Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:022/11
Data do Acordão:03/10/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
MÉTODOS INDIRECTOS
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
ACORDO DOS PERITOS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I – Na impugnação judicial do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base acordo no processo de revisão da matéria tributável (artigo 86.º, n.º 4 da LGT).
II – Este procedimento não se traduz, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal, já que o contribuinte pode escolher livremente o seu perito e este, por certo, procederá sempre de acordo com os poderes que aquele lhe delegou, pois não está vinculado a nenhum acordo ou a agir com total independência e fora dos seus poderes de representação.
Nº Convencional:JSTA00066852
Nº do Documento:SA220110310022
Data de Entrada:01/11/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART86 N4 ART91 ART92.
CONST76 ART268 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC675/04 DE 2004/11/23.
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 3ED PAG429.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com sede em Gondomar, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF do Porto que, por verificada a excepção da inimpugnabilidade da liquidação adicional, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida do acto de liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 2001, efectuada na sequência de acção de inspecção tributária que avaliou a matéria colectável com recurso a métodos indirectos, dela interpôs recurso para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
1. O Mmo. Juiz do TAF do Porto, julgando procedente a excepção da inimpugnabilidade da liquidação nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 4 da LGT, julgou a impugnação deduzida pela impugnante/recorrente totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.
2. A recorrente entende não poder ser julgada procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto com o fundamento de ter havido acordo dos peritos, devendo ser-lhe reconhecido o direito de impugnar o acto com invocação de quaisquer ilegalidades de que o mesmo padeça.
3. Tal acordo restringiu-se à questão técnica, nunca tendo sido chegado a discutir a questão do rigor dos pressupostos de facto em que a administração tributária fez assentar o critério de que se serviu para, com recurso a métodos indirectos, quantificar a matéria colectável.
4. O entendimento sufragado na decisão recorrida traduz-se, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal.
5. Os membros da comissão de revisão podem não ser juristas e podem não ter competência técnica para a resolução de determinadas questões, quer de facto quer de direito.
6. Deve, assim e na procedência do presente recurso, ordenar-se a revogação da decisão recorrida por violação do art.º 86.º da LGT, e a sua substituição por outra que julgue a excepção improcedente, apreciando e julgando procedente o alegado pela impugnante/recorrente.
7. A final, devem as liquidações adicionais de IVA do ano de 2001, no montante de € 15.097,44 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.941,45, tudo no total global de € 18.038,89, ser anuladas, com fundamento em errónea quantificação da matéria colectável, inquinada de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por acórdão de 3/12/2010, julgou-se o TCAN incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, declarando competente para esse efeito o STA.
Aqui remetidos os autos, o Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal, tendo vista, remete para o parecer já emitido pelo MP no TCAN, que vai no sentido de que o recurso deve improceder, face à fundamentação aduzida na sentença recorrida e que está em conformidade com a jurisprudência uniforme sobre a matéria.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se assentes os seguintes factos:
A) Em resultado de uma acção de fiscalização efectuada à impugnante, e posteriormente em procedimento de revisão nos termos dos art.ºs 91.º e 92.º da LGT, foi apurada a matéria colectável referente ao ano de 2001, que deu origem à liquidação aqui em causa no valor total de 18.038,89 € - cf. fls. 3 e 4 do PA junto aos autos.
B) A reunião dos peritos em sede de procedimento de revisão foi realizada em 04/07/2005, cuja acta, n.º 36, foi assinada por ambos os peritos e consta de fls. 13 a 22 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
C) Da acta supra identificada resulta, além do mais, o seguinte:
Foi encontrado o valor da matéria colectável do imposto no total de 42.819,57 €/26.402,59 € (…) por acordo entre os Peritos e com os seguintes fundamentos:
(…)
Deste modo, concluíram haver-se verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, nos termos previstos nos art.ºs 87.º a 90.º da Lei Geral Tributária, por remissão do artigo 52.º do Código do IRC e do artigo 84.º do Código do IVA, mas tão só com referência aos exercícios de 2001 e 2002.
(…) – cf. fls. 13 a 22 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF do Porto que, por verificada a excepção da inimpugnabilidade da liquidação adicional, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida do acto de liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 2001, efectuada na sequência de acção de inspecção tributária que avaliou a matéria colectável com recurso a métodos indirectos.
Para tanto, considera a Mma. Juíza a quo que, circunscrevendo-se a causa de pedir articulada pela impugnante, ora recorrente, às questões de facto e de direito atinentes aos pressupostos da utilização de métodos indirectos acordados no processo de revisão, outro não podia ser o resultado que não a improcedência da impugnação judicial, uma vez que o n.º 4 do artigo 86.º da LGT não permite que na impugnação do acto tributário de liquidação possa ser invocada qualquer ilegalidade desta, quando a liquidação tenha tido por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, como foi o caso.
Alega agora a impugnante não poder conformar-se com o assim decidido porquanto tal acordo se restringiu apenas à questão técnica, não tendo chegado a discutir-se os pressupostos de facto em que a AT fez assentar o critério de que serviu para, com recurso a métodos indirectos, quantificar a matéria colectável.
Além de que o entendimento sufragado na decisão recorrida se traduzir, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal.
Vejamos. A recorrente veio deduzir a presente impugnação judicial contra o acto de liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 2001, efectuado na sequência de acção de inspecção tributária que apurou a matéria colectável com recurso a métodos indirectos.
Invoca como fundamento erro nos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos e errónea quantificação da matéria tributável.
Como se constata do probatório fixado, o valor da matéria colectável foi encontrado por acordo entre os peritos em sede de procedimento de revisão, nos termos dos artigos 91.º e 92.º da LGT.
Ora, na impugnação judicial do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base acordo no processo de revisão da matéria tributável (artigo 86.º, n.º 4 da LGT).
A este propósito, importa trazer à colação, como se deixou já expresso no acórdão deste Tribunal de 23/11/2004, no recurso n.º 675/04, o que opinam Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa, in LGT anotada, 3ª ed., pág. 429 e seg..
«Escrevem estes Ilustres doutrinadores que a limitação contida naquele preceito legal era de duvidosa constitucionalidade à face da impugnação contenciosa de todos os actos lesivos e do direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos, garantido pelo n.º 4 do art.º 268.º da CRP.
Esta não vinculação do contribuinte pelo acordo no procedimento de revisão impunha-se, no domínio do C.P.T., pelo facto de o próprio vogal nomeado não agir na comissão como um representante do contribuinte, tendo antes o dever legal de agir com imparcialidade e independência técnica (art.º 86.º, n.º 5, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 47/95 de 10/3), pelo que não havia justificação razoável para vincular este pela actuação de alguém que não o representava.
Todavia, acrescentam que, com a LGT, esta “veio introduzir uma importante alteração deste regime, que pode permitir encarar esta questão com outra perspectiva.
Na verdade, neste diploma, deixou de fazer-se qualquer referência a deveres de imparcialidade e independência técnica da pessoa nomeada pelo sujeito passivo para participar na avaliação indirecta, aludindo-se a relação de representação entre o sujeito passivo e o perito por si designado (art.º 91.º, n.º 1).
Configurando-se esta relação como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil).
Porém, não poderão também deixar de aplicar-se a esta vinculação as restrições que a mesma lei civil estabelece em relação à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, por não haver qualquer razão para, numa matéria em que está em causa a possibilidade de exercício de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, estabelecer um regime mais oneroso para o representado do que o se estabelece, em geral, para qualquer relação jurídica.
Ora, nos termos da lei civil, mesmo quando o mandatário é representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste se forem praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (arts. 258.º, n.º 1, e 268.º, n.º 1, aplicáveis por força do preceituado no art. 1178.º, n.º 1, e art. 1163.º, todos do Código Civil) regime este que, aliás, encontra suporte legal expresso em matéria tributária no nº1 do art. 16.º da L.G.T., que estabelece genericamente que os actos em matéria tributária praticados por representante em nome do representado só produzem efeitos na esfera jurídica deste dentro dos limites dos poderes de representação.
Assim, nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas das defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão da matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes”.
E, assim sendo, não fazem sentido as alegações da recorrente a respeito da competência técnica e da preparação dos membros da comissão de revisão, e muito menos a propósito do membro por si designado.
Com efeito, a qualidade e competência do perito indicado pelo contribuinte só a este poderão ser assacadas, além de que não vem alegado que o perito em causa não tenha agido dentro dos limites dos seus poderes de representação ou tenha agido em sentido contrário às orientações recebidas por parte de quem o escolheu.
Daí que, como se concluiu também no aresto citado, o art.º 86.º, n.º 4 da LGT ao não permitir que, quando a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, na impugnação do acto tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, possa ser invocada qualquer ilegalidade desta, não viola o princípio constitucional contido no art.º 268.º, n.º 4 da CRP, já que não pode considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, sempre que não se demonstre que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes.
Razão por que, por isso mesmo, não colhe a alegação de que este procedimento se traduza, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal, já que o contribuinte pode escolher livremente o seu perito e este, por certo, procederá sempre de acordo com os poderes que aquele lhe delegou, pois não está vinculado a nenhum acordo ou a agir com total independência e fora dos seus poderes de representação.
Por outro lado, não é verdade que o acordo, neste caso, como afirma a recorrente nas suas alegações, se tenha restringido apenas a questão técnica e sido desprezada a questão dos pressupostos de facto em que assentou o recurso à avaliação indirecta para quantificação da matéria colectável.
Com efeito, conforme consta da acta da reunião dos peritos em sede de procedimento de revisão, cuja validade não vem contestada, não só foi encontrado por acordo entre os peritos o valor da matéria colectável, como também os mesmos concluíram «haverem-se verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, nos termos previstos nos art.º 87.º a 90.º da Lei Geral Tributária, por remissão do artigo 52.º do Código do IRC e do artigo 84.º do Código do IVA, mas tão só com referência aos exercícios de 2001 e 2002» - v. alínea C) do probatório.
E, uma vez que, como se salienta na decisão recorrida, a causa de pedir articulada pela impugnante se circunscreve às questões de facto e de direito atinentes aos pressupostos da utilização de métodos indirectos, matéria acordada já, como vimos, no procedimento de revisão, só poderia concluir-se, como, de resto, se fez, pela inimpugnabilidade da liquidação adicional de IVA que desse procedimento resultou.
Improcedem, desta forma, as alegações da recorrente, não merecendo qualquer reparo a decisão em apreço.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 10 de Março de 2011. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Valente Torrão.