstitucionalidade superveniente resultante do aditamento, em 1979, do nº 4 do art. 20º da CRP que passou a consignar que todos têm direito “a que em causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável”. Não só a compatibilidade entre as normas é evidente, mas também a nova redacção do preceito não terá mesmo deixado de ser inspirada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (vide Sérvulo Correia/Rui Medeiros/Diniz de Ayala, in “Estudos de Direito Administrativo”, p. 60).
Outrossim, não são com ela inconciliáveis, de modo nenhum, as normas posteriores do direito ordinário interno que concretizam a garantia processual a uma decisão judicial em prazo razoável (art. 2º/1 do C.P.Civil e 2º/1 do CPTA).
Deste modo, ainda que a norma daquele art. 6º/1 ocupe, porventura, uma posição idêntica à da lei ordinária interna, tanto basta para que a da Convenção prevaleça sobre as de direito interno que lhe são anteriores, pela aplicação directa do princípio de que a lei posterior derroga a anterior. Ora, as normas de direito interno nas quais o tribunal a quo se louvou na construção da sua decisão – DL nº 48 051 de 21.11.1967 e art. 496º do C. Civil – são anteriores à Convenção. Significa isto que tais normas devem ser objecto de interpretação conforme à Convenção e considerar-se inaplicáveis na medida em que a contrariem.
Dito isto, importa ponderar a relevância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (…).
Nos termos do art. 13º da Convenção “qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuaram no exercício das suas funções oficiais”.
O preceito consagra o princípio da subsidiariedade, segundo o qual compete às autoridades nacionais, em primeiro lugar, reparar as alegadas violações da Convenção. E a presente acção é, à luz desse princípio, o meio processual do direito interno eficaz, adequado e acessível para, de acordo com o regime da Convenção, sancionar as violações consumadas, por duração excessiva das causas (cf. Decisão do TEDH, de 22 de Maio de 2003 no caso Maria de Lurdes Gouveia da Silva Torrado contra Portugal).
Mas se a Convenção, para fazer respeitar as suas disposições (art. 19º) instituiu um juiz (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), cujas sentenças têm força vinculativa perante os Estados Partes (art. 46º/1), então tem de reconhecer-se a esse juiz europeu o poder de interpretar e determinar o significado das normas da Convenção.
Portanto, na presente acção, sob pena de futura condenação internacional do Estado, por divergências entre a aplicação tida por apropriada na ordem nacional e a interpretação dada pelo tribunal de Estrasburgo, na análise dos dados jurisprudenciais relativos à densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e de danos morais indemnizáveis, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará, seguramente, um papel de relevo (vide acórdão do TEDH, de 29 de Março de 2006, proferido no caso Riccardi Pizzati c. Itália, processo nº 62361/00 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, anotada, I, 4ª ed.)
Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94. do acórdão nº 62361, de 29 de Março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália):
(i) o Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada;
(ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente.
Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo.
Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral (vide Ireneu Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, p. 300; acórdão de 26 de Junho de 1991, processo nº 12369/86, no caso Letellierc. França; acórdão de 21 de Abril de 2005, processo nº 3028/03, no caso Basoukouc. Grécia)” (fim de citação).
Ora, no caso em apreço o tribunal a quo considerou que foi violado o direito dos autores à decisão da sua causa em prazo razoável e, a par disso, deu como provada a existência de danos não patrimoniais.
Deste modo, tendo sido alegados danos específicos, que estão assentes por prova directa, não há lugar, no caso em análise, a discutir se o tribunal a quo haveria ou não de considerar, por presunção, a existência de danos não patrimoniais. Na verdade, onde houver prova directa não deve julgar-se por mera presunção (cf. art. 349º CCivil e Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 501).
Resta saber se, sim ou não, a sentença recorrida merece censura por ter dado relevância indemnizatória aos danos patrimoniais provados e supra indicados.
A nosso ver a resposta é negativa.
Na verdade, como se disse no aresto citado, que continuamos a seguir de muito perto:
“(…) a jurisprudência do TEDH, relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos similares, de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral (vide, por exemplo: acórdão de 21 de Março de 2002, processo nº 46462/99, no caso Rego Chaves Fernandesc. Portugal; acórdão de 29 de Abril de 2004, processo nº 58617/00, proferido no caso Garcia da Silvac. Portugal). Razão pela qual, estando em causa uma violação do art. 6º § 1º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496º/1 do C.Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80. do acórdão de 29 de Março de 2006, proferido no processo nº 64890/01, no caso Apicella c. Itália)”
Com este enfoque, a nosso ver, a vivência de uma situação prolongada de ansiedade permanente, de insegurança e desespero, o intenso sofrimento, a impossibilidade de os autores, emigrantes em França, gozarem de descanso quando se deslocam a Portugal, são danos que, a um tempo, têm dignidade indemnizatória e não são reparáveis pela mera constatação da violação do direito à decisão da causa em prazo razoável.
Posto isto, cumpre ponderar a segunda crítica que o réu faz à sentença, esta relativa ao quantum indemnizatório, que considera excessivo.
Neste ponto, tendo em conta o tempo da dilação indevida e os danos provados, este Supremo Tribunal, não vê razão para atribuir indemnização de valor superior à que fixou, em situação similar, no processo nº 308/07. Reputa, pois, de equitativo arbitrar aos autores, para ressarcimento dos danos morais sofridos com o excessivo retardamento da decisão na acção nº 434/1997, instaurada em 13 de Julho de 1997, no 4º Juízo Cível da Comarca de Loures, a indemnização global de € 5 000,00 sendo € 2 500,00 para cada um deles.
Assim, procede, em parte, a alegação do réu.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso.
Custas pelos autores na proporção do decaimento.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2008. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – João Manuel BelchiorEdmundo António Vasco Moscoso.