Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:058/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:Se o acórdão conceder provimento à revista, e julgar totalmente improcedente a acção, fazendo-o, além do mais, com base num pressuposto teórico que vem julgado procedente desde a 1ª instância, a sua decisão nem entra em oposição com os fundamentos nem se excede na pronúncia, na medida em que aquele pressuposto teórico não tem qualquer repercussão prática na decisão da acção.
Nº Convencional:JSTA000P23473
Nº do Documento:SA120180628058
Data de Entrada:04/06/2018
Recorrente:B... SA
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ... E A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A…………., S.A., notificada do acórdão de folhas 639 a 680 dos autos, que «concedeu provimento» ao recurso de revista e «julgou totalmente improcedente a acção» por ela intentada, vem apontar-lhe «nulidades» ao abrigo dos artigos 615º, nº1, alíneas c) e d), do CPC - aqui aplicável ex vi artigos 666º, 685º do mesmo diploma e 1º do CPTA.

Segundo alega, o acórdão é nulo «por oposição entre fundamentos e decisão» - artigo 615º, nº1 alínea c) do CPC - e por «excesso de pronúncia» - alínea d) do mesmo artigo.

2. A B…………, S.A., autora do recurso de revista, veio defender o julgamento de improcedência das nulidades.

3. Cumpre, pois, apreciar e decidir as «nulidades» apontadas ao acórdão.

II. Apreciação

1. Nos termos do nº1 do artigo 615º do CPC [aplicável ex vi artigo 1º do CPTA], a sentença - ou, neste caso, o acórdão [ver o artigo 685º do CPC] - é nula, além do mais, quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» [alínea c)], e quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [alínea d)].

As nulidades da sentença ou do acórdão são típicas e únicas, e o seu respectivo conhecimento exige arguição do interessado. Não se verificando o tipo arguido, pode ocorrer erro de julgamento, mas nunca vício da sentença que seja indutor da sua nulidade.

2. Relativamente ao vício da citada alínea c), a recorrida A………. entende, em síntese, que a decisão de julgar totalmente improcedente a acção, na sequência do provimento da revista, está em oposição com o facto de o próprio tribunal de recurso ter reconhecido - páginas 36 e 37 do acórdão - que há um julgamento feito pela 1ª instância que «nunca foi posto em causa», razão pela qual não se podia ter julgado totalmente improcedente a acção.

E, quanto ao da citada alínea d), a A……….. entende, e de novo em síntese, que ao julgar totalmente improcedente a acção o acórdão se excedeu, uma vez que, como dissemos, o pedido da acção sempre devia vingar com base no vício não questionado, tendo a revista, portanto, «um objecto meramente académico».

É sabido que a contradição entre os fundamentos e a decisão, sancionada com a nulidade do acórdão, verifica-se quando há um vício real na lógica-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso. Por seu turno, o excesso de conhecimento para ser gerador de nulidade tem de se ter estendido a questão nova, porque não foi suscitada pelas partes nem é de conhecimento oficioso do tribunal.

3. A arguente das nulidades carece de razão.

Os dois motivos de nulidade assentam na mesma base factual: o conhecimento, indevido, de questão que já estava decidida, com trânsito em julgado, desde a decisão da 1ª instância. Assim, ao conhecê-la, o tribunal de revista excedeu-se e entrou em contradição. E não é assim.

Decorre do acórdão, que o tribunal de 1ª instância anulou o acto de adjudicação por entender que a entidade adjudicante só poderia ter valorado as justificações do «preço anormalmente baixo» que foram apresentadas com a proposta, e que, avaliadas estas, através da ponderação do conteúdo da nota justificativa do preço anormalmente baixo, a justificação feita não era relevante.

Foi nestes pressupostos factuais e jurídicos que a 1ª instância julgou violados o artigo 70º, nº2, alínea e), do CCP, e os princípios assinalados.

Na apelação, não foi questionado aquele primeiro segmento de julgamento que se traduz, esse sim, em tese académica, segundo a qual só poderão ser valoradas as «justificações» do preço anormalmente baixo apresentadas com a proposta. Insistiu-se, aí, em que foi apresentada, com a proposta, «justificação relevante» se forem devidamente conjugadas, como devem, a nota justificativa do preço anormalmente baixo e a nota justificativa dos preços.

A 2ª instância acolheu este último entendimento, todavia, dessa «conjugação» resultou um julgamento negativo sobre a dita justificação relevante, e manteve a sentença recorrida.

É este julgamento que veio questionado «em sede de revista», cujo «objecto» o acórdão recorrido resume assim:

[…]

«5. Decorre do que deixamos dito nos dois últimos números, que sendo o objecto deste recurso de revista constituído pelo acórdão do TCAS, ele não é integrado pela questão de saber se a entidade adjudicante poderia, ou não, na avaliação da proposta da B………., atender ao novo motivo para a justificação do preço anormalmente baixo que apresentou em sede de audiência prévia - custos referentes à componente de recursos humanos. Esse julgamento, negativo, foi feito pela 1ª instância, e com ele se conformou a B………..

O que realmente subsiste, e portanto ainda é litigado, é o outro julgamento, ou seja, o julgamento reassumido pela 2ª instância e referente à suficiência, ou não, dos motivos invocados pela B………. na Nota Justificativa dos Preços - que integra a sua proposta para o «Lote 1» - para justificar a anormalidade do preço proposto para o Lote 1. Foi este o julgamento realizado pelo tribunal de apelação, e o julgamento que vem posto em causa nesta revista.

E, porque tal julgamento foi negativo para as pretensões da apelante B………., ela vem dele discordar. E defende, essencialmente, duas teses: - que a sua justificação do preço anormalmente baixo - relativo ao «Lote 1» - não consta, apenas, da Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo que apresentou, mas também da Nota Justificativa dos Preços, documentos que integram a sua proposta para o Lote 1; - e que, considerados estes dois documentos, a anormalidade do preço se mostra justificada.»

[…]

É patente, por conseguinte, que o tribunal de revista, conhecendo deste objecto, concedendo provimento ao recurso, e julgando totalmente improcedente a acção nem se excedeu, conhecendo questão nova, nem entrou em contradição, porque a única questão cuja resolução vem desde a 1ª instância intocada consubstancia pressuposto teórico da decisão da revista, e não acarreta consequências práticas em termos de decisão da acção.

4. Devem, pois, ser julgadas improcedentes as nulidades imputadas ao acórdão.

III. Decisão

Em face do exposto, decidimos julgar improcedentes as nulidades apontadas ao acórdão de folhas 639 a 680 dos autos.

Custas pela ora requerente, e recorrida no âmbito do recurso de revista.

Lisboa, 28 de Junho de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.