Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01001/09
Data do Acordão:04/28/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CADUCIDADE
ERRO NA DECLARAÇÃO
Sumário:Tendo o contribuinte indicado, na declaração de IRS de 2002, a venda de um imóvel e a intenção de reinvestir o respectivo ganho na aquisição de habitação própria e permanente, o prazo de caducidade para a AT efectuar liquidação adicional, com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, de tal reinvestimento, é o previsto no nº 1 do art. 45º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P11739
Nº do Documento:SA22010042801001
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Braga, julgou procedente a impugnação deduzida por A…, com os demais sinais dos autos, contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2002 - a que corresponde a compensação nº 2006 5330498, no valor de € 10.536,74.
1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
I. A presente impugnação versa sobre a liquidação de IRS do ano de 2002 com o nº 2006 5001953093 — e a que corresponde a compensação nº 2006 5330498, no valor de € 10.536,74 — tudo como melhor se deduz dos extractos do sistema informático da
Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) juntos aos autos.
II. Na douta sentença ora recorrida julgou-se procedente a impugnação deduzida por ter o M.mo Juiz entendido que, verificando-se in casu um erro na declaração do sujeito passivo, seria aplicável o prazo de caducidade do tributo previsto no nº 2 do art. 45º da LGT.
Porém, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com a decisão ora recorrida, pelos argumentos que de seguida se expõem.
III. A questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se na sentença recorrida se fez correcto julgamento ao dar como verificada a existência de um erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, e, consequentemente, se se revela aplicável ao caso ora em apreço o prazo especial de caducidade do direito à liquidação dos tributos previsto no art. 45º, nº 2 da LGT, a saber, o de 3 anos;
IV. Ou se, ao invés, não se verifica qualquer erro daquele tipo, e, por conseguinte, o prazo de caducidade aplicável é o previsto no nº 1 do mesmo normativo legal, a saber, o de 4 anos. Vejamos então,
V. Desde já se diga que a Fazenda Pública entende que não se verifica qualquer erro na declaração do sujeito passivo,
VI. Muito menos um erro que possa ser qualificado como “evidenciado na declaração”;
VII. e, portanto, que determine a aplicabilidade do prazo especial e mais curto previsto no nº 2 do art. 45º da LGT.
VIII. Decorre do art. 45º da LGT, aplicável ex vi do art. 92º do CIRS, que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for levada ao conhecimento do contribuinte num determinado prazo, contado nos impostos periódicos, como é o caso do IRS, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
IX. Assim, importa determinar qual o prazo aplicável no caso concreto e, consequentemente, se será aplicável o prazo especial previsto no nº 2 do art. 45º da LGT, como se entendeu na douta sentença ora recorrida.
X. Como supra se referiu, é entendimento da Fazenda Pública que a resposta terá necessariamente que ser negativa pelos fundamentos que de seguida se procurarão expor.
XI. Aquele nº 2 do art. 45º da LGT determina a aplicação de um prazo mais curto que o prazo supletivo previsto no nº 1 quando ocorram casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.
XII. Como é notório, aquele prazo de caducidade só tem aplicação — no que para o presente caso importa — nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, sendo que, como refere Diogo Leite Campos, tal erro “é aquele que é detectável mediante simples análise da declaração”.
XIII. Assim, a questão que se impõe é de saber se da (simples) análise da declaração do sujeito passivo resulta um erro evidente.
XIV. Como consta da matéria de facto dada como provada, na declaração de rendimentos do ano de 2002 o contribuinte declarou pretender reinvestir o produto da venda de dois imóveis.
XV. Tal declaração corresponde, como se retira da posição assumida pelo impugnante nos presentes autos, à sua efectiva vontade.
XVI. Donde se pode, desde logo, concluir pela absoluta inexistência de um erro, de uma divergência entre o declarado e a vontade real.
XVII. Sendo, igualmente, certo que mesmo que tal erro tivesse ocorrido teria o mesmo de ser detectável mediante simples análise da declaração do sujeito passivo.
XVIII. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a Fazenda Pública que da análise da declaração do contribuinte não se pode concluir nem pela existência de um erro, nem tão-pouco que o mesmo, a existir, se revele evidente.
XIX. Desde logo, porquanto é perfeitamente admissível e possível que a intenção manifestada pelo sujeito passivo não tivesse passado disso mesmo, um mero propósito.
XX. Acontece que o referido nº 2 do art. 45º da LGT tem em vista apenas e só os erros manifestos e patentes nas declarações dos sujeitos passivos,
XXI. o que, como se disse, não acontece no caso em apreciação.
XXII. Em face do que se expôs é imperioso que se conclua pela impossibilidade de aplicação ao caso sub judicio do prazo especial de 3 anos previsto naquele normativo legal.
XXIII. Sendo que o prazo de caducidade aplicável em concreto é o prazo geral e supletivo previsto no nº 1 do art. 45º da LGT, ou seja, o de 4 anos.
XXIV. Assim, não se aplicando aquele prazo de três anos, nem qualquer prazo especial, o prazo de caducidade a aplicar é o de quatro anos, previsto no nº 1 do mesmo artigo.
XXV. Esse prazo, relativamente ao IRS, que é um imposto periódico, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, como determina o nº 4 do mesmo normativo legal.
XXVI. Assim o prazo de caducidade do direito de liquidação do IRS iniciou-se em 01.01.2003 e terminou em 31.12.2006.
XXVII. Por isso, tendo a liquidação sido notificada ao Impugnante em 14.08.2006 tem de se concluir que ela foi tempestivamente efectuada e notificada.
XXVIII. Assim, a liquidação impugnada não enferma do vício que o impugnante lhe imputou.
XXIX. Assim e por tudo o que ficou exposto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, é nosso entendimento de que a liquidação ora em apreciação é legalmente devida, pelo que deverá manter-se na ordem jurídica.
XXX. Destarte, a actuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado ao acto tributário, sendo que este por ser legal, deverá manter-se.
XXXI. Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado o disposto no art. 45º da LGT, aplicável ex vi do art. 92º do CIRS.
Termina pedindo a procedência do recurso, com revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido do provimento do recurso, fundamentando-se no seguinte:
«As conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso. No caso concreto o recurso tem por objecto a interpretação a dar ao disposto no nº 2 do artigo 45º da LGT ou, mais concretamente, o que deve entender-se por erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.
Não encontrámos referências jurisprudenciais relativas à interpretação daquele preceito legal. Doutrinariamente, como refere a Fazenda Pública na sua alegação, Diogo Leite Campos e outros, em Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, entendem que erro evidenciado na declaração do sujeito passivo é aquele que é detectável mediante simples análise da declaração.
Também para nós é essa a interpretação a eleger, por ser a mais conforme com a letra e o espírito da lei e a mais respeitadora da unidade lógica do sistema.
No caso sub juditio a análise da declaração de rendimentos de 2002 não evidencia qualquer erro, designadamente qualquer divergência entre o declarado e vontade real do sujeito passivo. A declaração efectuada pelo recorrente parece corresponder à sua vontade real. Aliás, a Administração Tributária, não procedeu a qualquer alteração do declarado pelo sujeito passivo.
A Administração Fiscal não dispunha de elementos ou indícios que apontassem para a existência de qualquer erro na declaração do sujeito passivo, que a levasse a dar mais urgência ao procedimento de liquidação.
A Administração Tributária limitou-se a liquidar o tributo devido, cuja liquidação estava suspensa, logo que decorreu o prazo para a realização do pretendido reinvestimento, sem que se tenham verificado os requisitos legalmente previstos ou o sujeito passivo tenha informado que havia efectivamente procedido ao anunciado reinvestimento».
1.5. Foram colhidos os vistos legais e cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - O impugnante, juntamente com a sua esposa, C…, por escritura pública outorgada no dia 26 de Julho de 2002, no Cartório Notarial de Póvoa de Lanhoso, exarada de fls. 68 a fls. 71, do livro de notas para escrituras diversas nº 247-O, venderam a B…, NIF …, pelo preço global de € 57.300,00, um prédio misto inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho da Póvoa de Lanhoso, sob os artigos urbano … e rústico ….
2 - Mais declararam nessa venda que daquele preço, € 54.800,00 correspondiam ao artigo urbano, o qual tinha o valor patrimonial de € 37,29, e € 2.500,00 correspondiam ao artigo rústico o qual tinha o valor patrimonial de € 5,40.
3 - Na sua declaração de rendimentos do ano de 2002, o reclamante declarou, no anexo G, ter recebido um total de € 87.300,00 resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
4 - Mais declarou que do produto dessas vendas, a quantia de € 57.300,00 iria ser objecto de reinvestimento para habitação própria e permanente e como tal não estaria sujeita a tributação em sede de IRS.
5 - Posteriormente, por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 03 de Julho de 2003, no Cartório Notarial de Esposende, exarada de fls. 4 a fls. 5, do livro de notas para escrituras diversas nº 212-E, o reclamante adquiriu à firma “D…” pelo preço de € 85.000,00, o prédio urbano actualmente inscrito na matriz predial da freguesia das …, deste concelho, sob o artigo 4527°.
6 - Não obstante a acima referida intenção manifestada, o ora impugnante jamais informou a Administração Tributária de que havia efectivamente procedido àquele reinvestimento.
7 - Em 14.08.2006 foi o sujeito passivo notificado da liquidação ora em crise e acima melhor identificada.
8 - O ora impugnante não se conformando com tal acto tributário apresentou reclamação graciosa, autuada sob o nº 0396200604000404, a qual foi pelo órgão competente indeferida na totalidade, por se entender não se verificarem no caso concreto os pressupostos legais para que o dito rendimento de mais-valia fosse excluído de tributação.
9 - De tal decisão o aqui impugnante reagiu intentado recurso hierárquico – autuado sob o nº 03962007001 – daquela decisão, o qual foi indeferido, com o mesmo fundamento.
3.1. Com base nesta factualidade a sentença veio a julgar procedente a impugnação.
Para tanto, exara que, suscitando o impugnante, para além do mais, as questões da caducidade do direito à liquidação e da preterição da audição prévia, tais questões são colocadas como as duas faces de uma mesma moeda, ou seja, ou se verifica uma ou se verifica outra.
- E entrando na apreciação de tais questões, a sentença logo julgou improcedente a questão relativa à preterição de audiência prévia, aderindo à jurisprudência constante do ac. do STA, de 15/11/06, rec. nº 759/06: sendo dispensada, nos termos do nº 2 do art. 60º da LGT, “no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável”, então, tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa a um dado ano, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos nºs. 1, al. a), e 2 do art. 60º da LGT, sendo suficiente afirmar-se, nesse caso, que o acto de liquidação adicional teve por fundamento “a falta de reinvestimento do valor de realização” no montante respectivo, constante do anexo G da declaração de rendimentos daquele ano, já que o recorrente, depois de invocar a sua intenção de reinvestir o ganho proveniente da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação, não podia ignorar que teria que demonstrar a realização desse reinvestimento para se aproveitar da situação de não tributação prevista no nº 5 do art. 70° do CIRS (no caso, na redacção dada pela Lei nº 10-B/96, de 23/3).
- Já quanto à questão relativa à caducidade da liquidação, a sentença (chamando também à colação a fundamentação constante do referido acórdão do STA - segundo a qual, na interpretação da sentença, a liquidação, nestes casos, é efectuada “com base nas declarações do contribuinte”, razão pela qual, nos termos do art. 60º, nº 2, da LGT, não era necessária, por dispensada, a sua audição) conclui que, no caso, se verifica um erro que é evidenciado na declaração do contribuinte e, assim, haverá que aplicar, não só o art. 60°/2/a) da LGT, mas igualmente o art. 45°/2 (embora a sentença se refira ao art. 48º, trata-se, certamente, de lapso) da mesma LGT: ou seja, verificam-se os pressupostos desse art. 45°/2 da LGT, sendo o prazo de caducidade da liquidação em causa de 3 anos e não 4, como sucedeu. No entendimento da sentença, se aquela simplicidade e evidência justificam que se dispense a pronúncia prévia do contribuinte, justificarão, por identidade de razão, que a AT, até por estar dispensada do dever de audiência prévia, actue com maior celeridade, liquidando o tributo devido num prazo mais curto.
E, por isso, nesta base (por a liquidação ter sido feita depois do decurso do prazo de caducidade), a sentença julgou procedente a impugnação.
3.2. É do assim decidido quanto à caducidade da liquidação que a recorrente discorda.
A questão decidenda é, portanto, a de saber qual o prazo de caducidade aplicável no presente caso, questão que se reconduz, no fundo, à de saber o que deve entender-se por erro evidenciado na declaração do sujeito passivo e se no caso concreto o mesmo se verifica.
Vejamos:
4.1. Sob a epígrafe «Caducidade do direito à liquidação», nos nºs. 1 e 2 do art. 45º da LGT, dispõe-se o seguinte:
«1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2. Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.»
4.2. Na situação questionada nos autos, o impugnante, tendo vendido em 26/6/2002, um prédio misto inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho da Póvoa de Lanhoso, sob os artigos urbano … e rústico …, declararam (no anexo G da respectiva declaração de IRS de 2002) ter recebido as quantias resultantes dessa alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e que parte do produto dessas vendas (a quantia de € 57.300,00) iria ser objecto de reinvestimento para habitação própria e permanente e como tal não estaria sujeita a tributação em sede de IRS.
Posteriormente, em 3/7/2003, o impugnante adquiriu, pelo preço de € 85.000,00, o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia das …, sob o artigo ….
Mas não obstante a acima referida intenção manifestada, jamais informou a AT de que havia efectivamente procedido àquele reinvestimento, razão pela qual a mesma AT procedeu à liquidação adicional impugnada, notificada em 14/8/2006.
4.3. Para decidir pela caducidade da liquidação a sentença parte do pressuposto seguinte: ou a declaração está errada, e tem de ser corrigida através de uma liquidação adicional, ou não tem qualquer erro, e, nesse caso, não poderá existir liquidação adicional.
E, porque considera que existe erro, acaba, então, por concluir, como acima se disse, tratar-se de erro que resulta da declaração e que, assim, será aplicável não só o disposto na al. a) do nº 2 do art. 60° da LGT (é dispensável a audição prévia do contribuinte), mas, por isso mesmo, necessariamente também o disposto no nº 2 do art. 45° da mesma LGT: o prazo de caducidade da liquidação será o de 3 anos.
Mas, a nosso ver, não é este o sentido que decorre dos normativos em causa.
Com efeito, o erro a que se refere o nº 2 deste art. 45º é «aquele que é detectável mediante simples análise da declaração» (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª Edição, 2003, Anotação 9 ao art. 45º), ou, no dizer de Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, Anotada, Rei dos Livros, Nota 2 ao art. 45º, pag. 214), «o erro que a AT possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza.»
Ora, desde logo, na questionada declaração de IRS de 2002 não se evidencia qualquer erro, nomeadamente qualquer divergência entre o declarado e vontade real do sujeito passivo. A AT não procedeu a qualquer alteração do declarado pelo sujeito passivo, limitando-se, antes, a proceder à liquidação do imposto (liquidação que ficara suspensa quanto aos rendimentos em causa), logo que decorreu o prazo de tal suspensão, ou seja, o prazo para a realização do pretendido reinvestimento, sem que se tenham verificado os requisitos legalmente previstos ou o sujeito passivo tenha informado que havia efectivamente procedido ao anunciado reinvestimento.
Na verdade, nos nºs. 5 e sgts. do art. 10º do CIRS, estabelece-se uma exclusão da tributação (Para o Professor Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, pag. 454 e 321), a exclusão da tributação é uma isenção e não se confunde com a não tributação. E estas mais valias provenientes da alienação de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente, têm um regime de favor fiscal, estando isentas de tributação se o respectivo valor for reinvestido nos termos da lei (Ibidem. pag. 321). Salgado Matos (CIRS – Anotado, Lisboa, 1999, pag. 168, Anotação 9 ao art. 10º) refere-se, igualmente, a uma isenção sobre rendimentos de mais valias. O Dr. Nuno Sá Gomes (Manual de Direito Fiscal – 1º Vol., pag. 334, Nota 449, Lisboa, Setembro de 1995) fala em desagravamento estrutural (exclusão tributária objectiva). ) respeitante aos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que haja reinvestimento (mesmo que parcial) do produto da alienação em imóvel com o mesmo destino.
Trata-se, portanto, de uma exclusão tributária condicionada, que depende da verificação de uma acção futura e objectivamente incerta – a ocorrência do reinvestimento (nas condições definidas na lei). Por um lado, opera em face da mera intenção – objectivada na declaração de IRS relativa ao ano da realização do ganho (cfr. al. a) do nº 3 do art. 57º do CIRS) de realizar o investimento e, por outro lado, opera mediante o diferimento (suspensão) da tributação para o termo do período em que o reinvestimento é admissível nos termos dos nºs. 5 e 6 do dito art. 10º do CIRS.
E, não tendo ocorrido o reinvestimento (ou sendo este questionado pela AT) a liquidação adicional respectiva reportar-se-á ao ano em que ocorreu a transmissão onerosa, ou seja, ao ano em que o ganho e a intenção de reinvestimento foram mencionados na declaração e deverá efectivar-se dentro do prazo geral de caducidade previsto no nº 1 do art. 45º da LGT (4 anos).
Que foi o que sucedeu no caso dos autos.
4.4. Mas, ainda que se concluísse, como faz a sentença, pela existência de erro naquela declaração de 2002, o mesmo não poderia ter-se como mero erro nela evidenciado já que a sua correcção não passaria pela mera análise dessa declaração, face aos elementos dela constantes, mas antes pelo confronto com os elementos de outras declarações, neste caso as de 2003 e 2004. Também nesse caso não estaríamos, pois, perante mero erro evidenciado na declaração, ao contrário do que concluiu a sentença recorrida.
E, salvo o devido respeito, não colhe, por inapropriada, nesta parte, a argumentação da sentença, retirada do acórdão do STA, ali referido: na verdade, a circunstância de ali se afirmar que a liquidação é efectuada “com base nas declarações do contribuinte” (já que nestas ele não demonstrou ter efectuado o reinvestimento, pois que não apresentou o competente anexo G, motivando a liquidação adicional), razão pela qual, nos termos do art. 60º, nº 2, da LGT, não era necessária, por dispensada, a sua audição) não implica que, sem mais, se possa concluir que, nesse caso, estamos perante erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, para efeitos e consequente aplicabilidade, também do disposto no nº 2 do art. 45° da LGT.
É que, ao contrário do que se conclui na sentença, não estamos aqui (relativamente às questões da preterição de audiência prévia e da caducidade) perante «duas faces da mesma moeda» ou em que «se verifica uma ou se verifica outra». Trata-se, antes, de planos distintos.
Nem o citado acórdão do STA, em que se estriba a sentença, afirma aquela identidade de situações.
Com efeito, afirmando, embora, no que respeita à questão da dispensa da audição do contribuinte, que a fórmula “com base na declaração do contribuinte” (constante do nº 2 do art. 60º da LGT) «deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico» e que «Consequentemente, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação», o acórdão não faz qualquer assimilação entre esta situação e a questão do erro evidenciado na declaração.
Aliás, quanto a esta última, o acórdão parece indicar claramente que só em 2001 e em face das declarações posteriores àquela em que se fez constar a intenção de reinvestimento é que ficou demonstrada a não efectivação do mesmo. Na verdade, no acórdão refere-se, em seguida: «Assim, para beneficiar da exclusão da tributação, o recorrente deveria demonstrar, “no prazo de 24 meses”, que havia reinvestido o valor realizado na venda. Não bastava, pois, a mera intenção de reinvestir, constante na declaração de rendimentos relativa ao ano de 1998. Contudo, nas declarações de 2000 e de 2001, o recorrente não demonstrou ter efectuado tal reinvestimento, pois que não apresentou o competente anexo G, motivando a liquidação adicional. Que, assim, se efectuou “com base nas declarações do contribuinte” de 1999, 2000 e 2001, pelo que, nos termos do artigo 60º, nº 2, da LGT, não era necessária, por dispensada, a sua audição.»
Daí que igualmente não colha a argumentação da sentença (no sentido de que a não aplicabilidade do nº 2 do art. 45º acarretaria necessariamente a não aplicabilidade da al. a) do nº 2 do art. 62º, ambos da LGT), mesmo quando esgrime com a expressão «liquidação» constante de ambos os normativos, em vez de «liquidações».
4.5. Acresce que, a considerar-se aquela exclusão como isenção ou benefício fiscal, poderia cair na alçada do disposto na al. c) do nº 2 do art. 46º da LGT, com a consequente suspensão do prazo de caducidade ali prevista.
E acresce, ainda, aliás, que a ser aplicável, actualmente, o pretendido prazo de caducidade de 3 anos a estas situações, não se vê como poderia haver liquidação, face ao alargamento, de 24 para 36 meses, do prazo durante o qual o reinvestimento pode ser efectuado (cfr. a actual redacção do nº 5 do art. 10º do CIRS, introduzida pela Lei 64-A/2008, de 31/12).
5. Em suma, não sendo aplicável, no presente caso, o prazo de caducidade de 3 anos previsto no nº 2 do art. 45º da LGT, mas, antes, o prazo de 4 anos previsto no seu nº 1, a liquidação impugnada não sofre de ilegalidade e, nesta medida, a sentença recorrida carece de ser revogada, assim procedendo as Conclusões do recurso.
E uma vez que na petição inicial da impugnação a impugnante também suscitou (nos arts. 13º e sgts,) como fundamento da impugnação, a questão da aplicação, no caso, do disposto no nº 5 do art. 10º do CIRS, na redacção à data da aquisição do imóvel cuja alienação gerou o rendimento tributado (alega a impugnante que a lei apenas exigia, então, para que ocorresse a exclusão da tributação de tal ganho, que o mesmo proviesse da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo – e não já a habitação própria e permanente) e tal questão não foi apreciada (por implicitamente prejudicada face à procedência da questão atinente à caducidade da liquidação), impõe-se a baixa dos autos à instância para que a mesma ali seja apreciada, face, até, à insuficiência factual do Probatório a este respeito.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para apreciação dos restantes fundamentos da impugnação.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Abril de 2010. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Pimenta do Vale.