Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01404/13
Data do Acordão:03/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
ILEGALIDADE ABSTRACTA
ILEGALIDADE CONCRETA
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Apenas a “absoluta” falta de fundamentação, e não também a fundamentação medíocre, insuficiente, incongruente ou contraditória é geradora de nulidade da decisão, sendo que estes outros vícios poderão afectar o seu valor doutrinal, sujeitando-a ao risco de ser revogada no recurso, mas não determinam a respectiva nulidade.
II - A inexistência de facto tributário determina a ilegalidade em concreto da liquidação, não constituindo fundamento de oposição subsumível na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P17229
Nº do Documento:SA22014031201404
Data de Entrada:09/12/2013
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……., LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 21 de Janeiro de 2013, que, por manifesta improcedência, rejeitou liminarmente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 4219201201053051, instaurada no Serviço de Finanças da Trofa para cobrança coerciva de dívidas de IMI do ano de 2011, no valor global de €6.745,48, apresentando para tal as seguintes conclusões:

1.ª A sentença proferida pelo meritíssimo juiz a quo dispõe que “na parte em que invoca a ilegalidade abstracta da dívida exequenda e a falta de autorização para a sua cobrança à data da liquidação (artº 204º nº 1 alínea a) do CPPT), o oponente não tem razão, de todo, razão porquanto o imposto em causa, o IMI, existia no ano de 2011 e a sua cobrança não estava dependente de autorização”.
2.ª Ora, como pode o meritíssimo juiz “a quo” concluir, sem mais, que o IMI de 2011 existia? A sentença não pode limitar-se a uma resposta ao pedido do autor, julgando a acção procedente ou improcedente, antes devendo resolver todas as questões levantadas e deve ser fundamentada de forma a que a mesma seja inteligível, perfeitamente entendível por quem a lê.
3.ª Deveria, portanto, a sentença ter fundamentado a decisão no que à ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação da dívida exequenda e da falta de autorização para a sua cobrança diz respeito.
4.ª Não o tendo feito, a sentença é nula por falta de fundamentação, devendo ser substituída por outra que declare a oposição procedente em virtude de o imposto ser inexistente à data dos factos nem estar autorizada a sua cobrança à data em que ocorreu a respectiva liquidação.
5.ª Em face dos fatos dado como provados, constantes da petição inicial de oposição apresentada pela ora recorrente e comprovativos de que a sociedade A……. S.A. cumpriu todos os requisitos necessários, dúvidas não restam que o serviço de finanças da Trofa não aplicou a lei em vigor – o art. 9.º e 10.º do CIMI – ao não conceder a isenção de IMI pelo período de 3 anos conforme legalmente previsto.
6.ª A ilegalidade é abstracta porque afectando a própria lei não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto.
7.ª A ilegalidade em abstracto ocorre quando o imposto, taxa ou contribuição pretendida cobrar através do processo de execução fiscal não se encontra prevista nas leis em vigor à data em que o facto tributário ocorreu ou a sua cobrança não estiver autorizada no mesmo período.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença recorrida substituída por outra que declare a procedência da oposição e em, consequência, a extinção da execução fiscal, pois só assim e fará a mais elementar justiça!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 175/176 dos autos, concluindo pela total improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

5 – Questões a decidir
É a de saber é a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação (conclusões 1 a 4 das alegações de recurso) e se enferma de erro de julgamento (conclusões 5 a 7) ao ter decidido que a situação dos autos não era subsumível no fundamento de oposição previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

6 – Na decisão objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:

A) A oponente apresentou a petição inicial de oposição que consta de fls. 5 a 13, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) No PEF a que se reporta a oposição executaram-se dívidas de IMI do ano de 2011 (fls. 49 a 58 e confissão da oponente na petição inicial).
C) A oponente apresentou um pedido de não sujeição a IMI dos prédios a que respeitam as dívidas exequendas (fls. 49 a 52).
D) Esse pedido foi parcialmente indeferido pelo Chefe do Serviço de Finanças da Trofa, concedendo a suspensão da tributação do IMI apenas durante o ano de 2013 (fls. 49 a 52).
E) A oponente não concordando com a decisão apresentou um requerimento a solicitar o reconhecimento da isenção por um período de 3 anos, que foi convolado em recurso hierárquico e que aguardava decisão à data da dedução da oposição (fls. 49 a 52).

7 – Apreciando
7.1 Da alegada nulidade da decisão por falta de fundamentação
Alega a recorrente (cfr. conclusões 1 a 4 das suas alegações de recurso) que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, porquanto apenas dispõe que “na parte em que invoca a ilegalidade abstracta da dívida exequenda e a falta de autorização para a sua cobrança à data da liquidação (artº 204º nº 1 alínea a) do CPPT), o oponente não tem razão, de todo, razão porquanto o imposto em causa, o IMI, existia no ano de 2011 e a sua cobrança não estava dependente de autorização”, não fundamentando de forma inteligível e perfeitamente entendível por quem a lê a decisão no que à ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação da dívida exequenda e da falta de autorização para a sua cobrança diz respeito.
Por despacho de 25 de Junho de 2013 (a fls. 170 dos autos), o Meritíssimo juiz “a quo” sustentou a inexistência da alegada nulidade nos seguintes termos:
«A recorrente vem invocar, entre o mais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do art. 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC, porquanto a sentença não fundamenta a ilegalidade abstracta da liquidação da dívida exequenda.
Porém não tem razão.
Conforme resulta da decisão recorrida, a oposição sustenta-se na ilegalidade abstracta e na ilegalidade concreta da dívida exequenda. No caso da ilegalidade concreta, a oposição não é a forma de processo adequada para a impugnar, porquanto existe processo judicial próprio – o processo de impugnação judicial. No caso da ilegalidade abstracta a oponente não tem razão, porquanto o IMI existia à data da liquidação e não estava dependente de autorização. Ou seja, no caso da ilegalidade abstracta o fundamento da oposição previsto no art. 204.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, é a inexistência do imposto a que respeita a dívida exequenda ou a sua cobrança estar dependente de autorização.
No caso em apreço, a oposição respeita a uma dívida de IMI do ano de 2011, ano em que o respectivo imposto já existia e a sua cobrança não estava dependente de autorização. Logo, a decisão recorrida está fundamentada, só que não se verifica nenhum dos pressupostos previstos no art. 204.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
Assim, não existe qualquer falta de fundamentação da decisão recorrida.

Decisão.

Pelo exposto, indefere-se a invocada nulidade da decisão recorrida (arts. 668.º, n.º 1, alínea b), e 670.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Notifique.» (fim de citação).

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos pronuncia-se pela inverificação da alegada nulidade, porquanto não obstante o laconismo da motivação produzida, a mesma é perfeitamente perceptível e esclarece, salvo melhor entendimento, o sentido da decisão de improcedência relativamente a esse fundamento de oposição. É que a dívida exequenda é relativa ao IMI do ano de 2011 e nesse ano já vigorava o CIMI, aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12 de Nov., pelo que, sem invocação de razões de constitucionalidade ou de violação de normas de direito internacional, não se vê como invocar, no caso, “a inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação”. Neste contexto, a mera indicação de que “o IMI, existia no ano de 2011” é motivação bastante para o facto de não ser atendido esse segmento da norma. E o mesmo se dirá quanto à segunda parte do preceito – “não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação” ao referir-se que a cobrança (da dívida) não estava dependente de autorização. (cfr. parecer, a fls. 176 dos autos).
Vejamos.
Constitui jurisprudência reiterada e constante deste Supremo Tribunal (cfr., entre muitos outros os Acórdãos de 12 de Julho de 2000, rec. n.º 25.056; de 21 de Janeiro de 2003, rec. n.º 633/02; de 14 de Julho de 2008, rec. n.º 510/08 e de 2 de Dezembro de 2008, rec. n.º 540/08), que apenas a “absoluta” falta de fundamentação, e não também a fundamentação medíocre, insuficiente, incongruente ou contraditória é geradora de nulidade da decisão, sendo que aqueles outros vícios poderão afectar o seu valor doutrinal, sujeitando-a ao risco de ser revogada no recurso, mas não determinando a respectiva nulidade.
Ora, embora de forma muito lacónica, a decisão recorrida não é omissa quanto à explicitação das razões pelas quais entendeu que, no caso dos autos, era manifestamente improcedente a oposição deduzida quanto ao fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, invocada pela oponente na sua petição de oposição, consignando a tal respeito que na parte em que invoca a ilegalidade abstracta da dívida exequenda e a falta de autorização para a sua cobrança à data da liquidação (art. 204.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), o oponente não tem razão, de todo, razão, porquanto o imposto em causa, o IMI, existia no ano de 2011 e a sua cobrança não estava dependente de autorização (cfr. sentença recorrida, a fls. 126 dos autos), daí resultando o entendimento de que apenas se em causa estivesse a inexistência legal do IMI no ano de 2011 – o que manifestamente não se verificou, pois que este imposto tem existência legal desde 1 de dezembro de 2003 (cfr. o artigo 32.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro) ou se a sua cobrança estivesse dependente de autorização poderia proceder o invocado fundamento.

Improcede, pois, a alegada nulidade da decisão recorrida.

7.2 Do alegado erro de julgamento da decisão recorrida
Insiste a recorrente no presente recurso na verificação do fundamento de oposição previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, contrariamente ao decidido e sem que pareça ter entendido que nada do que invoca na sua petição de oposição é subsumível naquele preceito legal.
De facto, o que invoca na sua petição de oposição, a par da ilegalidade do despacho que não lhe reconheceu a isenção de tributação por três anos, com efeitos desde 2012, das fracções do prédio que construiu (por violação dos artigos 9.º e 10.º do Código do IMI), é a inexistência de facto tributário em relação ao IMI de 2011, em virtude do prédio da freguesia de ……….., artigo 1730, ter sido inscrito na matriz apenas em Janeiro de 2012, com base na escritura de constituição da propriedade horizontal.
Ora, a inexistência de facto tributário em 2011, a verificar-se, ferirá de ilegalidade o acto de liquidação de IMI concretamente praticado, mas não configura uma ilegalidade em abstracto ou absoluta como as referidas na alínea a) do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, ilegalidade esta da própria lei (por violação de norma de hierarquia superior) e não no acto que a aplica, sendo esta ilegalidade em concreto, e não aquela ilegalidade abstracta, a que se verifica quando é liquidado imposto a quem dele está alegadamente isento (cfr. os Acórdãos deste Tribunal de 7 de Fevereiro de 1996, rec. n.º 019077, onde se sumaria: A existência de uma isenção constitui fundamento de ilegalidade do acto tributário e, por isso, só pode ser invocada como causa de pedir da respectiva anulação no processo de impugnação judicial, e de 24 de Novembro de 2010, rec. n.º 0597/10).
A questão de saber se o imposto “existe ou não”, em concreto, para a ora recorrente – ou seja, se lhe foi ou não legalmente liquidado – constitui, isso sim, fundamento de impugnação judicial, não podendo proceder a oposição deduzida com esse fundamento salvo nos casos, que não é o dos autos, em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cfr. a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT).

Improcedem, deste modo, as alegações da recorrente, estando o recurso votado ao insucesso.

- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Março de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Ascensão Lopes.