Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:012/21.0BELSB
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
Sumário:Não é de admitir revista se o acórdão recorrido parece ter feito uma correcta interpretação e aplicação da Lei do Asilo, atento os factos provados [com especial relevância para as declarações da requerente de asilo], estando a decisão fundamentada através de um discurso consistente, coerente e plausível.
Nº Convencional:JSTA000P28799
Nº do Documento:SA120220113012/21
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:A…………
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Na presente acção administrativa urgente A………..., natural da Gâmbia, impugnou o despacho da Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do Ministério da Administração Interna, de 06.08.2019, que considerou infundados o pedido de protecção internacional, bem como o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária formulados pela ora Recorrente, tendo o TAC de Lisboa julgado a acção improcedente por sentença de 30.04.2021.
Vem agora recorrer de revista do acórdão do TCA Sul de 20.10.2021, que negando provimento ao recurso por si interposto, manteve a sentença do TAC de Lisboa.

A Recorrente recorre, nos termos do art. 150º do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo deste acórdão do TCA Sul, fundamentando a revista ma relevância da questão e necessidade de melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A aqui Recorrente impugnou o acto da Directora Nacional Adjunta do SEF que considerou infundados o pedido de protecção internacional, bem como o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária formulados pela ora Recorrente, nos termos da alínea e) do art. 19º e do nº 1 do art. 20º da Lei nº 27/2008, de 30/6, alterada pela Lei nº 26/2014, de 5/5 (Lei do Asilo).
O TAC de Lisboa por sentença de 30.04.2021, julgou a acção improcedente e absolveu a Entidade Demandada dos pedidos.

O acórdão recorrido procedeu à análise das condições e procedimentos de concessão de asilo e de protecção subsidiária e estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, por apelo aos arts. 2º, nº1, als. b), s), x), ab) e ac), 3º [sob a epígrafe “Concessão de asilo”], 5º [“Actos de perseguição], 6º [“Agentes de perseguição”], tendo concluído que o caso da Recorrente não se enquadrava manifestamente na previsão do art. 3º.
Quanto à “Protecção subsidiária” contemplada no art. 7º, considerou que a situação da Recorrente não era igualmente enquadrável neste preceito.
Considerou o acórdão, nomeadamente, o seguinte: “Efetivamente, a Requerente refere-se, sobretudo, para estribar a sua pretensão, aos casamentos infantis forçados e à mutilação genital feminina, mas, das suas declarações no procedimento resulta que terá casado aos 17 anos e que a mutilação que terá sofrido ocorreu quando era criança. Alude ao facto de lhe ser dolorosa a prática do ato sexual.
Claramente, mesmo a verificar-se a veracidade das suas declarações, tratar-se-á, apenas, de um casamento por conveniência social, arranjado por acordo entre famílias, entre a Requerente e o seu marido, um homem mais velho.
Embora a Requerente tenha dito, nas declarações que prestou, que o regresso ao seu país implicaria o retorno ao statu quo ante, porquanto o seu marido a encontraria, mesmo que fosse noutra parte da Gâmbia ou mesmo no Senegal (país para o qual tinha fugido, inicialmente, para daí, então, se deslocar para a Europa), tal não é suscetível de ser enquadrável em qualquer uma das situações referidas no artigo 3.º, n.º 1 da Lei do Asilo.
Embora a Requerente tenha procurado colocar a tónica numa suposta perseguição em virtude da sua integração em certo grupo social e, por isso, preenchimento da previsão do n.º 2 do artº 3º da Lei do Asilo, tal carece de qualquer sentido. Uma vez mais, das próprias declarações da Requerente resulta apenas descontentamento com o casamento que lhe terá sido imposto e uma procura de melhores condições de vida longe do condicionalismo sociofamiliar que vivia, na Gâmbia.
Uma vez mais, note-se, a Requerente não alegou, sequer (e, muito menos provou) que, exerceu qualquer das atividades referidas no n.º 1 do mencionado preceito, bem como, não alegou, nem fez prova de que tenha sido perseguida ou gravemente ameaçada em virtude do exercício dessas atividades na República da Gâmbia.
Não está, pois, demonstrada a possibilidade razoável de a mesma vir a sofrer perseguição, nos termos previstos no artigo 5.º da Lei do Asilo, que as autoridades nacionais, ou o Estado sejam incapazes de proporcionar proteção, nos termos previstos no artigo 6.º da citada Lei.
Igualmente, não foi invocada, nem foi demonstrada, a possibilidade de o Estado ser agente de perseguição, não obstante os referidos relatos quanto à alegada falta de reconhecimento dos seus direitos e quanto à concessão de proteção por parte da República da Gâmbia caso se verifique o seu eventual regresso.
Assim, considerou que a situação da Recorrente se enquadra na previsão do art. 19º, nº 1, al. e) da Lei do Asilo, ou seja, que a pretensão da Recorrente se mostrava infundada. E que “(…), será ao requerente de Asilo que competirá apresentar o respetivo pedido e expor, de forma coerente e plausível, os factos pertinentes para substanciar o pedido de asilo formulado, sob pena de, não o fazendo, não se cumprirem, desde logo, as condições mínimas para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária, nos termos do art. 19º nº 1, alínea e), da Lei nº 27/2008. Nesses casos, como sucedeu aqui, a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional será sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado.
Assim, negou provimento ao recurso e manteve a sentença de 1ª instância.

Na presente revista a Recorrente defende que o acórdão recorrido errou na interpretação da legislação nacional, relativamente à protecção dos requerentes de asilo, em violação do princípio do critério humanitário, do princípio do non-refoulement e violação dos direitos humanos da Recorrente.
No entanto, a solução das instâncias parece acertada e, mormente, o acórdão recorrido parece ter feito um correcta interpretação e aplicação da Lei do Asilo, atento os factos provados [com especial relevância para as declarações da requerente de asilo], estando a decisão fundamentada através de um discurso consistente, coerente e plausível.
Assim, por a questão não ter relevância e complexidade jurídicas superior ao normal para este género de casos, nem se mostrar a revista necessária para uma melhor aplicação do direito, não se justifica afastar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Sem custas por isenção objectiva (art. 84º da Lei nº 27/2008, de 30/6).

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.