Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0139/21.9BALSB
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
TRIBUNAL PLENO
OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:I - A arguida nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão, tem como escopo sancionar a contradição lógica entre um e outra: se o julgador, seguindo na fundamentação da decisão uma determinada linha de raciocínio que aponta para uma determinada conclusão, em vez de a extrair decide noutro sentido (oposto ou divergente), há que julgar verificada a oposição prevista na primeira parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC.
II - Não existe nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão quando, como in casu, o raciocínio delineado só podia logicamente conduzir ao julgamento final alcançado.
III - Não há fundamento para qualificar o acórdão nulo nos termos previstos na segunda parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC se resulta claro e compreensível da leitura da decisão o pensamento do julgador e o sentido da decisão não comporta outros significados ou sentidos que não o que nele ficou exarado.
Nº Convencional:JSTA000P29670
Nº do Documento:SAP202206290139/12
Data de Entrada:11/10/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório


Vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, ex vi do artigo 666.º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), deduzida e requerida a arguição de nulidade por CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., melhor sinalizada nos autos, do acórdão de 23/03/2022, que decidiu tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo provimento ao recurso deduzido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, anular a decisão arbitral recorrida.

Irresignada, a recorrente CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A. formulou a arguição de nulidade, nos termos e pelos seguintes fundamentos:

I. EXPOSIÇÃO
a) Do objecto da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo
1.º
No passado dia 31 de Março de 2022, foi a Reclamante notificada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (“STA”), no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.
2.º
Ora, este Acórdão foi proferido no âmbito de recurso para uniformização de jurisprudência que havia sido interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), por considerar que a decisão arbitral proferida no dia 14 de Abril de 2021, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), no âmbito do processo n.º 456/2019-T, se encontrava em oposição com o Acórdão proferido no processo n.º 0485/17, emanado pelo STA, no dia 15 de Novembro de 2017.
3.º
Decidiu o Douto Tribunal dar provimento ao recurso interposto pela AT, da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 456/2019-T, por concluir que “existe oposição na medida em que, para aquilo que interessa, as decisões estão no mesmo plano no que diz respeito à prova (ou, no caso, a falta dela) sobre a relevância dos custos relacionados com a disponibilização dos veículos, o que, com os outros elementos disponíveis sobre a actividade em causa fundamenta a existência de oposição e depois a anulação da decisão arbitral de acordo com a jurisprudência já fixada pelo STA” (Página 68 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.).
4.º
A este respeito, importa mencionar que a Decisão Arbitral recorrida apreciou a legalidade da regularização de IVA a efectuar pela ora Reclamante, com referência ao imposto do ano 2016, decorrente da inclusão, no cálculo do pro rata de dedução, da componente do capital das rendas facturadas no âmbito dos contratos de leasing.
5.º
Por sua vez, no Acórdão fundamento apreciou-se a legalidade da regularização de IVA efectuada pela entidade ali Requerente com referência ao imposto do ano 2010, decorrente da inclusão, no cálculo do pro rata de dedução, da componente do capital das rendas facturadas no âmbito dos contratos de leasing.
6.º
Atendendo à factologia dada como não provada na Decisão Arbitral recorrida, por conseguinte, tomada em consideração por este Douto Tribunal, resulta que “[n]ão se provou as exactas percentagens da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira, designadamente, em 2016, em que medida essa utilização foi determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos” (realce nosso). (Página 57 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.)
7.º
Ademais, resulta da matéria de facto da Decisão Arbitral recorrida em apreço, que “[p]ara além de veículos, a Requerente também celebra contratos de leasing de máquinas e imobiliário, não se apurando quais as percentagens de recursos de utilização mista que são utilizados nestas actividades” (Página 57 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.).
8.º
Destarte, na Decisão Arbitral recorrida foi considerado que “ (…) da prova produzida resultam os tipos de actividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação exacta da utilização de recursos de utilização mista afectos a qualquer delas, designadamente em 2016. Apurou-se que, no caso de leasing de veículos, que a actividade posterior à fase inicial de aquisição e formalização do contrato e registo da aquisição, inclui mais tarefas do que a fase inicial e estão previstas no preçário da Requerente comissões específicas para a remuneração directa de cada um dos tipos de actividades, mas as comissões não são suficientes para compensar todos os custos suportados pela Requerente, sendo o seu valor apenas o dos custos mínimos que a Requerente está segura de ter de suportar” (Página 57 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.) (realces nossos).
9.º
Nestes termos, na Decisão Arbitral recorrida, apesar de não ter ficado provada a exacta quantificação das despesas afectas à actividade de concessão de crédito e à actividade de disponibilização de viaturas, ficou provado que no desenvolvimento da actividade leasing a Requerente naqueles autos (aqui, Reclamante) incorre em múltiplas despesas com a disponibilização de viaturas, sendo que esta fase pressupõe um maior número de tarefas.
10.º
Da Decisão Arbitral Recorrida resultou, como bem notou o STA, que «Na verdade, da prova produzida resultam os tipos de actividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação exacta da utilização de recursos de utilização mista afectos a qualquer delas, designadamente em 2016. Apurou-se que, no caso de leasing de veículos, que a actividade posterior à fase inicial de aquisição e formalização do contrato e registo da aquisição, inclui mais tarefas do que a fase inicial» (Citação na Página 57 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9BALSB.).
11.º
Por sua vez, no Acórdão Fundamento, considerou este Douto Tribunal que não foi dado como provado que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5). Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”. (Página 63 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.)
12.º
Efectivamente, naqueles arestos não ficou provada a existência de quaisquer gastos com a disponibilização dos veículos.
13.º
Ante os dois Acórdãos acima referidos, competia ao STA, no âmbito do processo n.º 139/21.9BALSB, aquilatar o seguinte: «saber se a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento se encontram em manifesta e evidente contradição, na medida em que defenderam soluções opostas, no que respeita à questão de a Administração Tributária poder obrigar uma instituição bancária que realiza operações sujeitas – incluindo as relativas à locação financeira mobiliária […] – e operações isentas – como as que derivam da concessão de crédito – a aplicar um método de dedução como aquele que é preconizado no Oficio-Circulado nº 30.108 de 30.01.2009, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, tendo em conta que o “pro rata” de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD. (Página 63 e seguintes do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9BALSB.)»
b) Do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo
14.º
Começa este Douto Tribunal por referir, na decisão objecto da presente Reclamação, quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência que tem que haver “identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais” (Página 64 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.).
15.º
A este respeito, entendeu o Douto Tribunal que “é patente que existe oposição na medida em que, para aquilo que interessa, as decisões estão no mesmo plano no que diz respeito à prova (ou, no caso, a falta dela) sobre a relevância dos custos relacionados com a disponibilização dos veículos, o que, com os outros elementos disponíveis sobre a actividade em causa fundamenta a existência de oposição e depois a anulação da decisão arbitral de acordo com a jurisprudência já fixada pelo STA” (Página 68 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB.) (realce nosso).
16.º
Concluindo que “[é], pois, manifesto que em face de quadros factuais substancialmente idênticos e envolvidos no mesmo panorama jurídico, os arestos em confronto ditaram soluções divergentes sobre a mesma questão fundamental de direito” (Página 68 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9 BALSB).
17.º
Ora, salvo o devido respeito de que é muito merecedor este Supremo Tribunal, entende a Reclamante que a decisão explanada no presente Acórdão se encontra em oposição com os fundamentos invocados, devendo tal sentença ser declarada nula, à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
18.º
A este respeito, importa mencionar que a nulidade ora invocada ocorre quando na fundamentação da sentença, o julgador segue uma determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a retirar, decide noutro sentido (oposto ou divergente).
19.º
Denote-se que, não se trata de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia — contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, direcção diferente (contradição ou oposição real).
20.º
Ora, conforme supra mencionado, com referência à caracterização da actividade de leasing, na Decisão Arbitral recorrida, ficou provado que a Requerente (aqui Reclamante) efectivamente incorreu em gastos com a disponibilização, apenas não tendo ficado provada a sua exacta quantificação.
21.º
Com efeito, da Decisão Arbitral Recorrida resultou, como bem notou o STA, que «Na verdade, da prova produzida resultam os tipos de actividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação exacta da utilização de recursos de utilização mista afectos a qualquer delas, designadamente em 2016. Apurou-se que, no caso de leasing de veículos, que a actividade posterior à fase inicial de aquisição e formalização do contrato e registo da aquisição, inclui mais tarefas do que a fase inicial» (Citação na Página 57 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 139/21.9BALSB.).
22.º
Diferentemente, no Acórdão fundamento, não foi possível provar que a entidade ali Requerente incorreu em quaisquer gastos com a disponibilização de viaturas.
23.º
Nestes termos, não se entende como pôde este Douto Tribunal considerar existir identidade quanto à matéria de facto, na medida em que, na Decisão Arbitral recorrida, ficou provada a existência de gastos com a disponibilização das viaturas, não tendo tal sucedido no Acórdão fundamento.
24.º
Cabe ter presente que é patente a diferença existente entre dizer, num primeiro caso (o do Acórdão Recorrido), que não se provou a exacta medida da utilização dos recursos de utilização mista pela Requerente na disponibilização dos veículos; e dizer, num segundo caso (o do Acórdão Fundamento), que não se provou a existência de quaisquer custos de utilização mista com a disponibilização dos veículos.
25.º
De facto, ao passo que, no primeiro caso, a existência de recursos com a disponibilização é inegável (só não se prova a exacta medida daqueles, ainda que se reconheça que são mais intensos na fase de disponibilização); no segundo caso, nem sequer se prova a sua existência.
26.º
A este respeito, importa referir que este Douto Tribunal fundamentou a sua decisão na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”). Nem outra fundamentação – diga-se – poderia haver, porquanto o thema decidendum, no Recurso apresentado e objecto da decisão aqui reclamada, foi discutido junto do TJUE, servindo de base para toda a jurisprudência nacional emanada desde então e de guia para a actuação da AT, nesta matéria.
27.º
Neste sentido, e relativamente ao thema decidendum, bem se sabe que existem dois Acórdãos, ambos proferidos pelo TJUE, que poderiam relevar para a situação em apreço: i) o Acórdão Banco Mais, proferido no âmbito do processo C-183/13, de 10 de Julho de 2014; ou ii) o Acórdão Volkswagen Financial Services, proferido no âmbito do processo C-153/17, de 18 de Outubro de 2018.
28.º
Começando pelo Acórdão Banco Mais, é consabido que o mesmo analisou a possibilidade de consideração, no cálculo do pro rata de dedução, do montante das amortizações financeiras dos contratos de leasing, em situações em que a utilização dos recursos é sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, não tendo ficado provada a existência de quaisquer gastos com a disponibilização de viaturas. A este respeito, o TJUE ajuizou: “há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes” (Cf. parágrafo 33 do Acórdão Banco Mais.).
29.º
Assim, resulta claro que, no Acórdão Banco Mais se alude somente a gastos incorridos com o financiamento e gestão dos contratos (desconsiderando totalmente a existência ou inexistência de gastos com a disponibilização dos bens objecto de leasing).
30.º
Já no âmbito do Acórdão Volkswagen Financial Services, a questão foi colocada de uma perspectiva diferente. Cogitou-se a possibilidade de se considerar, no cálculo do pro rata de dedução, o montante das amortizações financeiras dos contratos de leasing, quando se estivesse perante situações em que a utilização dos recursos fosse determinada, pelo menos em certa medida, pela disponibilização das viaturas. E o TJUE entendeu que: “na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações. Por conseguinte, origina-se um direito à dedução do IVA, em princípio, em conformidade com as considerações expostas nos n.ºs 38 a 42 do presente acórdão. (Cf. parágrafo 44 do Acórdão Volkswagen Financial Services.)
31.º
A conclusão do aresto acima referido (Acórdão Volkswagen Financial Services) assentou, portanto, na possibilidade de se considerar, no cálculo do pro rata de dedução, o montante das amortizações financeiras dos contratos de leasing, desde que, pelo menos em certa medida, os recursos fossem determinados pela disponibilização dos veículos.
32.º
É cristalina a diferença entre as questões e conclusões de cada um dos Acórdãos do TJUE acima escrutinados: ao passo que a solução jurídica vertida no Acórdão Banco Mais partiu de uma factualidade da qual não constava a existência de recursos de utilização mista com a disponibilização de viaturas; a solução jurídica vertida no Acórdão Volkswagen Financial Services tem como pressuposto factual a existência de recursos (pelo menos em certa medida) determinados pela disponibilização dos veículos.
33.º
Perante tal, dúvidas também não restam quanto à jurisprudência comunitária que serviu de base/fundamento à decisão prolatada por este Douto Tribunal.
34.º
É claro que este Douto Tribunal, para avaliar a (in)existência da identidade factual entre os Acórdãos (Recorrido e Fundamento), olhou para ambas as decisões sob o filtro de cada um destes Acórdãos do TJUE.
35.º
E, sendo óbvia a aplicação do Acórdão Volkswagen Financial Services ao Acórdão Recorrido, dada a existência de gastos com a disponibilização de viaturas, não é menos óbvia a aplicação do Acórdão Banco Mais ao Acórdão Fundamento, já que a maioria dos gastos é determinada pelo financiamento, nada sendo referido quanto aos gastos com disponibilização.
36.º
É, por todo o exposto, e sempre com o devido respeito, surpreendente que, com tais fundamentos, este Douto Tribunal tenha decidido conforme decidiu.
37.º
Não conseguimos alcançar, depois de dissecados os factos subjacentes a cada um dos Acórdãos (Recorrido e Fundamento), e tendo por base a jurisprudência do TJUE, qualquer verossimilhança factual nos arestos em confronto, porquanto apenas na Decisão Arbitral recorrida ficou provada (como resulta dos trechos citados pelo próprio STA) a existência de gastos incorridos com a disponibilização.
38.º
Face ao exposto, e tendo ficado provado que em apenas um dos arestos – i.e. na Decisão Arbitral recorrida, o sujeito passivo visado incorreu em custos com a disponibilização de veículos, como este próprio Tribunal reconhece, dever-se-ia necessariamente concluir pela não verificação do pressuposto processual de admissão do recurso de uniformização de jurisprudência, porquanto não se verifica a verosimilhança da factualidade subjacente à Decisão Arbitral recorrida e à Decisão fundamento.
II. DO PEDIDO
Termos em que, face aos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências a procedência da presente Reclamação e, consequentemente, a anulação da decisão e a sua substituição por outra nos termos supra demonstrados.
Pede e espera deferimento.

A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, veio expor e requerer o seguinte:

1. Não obstante o esforço expendido, a reclamação da Recorrida encontra-se, salvo melhor opinião, votada ao insucesso, pois o pressuposto em que assenta não se verifica, isto é, a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão.

2. Para tanto, basta compulsar os pontos 11 e 12 da reclamação, por a conclusão ali inferida pela Reclamante carecer de sentido.

3. Com efeito, mesmo que se releve apenas o excerto da matéria de facto do acórdão fundamento citado no primeiro daqueles pontos, o que resulta não é, como se pretende fazer crer no ponto seguinte da reclamação, que não ficou provada a existência de quaisquer gastos com a disponibilização dos veículos,

4. isto porque, na referida citação do acórdão fundamento se utiliza a expressão “respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos […]” (destaque nosso).

5. Assim, não verificando qualquer divergência entre a matéria de facto dos dois acórdãos em oposição, a reclamação é, desde logo, improcedente.

6. De todo o modo, por mera cautela e sem conceder, mormente por se considerar inexistir qualquer erro no acórdão objeto da reclamação, mesmo que ali se verificasse uma qualquer errónea perceção da matéria de facto dos acórdãos em oposição, foi com fundamento na existência de identidade da situação de facto e de direito entre estes arestos que se tomou a decisão reclamada.

7. Pelo que, verdadeiramente, mesmo que tal sucedesse, tal configuraria mero erro de julgamento (o que de resto se admite nos pontos 23 e 24 da reclamação) e não nulidade entre os fundamentos e a decisão, o que igualmente determina o insucesso da reclamação deduzida.

8. Aliás, o que verdadeiramente se pretende com a reclamação é a prolação de uma nova decisão (cf. pontos 26 e seguintes da mesma), o que não se compreende sequer face à unanimidade das decisões proferidas pelo STA na matéria em discussão nos autos (sendo assim com surpresa que se vê como a Reclamante se surpreendeu com o acórdão proferido – cf. ponto 36 da reclamação).

9. Pelo que, atento todo o exposto, deve a reclamação deduzida ser julgada improcedente.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido do indeferimento do incidente de arguição de nulidade do Acórdão do Pleno do STA, no seguinte parecer:

CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., veio arguir, através do requerimento registado no SITAF em 08-04-2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a nulidade do douto Acórdão do Pleno do STA proferido nos autos supra identificados em que os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordaram em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anularam a decisão arbitral recorrida.
A arguição de nulidade do douto Acórdão do STA é tempestiva.
Antes de mais será de vincar que nos termos do 613º, nºs 1 e 2 do CPC, aplicável aos Acórdãos por força do disposto no artº 666º do CPC:
“1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes…”.
De acordo com o teor do Requerimento supra mencionado, a Requerente entende que o douto Acórdão do Pleno do STA proferido nos autos padece de nulidade por se encontrar em oposição com os fundamentos invocados, nos termos do disposto na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (ex vi do artigo 666.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT).
Sobre a verificação da nulidade em causa concluiu-se, nomeadamente, no douto Acórdão do STA proferido em 26-05-2022 no processo 058/10.4BEPRT que:
“III - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, tem como escopo sancionar a contradição lógica entre um e outra: se o julgador, seguindo na fundamentação da decisão uma determinada linha de raciocínio que aponta para uma determinada conclusão, em vez de a extrair decide noutro sentido (oposto ou divergente), há que julgar verificada a oposição prevista na primeira parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC.
IV - Não existe nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão quando, como in casu, o raciocínio delineado só podia logicamente conduzir ao julgamento final alcançado.
V - Não há fundamento para qualificar o acórdão nulo nos termos previstos na segunda parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC se resulta claro e compreensível da leitura da decisão o pensamento do julgador e o sentido da decisão não comporta outros significados ou sentidos que não o que nele ficou exarado…”
Invoca a Requerente, para efeito da verificação da nulidade que suscita, no essencial, conforme alega em 23.º e 24º:
23.º
“Nestes termos, não se entende como pôde este Douto Tribunal considerar existir identidade quanto à matéria de facto, na medida em que, na Decisão Arbitral recorrida, ficou provada a existência de gastos com a disponibilização das viaturas, não tendo tal sucedido no Acórdão fundamento.
24.º
Cabe ter presente que é patente a diferença existente entre dizer, num primeiro caso (o do Acórdão Recorrido), que não se provou a exacta medida da utilização dos recursos de utilização mista pela Requerente na disponibilização dos veículos; e dizer, num segundo caso (o do Acórdão Fundamento), que não se provou a existência de quaisquer custos de utilização mista com a disponibilização dos veículos.”
Quanto a tal questão é de salientar o que se consignou, designadamente, no douto Acórdão do Pleno do STA:
“…a decisão arbitral em apreço, num primeiro momento, foi obliterada da ordem jurídica na sequência do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 04-11-2020, Proc. nº 100/19.3BALSB, www.dgsi.pt, que decidiu ―tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.
A partir daqui, feito o enquadramento da sua actividade, quando o Tribunal Arbitral, feitas as diligências tidas por convenientes, profere nova decisão em que ultrapassa a tarefa que lhe foi cometida por este Supremo Tribunal, trata-se de uma tarefa inútil e sem qualquer interesse para a sorte dos autos.
Isto equivale a dizer que a decisão arbitral recorrida apenas faz sentido e tem interesse quando se reporta à aplicação da doutrina do acórdão uniformizador de Jurisprudência proferido no processo do STA nº 100/19.3BALSB, a saber, quando refere que «…na interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, só permite tal imposição «quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.” (…)
(…) Ora, se é certo que no acórdão fundamento não ficou demonstrado que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, facto que foi relevado pelo S.T.A. no sentido de que “Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado”, já na decisão arbitral recorrida, o resultado probatório relacionado com a ausência de demonstração de que a utilização desses bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos foi repercutido sobre a consistência da posição da AT e para justificar a situação apontada de “ fundada dúvida” sobre a quantificação do facto tributário, ou seja, perante o mesmo enquadramento (o decidido no Proc. nº 100/19.3BALSB assim o determinou), e na ausência de prova pela positiva no domínio apontado, deparamos com soluções opostas, que justificam a afirmação da apontada oposição susceptível de permitir avançar para o conhecimento do mérito do recurso…”.
Do que atrás se transcreveu do douto Acórdão do Pleno proferido nos autos resulta de forma clara e compreensível que os fundamentos invocados na decisão conduziram, num processo lógico, à solução que foi adoptada na decisão (“perante o mesmo enquadramento (o decidido no Proc. nº 100/19.3BALSB assim o determinou), e na ausência de prova pela positiva no domínio apontado, deparamos com soluções opostas”).
Em consequência, salvo melhor juízo, não se verificam os pressupostos para verificação da nulidade invocada de oposição entre os fundamentos e a decisão.
Cumpre referir que o demais alegado pela Requente é susceptível de configurar erro de julgamento, não se podendo enquadrar na nulidade que invocou nem em qualquer outra prevista do artigo 615º do CPC.
Pelo exposto, emito parecer no sentido do indeferimento do incidente de arguição de nulidade do douto Acórdão do Pleno do STA proferido nos autos.


*

Sem vistos, os autos vêm à conferência do Pleno para decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:


2.1. - Motivação de Direito

Em face dos termos em que foram arguidas as nulidades pela reclamante, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida no acórdão que decidiu tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo provimento ao recurso deduzido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, anular a decisão arbitral recorrida, padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, nomeadamente por não se entender como “(…) pôde este Douto Tribunal considerar existir identidade quanto à matéria de facto, na medida em que, na Decisão Arbitral recorrida, ficou provada a existência de gastos com a disponibilização das viaturas, não tendo tal sucedido no Acórdão fundamento”, sendo ainda patente a diferença existente entre dizer “(…) num primeiro caso (o do Acórdão Recorrido), que não se provou a exacta medida da utilização dos recursos de utilização mista pela Requerente na disponibilização dos veículos; e dizer, num segundo caso (o do Acórdão Fundamento), que não se provou a existência de quaisquer custos de utilização mista com a disponibilização dos veículos.”
Esta nulidade verifica-se quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 ao art. 125.º, pág. 361.).
Ora, da análise dos fundamentos de facto e de direito plasmados no Acórdão proferido nos presentes autos e ora reclamado, não vemos que pudessem, num processo lógico, conduzir a uma decisão diferente ou oposta à que foi adoptada.
Com efeito, analisada a estrutura global do douto Acórdão proferido nos autos, a respectiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a motivação fáctico-jurídica nela desenvolvida, estando fora do âmbito da nulidade em análise situações de erro ou deficiente julgamento pelo que se não verifica a nulidade prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC.
Como se explicita no acórdão deste STA de 26/05/2022, proferido no Processo nº 058/10.4BEPRT, remetendo para o acórdão do mesmo Tribunal de 02/02/2022, tirado no Processo nº 2857/12.3BEPRT sobre a mesma matéria, consultáveis em www.dgsi.pt, em bom rigor, “…este preceito contém três dimensões ou fundamentos susceptíveis de suportar um julgamento de anulação da decisão judicial: (i) a oposição entre os fundamentos e a decisão; (ii) a obscuridade e (iii) a ambiguidade.
3.2.1.1.Quanto à oposição entre os fundamentos e a decisão, o que o legislador teve em vista censurar foi a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão: se o julgador na fundamentação da decisão segue uma determinada linha de raciocínio e esta aponta para determinada conclusão, se em vez de a extrair, vier a decidir noutro sentido (oposto ou divergente), não há dúvida alguma que há uma oposição e que essa oposição constitui causa de nulidade da sentença.
Porém, «esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; (…) quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se» (cfr. LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, página 74. Também no sentido de que, «nos casos abrangidos pelo artigo 668º, nº 1, c) [do CPC de 1961], há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente»», vide, ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 2ª Ed., 1985, p. 690.) Ou seja, a nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que ficou expresso na sentença.
É por isso que a doutrina ensina que a inexactidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão. E que saber se uma decisão está certa ou não está constituo uma questão de mérito e não questão conexa com a nulidade da sentença.
3.2.1.2. Quanto à segunda e terceira hipóteses contemplada na al. c) do nº 1 do artigo 615º - ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível - é também entendimento firme na doutrina e jurisprudência que só se verifica «quando o pensamento do juiz que se retira da análise da decisão se afigura incompreensível ou imperceptível ou quando o sentido da decisão não seja unívoco, por ser susceptível de diversas interpretações ou comportar vários significados ou sentidos». (Cfr. HELENA CABRITA, “A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível”, 1ª Ed., 2015, página 259).
Daí que se diga que existe «obscuridade quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória» e que ocorre ambiguidade quando ela «encerre um duplo sentido, sendo ininteligível para um declaratário normal» (cfr. LEBRE DE FREITAS, “A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, página 333. Embora a obscuridade ou ambiguidade tanto possam respeitar à parte decisória como à fundamentação (como ficou definitivamente assente com a Reforma do regime recursório introduzida no CPC de 1961 pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto), «num ponto fundamental o regime do CPC de 2013 difere do do Código revogado: a obscuridade ou ambiguidade só é relevante quando gere ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal não possa retirar da parte decisória (e só desta) um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar (LEBRE DE FREITAS, “A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, página. 334). Tal sucede quando os fundamentos utilizados não são claros nem inequívocos (por exemplo, da análise da fundamentação não se consegue retirar qual o concreto enquadramento ou qualificação jurídicos que o tribunal fez relativamente aos factos dados como provados e no qual se baseou para decidir a causa; ou, noutra hipótese, o tribunal procede a uma qualificação jurídica ambígua, enquadrando a situação dos autos em diversos institutos jurídicos distintos, convocando e aplicando ao mesmo tempo normas contraditórias e incompatíveis entre si) – cfr. HELENA CABRITA, ibidem.
Também aqui (no que tange à ambiguidade ou obscuridade da sentença) não ocorrerá a nulidade da sentença, com base neste fundamento, «quando a parte visa, através da arguição de uma nulidade e a pretexto de que a decisão judicial é imperceptível, obscura ou ambígua, vir discutir a bondade da mesma, quando do respectivo requerimento resulta claramente que a parte compreendeu perfeitamente o teor da decisão, apenas não concordando com a mesma». – cfr. HELENA CABRITA, ibidem.
No caso dos autos, a imputação ao acórdão dos vícios de contradição entre os fundamentos e a decisão, a par de obscuridade e ambiguidade, surge, nuclearmente, fundada na alegação de que “…não se entende como pôde este Douto Tribunal considerar existir identidade quanto à matéria de facto, na medida em que, na Decisão Arbitral recorrida, ficou provada a existência de gastos com a disponibilização das viaturas, não tendo tal sucedido no Acórdão fundamento.
24.º
Cabe ter presente que é patente a diferença existente entre dizer, num primeiro caso (o do Acórdão Recorrido), que não se provou a exacta medida da utilização dos recursos de utilização mista pela Requerente na disponibilização dos veículos; e dizer, num segundo caso (o do Acórdão Fundamento), que não se provou a existência de quaisquer custos de utilização mista com a disponibilização dos veículos.”
Não foi, porém, com esse “julgamento ou raciocínio sumário”, nessa exígua fundamentação que o acórdão decidiu.
Efectivamente, o que aí ficou exarado foi que “…a decisão arbitral em apreço, num primeiro momento, foi obliterada da ordem jurídica na sequência do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 04-11-2020, Proc. nº 100/19.3BALSB, www.dgsi.pt, que decidiu ―tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.
A partir daqui, feito o enquadramento da sua actividade, quando o Tribunal Arbitral, feitas as diligências tidas por convenientes, profere nova decisão em que ultrapassa a tarefa que lhe foi cometida por este Supremo Tribunal, trata-se de uma tarefa inútil e sem qualquer interesse para a sorte dos autos.
Isto equivale a dizer que a decisão arbitral recorrida apenas faz sentido e tem interesse quando se reporta à aplicação da doutrina do acórdão uniformizador de Jurisprudência proferido no processo do STA nº 100/19.3BALSB, a saber, quando refere que «…na interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, só permite tal imposição «quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.” (…)
(…) Ora, se é certo que no acórdão fundamento não ficou demonstrado que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, facto que foi relevado pelo S.T.A. no sentido de que “Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado”, já na decisão arbitral recorrida, o resultado probatório relacionado com a ausência de demonstração de que a utilização desses bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos foi repercutido sobre a consistência da posição da AT e para justificar a situação apontada de “ fundada dúvida” sobre a quantificação do facto tributário, ou seja, perante o mesmo enquadramento (o decidido no Proc. nº 100/19.3BALSB assim o determinou), e na ausência de prova pela positiva no domínio apontado, deparamos com soluções opostas, que justificam a afirmação da apontada oposição susceptível de permitir avançar para o conhecimento do mérito do recurso…”.
Do transcrito fragmento da fundamentação do Acórdão do Pleno proferido nos autos e aqui reclamado, resulta de forma clara e compreensível que os fundamentos invocados na decisão conduziram, num processo lógico, à solução que foi adoptada na decisão (“perante o mesmo enquadramento (o decidido no Proc. nº 100/19.3BALSB assim o determinou), e na ausência de prova pela positiva no domínio apontado, deparamos com soluções opostas”).
Vale isto por dizer que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que a solução final a que o acórdão chegou é o resultado linear do raciocínio anteriormente expendido, a única solução compatível com os fundamentos anteriormente expedidos. Contradição existiria se, face aos factos e ao direito aplicado e ao raciocínio que explanara, o Tribunal tivesse concluísse pela solução oposta, defendida pela Recorrente.
E também não se descobre no acórdão qualquer obscuridade ou ambiguidade, por ser totalmente compreensível o raciocínio empreendido e por dele não serem extraíveis diversas interpretações ou significados, tudo se reconduzindo, salvo o devido respeito, e como nos é relevado pelo próprio requerimento de arguição de nulidade, a uma insistência e inconformismo da Recorrente quer quanto aos factos que foram apurados quer quanto ao julgamento de direito, o que, em sede de arguição de nulidade, não nos cabe apreciar.
Em conclusão geral e definitiva, não enfermando o acórdão sob reclamação da nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão ou de obscuridade ou ambiguidade que o torne ininteligível, enumerada na alínea c) do nº 1 do citado artigo 615º do Código de Processo Civil, que a Requerente/Recorrente infundadamente lhe imputa, não existe fundamento legal para que seja alterado o aludido aresto.
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3. Nestes termos, acordam, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar inverificada a nulidade decisória suscitada pela Recorrente, e, em consequência, manter o Acórdão reclamado.

Custas pela recorrente pelo pedido de reforma e, atendendo aos princípios da causalidade e do proveito, fixa-se em 3 Ucs a taxa de justiça.

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Lisboa, 29 de Junho de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.