Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0190/07.1BELSB
Data do Acordão:06/24/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
INCUMPRIMENTO
PRAZO
BOA-FÉ
Sumário:Se se comprova que ambas as partes, o dono da obra e o empreiteiro, contribuíram para o incumprimento das exigências de formalização relacionadas com os pedidos de prorrogação do prazo de execução da empreitada, manda a boa fé contratual que não seja um dos contratantes – in casu, aquele que não formulou o pedido de prorrogação nos termos previstos por confiar na existência de um entendimento mútuo quanto à extensão/rectificação do prazo de execução da empreitada – a sofrer as consequências da violação da legalidade.
Nº Convencional:JSTA00071195
Nº do Documento:SA1202106240190/07
Data de Entrada:11/16/2018
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER
Área Temática 2:CONTRATO
Legislação Nacional:DL 59/99 ART 62.º
DL 59/99 ART 151.º, 4
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A…………, SA (A…………, SA), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 24.05.2018, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo R. Estado português (representado pelo MP), revogando a sentença proferida pelo TAC de Lisboa e, consequentemente, julgando improcedente a acção por si intentada contra o Estado português.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve, pois, uma decisão do TAC de Lisboa, de 14.02.2013, que julgou a acção parcialmente procedente, aí se decidindo:

- anular a decisão de aplicação de multa contratual aplicada à autora A………… e, em consequência, condenar o réu Estado Português a pagar-lhe o valor retido a título de multa contratual no montante de €99 341,73, acrescido de juros de mora à taxa legal;

- absolver o Estado Português do pedido de condenação do réu a pagar à autora o montante de €50 459,52 a título de prejuízos causados pelo atraso na execução da empreitada”.

Na p.i. apresentada o A. tinha formulado os seguintes pedidos:

a) Declarado nulo por falta de fundamentação, e vício nos pressupostos de facto e de direito, o acto da autoridade administrativa que aplicou a multa por violação do prazo;

b) A Ré deve pagar de imediato à autora o valor retido a título de multa contratual (99.341,73 €), acrescido dos respectivos juros de mora, já vencidos, no montante de 1.449,16 €, e vincendos;

c) Pagar à Autora os prejuízos causados pelo atraso na execução da empreitada no montante de 50.459,52 € (cinquenta mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos)”.

2. Inconformada com a decisão do TCAS, a A…………, SA, recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 762 a 783 – paginação SITAF):

“1 - Como refere Pedro Costa Gonçalves, Direito dos contratos públicos, Almedina/2015, pág.584 … As sanções contratuais, aplicadas na sequência do incumprimento contratual ... pressupõem a verificação de uma "falta", de um facto ilícito, imputável a título culposo, e que reclamam a tomada de uma decisão autónoma de verificação, imputação e aplicação (...)"

2 - Ora no caso concreto não houve qualquer facto ilícito, imputável a título culposo à recorrente porque:

3 - Não tem, nem nunca teve, a recorrida qualquer responsabilidade no atraso da sua entrega conforme consta da ata n.º 40 datada de 10 de agosto de 2006, a ora recorrente tinha executado todos os trabalhos constantes da listagem apresentada pela Fiscalização em 27 de Julho, o próprio fiscal Eng.º B………… e testemunha da recorrente confirmou esse facto durante a audiência de discussão e julgamento.

4 - Quanto à "relação de trabalhos pendente" que foi exarada nesse dia 10 de agosto de 2006 pela fiscalização estavam relacionados com os trabalhos a mais e alterações a trabalhos contratuais já executados, para adaptar o projeto e respetiva obra às exigências das altas patentes que começaram a ocupar o quartel no mês de agosto de 2006.

5 - Inclusive, o Fiscal da obra Dr. B…………, confirmou em Tribunal que fez substituição de alguns dos equipamentos previstos contratualmente por outros lhe parecerem mais necessários, entre eles alguns dos constantes do fax de 15/09/2006.

6 - Ora no caso concreto dúvidas não há que ficou provado que a empreitada prevista do contrato estava executada em 31 de julho de 2006, sendo esta a data de fim do prazo previsto contratualmente com duas prorrogações aceites pelo dono de obra para a conclusão da empreitada.

7 - Tendo ainda ficado provado que os poucos trabalhos que faltavam executar nessa data (31 de Julho) e que foram executados posteriormente, referiam-se a trabalhos a mais referentes a contratos adicionais celebrados em 17 de maio e 31 de agosto de 2006 e a trabalhos a mais não contratualizados solicitados posteriormente pelo Dono de obra ou definidos posteriormente pelo dono de obra.

8 - Também ficou provado que foi solicitado em 27 de julho de 2006 prorrogação de prazo para conclusão de tais trabalhos, como consta do ponto 14 da ata de reunião de obra nr.º 38 (reproduzida em M).

9 - Não há por parte do Dono de obra qualquer documento ou prova de que não aceitou este pedido escrito em Ata de Reunião, assinada pelos vários intervenientes.

10 - Muito pelo contrário, ficou provado que em agosto e setembro o Dono de Obra continuou a solicitar novos trabalhos a alterações a trabalhos contratuais já executados.

11 - Ficou provado que não houve falta de qualquer requerimento de pedido de prorrogação de prazo.

12 - De acordo com o art.º 151 do Dec. Lei 59/99, de 2 de março, se houver lugar à execução de trabalhos a mais e desde que o empreiteiro o requeira, o prazo para a conclusão da obra será prorrogado nos seguintes termos: …….

13 - Na falta de acordo quanto ao cálculo da prorrogação do prazo contratual previsto na cláusula anterior, proceder-se-á de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 151.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março.

14 - Ou seja, apenas decorre da lei que a prorrogação do prazo seja requerida pelo empreiteiro.

15 - Ora, no caso concreto ficou provado que foi requerida essa prorrogação em reunião de 27 de julho de 2006 com intervenção de representantes de ambas as partes e ficou por escrito em Acta.

16 - Nunca foi sequer alegado que o Dono de obra não aceitou ou se opôs a essa prorrogação.

17 - Nenhuma das parte recorreu a qualquer comissão de arbitragem conforme estabelecido no nr.º 4 do art.º 151.º do Dec. Lei 59/99 de 2 de março.

18 - O Dono de Obra também não fez qualquer comunicação ao empreiteiro a informar que não aceitava prazos comunicados nas propostas de trabalhos a mais, ou o prazo solicitado na reunião identificada na ata 38 já referida.

19 - Também não ficou provado nem sequer foi alegado pelo Dono de Obra que houve atraso no cumprimento de qualquer Plano de trabalhos.

20 - Se o plano de trabalhos não tivesse sido cumprido o fiscal da obra teria notificado o empreiteiro para apresentar novo prazo de trabalhos nos termos do Art. 161.º do Dec. Lei 59/99 de 2 de março.

21 - Da suposta validade da aplicação da multa, referida pelo TAC, a multa nunca poderia ser legalmente aplicada à recorrente, já que a recorrida na sua aplicação nunca preencheu os formalismos legais.

22 - A multa não foi precedida de qualquer auto de aplicação de multa.

23 - Apenas foi feita uma comunicação da intenção de aplicar multa, que não é um auto (Docº reproduzido em F da sentença do TAF).

24 - Nessa comunicação não refere quais os trabalhos que estão por executar em obra.

25 - Não diz a que contrato se refere (inicial ou adicionais).

26 - Não refere qual o prazo que foi violado.

27 - Não apresenta o cálculo da multa, sendo estes elementos essenciais para o empreiteiro se poder defender, o que viola claramente o estabelecido no n.º 5 do art. 201º do Dec.-Lei n.º 59/99 de 2 de março.

28 - O valor da suposta multa só foi notificado à ora recorrida depois da receção provisória da obra, o que viola claramente o estabelecido no Dec-Lei 59/99 de 2 de março, já que depois da receção da obra não pode ser aplicada qualquer multa.

29 - De acordo com o exposto, se houve falta de formalismo da ora recorrente no pedido de prorrogação de prazo, o que não concede porque não está previsto na lei qualquer formalismo, também houve falta de formalismo e muito mais grave da recorrida na aplicação da suposta multa, o que só por si daria causa à nulidade de aplicação da mesma.

30 - Há erro na aplicação do Direito.

31 - A decisão recorrida violou o art. 201.º do Dec.-Lei 59/99 de 2 de março, porque ficou provado que a recorrente não violou o prazo previsto contratualmente para a execução da obra, acrescido de prorrogações legais e graciosas.

32 - Mas, mesmo que a recorrente tivesse violado o prazo de execução, hipótese que se coloca por mera exposição de raciocínio mas que de modo algum se aceita, a multa nunca poderia ser aplicada por violação do n.º 5 do artigo 201.º do RJEOP.

33 - Ora, com o devido respeito "esqueceu-se" o Mmº Juiz do TCA que foram assinados dois contratos adicionais referentes a execução de trabalhos a mais, um a 17 de maio de 2006, tendo o último sido assinado a 31 de agosto de 2006 com novos prazos.

34 - O dono da obra ao tomar conhecimento que o prazo de conclusão da empreitada estava a ser objecto de alteração e alargamento, teve hipótese de se opor e de o indeferir no prazo fixado na Lei para o referido efeito, sendo certo e provado que não se pronunciou e nada fez ou opôs ao solicitado.

35 - Ora, nada tendo feito impõe-se concluir que o aceitou em toda a sua extensão e com todas as consequências daí decorrentes.

36 - Face à lei aplicável, esse silêncio ou inércia do Dono de Obra tem de ser valorado como alteração do prazo inicial de execução da obra, sendo indevida a aplicação das multas por incumprimento contratual, pelo que fez o Tribunal de 1.ª Instância correcta interpretação e aplicação da Lei, ao considerar que inexistiu incumprimento dos prazos de execução da empreitada, sendo a aplicação de multa manifestamente ilegal e abusiva.

37 - Pelo que, não está correta a interpretação e fundamentação do T. Central Administrativo uma vez que falha a fattispecie do ilícito sancionatório configurado na cláusula penal de natureza compulsória prevista e aplicada à Recorrente segundo os termos do art.º 201º, n.º 1 RJEOP/99.

38 - Com o devido respeito, dúvidas não há que deve ser mantida a decisão da 1.ª instância (TAF Lisboa) que teve em conta fatores de ponderação relevantes que o Tribunal Central Administrativo não possui, dos quais destacamos a imediação, pelo que, a decisão do julgador, devidamente fundamentada, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, é inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção”.

A final, pugna-se pela procedência da presente revista, pela consequente revogação do acórdão recorrido e pela invalidação da aplicação da multa contratual.


3. O Estado português representado pelo MP, aqui recorrido, apresentou as suas contra-alegações, sem, contudo, formular conclusões.
A final “pugna pela inadmissibilidade da presente Revista, atenta a evidente ausência dos respectivos pressupostos legais, constantes do actual nº 6 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Ainda que assim não se entenda, entende o Ministério Público que a presente Revista se revela manifestamente improcedente” (cfr. contra-alegações de fls. 793 a 808 – paginação SITAF).

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 22.10.2018, veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)

3.2. A primeira instância julgou a acção parcialmente procedente, anulou a decisão que aplicou a multa contratual e, em consequência, condenou o Estado a pagar à autora o valor retido a título de multa contratual no montante de € 99.341,73 acrescido de juros de mora e absolver o Estado do pedido de condenação a pagar-lhe o montante de € 50.459,52 a título de prejuízos causados pelo atraso na execução da empreitada.

Considerou, no essencial, que a aplicação da multa “não tinha fundamento porque em 31 de Julho de 2006 todos os trabalhos contratuais estavam concluídos, com excepção da montagem da caldeira e dos depósitos. Mas tal só não ocorreu porque, está provado, que só em 1 de Setembro de 2006 foi aceite pelo dono da obra a solução de instalar dois depósitos de 200 litros SO 200 da Vulcano e não um de 220 litros como estava previsto (mas que era insuficiente para fornecer água quente aos balneários). Ou seja, aquele específico e concreto atraso na execução dos trabalhos é imputável ao dono da obra. Por outro lado, disse a sentença, está provado que quer antes de Julho, quer em Julho, quer em Agosto de 2006 pelo dono da obra foi solicitado ao empreiteiro a realização de trabalhos a mais, pelo que o empreiteiro tinha direito à prorrogação do prazo de execução da obra. Tal prorrogação foi solicitada em 27 de Julho de 2006, como consta do ponto 14 da acta de reunião da obra n.º 38 (reproduzida em M)”.

3.3. O TCA Sul afastou-se deste entendimento por entender que se está provado que, quer antes de Julho, quer em Julho, quer em Agosto de 2006, o dono da obra foi solicitando ao empreiteiro a realização de trabalhos a mais “a autora deveria ter requerido junto da ora recorrente a prorrogação do prazo da execução da obra, face ao estatuído no n.º 2 do art. 151.º do Dec. lei 59/99 (a data aplicável)”. Porém, conclui o TCA Sul, que o empreiteiro (ora recorrente) só pediu a prorrogação do prazo de execução em 15 de Setembro de 2006, sendo que esse pedido deveria ter sido formulado, pelo menos ate 31 de Julho de 2006.

3.4. Como decorre do exposto a solução do caso depende, desde logo, da qualificação jurídica dos factos constantes do ponto 14 da acta n.º 38, transcrita na alínea M) da matéria de facto. A primeira instância interpretou os dizeres desse ponto 14 – ocorrido em 27 de Julho de 2006 – como um pedido de prorrogação do prazo de execução dos trabalhos; o TCA Sul – embora sem uma referência expressa a esse ponto 14 – entendeu que só foi reformulado o pedido de prorrogação do prazo em 15 de Setembro.

A questão essencial é de qualificação jurídica dos dizeres constantes numa acta de obra, mais concretamente saber se tais dizeres podem ou não ser considerados como um pedido de prorrogação do prazo de execução da obra.

As instâncias divergiram, como vimos.

Todavia, o TCA Sul não abordou expressamente a interpretação do ponto 14 da acta 38 levada a cabo pela 1.ª instância, não refutando, assim, concludentemente a tese ali defendida.

Está em causa um valor relevante, ou seja, mais de € 100.000.00 euros, tendo em conta os juros de mora.

Daí que, perante a divergência de entendimentos das instâncias, o valor significativo da multa contratual aplicada, e a ausência de refutação expressa da tese da primeira instância, julgamos que a revista deve ser admitida com vista a uma melhor e mais concludente interpretação e aplicação do Direito”.

5. O Digno Magistrado do MP junto deste Supremo Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.


6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações – sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos termos do art. 608.º, n.º 2, ex vi dos arts. 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC).
Analisadas as mesmas, o thema decidendum circunscreve-se, basicamente, à apreciação da questão da errada interpretação e aplicação dos artigos 151.º, 160.º e 201.º do DL n.º 59/99, de 02.03 (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas - RJEOP), quer quanto à questão da verificação dos pressupostos para a aplicação de multa contratual por força do alegado incumprimento do prazo de execução da obra, quer quanto à questão do desrespeito dos formalismos legalmente impostos em termos de aplicação de multa contratual.

2.2. Comecemos pela questão da verificação dos pressupostos para a aplicação de multa contratual pelo alegado incumprimento do prazo de execução da empreitada.
Tal como afirmado no acórdão da formação preliminar prevista no artigo 150.º do CPTA, está aqui em causa um problema de qualificação jurídica dos factos. O problema reside num pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada que constará da Acta de Reunião n.º 38, pedido que a recorrente entende ter sido efectuado e o recorrido entende que não. Resulta da matéria de facto assente que o primeiro e o segundo pedidos de prorrogação, e bem assim aquele apresentado em Setembro de 2006, foram objecto de pedido autónomo dirigido ao dono da obra, sendo os pedidos acompanhados de memórias descritivas dos planos de trabalhos, em que, entre outros aspectos, se fundamenta o pedido de prorrogação dos trabalhos formulado.
Com o primeiro pedido de prorrogação pretendia-se a extensão do prazo até 25 de Junho desse ano. Na altura, foi invocado que o atraso era devido à realização de trabalhos extracontratuais e à não disponibilização pelo dono da obra da totalidade do espaço da empreitada e da alteração de projectos (cfr. o ponto I) da matéria de facto – o pedido de prorrogação do prazo contratual e correspondente memória descritiva encontram-se nos autos em documentos anexos à p.i.).
O segundo pedido de prorrogação foi efectuado em 11 de Julho de 2006 e pretendia-se a prorrogação até ao dia 31 de Julho de 2006. Este segundo pedido de prorrogação do prazo de execução de empreitada surgiu em momento ulterior ao da celebração, em 17 de Maio de 2006, do Contrato 18/2006 (ponto W) da matéria de facto), em que se requeriam trabalhos a mais relacionados com a empreitada. De igual modo, invocou-se a necessidade de “acréscimo de prazo para execução dos trabalhos inerentes à rede estruturada, suspensos por vossa ordem, entre 23 de Março e 22 de Maio do corrente ano” (cfr. pontos U) e AH) da matéria de facto – o pedido de prorrogação do prazo contratual e correspondente memória descritiva encontram-se nos autos, em documentos anexos à p.i.).
Em 16 de Agosto de 2006 é comunicado ao empreiteiro que o dono da obra aceitou o pedido de prorrogação até 31 de Julho de 2006 – sendo de sublinhar que aí se menciona um pedido de prorrogação por 43 dias (cfr. ponto U) da matéria de facto).
Por meio de carta datada de 14 de Setembro de 2006, referida na reunião de 15 de Setembro de 2006, foi apresentado novo requerimento de prorrogação do prazo de execução da empreitada, requerimento que surgiu em momento ulterior ao da celebração, em 31.08.2006, do Contrato 28/2006 – trabalhos a mais da empreitada; este contrato foi celebrado na sequência de autorização para a celebração de um termo adicional, novamente se contratualizando a realização de trabalhos a mais (pontos V) e X) da matéria de facto).
Passemos agora ao pedido de prorrogação juridicamente controvertido.
Em 25 de Julho de 2006 (v. comunicação de 31.07.2006 que consta do ponto K) da matéria de facto) ocorreu uma fiscalização da obra onde foram detectados trabalhos por concluir, tendo sido elaborada a correspondente lista (ponto L) da matéria de facto).
Em 27 de Julho foi realizada uma reunião entre o representante do MAI, Eng. B…………, e o representante da autora da acção, Eng. C…………, e foi lavrada acta (Acta de Reunião n.º 38, ponto M) da matéria de facto) de onde consta, do ponto 14., o seguinte: “O Empreiteiro pede para que se inclua nesta acta de reunião o seguinte texto: «A conclusão da empreitada depende do fornecimento e colocação da porta Vi05 solicitada no ponto 2 desta acta». Mais ainda, solicitou que se incluísse o seguinte: «Em relação aos restantes trabalhos solicitados os mesmos deverão ocorrer dentro do prazo de entrega da obra»”. E ainda mais, no n.º 3 dos assuntos tratados pode ler-se o seguinte: “O Dono da Obra solicita a rectificação da data para o fim dos trabalhos constante do segundo pedido de prorrogação. Isto tem a ver com o facto da data em referência ser a próxima segunda-feira, e porque a totalidade dos trabalhos não poderá ficar concluída nessa altura”. Alguns dos trabalhos em causa tinham que ver com trabalhos a mais que se tornaram necessários na sequência da visita à obra de altas patentes da GNR (cfr. Acta de Reunião n.º 38, já mencionada).
Igualmente importante para a resolução da questão que incumbe decidir revela-se a Acta de Reunião n.º 44, que se reporta à reunião realizada em 15.09.2006, na sequência de “visita à obra que constituiu com que uma pré-vistoria”, e da qual consta: “2.7.9. - Ainda sobre o conteúdo desta acta o empreiteiro quer ver incluído o seguinte texto: «Foi entregue o pedido de prorrogação nesta mesma data, ou seja, sexta-feira dia 15 de Setembro, tendo sido informado o empreiteiro pelo Dono da Obra, o engenheiro D…………, que somente com a aprovação desse documento se procederá à autorização de execução do auto de Agosto”. Foi anexado o “respectivo requerimento e demais elementos de processo”, constando do requerimento a prorrogação até ao dia 30 de Setembro de 2006. Na respectiva memória descritiva procura-se justificar a razão de ser da revisão do plano de trabalhos.
De tudo até agora exposto decorre com clareza que em 27 de Julho de 2006 foi combinada uma extensão de prazo de execução da empreitada por parte da aqui recorrente A…………, SA, e que, desta feita, não foi formalmente apresentado um requerimento de prorrogação autónomo. Segundo a mesma recorrente, teria ficado provado “que os poucos trabalhos que faltavam executar nessa data (31 de Julho) e que foram executados posteriormente, referiam-se a trabalhos a mais referentes a contratos adicionais celebrados em 17 de maio e 31 de Agosto de 2006 e a trabalhos a mais não contratualizados solicitados posteriormente pelo Dono de obra ou definidos posteriormente pelo dono de obra” (conclusão 7. das alegações). Ou seja, em 31 de Julho de 2006 estavam concluídos, segundo ela, todos os trabalhos inicialmente contratualizados.
Também se pode constatar que o próprio dono da obra, diferentemente do que acontecera antes e aconteceria depois, não contratualizou formalmente os trabalhos a mais (ou seja, não houve celebração de novo contrato) decididos em 27 de Julho de 2006 e que constam da acta n.º 38, porventura por se tratar de pequenas coisas/pormenores (v.g., a compra de duas mangueiras de 15m, mudança de tomadas). Porventura, igualmente, por haver alguma responsabilidade sua nos atrasos na execução da empreitada (o empreiteiro, em comunicação dirigida pela A…………, SA, ao GEPI, datada de 21.07.2006, refere que a circunstância de não ter ainda os “certificados das redes telefónicas, eléctricas e infra-estruturas de ligação, não obstante estarem pedidas, às respectivas entidades, as vistorias em causa”, se deve, “Como é do V/ conhecimento”, ao atraso causado pela “V/ indefinição relativamente à rede estruturada, anteriormente exposta em ofícios próprios” (ponto J) da matéria de facto; ver ainda o ponto AA), onde se lê que “O projecto da rede eléctrica foi sendo, ao longo da execução do contrato, objecto de modificações por parte do dono da obra”), facto que não resulta contestado pelo aqui recorrido. De assinalar, ainda, que se constatou que a dimensão da porta de vidro Vi05 não era a correcta. Em suma, embora de forma menos nítida do que nas restantes circunstâncias mencionadas, foi determinado um prazo, embora não reportado a data certa, e os trabalhos realizar seriam, além dos trabalhos a mais, aqueles trabalhos inacabados e trabalhos que não podiam ser recepcionados que foram detectados na fiscalização do dia 25 de Julho.
Cumpre acrescentar que em 1 de Agosto de 2006, após visita à obra, foi lavrada a Acta de Reunião n.º 39, nela se constando a necessidade de realização de pequenas obras/emendas/rectificações, sendo, por exemplo, solicitada a colocação de mais um interruptor nos balneários masculinos do 1.º andar e, ainda, sendo solicitada uma proposta para o fornecimento de dois exaustores (ponto N) da matéria de facto).
Também, em 2 de Agosto de 2006, a Fiscalização da obra enviou comunicação à A…………, SA, em que, entre outras coisas, se aceitou o preço orçamentado para a já citada porta Vi05, e se refere que “uma outra emenda que poderão desde já contabilizar, e valorizar, é a execução de uma passagem de (…) sob o balcão localizado entre a cozinha e a sala de convívio. (…)” (ponto O) da matéria de facto).
E, em 10 de Agosto de 2006, teve lugar reunião na obra em que estiveram presentes o Eng. B………… e o Eng. E…………, tendo sido lavrada a Acta de Reunião n.º 40. Aí se pode ler no seu ponto 1.: “Da listagem formulada pela Fiscalização, e enviada via FAX ao empreiteiro, encontravam-se executados todos os seus items, à data da realização desta reunião. A única actividade que constitui uma excepção é a montagem da caldeira e dos depósitos que está na iminência de arrancar”. E no ponto 7. pode ler-se: “Foi elaborada uma relação de trabalhos pendentes para servir de base de trabalho entre a Fiscalização e o Empreiteiro. Trata-se de trabalhos e/ou fornecimentos que se terão de executar com vista à recepção provisória. Nesta lista, constitui uma nova indicação a implementação de uma superfície rampeada na entrada para automóveis em uma das moradias” (ponto P) da matéria de facto; ver ainda ponto AB) da matéria de facto). É importante chamar a atenção para a questão de que a lista de trabalhos incluía a montagem das caldeiras, mas o aqui recorrente, nas suas alegações, sustenta que houve um problema relacionado com a capacidade das mesmas, que só seria resolvido em Setembro de 2006 (cfr. Acta de Reunião n.º 42, onde se pode ler no seu ponto 4.: “Inquirido sobre o motivo pelo qual ainda não foi marcada a recepção provisória, o empreiteiro tem a dizer: «Falta a entrega do vão Vi05, que ainda não ocorreu (porta de vidro). Consideramos que o problema das referências dos depósitos se mantêm»” (ponto Q) da matéria de facto). Igualmente a considerar a Acta de Reunião n.º 43, de 1 de Setembro de 2006, onde, efectivamente, no seu ponto 3. se decide a colocação de dois depósitos, em vez de um, para garantir a capacidade decidida no projecto (ponto R) da matéria de facto).
Tudo passa, então, por saber se este distinto modus operandi ainda cabe nos termos da lei, devendo considerar-se válido o que será o terceiro pedido de prorrogação de prazo, ou se, ao invés, não foram cumpridos específicos requisitos legais, pelo que não teria havido pedido de prorrogação válido. Efectivamente, a não ser que haja norma que imponha um determinado formalismo no que respeita aos pedidos de prorrogação do prazo, há que aceitar que o pedido foi, efectivamente, formulado, com identificação de prazo/data final de execução do contrato e dos trabalhos em questão.
O recorrido convoca os pontos 5.1. e 5.2 do Anexo à Portaria n.º 104/2001, de 21.02, e conclui: “Bem analisados os Autos e sem necessidade de qualquer especulação jurídica, facilmente se conclui, tal como arguido na 1ª instância, que o putativo requerimento invocado pelo Requerente e constante da acta do mês de Julho 2006 não preenche, manifestamente, os requisitos de natureza formal e até substancial exigidos pela apontada Portaria, pelo que, também sobre esta questão, bem decidiu este Tribunal Central”. A referida portaria aprovava “os programas de concurso tipo, os cadernos de encargos tipo, respectivos anexos e memorandos, para serem adoptados nas empreitadas de obras públicas por preço global ou por série de preços e com projectos do dono da obra e nas empreitadas de obras públicas por percentagem”.
Atentemos no teor desse ponto 5.1. e ainda do 5.2. relativos às “II - Cláusulas gerais do caderno de encargos tipo”:

5.1 - Prazos de execução da empreitada:
5.1.1 - Os trabalhos da empreitada deverão iniciar-se na data fixada no respectivo plano e ser executados dentro dos prazos globais e parcelares estabelecidos neste caderno de encargos (ver nota 2).
5.1.2 - Na contagem dos prazos de execução da empreitada consideram-se incluídos todos os dias decorridos, incluindo sábados, domingos e feriados.
5.2 - Prorrogação dos prazos de execução da empreitada:
5.2.1 - A requerimento do empreiteiro, devidamente fundamentado, poderá o dono da obra conceder-lhe prorrogação do prazo global ou dos prazos parciais de execução da empreitada.
5.2.2 - O requerimento previsto na cláusula anterior deverá ser acompanhado dos novos planos de trabalhos e de pagamentos, com indicação, em pormenor, das quantidades de mão-de-obra e do equipamento necessário ao seu cumprimento e, bem assim, de quaisquer outras medidas que para o efeito o empreiteiro se proponha adoptar.
5.2.3 - Se houver lugar à execução de trabalhos a mais e desde que o empreiteiro o requeira, o prazo para a conclusão da obra será prorrogado nos seguintes termos:
a) Sempre que se trate de trabalhos a mais da mesma espécie dos definidos no contrato, proporcionalmente ao que estiver estabelecido nos prazos parcelares de execução constantes do plano de trabalhos aprovado e atendendo ao seu enquadramento geral na empreitada;
b) Quando os trabalhos forem de espécie diversa dos que constam no contrato, por acordo entre o dono da obra e o empreiteiro, considerando as particularidades técnicas da execução.
5.2.4 - Na falta de acordo quanto ao cálculo da prorrogação do prazo contratual previsto na cláusula anterior, proceder-se-á de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 151.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março.
5.2.5 - Os pedidos de prorrogação referidos nas cláusulas 5.2.1 a 5.2.3 deverão ser apresentados até 22 dias antes do termo do prazo cuja prorrogação é solicitada, a não ser que os factos em que se baseiam hajam ocorrido posteriormente.
5.2.6 - Sempre que ocorra suspensão dos trabalhos não decorrente da própria natureza destes últimos nem imputável ao empreiteiro, considerar-se-ão automaticamente prorrogados, por período igual ao da suspensão, o prazo global de execução da obra e os prazos parcelares que, dentro do plano de trabalhos em vigor, sejam afectados por essa suspensão”.

Da leitura do acima preceituado haverá que concluir que, com efeito, não houve um pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada nos exactos termos legalmente previstos (art. 62.º do DL n.º 59/99). A consideração das circunstâncias concretas do caso levam-nos, no entanto, a concluir que houve um entendimento entre o dono da obra e o empreiteiro relativamente ao prazo de execução da empreitada, entendimento formalizado em acta, em que o primeiro solicitava a “rectificação da data para o fim dos trabalhos constante do segundo pedido de prorrogação”. A salientar a utilização da expressão “rectificação da data” relativa ao requerimento que agora se analisa e não da expressão “prorrogação”. Só mais tarde, em 31.07.2006 (ponto K) da matéria de facto) viria o dono da obra a mencionar a necessidade de “reformular o requerimento de Prorrogação” (comunicação de 31 de Julho de 2006 – ponto K) da matéria de facto) sob pena de o empreiteiro entrar em incumprimento contratual (ou seja, a estabelecer uma aceitação condicionada), sendo certo que tal não tinha muito sentido pois, por um lado, já havia um entendimento mútuo quando à extensão/rectificação do prazo da empreitada; e, por outro lado, porque o dono da obra certamente saberia que os pedidos de prorrogação de prazo de execução de empreitada “deverão ser apresentados até 22 dias antes do termo do prazo cuja prorrogação é solicitada”. Ou seja, e bem vistas as coisas, houve um acordo entre dono da obra e empreiteiro, materializado na Acta de Reunião n.º 38, o qual não terá, como visto, cumprido na íntegra as exigências de formalização contidas na portaria acima indicada no que respeita aos pedidos de prorrogação do prazo de execução da empreitada. Mas, se ambos contribuíram para esse resultado, como manifestamente sucedeu no caso dos autos, manda a boa fé contratual que não seja um dos contratantes, in casu, aquele que não formulou o pedido de prorrogação nos termos previstos, a sofrer as consequências da violação da legalidade. Não pode aceitar-se, em nome do princípio da boa fé, que o dono da obra tenha ele próprio inicialmente solicitado uma rectificação do prazo de prorrogação da execução da empreitada estabelecido no segundo pedido de prorrogação; que tenha havido acordo tácito quando à extensão do prazo para concluir alguns trabalhos; e que, quatro dias mais tarde (em 31 de Julho), justamente no dia em que terminava o prazo que quis rectificar, venha o dono da obra falar de uma aceitação condicionada à reformulação do pedido de prorrogação “para que a empreitada se mantenha em prazo contratual”, e para, por fim, aplicar ao empreiteiro uma multa por incumprimento do prazo contratual. Acresce a isto que em 27 de Julho de 2006 foram solicitados alguns trabalhos a mais, e que, ao que tudo indica, haveria atrasos em vistorias imputáveis ao ora recorrido. E vem ainda este último mencionar que o pedido de prorrogação só foi apresentado em 15 de Setembro de 2006 (e, por isso, sendo extemporâneo), quando, o mais certo, é esse pedido de prorrogação ter surgido como consequência da celebração do Contrato 28/2006, em 31.08.2006 (ponto X) da matéria de facto).
Em face de todo o exposto, atento o circunstancialismo específico do caso – mais especificamente, a demonstração de que não é exacto um dos pressupostos em que radicou o exercício do poder sancionador – e o princípio da boa fé contratual, não deve dar-se por verificado o alegado incumprimento contratual por violação do prazo contratual, e, consequentemente, deve ser anulado o acto de aplicação ao empreiteiro de multa contratual no quadro da execução de empreitada de obra pública.

2.3. Face à conclusão a que se chegou supra (ponto 2.2.) quanto ao erro nos pressupostos de facto e de direito, considera-se prejudicado o conhecimento e apreciação do outro vício apontado ao acto, qual seja, o da alegada omissão de formalismos de notificação da multa contratual, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, consequentemente, em revogar o acórdão recorrido e julgar a acção procedente no que respeita à invalidade do acto de aplicação da multa contratual.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 24.06.2021


A presente decisão foi adoptada por unanimidade pelos Senhores Conselheiros Maria Benedita Urbano (Relatora), Jorge Artur Madeira dos Santos e Carlos Luís Medeiros de Carvalho, e vai assinada apenas pela Relatora, com o assentimento (voto de conformidade) dos Senhores Conselheiros adjuntos, de harmonia com o disposto no artigo 15-A (Recolha de assinaturas dos juízes participantes em tribunal colectivo) do DL n.º 10-A/2020, de 13.03 – preceito introduzido pelo DL n.º 20/2020, de 01.05.